Pelo amor ou pela dor.
Por Mário Paternostro | 22/05/2010 | ContosPelo amor ou pela dor.
- Eu não acredito em nada! Apenas em mim mesmo!
Roberto gosta de afirmar que é incrédulo e que tudo não passa de fanatismo. Acredita só no que os olhos veem e as mãos pegam.
- Essa história de que tem algo além da vida, isso é balela!
Pra quem não tem problemas e apenas conhece o lado bom da vida, crer é mais difícil. Existe um adágio: se não vem por amor, vem pela dor! A vida de Roberto era, até o momento, perfeita. Tem tudo que o capitalismo pode oferecer, um emprego excelente e uma família sem complicações. A vida só não era um conto de fadas, porque ele também não acredita em contos de fadas.
Certo dia passando por uma igreja começou a rir daquelas pessoas, fazia graça, trejeitos, como quem quer debochar. Achava aquela multidão fanática, acreditando numa coisa que ninguém conseguiu provar a existência. Nem o mais sábio dos homens teve capacidade para provar. A vida de Roberto era contestar e afrontar tudo que ia de encontro as suas convicções.
Certa noite, ao voltar do trabalho, encontrou sua esposa se contorcendo de dor. Roberto pode ser até incrédulo, mas seu sentimento por Ana é verdadeiro e muito intenso. Preocupado com o seu estado, ele pergunta:
- Que foi meu amor?
Ana mal pôde responder e com dificuldade só balançou a cabeça. Roberto preocupado a pega no colo e a leva até a cama.
- Meu bem, conta pra mim, o que está sentindo?
- Uma dor enorme no estômago!
- Você comeu algo que não está acostumada?
- Não, nada!
- É melhor eu te levar para o hospital.
- Deixa eu quietinha que vai melhorar.
- Mas se não melhorar, nós vamos ao hospital.
- Certo!
Realmente a dor com o tempo passou e Ana já melhor foi até a sala para conversar com o marido.
- Não disse meu bem, passou!
- Você deve ter comido alguma coisa, ou está de regime pra seguir a dieta da mídia.
- Nenhum dos dois, eu passei mal e não sei o por que.
- Eu já lhe disse que academia só não é saúde. Você tem que fazer exames.
- Eu tenho fé em Deus e isso basta!
- Vá confiando nele. Se ele fosse tão bonzinho não morria ninguém de doenças.
- Pare de falar besteiras!
- Eu só estou te avisando.
Depois dessa conversa os dois foram dormir. Roberto tem que acordar cedo para trabalhar e Ana para ir à academia. Roberto, como de costume, dá sempre carona a um amigo, que por sinal é muito religioso. No caminho os dois sempre discutem temas que dizem respeito à religião. Quem puxa sempre assunto é Roberto.
- E aí José, já deu seu dinheiro pro padre?
- Eu não dou dinheiro ao padre, eu contribuo para a manutenção da igreja.
- Enquanto você trabalha, esses padres ficam por aí gastando o dízimo.
- Eles também trabalham! Espalham a palavra de Deus.
- Que Deus! Deus que nunca visita o seu povo.
- Deus, sim! E Ele não visita realmente o seu povo, Ele mora aqui.
- Faz-me rir.
- É melhor a gente mudar de assunto, pois ninguém vai chegar a lugar nenhum.
- Tudo bem!
Discutir fé é luta vã, quem tem não precisa mostrar e, aliás, não há como mostrar. A fé é algo maior e direciona povos, em nome dela se mata e se vive. Pessoas crêem de diversas maneiras, buscam em religiões algo que lhe falta, um deus para que complete a sua existência ou talvez para que esse Deus seja a continuidade de uma vida pós morte. Na dor a fé cresce, pois serve como alento e às vezes como analgésico. Na realidade, fé tem-se, ou não se tem.
A vida de Roberto segue normalmente, mas uma coisa está lhe preocupando. As dores de Ana só estão aumentando.
- Amanhã queira ou não queira você vai ao hospital comigo! Falou Roberto.
- Mas já vai passar.
- Eu não quero nem saber, você vai sim!
- Tudo bem! Mas me deixa um pouco só.
Noutro dia Roberto comenta com José o que estava acontecendo com Ana há muito tempo.
- José, Ana está com umas dores que muito me preocupam.
- Que tipo de dor?
- Não sei, mas hoje pela tarde ela vai ao hospital comigo.
- Reza um pouco, que tudo vai dar certo.
- Rezar pra que? Eu acredito só na ciência.
- Custa alguma coisa rezar?
- Custa sim, perder meu tempo.
Os dois seguem discutindo, como de praxe. Roberto sai mais cedo do trabalho, pois iria levar sua esposa ao médico. Muito contrariada ela foi. Fizeram uma consulta com um clinico geral, mas as notícias não eram muito agradáveis. O cirurgião desconfiava de câncer, mas queria ter a certeza. Pediu então para Ana procurar um oncologista, especialista nessa área. Roberto ficou arrasado e Ana assustada. Voltaram para casa sem dar uma palavra, cada qual com suas dúvidas e preocupações. Em casa Roberto puxou assunto:
- Não há de ser nada. È só uma desconfiança.
- Tomara, meu bem, tomara.
Foram dormir e Roberto rolava na cama preocupado. Sua mulher tinha grandes possibilidades de estar doente.
No caminho do trabalho, Roberto comenta com José:
- Acho que Ana pode estar doente!
- Como assim?
- Sabe aquelas dores que ela sentia? Suspeita de câncer.
- Deus há de provar o contrário.
- Se ele existisse realmente, minha mulher que acredita tanto nele não ficaria doente.
- Deus nunca é culpado por nossa desgraça.
- Não fale dele perto de mim!
Roberto estava transtornado com a possibilidade da confirmação. Depois de vários exames, resultado: câncer. A notícia derrubou Roberto, que não sabia como agir. Ana mais tranqüila e com sua fé à prova, estava determinada em enfrentar a doença.
Começa o tratamento e todos sabem que é muito doloroso e desgastante para o doente. Quimioterapia, radioterapia, o corpo fica exausto e sofre com os efeitos. Roberto sempre do lado apoiando, dando força. É quando o médico dá a notícia a Roberto:
- O câncer não está regredindo e não tem como fazer uma cirurgia.
- Mas e esses tratamentos, só serviram pra abater mais e mais a minha mulher?
- Nós tentamos tudo, mas sinto muito...
Roberto nessa hora viu que estava perdendo a sua esposa e não tinha nada o que fazer. Ana parecia conformada, aceitava as provações da vida com força e muita fé.
- Amor, vamos rezar?
- Roberto irritado responde:
- Rezar pra ele continuar te matando?
- Acredita, que com fé se consegue tudo!
Roberto está de mãos atadas e desabafa com José:
- Por que isso aconteceu com minha mulher?
- Calma Roberto, tudo vai se resolver!
Roberto deixa José no trabalho e sai para espairecer. No caminho encontra romeiros formando uma procissão de fé. Nesse momento algo lhe tocou. Percebeu que a força desse sentimento era muito grande. Lembrou-se da passagem bíblica que a mulher apenas tocou no manto de Cristo e foi curada e o soldado que não precisou da presença física de Jesus para que o soldado amigo seu fosse curado. Roberto era ateu, mas conhecia muito bem a bíblia. No desespero deixou o carro e foi seguindo a procissão, quando começou a ouvir comentários de curas milagrosas. Foi quando uma senhora se aproximou e chorou em sua frente, ele então perguntou:
- A senhora perdeu algum ente querido?
- Não meu filho, minha neta é que foi curada de um câncer. Ela já estava desenganada.
Roberto então abriu um sorriso e viu que com fé pode-se até ressuscitar. Como aconteceu com Lázaro.
- Ela ficou curada mesmo?
- Deus foi quem a curou!
Roberto então se pôs a chorar e algo parece ter mudado nele. Sua fé foi despertada, pois todos têm algo dentro de si, mas muitos adormecem para que acorde mais forte. Roberto começou a freqüentar a missa, a fazer intermináveis orações, a querer recuperar o tempo perdido quando criticava os outros por terem fé. Mas ele esquece que para Deus, não há tempo perdido e sim a hora certa para segui-lo.
Roberto e Ana lutavam e rezavam juntos, tudo isso para vencer a doença. Mas a doença foi mais forte e levou Ana. Com a fé fortalecida, também vem a conformidade e acredita-se que Deus é quem escolhe a hora de cada um encontrá-lo mais cedo ou mais tarde. Roberto dessa vez não xingou, não debochou, não fez nada, apenas agradeceu a Deus por ter levado Ana sem sofrimento. A fé lhe trouxe amadurecimento, passou a ter respeito pelos sentimentos e crença do outro e, dignamente, obteve o alento para sua dor.