Pedrão
Por Paulo Rabelo Guimaraes Machado Diniz | 08/06/2016 | História
Pedrão, um Guimarães dos vãos, chegou em algum lugar destes rincões das vazantes de rios. Não distante havia chegado ou havia de chegar um Rosa, o Gustavo. Do primeiro poderia sair uma Guimarães e do segundo um Rosa e de ambos,em matrimônio, um Guimarães Rosa.
No entanto, lá pelas beiradas finais do século dezenove, numa disputa nos céus decidia qual o território em Minas Gerais desceria um grande escritor. A região do Urucuia as peças brancas e os vãos das vazantes as peças pretas. Tabuleiro na mesa, peças postas inicia a disputa para a escolha do território. Deus avança o peão da torre. Nossa Senhora o mesmo faz com o seu peão da torre. Cavalo três bispo rei é o movimento seguinte de Deus. Segue assim: “o nada em cima do invisível sendo a mais sutil das obras” até no quadragésimo sétimo movimento quando Deus com bispo, cavalo e torre no quadragésimo oitavo movimento dá o cheque mate no rei da Nossa Senhora. Tomba o rei das peças pedras e ganha a cidade de Godisburgo, território do Urucuia, para nascer, em 27 de Junho de 1908, o futuro grande artista, aquele que se tornaria o maior escritor brasileiro, João Guimarães Rosa. Este fez-se se médico em 30, soldado da força pública estadual em 32, diplomata em 34 e, conseqüentemente, cidadão do mundo para viver em Hamburgo, Paris e Bogotá. Retorna à Urucuia para fabular a saga de anônimos mineiros embreando nos rincões de sua terra até comendo poeira com os vaqueiros e suas boiadas.
Eleito para Academia de Letras em 63. Adia a pose o máximo possível para evitar a morte como se predestinação não fosse inadiável. Morre três dias depois da posse em 19 de Novembro de 1967.
Se viesse buscar alguma boiada nos vãos talvez tivesse conhecido outros Rosa e outros Guimarães. Os vãos onde Nossa Senhora é venerada desde sua aparição em frente da Lapa do Pamplona. Apareceu ela silenciosa, pois não carecia explicação. Os Guimarães, os Rosa e todos os outros dos vãos são matutos com satisfação. A simplicidade, no entanto, não impediu de nascer nos vãos poetas como Otávia Rosa e Alírio Rosa.
Sem o cosmo ficcional e a linguagem do artista que nos vãos não veio nascer, nem tomar água salobra e nem buscar boiada. Mas nem por isso se deve carecer de registro os feitos das gentes Rosa e Guimarães que nos vãos fixaram raízes.
O patriarca dos Guimarães nos vãos é o Pedrão – Pedro Pereira Guimarães. Já em 1894 fez-se Presidente Agente Executivo Distrital no território dos vãos que abrangia também os altos dos paredões. Os limites do distrito que existe desde 1850 começavam no "rio de Santa Catarina de sua foz no Escuro Grande até a sua última cabeceira, dividindo desta, em direitura as vertentes do Rio Paranaíba e por estas vertentes sempre, até a chapada de frente a fazenda do Bom Jardim, dividindo o mesmo distrito pelas mesmas vertentes do Paranaíba que servem de divisão deste termo com Catalão, e do Bom Jardim. Contendo o mesmo direito pela serra ou chapada, a cabeceira da Vereda ou Riacho das Traíras, e por esta abaixo até a embocadura no Escuro Grande e por este abaixo até a barra de Santa Catarina". A região estrategicamente importante desde a descoberta do ouro de aluvião em Paracatu, pois foi por ela que traçou a primeira estrada que ligava tais minas às capitais da província e do império. Estrada da Serra dos Pilões que teve nada menos que o patrono cívico da nação, o Tiradentes, como encarregado responsável da obra.
Pedro Pereira Guimarães era Pedrão por possuir corpo físico robusto, mas não menos atlético. Era de tamanho quase descomunal e dotado de força quase extraordinária já que se destacava dos demais moradores nestes quesitos. Serviria talvez até ao doze trabalhos de Hércules, mas teve outros trabalhos nos vãos,menos mitológicos, porém práticos e por isso esquecidos. Não se sabe de seu penteado, se usava barba ou bigode. O que não tem dúvida era de seu passo firme, gesto grave com toque de galanteria que não se perdeu com a idade.
Casou-se com dona Cândida e teve .......... filhos. Deixou a eles e à viúva pedaços de terra em fazendas diversas constantes na relação do patrimônio para partilha no inventario de 1923.
Além desses filhos criou o José que era Cláudio por ser filho de Claude Miro. Assim distinguia ele dos demais filhos seu. Por que senhor Claude Miro doou seu único filho homem aos seis anos de idade? A resposta pode representar bem quem foi Pedrão. Provavelmente, bem oposto, se não o extremo oposto, do manso Claude Miro. Pedrão tem fama de brabo e destemido. O fato é que o senhor Claude Miro estava desgostoso por que uma de suas filhas - ainda menina recém saída da puberdade - teria sido roubada por um bandido. O filho sendo criado por Pedrão destemido poderia também se tornar. O roubo, no entanto, urgia expediente e solução rápida. Não dava para esperar o seu menino crescer. Virgulino, então a pedido do pai da menina, coloca nas costas cartucheira e vai à caça do bandido. A filha roubada foi resgatada e o pai da menina cumpriu a promessa de dar a filha em matrimônio ao herói. Assim, a esposa deu a Virgulino filhos de pele mais clara que a sua.
Pedrão arranjou-se de casar Zé Cláudio com a irmã natural do Genésio, outro não menos manso que já era casado com uma de suas filhas.
Mas não só de valentia vivia Pedrão. Tinha conhecimentos fitoterápicos, por isso teve a certeza de poder recuperar o minguado e descolorido Tião Rosa. Mandou levar o menino anêmico para a sua fazenda e com garrafadas, boa alimentação e trabalho pesado (era a fisioterapia da época) fez voltar a cor e o vigor do rapazinho.
Muitos pensavam que Pedrão havia virado um ermitão quando decidiu fazer morada na Lapa Nova. Salvo engano, ele vivia lá para proteger sua fábrica de pólvora. Talvez por não mais poder contar com a tão famosa força, na idade mais avançada, seria imperioso contar com a força expansiva da pólvora para proteger a prole e o seu território.
Segundo a primogênita da descendência dele, se isso vale alguma coisa, têm-se o filho Francisco Pereira Guimarães que se casa com Maria Lívia da Santíssima Trindade, irmã de Maria Conceição Correia e Leolina Eufrásia de Jesus, ambas sucessivamente esposas de Gustavo Rosa.
Ficou assim a gente Guimarães e a gente Rosa vivendo em paralelo muito próximo um dos outros por duas gerações até que Valdivino casa-se com Chiquita. Daria com essa união uns Guimarães Rosa invertidos por ser ela Rosa e ele Guimarães. Mas o destino trouxe um chileno aos vãos para ser o pai da donzela. Assim, a saga dos vãos virou saga latina americana, assunto de Neruda, García Márquez, Vargas Llosa, Borges ou de um Solis letrado qualquer desses vãos.
Querido (a) leitor (a) apesar de sua indignação não está aqui o autor praticando heresia. Se a vida na terra é um jogo constante porque não o será também nos céus. Se há a necessidade dos humanos de se espairecer para melhor escolha futura porque não terá Deus o mesmo artifício. Se o leitor (a) ainda continua indignado dá ao autor o mesmo direito. E ele o faz não a você leitor (a), mas contra a Nossa Senhora da Lapa por Ela não ter treinado mais antes de aceitar esse desafio com Deus. Ao não descer o artista maior nesses vãos fez crescer as badernas das gentes Pereira Guimarães. Será que ao perder no jogo fez ganhar o diabo? Os apelidos deles atestam. Mas não é justo, pois todos eles são seus devotos, Nossa Senhora! Dão bezerro todo o ano. Se essas gentes “carrega esse velho instinto de resistência à autoridade é uma liberdade primitiva – é a liberdade do velho Adão” na desobediencia às regras celeste. Está certo que essas gentes não perderam de fato o paraíso como perdeu Adão. O vão vazante é de clima aprazível, cercados de lindos paredões com grutas, cachoeiras; “mas não há paraíso que valha o gosto da oposição”. Diante destes argumentos, clama: oh Nossa Senhora, por favor; tire esse apelido tão depreciativo de sua gente.
Voltando ao patriarca, que provavelmente não deva ser o responsável pelo depreciativo apelido. Sabe-se que Pedrão presenciou o filho Chico na construção da casa de sua fazenda, na beira o rio pirapitinga, empreitada feita nos anos iniciais de 1900.
O carpinteiro empreiteiro, Zé Calango, respondia aos incrédulos de como ele sozinho colocava as vigas de perfis quadrados de mais de palmo de espessura no alto da construção: um machado, uma panca, coragem e jeito vos mercê faz o que quiser com qualquer madeira e com qualquer coisa - respondia ele com panca de conhecedor do ofício como ninguém naqueles vãos.
Com a panca, coragem, mas meio sem jeito o autor, machado que já é, rabiscou essa bibliografia de personagem que parece forte também pela teoria do atavismo, já que se verifica a reaparição de seus caracteres cinco gerações após sua passagem nesse mundo de meu Deus.