Patrimonialismo
Por Rogério Reis | 24/02/2008 | Política1. Introdução
A formação, ou surgimento, deste modelo patrimonialista que tem se desenvolvido
juntamente com o Estado brasileiro, vem moldando este e sua classe dirigente
desde o início de sua formação.
Este processo teve início a partir do período colonial, onde o Brasil se
encontrava apenas em condição de patrimônio da coroa portuguesa. Como tal, este
enviava seus funcionários que vinham para estas terras com objetivo de ocupar
cargos administrativos. Através da posição que estes cargos lhes conferia,
estes funcionários se mostravam corruptos e infiéis às ordens do rei. Devido a
posição e status de nobreza que tais cargos conferiam, estes passaram a
(inclusive) ser vendidos; demonstrando que não havia limites entre o público e
o privado, pois quem possuía algum destes poderes, adentrava o outro. Os
recursos advindos do patrimônio pessoal ou públicos (tributação) eram gastos de
maneira indistinta.
Estas práticas patrimonialistas criaram raízes em nosso território,
determinando a formação, desenvolvimento e o modo de funcionamento de nosso
Estado e burocracia.
As características que moldaram estes aspectos, no caso brasileiro,
prosseguiram seu desenvolvimento e foram objeto de estudos sobre seu processo
ao longo dos séculos. Estas características, que deram início à formação do
patrimonialismo brasileiro, podem ser observadas através de diversas obras que
serão analisadas, tais como de Raymundo Faoro, Maria Sylvia, Sérgio Buarque e
outros materiais que se mostrarem úteis e/ou necessários.
2. A institucionalização do patrimonialismo Brasileiro
Podemos observar, através da descrição realizada por Faoro, que os funcionários
do rei eram o "outro eu do rei" . Seguindo conforme este aspecto
observado pelo autor, os funcionários reais que ocupavam os cargos públicos se
utilizavam de suas posições, como representantes do rei, para proveitos
pessoais, ou seja: se utilizavam dos cargos públicos, que lhes eram conferidos
conforme suas ligações pessoais, para proveito próprio. "O funcionário é o
outro eu do rei, um outro eu muitas vezes extraviado da fonte de seu
poder." (FAORO, 2001, p. 199). As funções públicas eram instituídas apenas
em cumprimento às ordens reais. Contudo, resultou na formação de uma classe
dominante contemplada com diversas regalias.
Os cargos públicos, neste período, eram atribuídos aos letrados e aos homens
armados. O controle do Estado era exercido por uma estamento burocrático
criado, a partir de nobiliações, para esta finalidade. Desta maneira, devendo
os súditos obediência às ordens reais, deviam também obedecer os funcionários
do rei.
"A luz do absolutismo infundia ao mando caráter despótico, seja na área
dos funcionários de carreira, oriundos da corte, não raro filhos de suas
intrigas, ou nos delegados locais, investidos de funções públicas, num momento
em que o súdito deveria, como obrigação primeira, obedecer às ordens e
incumbências do rei." (FAORO, 2001, p. 199)
Os funcionários do rei, por sua vez, não possuíam funções delimitadas ou
hierarquias definidas; excedendo às ordens reais e assumindo, desta maneira, um
caráter de puro mando e desmando a partir da posição que estes assumiam no
controle do Estado. Os funcionários eram corruptos e infiéis às ordens do rei.
Contudo, também eram patrimonialistas como o rei. "Agora, o sistema é o de
manda quem pode e obedece quem tem juízo, aberto o acesso ao apelo retificador
do rei somente aos poderosos." (FAORO, 2001, p. 200)
Neste período, outra característica a ser observada é mistura entre o poderes,
ou seja: as áreas de administração, legislativo e o judiciário eram confundidos
e exercidos pelas mesmas pessoas. Quem ocupava um cargo público se revestia de
poderes e regalias que só esta condição lhes permitia. "...a inquieta,
ardente, apaixonada caça ao emprego público. Só ele oferece o poder e a glória,
só ele eleva, branqueia e decora o nome" (FAORO, 2001, p. 440)
Portanto, podemos observar que no sistema patrimonialista em que a colônia
estava submetida, esta era moldada através de uma burocracia que assegurava o
controle das formas de obtenção de recursos, intervindo diretamente no comércio
e nas exportações, que eram as principais fontes geradoras de renda. Através
desta intervenção do Estado português na colônia, aquela garante a sustentação
das camadas superiores vinculadas à nobreza, permitindo à elas participação dos
setores de exportação e comércio.
No entanto, devemos realizar outra observação: estes cargos eram instituídos
com objetivo de organizar a sociedade e o sistema de produção, que era baseado
em grandes latifúndios. Esta organização, baseada neste tipo de sistema
produtivo, manteve estas características por longo período e, mesmo deixando de
ser colônia, já era tarde. Os costumes e práticas importados de Portugal já
estavam enraizados no Brasil, tendo adquirido outros valores e conotações.
No período colonial, como descrito por Faoro, as terras do território
brasileiro eram pertencentes ao rei. Após esse período, as terras já estavam em
posse de brasileiros, descendentes de portugueses ou não (os Senhores, em
algumas gerações futuras). No entanto, estes mantiveram as mesmas práticas que
eram utilizadas no período anterior. Em seu território, os senhores criavam e
executavam as leis. Em seu território, os senhores possuíam todos sob seu
comando e favoreciam à seus próximos. Em seu território, os poderes dos
senhores eram ilimitados.
Sérgio Buarque (1986, p. 73-75) afirma que nossas bases coloniais foram
formadas fora do meio urbano e que as cidades eram apenas dependências
daquelas. As profissões liberais e a política eram exercidas por filhos de
fazendeiros, que acabaram por ser responsáveis pelo desenvolvimento urbano e
que, futuramente, terminaria por arruinar o modelo anterior de funcionamento do
Estado e suas bases econômicas, devido à ideais de cunho liberal. Junto à essas
medidas, foi instituída a lei Eusébio de Queirós, que seria determinante para o
fim da escravidão, demonstrando os preceitos liberais que faziam parte do mundo
urbano naquele período. Apenas em Pernambuco as bases coloniais tiveram o
início de sua formação em meios urbanos em detrimento do rural.
A preferência dos senhores de engenho pelo mundo rural em detrimento do urbano
se dava pelo fato de que, em suas terras, os senhores possuíam total domínio,
todos lhe obedeciam, tiravam seu sustento e, também, lá possuíam pessoas que
exerciam todos os tipos de atividades; ou seja: um pequeno Estado independente
dentro de outro, onde prevalecia somente sua autoridade e vontade. Esta é uma
cópia do modelo antigo de propriedade, onde desde os escravos até os filhos dos
senhores representam uma família, o prolongamento de um corpo que é, por sua
vez, subordinado ao patriarca. Devido ao fato dessas fazendas possuírem todos
os tipos de atividades que eram necessárias à sobrevivências das pessoas, as
áreas urbanas eram pouco freqüentadas (HOLLANDA, 1986, p. 81). Contudo, na
formação dos centros urbanos e criação dos cargos para administração das
funções públicas estavam eles novamente; os letrados e mais instruídos do
período: os senhores e/ou seus próximos. No entanto, qual seria a referência
para estes que, desde o período colonial, conheciam as mesmas práticas e que,
para eles, se faziam de maneira tão natural? As mesmas práticas importadas de
Portugal e que se adaptaram tão bem em novas terras.
Dentro do modelo antigo de propriedade (rural), o poder destes senhores não
possuía limites, sendo por esse motivo que eles tinham preferência por esse
sistema, baseado na grande propriedade. Por outro lado, com a ascensão das
profissões liberais e do mundo urbano, os personagens com maior capacidade para
assumirem essas funções eram os próprios senhores e seus descendentes; e foi o
que ocorreu (HOLLANDA, 1986, p. 80). Segundo Nunes Leal (1976, p. 22-23), esta
condição que a propriedade lhes confere é fundamental para habilitar estes
Senhores de terras à liderança regional. E, se isso não ocorre de maneira
direta (lideranças regionais), ocorre de modo indireto, através da realização
deste exercício por indivíduos que possuíam estreita relação com estes
senhores. O modelo de funcionamento dos engenhos, onde o senhor possui poder
ilimitado dentro de suas possessões perante seus escravos, família e todos que
residiam em suas posses, será utilizado como parâmetro para a formação das
instituições urbanas, onde as relações pessoais e seus valores familiares
possuem primazia em detrimentos das impessoais. E dessa forma podemos observar
a formação de novas estruturas urbanas, inclusive políticas, mas com modelos de
funcionamento arcaicos devido à seus ocupantes (HOLLANDA, 1986, p. 82).
Desta maneira podemos verificar, através das palavras de Sérgio Buarque, a
formação de um Estado invadido por valores familiares e que, devido à seu
enorme e indiscutível poder, deixou marcas que formam uma das principais
características deste país. Segundo este autor:
"O quadro familiar torna-se, assim, tão poderoso e exigente, que sua
sombra persegue os indivíduos mesmo fora do recinto doméstico. A entidade
privada precede sempre, neles, a entidade pública. A nostalgia dessa
organização compacta, única e intransferível, onde prevalecem necessariamente
as preferências fundadas em laços afetivos, não podia deixar de marcar nossa
sociedade, nossa vida pública, todas as nossas atividades. Representando, como
já se notou acima, o único setor onde o princípio de autoridade é indisputado,
a família colonial fornecia a idéia mais normal do poder, da respeitabilidade,
da obediência e da coesão entre os homens. O resultado era predominarem, em
toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente
particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado
pela família." (HOLLANDA, 1986, p. 82)
As primeiras idéias republicanas, expressadas em forma de vários movimentos
realizados no século XIX, foram difundidas por aristocratas que possuíam
propriedades que funcionavam de acordo com este mesmo modelo arcaíco o qual
estes próprios revolucionários criticavam (HOLLANDA, 1986, p. 87). Segundo
Sérgio Buarque (1986, p. 88), pelo fato de não haver uma burguesia urbana ,
esta (cidade) passou a ser dominada pelos senhores que, por sua vez, mantendo
suas bases e mentalidade agrárias e, estando a frente de instituições que lhes
conferiam maiores poderes, passaram a concentradas terras nas mãos desta mesma
classe, mantendo o sistema senhorial do mundo rural tanto nas fazendas como nas
cidades. Na obra de Maria Sylvia (1969, p. 139), é retratado o fato do poder
público subsidiar a infra-estrutura do sistema produtivo para que, desta
maneira, ocorresse melhoramentos na produção, transporte e aumentos na
arrecadação de tributos. Contudo, também devemos observar que, segundo Nunes
Leal (1976, p. 23), os ocupantes dos cargos públicos eram os mesmos senhores de
terras (ou seus próximos). Consequentemente, podemos constatar que os senhores
que, ao mesmo tempo eram os líderes políticos regionais e ocupantes dos cargos públicos,
realizavam bem-feitorias a si próprios; com a finalidade de gerar aumento de
produção em suas propriedades.
Ainda na obra de Maria Sylvia (1969, p. 140-141), podemos realizar outra
observação: devido a necessidade de arrecadação de tributos, o poder público
consentia a ocupação irregular de terras para que estas passassem a produzir.
Contudo, conforme observação realizada acima, por Sérgio Buarque (1986, p. 88),
verificamos que as terras estavam sendo concentradas nas mãos dos senhores .
Desta maneira, também podemos constatar que os senhores de terras, que eram os
representantes do poder público segundo Nunes Leal (1976, p. 21), ocupavam as
terras de modo irregular e/ou consentiam estas ocupações a seus próximos.
Em seguida, podemos observar que a colonização portuguesa não tinha como
objetivos a formação de cidades porque delas advinham instituições de poder
local, o que poderia ser responsável pela perda de controle de Portugal sobre
sua colônia, e esta mentalidade continuou vigente (HOLLANDA, 1986, p. 95).
Desta maneira, enquanto o país possuísse bases agrárias, os senhores
continuariam tendo total controle e poder sobre essas propriedades, estando
livres do meio de dominação que representavam as cidades. Por outro lado, aqui
no Brasil, os responsáveis por assumirem as funções do mundo urbano e político
foram os mesmos senhores de engenhos, seus descendentes ou próximos à estes, ou
seja: os meios de dominação permaneceram nas mãos dos mesmos personagens que já
os possuíam, não alterando a situação vigente, baseada no patriarcalismo.
"A família patriarcal fornece, assim, o grande modelo por onde se hão de
calcar, na vida política, as relações entre governantes e governados, entre
monarcas e súditos. Uma lei moral e inflexível, superior a todos os cálculos e
vontades dos homens, pode regular a boa harmonia do corpo social, e portanto
deve ser rigorosamente respeitada e cumprida." (HOLLANDA, 1986, p. 85)
Este modelo de Estado, formado por este patriarcalismo, estava em desacordo com
o que deveria ser. Segundo Sérgio Buarque, o Estado nasce para impor limites
aos excessos praticados pelas famílias; fato não verificado aqui.
"O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma
integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a
família é o melhor exemplo." (HOLLANDA, 1986, p. 141)
No Brasil ocorre esta dificuldade em desvincular os valores familiares das
funções públicas. Segundo Sérgio Buarque (1986, p. 144), os homens públicos de
sucesso eram aqueles que haviam sido enviados para outros lugares para se
capacitarem e que acabaram perdendo esses valores. Este autor ainda cita que
Joaquim Nabuco compartilha desta mesma idéia. Ainda para este autor, nossas
instituições públicas são tomadas pelos governantes como algo de interesse
próprio, com finalidades pessoais e particulares, diferentemente do ideal de
burocracia expressado por Weber (HOLLANDA, 1986, p. 147).
E finalizando, o modelo de governantes que se moldou a partir de tais costumes
ficou caracterizado pela cordialidade, que tratam de situações que deveriam ser
de interesse geral e caráter impessoal da mesma maneira como tratariam de seus
problemas pessoais, mas sempre mantendo as relações de poder intacta, na qual
os mesmos grupos sempre se encontram acima dos demais. Uma cordialidade que,
segundo este autor, serve de disfarce para suas verdadeiras intenções, que
consistem em abranger todos em seu círculo familiar de maneira a mantê-los sob
seu controle e, por conseguinte, manter sua supremacia social sob os demais
(HOLLANDA, 1986, p. 147). Este tipo de relação pessoal se encontra até na
religiosidade da população, que trata de maneira muito íntima até mesmo os
Santos de sua devoção. Assim, como observações realizadas por estrangeiros, nas
quais se atentam para a necessidade de fazerem amizades antes de fazerem
negócios, este tipo de atitudes são comuns em outras esféras, como nas
estatais. Desta maneira, o homem cordial abrange, em seu círculo familiar,
tanto as relações de cunho particular como as de finalidade pública, não
permitindo que o Estado exerça sua função que é, segundo Sérgio Buarque,
"a superação dessa ordem doméstica e familiar e que faz do indivíduo um
cidadão portador de direitos e deveres perante o Estado." (HOLLANDA, 1986,
p. 141)
3. Bibliografia
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder-F ormação do patronato brasileiro, 3° ed.
Revista, 2001
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. São
Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, 1969.
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. José Oçympio. ed. 1986.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime
representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976. 3°. ed.