Participação Popular No Planejamento E Na Gestão Das Cidades: Caso Do Município De Ipameri / GO

Por uanderson carneiro | 27/08/2008 | Geografia

PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PLANEJAMENTO E NA GESTÃO DAS CIDADES: Caso do município de Ipameri/GO

Uanderson Carneiro de Souza

Acadêmico do curdo de Geografia da UEG – UnU de Pires de Rio

uanderson.geo@gmail.com

Resumo

Planejar é imprescindível à racionalidade das atividades sociais do mundo globalizado. O planejamento apresenta como uma necessidade do homem para resolver sua problemática cotidiana: pensar antes de agir. Assim, o planejamento tem sido concebido como uma ferramenta de gestão que permite estabelecer diretrizes. Na medida em que, o mundo foi se configurando como urbano, com mais da metade de seus habitantes vivendo nas cidades, uma série de lutas e conflitos de interesses urbanos tem acontecido de forma dinâmica e em diversas escalas, reforçando a necessidade de planejamento dos espaços das cidades. Nesta arena de disputas, os cidadãos têm direitos a serem reivindicados, e deveres a serem cumpridos. Dessa forma, torna-se inegável que a problemática da construção das cidades, bem como do estudo e propostas para superação seus problemas, não passe pela ratificação da interdependência entre a sociedade civil e o Estado.

Palavras chave: Planejamento Urbano; Participação Popular; direito à cidade.

Abstract: Planning is essential to the rationality of the social activities of the globalised world. The plan shows how a man's need to solve their daily problems: think before you act. Thus, the plan has been designed as a management tool that allows establish guidelines. To the extent that the world was as if urban setting, with more than half its inhabitants living in cities, a series of struggles and conflicts of interest has happened in urban and dynamically in various scales, reinforcing the need for planning of the spaces of cities. In this arena of disputes, citizens have rights to be claimed, and obligations to be met. Thus, it is undeniable that the issue of construction of cities, and the study and proposals for overcoming their problems, not pass the ratification of the interdependence between civil society and the state.

Key words: Urban Planning; Popular Participation; right to city

INTRODUÇÃO

O histórico das políticas públicas de planejamento urbano no Brasil revela resistências às medidas democratizantes e a participação popular nas tomadas de decisões e gestão do espaço urbano, prevalecendo um modelo de planejamento tecnocrático (realizado por técnicos) e conservador (controlado pelo estado), imposto pela esfera governamental, sob a concepção de modelos perfeitos de ordenação da cidade sem contradições.

Buscando romper com esta prática de planejamento que tornara as cidades cada vez mais excludentes, a Constituição Federal de 1988, complementada pelo Estatuto das Cidades aprovado em 2001 estabeleceram diretrizes para a melhoria da política urbana, tendo como proposta a democratização do planejamento e gestão do espaço urbano via inserção da participação popular.

Para todos os efeitos, esta lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem publica e interesse social que regula o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (Art. 1º Parágrafo Único da Lei Federal 10.257/2001).

De acordo com o estatuto, as cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes; integrantes de regiões metropolitanas; potencialmente turísticas ou que abriguem atividades que causam grandes impactos ambientais, tem a obrigatoriedade legal para elaborar ou rever seus Planos Diretores. Além da obrigatoriedade, Estatuto das cidades definiu também as ferramentas para que o poder público, especialmente o município, deve utilizar para envolver a sociedade nas atividades de planejamento e juntos enfrentar os problemas de desigualdade social e territorial nas cidades, mediante a aplicação de diretrizes e instrumentos de política urbana; objetivando-se um planejamento e gestão democrática da cidade, dando voz e incluindo segmentos sociais historicamente excluídos no processo, em especial populações de baixa renda, de modo a fazer do Plano Diretor do município um instrumento de promoção da Reforma Urbana.

Nesse contexto, vários municípios brasileiros se vêem diante do desafio de planejar de forma democrática seu território, dentre eles o município de Ipameri, localizado na região sudeste, interior de Goiás; com seus mais de 23.000 habitantes e 137 anos de história, e que até então nunca havia sido alvo de planejamento participativo tão quanto da gestão democrática. O citado município vive um momento decisivo para seu crescimento urbano e econômico - a elaboração de seu primeiro Plano Diretor Participativo, sendo uma preocupação deste trabalho analisar a aplicabilidade dos instrumentos do Estatuto da Cidade que garantam a participação popular neste importante passo a ser almejado.

O PLANO DIRETOR DEMOCRTÁTICO DE IPAMERI/GO

Os trabalhos para elaboração do Plano Diretor Democrático de Ipameri foram iniciados em 2005, sendo concluído pelo poder Executivo e aprovado pelo Legislativo municipal em junho de 2008. Através dos levantamentos preliminares realizados junto à equipe técnica responsável pela elaboração do plano diretor e do acompanhamento das atividades do GTC (Grupo de Trabalho Comunitário) responsável pela leitura social do município, pude concluir que as diretrizes preconizadas pelo Estatuto da Cidade para envolver a população no processo, e conseqüentemente promover a reforma urbana foram "observadas" na realização dos trabalhos. Entretanto, a participação da sociedade nas atividades de elaboração do Plano Diretor ficou a desejar. Poucas pessoas participaram das audiências públicas e dos levantamentos realizados pelo GTC; ficando o planejamento (elaboração do Plano Diretor) praticamente restrito a equipe técnica e do poder publico, que tomaram as decisões em nome da maioria.

A lei que institui o Plano Diretor de Ipameri, intitulado de "Plano Diretor Democrático e Estratégico de Ipameri – PDDEI" tem como proposta "Promover do desenvolvimento econômico sustentável, garantir a função social da propriedade, preservar o patrimônio histórico-cultural, preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações etc", apresentando um planejamento genérico e utópico, carregado de limitações, provavelmente justificadas pelo fato de se tratar de um documento que foi produzido sob a coordenação política do Governo Municipal, e este; de forma geral, conforme ressalta MARICATO (2001) tende a apontar a elaboração do "Plano Diretor Democrático" na direção de que o direito à cidade deve ser entendido como o "direito à moradia e aos serviços", uma simplificação que deixa de lado o tema do habitar em sua dimensão plena. Isto porque o "direito à cidade" passou a estar relacionado com o que a administração municipal está disposta a ceder para a gestão da cidade, trazendo como conseqüência o entendimento limitado da noção de direitos de habitar.

O URBANISMO E A FUNCIONALIDADE VAZIA DAS CIDADES

Devido à ausência da participação popular no processo de elaboração do plano diretor de Ipameri, o poder público definiu princípios diretores para espaço urbano de Ipameri através de um planejamento tecnicista, que impôs diversos recursos urbanísticos e arquitetônicos nas etapas de planejamento com o objetivo de se promover a imagem da cidade, a fim de torná-la "competitiva, estratégica". Dessa forma, urbanismo (ciência do planemento) tornou-se o grande co-responsável pela leitura técnica e pelo estabelecimento de leis e princípios diretores para a cidade, designando o planejamento do solo em todas as escalas procurando pensar à "cidade em sua totalidade" acabado por reduzi-la a uma "funcionalidade vazia"restringindo o espaço geográfico, a sua dimensão física, priorizando na ordenação do território sua configuração arquitetônica e seus equipamentos; acabando por valorizar a obra física pura e desconsiderando seus habitantes que o constrói e o reproduz (CARLOS, 2001, p. 22). Não se deve fazer referência ao urbano apenas pelo espaço físico das cidades, mas também pela sua organização social, política, econômica e também pelo modo de vida que lhe é típico. As propostas para um adequado planejamento, conforme aponta CARLOS (2001) devem fornecer instrumentos que permitam a superação dos problemas da cidade real, e não de um simulacro[1]. De fato são inúmeros os obstáculos para se realizar o chamado "planejamento participativo", mas o principal desafio a ser superado gira em torno do envolvimento da sociedade no processo, sociedade que na atual conjuntura se encontra desacreditada para com o estado e pouco habituada a práticas participativas (caso da sociedade ipamerina).

O PAPEL DA GEOGRAFIA NA FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE CRÍTICA E ATUANTE

Para que de fato a reforma urbana aconteça, é preciso ter claro que planejamento, na forma de leis por si só não muda a realidade. O que muda a realidade é a ação dos homens enquanto seres sociais e históricos capazes de redimensionar a historia da sociedade.

Entre a Lei e sua aplicação há um abismo que é mediado pelas relações de poder na sociedade. É por demais conhecido, inclusive popularmente, no Brasil, o fato de que a aplicação da lei depende de a quem ela (a aplicação) se refere. Essa "flexibilidade" que inspirou também o "jeitinho brasileiro" ajuda a adaptar uma legislação positivista [...] a uma sociedade onde o exercício do poder se adapta às circunstâncias (MARICATO, 2001, p. 42).

Nesses pressupostos; para melhor compreender a cidade em sua totalidade, a geografia é ciência que pode oferecer os melhores meios de investigação, já que através de seus estudos, torna-se possível realizar a leitura da realidade, leitura esta feita a partir da espacialidade que é histórica e social, onde a cidade é analisada em sua amplitude e com suas contradições, permitindo a melhor compreensão do urbano, carregado de peculiaridades; superando a "funcionalidade vazia" imposta pelas atuais concepções de planejamento que tem reduzido o espaço geográfico a sua dimensão física. A geografia também pode contribuir para formação de cidadãos voltados para a vida participativa em sua cidade, levando-os a se reconhecerem no processo de construção do espaço geográfico, conseqüentemente na construção do espaço urbano, e na construção de cidades mais justas e inclusivas.

"a participação popular é tomada como elemento novo na proposta de planejamento e gestão urbana (previsto no Estatuto da Cidade), capaz de produzir mudanças significativas. Entretanto, o processo participativo acontece dependendo do nível de amadurecimento dos movimentos sociais e envolvimento da população e deve avançar para além do próprio Estatuto da Cidade, buscando ir além da conquista dos direitos à moradia e serviços urbanos." (MARICATO, 2001).

A democratização do planejamento e gestão do espaço urbano é uma realidade possível de ser alcançada, dependendo exclusivamente do amadurecimento e exercício da cidadania em uma sociedade onde o exercício do poder se adapta às circunstâncias, onde a aplicação da lei (inúmeras leis por sinal) depende de a quem ela (a aplicação) se refere.

Referencias:

BRASIL, Cadernos Mcidades/Desenvolvimento Urbano – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano 1. Ministério das Cidades. 2004, Brasília, DF.

BRASIL, Planejamento Territorial Urbano e Política Fundiária. Ministério das Cidades. 2004, Brasília, DF.

CARLOS, Ana Fani. Ensaios de geografia contemporânea. Milton Santos: São

Paulo:Hucitec, 2001.

MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: Alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.

SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade: uma introdução a critica o planejamento e gestão dos espaços urbanos. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2002.



[1] Ambiente fictício, que não corresponde a realidade.