PARTE CDXXII – "O CHEFE DE POLÍCIA, A REUNIÃO DO 'GRUPO' E O CASO DO DELEGADO GARCEZ".

Por Felipe Genovez | 06/06/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 12.11.2003, horário: 10:00 horas:

Estava na “Assistência Jurídica” (Chefia de Polícia) e a  Secretária do Delegado Dirceu Silveira me telefonou para saber se estava no prédio:

- “O doutor Dirceu vai conversar com o senhor”.

Em seguida foi passada a ligação e Dirceu Silveira disse:

- “Tudo bem Felipe? Tu estais aí embaixo? Eu vou descer aí para falar contigo”. 

Enquanto aguardava comentei com a policial Khrystian que o Chefe de Polícia estava descendo e achava que vinha tratar sobre o “caso Delegado Garcez”, pois ele estava querendo retornar para a “Assistência Jurídica”. Logo em seguida Dirceu chegou e com aquele seu jeito ligeiro, ágil, um sorriso de quem estava de bem com a vida que era uma de suas marcas registradas, muito embora fora do seu gabinete isso não significava que não se sentisse à vontade, muito pelo contrário, demonstrava um certo quê de que estava se dando bem com o poder, além de colocar para fora um certo ar de  quem estaria aprendendo rápido a arte do estrategismo. Respondi que estava tudo certo, deixei o computador, sentei na minha cadeira, de frente para Khrystian quase que escondida atrás da tela do seu computador. Dirceu sentou de frente para mim, muito embora de vez enquanto manifestasse uma certa vontade de olhar para a policial que procurava assumir ares de ingenuidade, desligamento e concentração no que estava digitando. Dirceu trajava uma camisa azul clara e gravata azul marinho com listas diagonais. Acabamos conversando  sobre assuntos institucionais e ele, a seguir, foi direto e pediu que eu fizesse um levantamento a respeito da exclusividade da Polícia Civil de lavrar “termo circunstanciado”. Também, me perguntou sobre o Provimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que reconheceu como autoridade policial qualquer policial no exercício das suas funções.  Nisso tocou meu telefone e era Fátima dizendo que o Diretor do Detran queria conversar com o Chefe de Polícia. 

Passei o telefone para ele que logo que atendeu foi dizendo para seu interlocutor:

- “... Ô, faz tempo que eu não boto os olhos em você...”. 

Procurei não prestar muito a atenção no conteúdo da conversa e aguardei que Dirceu encerrasse a ligação pois sabia que ele estava conversando com o Delegado Sala (Diretor do Detran), uma das pessoas mais bem relacionadas com o Secretário Blasi. Logo terminou seu contato fiz os seguintes comentários:

- “Eu já prestei informação a respeito desse Provimento. Foi o Chicão (Desembargador Francisco Oliveira)  que assinou. Khrystian dá uma olhada aí na pasta e vê se tu localizas a informação...”.

Dirceu interrompeu para pedir que eu desse uma olhada na jurisprudência de São Paulo.  Também pediu indiretamente minha opinião sobre o assunto e eu fui dizendo:

- “Eu acho que depois desse ‘Plano de Cargos e Salários” que está sendo aprovado pela Assembleia nós temos que mandar algum projeto de lei que especifique como atribuição da Polícia Civil a lavratura de termo circunstanciado. Não que seja dito só isso, não! Coloca-se um dispositivo que fixe como atribuições exclusivas da ‘PC’ instaurar inquéritos para apurar infrações criminais comuns, lavrar auto de prisão em flagrante, termos circunstanciados e instaurar procedimentos disciplinares para apurar infrações atribuídas a policiais civis”.

Dirceu não se mostrou muito estimulado com a proposta e com aquele seu estilo de inverno argumentou:

- “Eu estou pensando em conversar com o pessoal do Judiciário para rever esse Provimento, o que tu achas?” 

Dei de ombros e comentei:

- “Eu acho difícil porque esse Provimento foi resultando de um encontro nacional dos Presidentes de Tribunais de Justiça, como é que o nosso Tribunal vai revogar isso? Eu acho que uma lei mataria a questão, pois ficaria disposto como exclusividade da Polícia Civil... Parece brincadeira, mas  nós termos que se submeter a esse tratamento, quando as Constituições são claras. Imagina, os policiais militares lavram um termo circunstanciado e a Polícia Civil não fica sabendo de nada? Não é a Polícia Civil que procede a identificação civil e criminal, que requisita perícias, arbitra fiança, precisa investigar pessoas envolvidas em delitos, precisa checar informações sobre criminosos, realizar serviços de inteligência e informações com marginais presos? Os militares lavram um termo mandam para a Justiça, o cidadão vai embora, tudo normal,  e nós que somos polícia judiciária não tomamos conhecimento de nada. Que absurdo! O ‘Chicão’ que não entende nada de polícia quando baixou esse Provimento citou o ‘Mirabete’ que doutrina exatamente o contrário daquilo que ele escreveu, pelo menos foi o que eu li. O ‘Mirabete’ ensina que autoridade policial é somente o Delegado de Polícia e ele não enfrentou essa questão, muito pelo contrário...”.

Dirceu fez um desabafo:

- “A gente nem tem uma lei que disponha sobre a organização da Polícia Civil”.

Aproveitei a carona para fazer um desabafo: “...

- É, nós estamos ainda usando o decreto quarenta e um quarenta e um de setenta e sete que está totalmente defasado. A Constituição Estadual de oitenta e nove no artigo cento e cinco parágrafo terceiro estabelece que as Polícias devem ter suas leis orgânicas próprias e já se passaram quase quinze anos sem que nenhum Chefe de Polícia tomasse a iniciativa, apresentasse um projeto. Ainda não apareceu  um Chefe de Polícia visionário, falta um planejamento estratégico, uma agenda, mas o problema Dirceu é que todo Chefe de Polícia que assume o cargo não possui plano algum, eles dormem numa Delegacia e acordam na Chefia de Polícia, e isso acontece porque ele assume o cargo por indicação política, não é como no Ministério Público onde há uma eleição... Então, Dirceu, é por isso que estamos nessa situação, e os governos, os políticos, o Ministério Público e o Judiciário não têm interesse algum em mudar esse estado de coisas. Temos que mudar isso, mas não sei quando vai acontecer, ainda mais que o nosso pessoal ao invés de lutar para mudar, muito pelo contrário, vivem assediando políticos para serem indicados para cargos comissionados e o que é pior,, se você pergunta isso para eles o pessoal nega, diz que nunca fizeram isso, que estão ali por mérito, convite..., tudo mentira, é alguém foi colocado politicamente que convida os amigos para os cargos... Mas nós temos que resistir porque se não vamos ficar sempre na defensiva. Olha a situação dos postos de combustíveis, quem é que fiscaliza? Vamos baixar uma resolução e realizar controle... Há fraudes nos combustíveis, os postos fazem monopólio e a Polícia Civil fica de braços cruzados, só se fala em ‘Procon’ e no ‘MP’, simplesmente, nós não existimos, isso não é produto controlado? Eu estava lá em cima com o Tim e nós discutíamos uma deliberação sobre ‘Relojoeiros, Óticos, Ourives’ e eu disse que nós tínhamos que regulamentar essas atividades de ‘ourives’, tínhamos  que exercer controle porque havia muita receptação... Mas o problema era que não havia interesse de se ter uma Polícia que atuasse nessas frentes, com respaldo, força, a começar por uma legislação moderna e eficaz. Na magistratura e Ministério Público tudo é por lei complementar, aqui é tudo por ‘portaria’, ‘resolução’, ‘decreto’... são atos normativos frágeis que não nos trazem segurança jurídica necessária. Imagina se uma lei já é difícil de ser cumprida? Temos que mudar isso...!”.

Na sequência, conforme pude perceber, Dirceu Silveira se mostrou um pouco desconfortável, olhou rapidamente para trás para ver se Khrystian estava ouvindo nossa conversa, mas ela continuava impávida atrás da tela do computador sem piar. Aproveitei para continuar meu desabafo:

- “No governo passado o Heitor Sché começou com aquela emenda constitucional acabando com a nossa hierarquia, foi um retrocesso. Depois passamos quatro anos de administração num marasmo institucional.  Lutamos para sobreviver os quatro anos de governo passado rezando que passasse logo. Agora temos o governo Luiz Henrique,  pelo menos temos esse ‘Plano de Cargos e Salários’ que segundo parece deve melhorar os salários dos policiais, o vai ser uma grande coisa pelo menos neste ano...”.

Dirceu me olhou de forma pausada, depois deu mais uma olhada para Khrystian que dava ares de que estava distante e deixou escapar um certo ar de satisfação quase que imperceptível ao ver que ela estava totalmente entretida nos seus afazeres.  Voltei à carga e argumentei:

- “Sinceramente Dirceu, eu acho que depois desse ‘Plano de Cargos e Salários’, eu não sei o que tu pensas? Qual vai ser a tua estratégia? Mas nós temos conversado lá no nosso ‘Grupo’ e chegamos a conclusão que a grande prioridade é aquele ‘anteprojeto de criação da Procuradoria-Geral de Polícia’. Não sei qual é o teu pensamento...”.

Dirceu ficou em silêncio e eu também. Nenhuma palavra, nenhum aceno, nenhum compromisso, nenhum entusiasmo, absolutamente nada! A preocupação parecia mesmo estar voltada para o tal ‘Termo Circunstanciado. Então, me comprometi de fazer uma informação sobre o assunto e ele pediu que eu encaminhasse também o “Provimento” do Tribunal de Justiça. 

Depois que Dirceu saiu, Khrystian fez o seguinte comentário:

- “Pô, doutor Felipe, não precisava dar tantas alfinetadas no doutor Dirceu. Pô, o senhor pegou pesado...”.

Olhei para ela e discordei dizendo:

- “Não! Não. Eu tenho respeito por ele suficiente e amizade para dizer o que eu disse, pois foi para o bem dele. Agora se fosse o Lipinski certamente que em ficaria em silêncio...”. 

Ela continuou:

- “Encontrei o doutor Garcez saindo daqui do prédio, me deu uma pena dele. Um Delegado Especial assim jogado”.

Horário: 15:20 horas:

O Delegado Braga apareceu na “Assistência Jurídica” e da porta disse:

- ‘Ué, tu não vais para a reunião do grupo? Sem a tua presença...”.

Fiquei surpreso e perguntei:

- “Reunião do grupo’ Que reunião?”

Braga esclareceu:

- “Sim, ficou decidido na última reunião que seria hoje à tarde, tu não estavas?”

Imediatamente larguei tudo, porque já estava atrasado e tratei de subir. Quando cheguei na sala do Delegado Tim Omar estava lá Valquir e formamos um quarteto.  As ‘fractais’ no plano trivial parece que estavam no cardápio. Falava-se de futebol e de tudo mais. Acabei levando comigo uma cópia do projeto de ‘Plano de Cargos e Salários’ e comentei acerca da emenda dos ‘Peritos’, argumentando que aquilo era uma barbaridade. Braga lançou um petardo:

- “Mas o Feijó defende que os Peritos ganhem iguais aos Delegados. O Feijó defende isso, vocês sabiam?”

Fiquei surpreso porque o Delegado Ricardo Feijó era o Diretor de Polícia Técnico-Científica e perguntei:

- “Onde é que está a hierarquia? Compara as responsabilidades de um Delegado com a um Perito? Tem cidade aí no interior que os médicos legistas ficam um ano sem aparecer numa Delegacia, isso é brincadeira!”

Braga colocou mais fogo na lenha:

- “O Feijó paga quarenta horas extras para todos os médicos legistas, pergunta para o Valquir”.

Não acreditei e invoquei o nome do Valquir  com destaque já que tinha da do uma saída e estava na sala ao lado.  Quando Valquir retornou perguntei se era verdade que os médicos legistas estavam recebendo quarenta horas extras. Valquir confirmou que o Feijó mandava o relatório de ponto e ele cumpria, mandava pagar as quarenta horas extras. Fiz o seguinte comentário:

- “Meu Deus, mas isso é improbidade administrativa. Os médicos nem cumpre expediente, imagina se fazem horas extras. Sinceramente, eu estava vendo hoje por acaso o contracheque da Suzana, mulher do Luiz Carlos Halffe e não é que ela também está recebendo quarenta horas extras. Mas a Suzana só trabalha à tarde lá na ‘Assistência Jurídica’ e o Halffe, não sei como, está dando quarenta horas extras para ela lá na Central de Plantão da Trindade”. 

Relatei o encontro de manhã com Dirceu Silveira e que havia lembrado que a prioridade iria ser nosso projeto de criação da “Procuradoria-Geral de Polícia”, mas que senti que Dirceu estava sendo muito “laconiano” quando era perguntando sobre esse nosso projeto, parecendo não querer se comprometer com nada... Não  sei por que, mas logo fiquei pensando se um projeto desses teria receptividade no Gabinete do Secretário Blasi? Será que o “triunvirato” lá encima aprovaria um projeto dessa magnitude, ainda mais conhecendo o “DNA”? Não saberia dizer, caso os Delegados “RLT” e “LWS” realmente estivessem fazendo o trabalho de filtro e blindagem junto ao Secretário Blasi, se teriam a grandeza de apoiar nosso projeto?

Na sequência, deixei minhas preocupações de lado e percebi que Tim do lado fazia uma cara de ceticismo. Acabei argumentando com Valquir sobre a importância de aprovarmos esse nosso projeto da Procuradoria, como forma de se dar uma nova perspectiva para a carreira de Delegado de Polícia.

Também, conversamos sobre o “Plano de Cargos e Salários” e seus reflexos para os policiais. Perguntei para o pessoal:

- “Todo mundo está ganhando com esse projeto e nós, Delegados?”

Acabamos conversando sobre os possíveis benefícios com a incorporação das nossas vantagens. Braga argumentou que já tinha cento e vinte oito mil para receber de atrasados por conta da isonomia salarial e que iria ser consolidada. Valquir acabou descobrindo o adicional permanência na Lei Complementar cinquenta e Cinco... A seguir, falamos sobre a “Vintenária” que passava para o percentual de sete, ponto oito por cento do novo vencimento básico e que os que possuíam essa vantagem teriam direito adquirido a perceberem a terça parte do novo vencimento.

Em determinado momento alguém abriu a porta da sala de reuniões do grupo e quando olhei para fora avistei o Assessor de Imprensa Hélio Costa. Em razão disso fiz o seguinte comentário:

- “Olha o Hélio Costa aí pessoal!”

Valquir arrematou:

- “Sabiam que ele tem carro, celular... tudo por conta da Secretaria da Segurança? Vocês sabiam?”

Eu já sabia e comentei:

- “Sabia. Dizem que ele é o olho do César Souza aqui dentro...”.

Braga comentou:

- “O Hélio do jeito que ele é, para tirar dinheiro dele é a coisa mais difícil. Se vocês convidarem ele para tomar um cafezinho podem aprontar, vão ter que pagar a conta. Ele é um mão-de-vaca...”.

Tim fez um comentário:

- “Eu sou comissionado, ainda bem que não me ofereceram carro e celular, imagina como é que eu iria recusar”.

Fiquei surpreso e fiz uma reflexão, pensando que não era assim tão radical naqueles tempos de vacas magras... Acabamos falando sobre o Delegado Garcez e eu comuniquei que ele estaria vindo trabalhar comigo na “Assistência Jurídica” e que talvez fosse o novo “Assistente Jurídico”.  O pessoal ficou surpreso e Braga comentou:

- “Eu gosto do Garcez, mas ele só tem um probleminha, demora muito para fazer as coisas...”.

Acabei fazendo uma defesa de Garcez no grupo:

- “Vocês sabem por que ele saiu da ‘CPP’? Ele teve a coragem de peitar o pessoal da ‘PM’ que acha que todo flagrante que levam à Delegacia deveria ser autuado pela autoridade policial. Não, o Garcez botou ordem na casa. Teve até um caso que ele me contou de um Sargento que entrava na ‘CPP’  como se fosse o local de trabalho dele, transitava pelos cartórios atrás de café. Um dia o Sargento foi questionar o Garcez por que ele não iria lavrar um flagrante. O Garcez disse umas boas para o Sargento. E depois tem outra, quando um Delegado vai a um Batalhão da ‘PM’ é acompanhado por um soldado o tempo todo. Numa Delegacia eles se sentem donos do pedaço, a gente trata bem eles, mas a recíproca não é verdadeira...”.

Braga interrompeu:

- “Mas eu não estou sendo contra o Garcez. Por que tu estais contando isso?”

Continuei:

- “Ué, eu estou tentando demonstrar por que a PM agia dessa maneira lá com o Garcez...”.

Braga interrompeu para fazer uma revelação:

- “Vocês sabiam que foi a ‘PM’ que exigiu que o Secretário tirasse o Garcez da CPP? Eles exigiram do Secretário, não aguentavam mais o Garcez lá...”.

Argumentei:

- “Tá aí, todo mundo sabe que o Garcez tem personalidade, tem conhecimento jurídico. Já a maioria dos Delegados que estão lá são todos uns f., f.,  veem um Oficial ficam preocupados...”. 

Acabamos todos concordando que o Garcez deveria integrar o nosso grupo. No final, com a presença do Delegado Valdir acabamos retomando as Deliberações pendentes, a começar pela aprovação da que trata dos “Ourives”, “proposta de nova Lei de promoções” e “Programa do Ministério Público na área da Segurança Pública”.