PARTE CDXLVIII – “CHEFIA DE POLÍCIA E ASSISTÊNCIA JURÍDICA: IMPREVISIBILIDADES, IMPRESCINDIBILIDADES E TEMORES SOBRE O PORVIR?”

Por Felipe Genovez | 14/06/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 29.03.2004, horário: 15:00 horas:

Apesar de estar de férias me dirigi até à  “Assistência Jurídica” , onde encontrei o Delegado Rubem Garcez que logo que me viu ficou faceiro. Imediatamente comentei:

- “Hoje tenho que dar um jeito de conversar com o Dirceu”.

Garcez argumentou:

- “Ah, sim, mas até quando vai as tuas férias?”

Respondi:

“Termina dia quinze, mas tenho umas horas extras e vou descontar. Fica tranqüilo que dia dezenove eu estou por aqui...”.

Garcez olhou meio que de solascio, deixando escapar um riso que era um misto de ironia com dúvida se realmente o Chefe de Polícia iria me deixar gozar novos períodos de afastamentos. Percebendo seu semblante e suas palavras carreadas de descrédito reforcei:

-  ”Ah, sim, Garcez, eles não têm como indeferir mais férias. Nesses anos todos de serviço nunca gozei uma licença- prêmio. E de mais a mais, estou com vinte oito anos de serviço e tenho mais ou menos um ano e seis meses de férias e licenças para gozar. Se a ‘Pec-paralela’ for aprovada e a nossa aposentadoria retornar para os trinta anos vou acabar perdendo tudo. E aí quem é que vai me reembolsar, heim Garcez?” 

Ele novamente deixou escapar aquele seu riso, agora mais controlado e disse:

- “Eu te entendo. Tu tens razão, mas Felipe tu ficastes muitos anos aqui sozinho.  Tu não poderia ficar tanto tempo aqui sozinho. Fostes culpado. Agora tu não podes sair. Eles também erraram, não poderiam ter te deixando aqui tanto tempo sozinho. Felipe, essas pastas com leis estão todas desatualizadas. Eu não acho nada. Está tudo fora de ordem. Eu não consigo achar nada!”

Já conhecia aquela velha ladainha de Garcez, pois na segunda passada estive ali para tentar conversar com Dirceu Silveira e soube que ele estava viajando. E, Garcez  já havia pegado pesado comigo argumentando que eu era culpado de ter ficado tanto tempo sozinho. Naquela ocasião argumentei  que não tinha culpa se a “Jô Guedes” foi embora, pois passou no concurso da Polícia Federal. Também, não tinha culpa se Myrian Lisboa pediu licença sem remuneração porque seu marido havia sido removido para o Estado do Mato Grosso. Depois, veio a Khrystian Celly que acabou sendo tirado pelo próprio Gabinete do Chefe de Polícia. No calor da discussão lembrei a Garcez que no ano de 1995, quando havia deixado a “Assistência Jurídica” ficou no meu lugar o Delegado Ademar Rezende e ele próprio, sendo que ambos foram também embora...  Assim, se todos os arquivos não estavam cem por cento em ordem era porque os documentos não foram tratados com o zelo que eu tratava. Aliás, ponderei que se a “Assistência Jurídica” existia foi porque no ano de 1991 lutei junto com o ex-Delegado-Geral Jorge Xavier para que o setor fosse criado porque a ideia do Secretário Sidney Pacheco era centralizar toda os serviços jurídicos na Consultoria Jurídica, subordinada diretamente ao gabinete dele.

Também, lembrei que fui o criador dos arquivos de leis, pareceres, documentos, lancei o “Estatuto da Polícia Civil” comentado e atualizado no ano de 1993... Garcez acalmou-se e acabou concordando, parecendo que caiu na real e percebeu queestava sendo infeliz nas suas considerações. Na verdade Garcez não queria era ficar sozinho, ser responsável por todo o serviço jurídico, ainda mais sabendo da minha dedicação, comprometimento...  Depois de relembrar esses fatos, até porque Garcez já estava mais conformado em razão dos meus argumentos, muito embora pudesse  perceber claramente que não iria aceitar um novo  afastamento da minha parte. 

Imediatamente me dirigi até o Gabinete de Dirceu Silveira e soube que ele estava ocupado. Para dar um tempo resolvi dar uma chegada até o Gabinete do Delegado Valério Brito.  Logo que entrei ele como um bom diplomata foi me recepcionando com aquele seu sorriso de bom camarada. Mais, ainda, sempre foi atencioso e educado. Talvez, fosse isso, aliado a seu instinto de sobrevivência (política) que o transformava numa pessoa pragmático.  Fui direto ao assunto dizendo que Dirceu Silveira queria conversar comigo sobre meu requerimento de novo afastamento.  Valério fez um comentário:

- “O Garcez parece ser um pouco inseguro lá embaixo. Tem um processo disciplinar aqui contra um Delegado aposentado por invalidez (Evaldo Bosle). Ele deu o parecer de que o processo vai ter que prosseguir tá certo isso?” 

Argumentei que já tinha parecer meu sobre o assunto e que o policial uma vez aposentado não pode mais ser processado no âmbito disciplinar, e se tiver que perder o cargo isso só poderia ocorrer por decisão judicial. Valério acabou pedindo para que eu conversasse com Garcez.  Em seguida Valério foi chamado por Dirceu e se dirigiu até seu Gabinete. Aproveitei a carona e entrei na sala do Chefe de Polícia que estava acompanhado do Subchefe de Polícia (Peixoto). Cumprimentei os dois e sentei. Peixoto saiu e ficamos nós três. Acabei como centro das atenções, até porque já estava há dias distante com Garcez à frente dos trabalhos jurídicos. 

Acabamos conversando sobre amenidades. Dirceu Silveira parecia contrariado com tantos policiais entrando em licença em razão de concorrerem a cargos eletivos.  Segundo sua visão os policiais poderiam até se desincompatibilizar, porém, durante a licença não poderiam receber vencimentos. Dirceu Silveira, ainda, argumentou que estava realizando gestões junto a um Deputado Federal (pensei em Adelor Vieira)  para que apresentasse um projeto de lei no sentido de vedar policiais de concorriam a cargo eletivo se afastar do exercício, porém, sem perceberem seus vencimentos... Argumentei que seria preciso alterar o Código Eleitoral... Acabei comentando o exemplo do Delegado Marcucci de Joinville, com poucos anos na carreira conseguiu - por meio de apadrinhamento político - galgar o cargo de Delegado Regional de Polícia, passando os Delegados antigos para trás, fazendo parceria com um Deputado Estadual da Região (Nilson  Gonçalvez). Lembrei que a partir de um trabalho focado na projeção política o Delegado Marcucci colocou seus planos  pessoais acima de qualquer outro interesse e que naqueles tempos todo dia estava na mídia regional para comentar notícias de polícia, muitas delas sob sua responsabilidade direta, já que acumulava a “Divisão de Investigações Criminais – Dic”. Afirmei que o objetivo do Delegado Marcucci era se eleger vereador, depois prefeito e chegar a senador da República... Dirceu Silveira não se conteve e afirmou:

- “Ele pensa que tem o rei na barriga!”

Aproveitei para comentar que seria muito bom se tivéssemos um Delegado Senador, mas que o problema não eram os fins. Lembrei que a Polícia precisaria ter muito respaldo legal para não precisar de policiais políticos com um discurso em defesa de interesses institucionais. Depois, nem sei mais porque,  acabei relatando a diferença de tratamento que Lúcia Stefanovich deu aos casos envolvendo os Delegados Gregório Vieira e Alcino Silva. Dirceu Silveira e Valério Brito ouviram atentamente todo o meu relato e ficaram impressionados quando souberam que pobre Alcino, próximo de se aposentar (vinte e nove anos de serviço), por perseguição, acabou sendo demitido (constava que teria desviado  trezentos reais em taxas..., na verdade ficou com o dinheiro para recolher as taxas, fazendo um favor para as pessoas, e acabou não o fazendo...) e hoje – segundo me informaram – encontra-se com problemas mentais agravados, sendo visto numa praça de Itajaí travestido de “Charles Chaplim”, com uma Bíblia embaixo do braço... Enquanto isso, o Delegado “G. V.”, num caso bem mais grave...

Me senti mal por ter que reiterar meu gozo de férias atrasadas, pois já tinha requerido no ano passado e estava eu ali perante o Chefe de Polícia pleiteando novamente o mesmo direito. Dirceu Silveira não dava muito sinais de anuência, mas também não estava negando, mesma situação anterior, só que naquela época tinha como moeda de troca minha nomeação para o cargo de “Assistente Jurídico” e eu acabei ficando mais pelo grupo e nossos projetos, o cargo seria acessório, aliás, não era o meu foco principal. Lembrei que Garcez iria entrar de férias no dia dezesseis de abril e que eu retornava nessa data (não falei das minhas horas extras que pretendia compensar alguma coisa para emendar com o final de semana e voltar só na próxima segunda-feira...).  Lembrei que do dia três de maio até o dia quinze a Escrevente Suzana (esposa do Delegado Luiz Halffe) ficaria respondendo pela “Assistência Jurídica”.

Dirceu fez as contas e pareceu que não botava muita fé no pessoal da “Assistência Jurídica” e eu argumentei:

- “Mas a Suzana é esforçadinha!”

Valério Brito que estava só na condição de ouvinte prestava a atenção em tudo. Dirceu arrematou:

- “Tu falasses muito bem. Usasses a expressão correta, ela é ‘esforçadinha’!”

Percebi minha infelicidade e tentei consertar:

-  “Opa, acho que fui infeliz. Vou tentar consertar até pela amizade que tenho com o marido dela: ‘a Suzana é esforçada e vai dar conta do serviço até a minha volta’. Também é pouco tempo que ela vai ficar sozinha...”.

No final da conversa coloquei bem na frente do Chefe de Polícia meu requerimento com o seu despacho de que era para procurá-lo para conversar e pedi que ele olhasse com carinho e mandasse para frente. Dirceu concluiu com um sorriso sorrateiro e ligeiro:

- “Eu vou dar uma olhada no teu requerimento, mas...”.

Evitei prolongar o assunto e pedi licença.   Retornei à “Assistência Jurídica” e Garcez estava ansioso para saber das novidades, parecendo acreditar piamente que Dirceu Silveira tivesse jogado um balde de água fria na minha pretensão.  Mas cheguei cheio de entusiasmo e fui dizendo:

- “Tá tudo certo Garcez. Tudo deferido!”

Garcez pareceu histérico e foi quase que gritando, andando de uma lado para outro e disse:

- “Como? O quê? Eu vou pedir para sair daqui. Vou pedir minha licença-prêmio, Felipe. Vai vencer uma licença agora e vou cair fora daqui. Eu não vou ficar aqui sozinho. Felipe tu ficastes muito tempo aqui sozinho, agora tu não podes sair assim. Eles não podem te deixar sair desse jeito. Isso não vai ficar assim...!”

Contendo minha surpresa com aquela reação passional procurei ser breve e lembrei a ele que aquele caso do Delegado Evaldo Bosle precisaria ser revisto, pedi para que ele pensasse melhor que tinha manifestação minha sobre caso idêntico... que procurasse o Delegado Valério Brito e pegasse o processo de volta. Garcez ficou preocupado e argumentou:

- “Tá vendo, é por isso que é importante tu estares aqui. Se tu estivesses aqui eu teria conversado contigo. Agora não sei se vai dar mais tempo”.

Insisti para que ele procurasse rapidamente o Valério Brito. Depois que deixei a “Assistência Jurídica” voltei meus pensamentos para a insegurança do Delegado Garcez e sua solidão... Também, fiquei imaginando como as coisas estavam imprevisíveis na Chefia de Polícia, realmente o Delegado Dirceu Silveira parecia perdido, sem chão, sem projetos, sem credibilidade... e me perguntei se seria tão imprescindível assim na área jurídica e de assessoramento? Pelo que soube, nem o grupo funcionava mais, tudo se perdeu, os projetos simplesmente não existem mais... seria o fim da “Era Dirceu Silveira?”