PARTE CDLIII – “ENCONTRO COM O DELEGADO HÉLIO NATAL DORNSBACK (CHAPECÓ) E A ZONA ‘Z’: O COTIDIANO DA POLÍCIA E DELEGADOS, ESCRIVÃES...”.

Por Felipe Genovez | 14/06/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 27.04.2004 – “O Caso do Bordel continua ainda rendendo”:

Cheguei na residência do Delegado Natal, na cidade de Chapecó e como sempre a conversa era sobre a riqueza do nosso cotidiano.  Começamos fazendo comentários sobre velhos conhecidos nossos, como a ex-policial Zelir (Bonetti), as policiais civis  Carmela, Zanini, Ivanilde, Salete, o policial Tête... e tantos outros.  Revelei que na época que era Delegado em Chapecó (1984) acabei estabelecendo uma relação de proximidade com  Zelir e se não fosse o destino.  Relatei para Natal que naqueles tempos tinha uma namorada em Criciúma e que acabei preferindo não iludir Zelir com falsas promessas. Depois, no ano seguinte, já estava comprometido e Zelir foi a Florianópolis me visitar, mas já era tarde demais...

Lamentei pelos nossos destinos que poderia ter sido bem diferente caso tivesse dado certo. Zelir acabou se acidentando com um namorado (faleceu) mais tarde o que acabou determinando sua vida para sempre. Depois disso a sua vida não foi mais a mesma, até sair da Polícia...  Natal me perguntou sobre minha relação de amizade com a Escrivã Carmela, e eu relatei que era uma profissional muito comprometida e  que havia um respeito mútuo.

Depois disso Natal ainda lembrou que Carmela tinha uma atenção especial comigo, tudo boas lembranças do passado. A seguir Natal relatou que Dirceu Silveira veio mais tarde para Chapecó e namorou com Zelir, inclusive, teria prometido casamento para ela (Dirceu Silveira havia me confirmado esse fato num almoço...). Só que deixou Zelir na mão, dizendo depois que não queria mais saber dela, tendo ido embora de Chapecó...

Natal ainda relatou que Dirceu Silveira quando chegou em Chapecó no ano de 1986, uma das primeiras coisas que fez foi ir para a “Z.”, localizada na saída para Coronal Freitas, acompanhado de alguns policiais, determinando que fossem fechadas boates..., comiam, bebiam..., mas nunca pagavam nada. Fiquei pensando como era incrível  a capacidade de Natal contar essas estórias com ares de uma pessoa intransigente, especialmente, julgando a conduta de colegas Delegados... Isso também lhe infundia ares altivos, moralizantes..., dando a impressão de se estar diante de um “czar”. Perguntei para Natal como era que tinha sido a última Operação Veraneio em Garopaba. Ele já havia me telefonado relatando como foi e que encontrou a Delegacia com cerca de trezentos inquéritos atrasados e um Delegado sozinho perdido no meio de tanto serviço e para variar, ainda, com um tumor maligno na garganta... Natal havia sentenciado numa conversa por telefone que esse colega não passaria do mês de março.  Depois disso soube que  a referida autoridade policial havia se licenciado e nunca mais teve notícias dela.

Retornando ao momento, Natal argumentou que entrava governo e saia governo e os Delegados haviam virado camaradas uns dos outros, pois um era nomeado Delegado Regional num governo e acertava com o que deixou o cargo onde queria ficar... No governo seguinte, voltava o que saiu e o que deixava o cargo escolhia para onde queria ir... Natal relatou que o Delegado Regional de Laguna (Manoel Teixeira) estava criando camarão e que possuía dois tanques, inclusive, que ganhava muito dinheiro com esse negócio, além do mais era Delegado Regional e podia administrar seus negócios de perto. A seguir revelou que acabou tendo uma desavença com o Delegado “R.B. de Laguna durante a última Operação Veraneio:

- “Fizeram  uma reunião na Delegacia Regional de Laguna para decidir sobre a divisão dos serviços e eu disse que não iria pegar Imbituba. Não é que o cara mandou eu ‘tomar banho’. Ele disse que se eu estava ali sendo muito bem pago eu tinha que pegar mais comarca e mandou eu ‘tomar banho’. Rapaz, eu olhei para ele e disse: ‘vai tomar banho você, a tua mãe, a tua família...’. Mas aí entrou a turma do deixa disso. Eu esperei ele na saída, eu ia pegar ele, ah eu ia, mas ele saiu antes de terminar a reunião. Ele tem um problema no braço, é grandão assim como você. Mais tu acreditas que num final de semana que eu estava lá de plantão na Delegacia em Laguna não é que ele me apareceu no sábado e depois no domingo para ver se eu estava trabalhando? Eu sei que ele foi lá só para me espiar. Ele fez amizade com um  Escrivão e um Comissário lá, uma turma que encheu o ‘c.’ dele de camarão, sabe como é que esses puxa-sacos...  Mas deu bom, deu para tirar um bom dinheiro. Eu estava apertado, com imposto para pagar, foi o que me acabou salvando. Foi o Collato que me arranjou. Ele teve consideração comigo...”.

Fiquei contente pela atitude do Delegado Márcio Collato, pois apesar de não ter muito amizade com ele, já havia produzido vários pareceres a seu pedido e depois sendo “amigo de Natal também passava a ser meu amigo”, pensei.  Natal era uma pessoa iluminada, porém, mal compreendida, apesar ter seus “graves” defeitos, mas quem não têm. A diferença era que Natal era uma pessoa “sui generis”, tinha personalidade, caráter e possuía, acima de tudo, luz própria. Seus defeitos acabavam ficando muito pequenos. 

Retornando a nosso diálogo acabei relatando as diferenças que tive com o Delegado Maurício Noronha (Presidente da Adpesc) em razão de posições ideológicas, classistas... Relatei que Noronha havia mandado correspondência para os associados dizendo que a LC 254/2003 assegurou aos Delegados isonomia com os Procuradores do Estado. Relatei que certo dia havia me encontrado com Noronha e cobrei dele onde constava expressamente em lei esse direito (isonomia salarial). Disse para Natal que os Procuradores não possuíam dedicação exclusiva, portanto, podiam advogar e trabalhar só no período da tarde, já que na parte da manhã alguns possuíam escritório de advocacia... Já os Delegados tinham dedicação exclusiva.  Argumentei que nesse encontro do qual estavam presentes os Delegados Tim, Valquir, Wilmar, Braga e Valdir o Delegado Artur Régis também estava presente. Noronha teria dito que tinha uma ‘carta na manga’ e eu ponderei que se fosse a aposentadoria dos policiais isso era relativo porque se tratava de um direito de todos os policiais, não só dos Delegados e que foi um erro amarrar os Oficiais da PM, todos os policiais militares, policiais civis e mais os Agentes Prisionais aos vencimentos dos Delegados de Polícia, e que restava aos Delegados, se não reivindicar para todos...  Estrategicamente isso não iria funcionar porque o governo sempre virá com aquela velha justificativa da repercussão financeira.  Ainda, argumentei  :

- “Natal, os Oficiais da PM e todos os policiais militares continuam a se aposentar com trinta anos, contam todo o tempo de Academia.  Os PMs com quarenta e cinco, quarenta e sete anos vão para casa e nós? Nós, Natal, temos que trabalhar até o sessenta anos. E eles falam  em isonomia, ora, isonomia só para o que é vantajoso para eles, ninguém tem coragem de dizer a verdade e veio o Noronha querendo contar vantagem. Nessa lei os Delegados serviram de ‘bobos da corte’. Os Procuradores estão numa boa, pois ainda além de não terem dedicação exclusiva ainda recebem o auxílio combustível. Os Oficiais da PM continuam a se aposentar aos trinta anos e nós?   Bom, esse negócio da aposentadoria começou no governo passado com o Governador Esperidião Amin colocando no ‘r. dos p’, com a covardia dos nossos dirigentes da Adpesc e da cúpula da Polícia Civil. E agora vem o Noronha com essas negociações... Bom, passado um tempo eu encontrei o Noronha novamente, ele estava na sala do Tim, junto com o Valquir e com o Braga.  O Delegado Régis também estava junto com ele, e o Braga disse que ele e o Noronha eram como, não lembro, é uma espécie de ‘Rômulo e Rêmulo’, não...”. 

Natal interrompeu:

- “Sei, são ‘tico e teco’”.

Continuei:

- “É isso mesmo, estão sempre juntos. Mas nessa ocasião o Noronha já estava arredio comigo. Logo que meu viu entrar já ficou louco para sair, mas eu não me contive e fui direto: ‘Olha, eu estou esperando a  tal carta na manga, quero só ver a tua carta na manga’. Rapaz, o Noronha me olhou e foi dizendo: ‘eu estou percebendo nas tuas palavras uma ‘certa ironia’. Tu estais querendo me esnobar... os Delegados vão receber horas extras, nunca receberam antes’, isso é uma conquista’. Olha Natal quando ele me disse aquilo eu imediatamente contraditei: ‘Mas por que juiz e promotor não querem saber de hora-extra, heim Noronha? Um Desembargador ganha mais de vinte mil mensais, um juiz de quarta entrância ganha mais de dezesseis mil... Os Procuradores de Justiça também..., só trabalham no período da tarde?’ Veja Natal, tu fizestes horas extras no verão, fosse para Garopaba trabalhar na operação veraneio e quanto é que deu o teu salário todo com as horas extras? Talvez uns dez, doze mil reais. Imagina, você um Delegado Especial, chegou a metade do que ganha um Desembagador. E tem mais Natal, os nossos Delegados com essa hora-extra vão se acovardar daqui para frente, ninguém vai reivindicar mais, não vão bater de frente com o governo..., podes escrever isso. Para não perderem essas horas extras eles não vão querer se contrapor à cúpula, vão ficar quietinhos... Outro problema, os nossos Delegados não vão querer se aposentar. Imagina, um  Delegado para ser Delegado Regional recebe seiscentos, setecentos reais de gratificação, mas se ele faz horas extras faz dois mil e poucos reais por mês. É muito dinheiro. E como ficam os aposentados? Podes escrever, o Noronha não vai reivindicar mais nada e tu Natal não vais querer te aposentar para não perder esse dinheiro...”.

Natal concordou e disse que fazia muita diferença para ele.  Lamentei e pedi que ele anotasse que aquelas horas extras para Delegado na verdade era um “ovo da serpente”, uma espécie de “presente de grego”. Natal serviu cerveja e mais uma “pinga” especial e eu acabei ficando meio que passado, mas não fora de controle. 

Em seguida conversamos sobre história e eu acabei revelando que estava pesquisando para escrever um livro sobre “Lúcia C.”. Perguntei onde funcionava a Delegacia de Polícia na década de vinte do século passado e ele não soube me responder. Contei um pouco sobre a história de Lúcia K. M. e depois L. C. que esteve presa na Delegacia de Polícia de Chapecó possivelmente entre os anos de 1926-1930, quanto ela conheceu o então Tenente T. B. M. (mais tarde, quando deixou o Dops, ingressou na magistratura) e passaram a viver juntos por algum tempo.  Natal ficou impressionado com essa história e revelei outra envolvendo o “Doutor O. F.” de Tubarão, sogro de Serafin Bertazzo de Chapecó.  Contei que o doutor “O.”  também era avô de M. L. (ex-Sander) e que o “D. O.” teve três esposas, sendo que a primeiro apareceu enforcada (sogra de Serafim), a segunda morreu dizem que envenenada e a terceira comentaram que morreu em circunstâncias anômalas. Natal ficou mais impressionado e eu revelei que essas histórias do passado faziam parte da nossa história, apesar de serem tragédias familiares difíceis de serem pesquisadas e divulgadas... Natal fez uma advertência:

- “Tens que tomar cuidado, pois podem te processar... Tens que ter autorização da família para escrever a história dessas pessoas... Se tu ganhares dois mil vais acabar tendo que pagar cinco de indenização...”.  Argumentei que essas histórias vão ficar para depois que eu morrer. Natal insistiu ainda que meus familiares poderão ser penalizados... Insisti que não.  Pedi para que Natal descobrisse pessoas idosas da cidade que soubessem um pouco da história local e lamentei que alguns já tivessem falecido... Por volta de seis horas chegaram Celeste (esposa de Natal), Emiliano (filho de Natal) e mais a filha adotiva (não lembrei o nome).