PARTE CCLXXXV – “JORNADA DE TRABALHO E SALÁRIOS DA POLÍCIA-CIENTÍFICA: O PESO E O FATOR MÉDICOS-LEGISTAS?”

Por Felipe Genovez | 10/05/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 17.10.2001 – “Rachadel provocando Lipinski”:  

O Delegado Rachadel havia recebido um documento do Delegado Regional de Criciúma  e como seu “Assistente Jurídico” encontrava-se prestando serviços no gabinete do Secretário Chinato (Consultoria Jurídica), mandou o documento para que a Delegacia-Geral se manifestasse:

“ESTADO DE SANTA CATARINA - SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA - DELEGACIA-GERAL DA POLÍCIA CIVIL - Informação n. 102/GAB/DGPC/SPP/2001 - Interessado: Delegado-Geral da Polícia Civil - assunto: solicitação – IML – Criciúma - Em atenção à CI n. 5079, datada de 17.10.2001, deste Gabinete e  considerando os termos da CI n. 087/IML/2001, datada de 10.07.2001, os legistas/Criciúma argumentam que: a) o IML é o local adequado para se proceder os exames de lesões corporais; b) a realização de exames periciais dessa natureza em local diverso contraria disposições previstas no Código de Ética Médica (arts. 4o, 5o, 8o, 11, 16, 23, 30, 47 e 53, parágrafo único; c) excetuando-se, apenas nos casos de morte violenta, poderá ser procedida  a “localística ou o exame em necrotério apropriado”; d) não há condições técnicas, independente da legislação citada, dos legistas se deslocarem aos estabelecimentos hospitalares para realizar tais exames; e) em razão dessas considerações, requerem que as autoridades policiais/Criciúma não solicitem exames de corpo delito em hospitais, salvo no caso de morte violenta em que o mesmo lá chegue, a fim de facilitar o trabalho pericial médico legal. 1. Por primeiro, forçoso se transcrever os dispositivos especificados pelos autores (Código de Ética Médica) e que não servem de fundamento objetivo ao pleito em questão:  “Art. 4° - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão. Art. 5° - O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente. Art. 8° - O médico não pode, em qualquer circunstância, ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho. Art. 11° - O médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiver conhecimento no desempenho de suas funções. O mesmo se aplica ao trabalho em empresas, exceto nos casos em que seu silêncio prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador ou da comunidade.Art. 16° - Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital, ou instituição pública, ou privada poderá limitar a escolha, por parte do médico, dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para a execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente. Art. 23 - Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente. Art. 30 - Delegar à outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica. Art. 47 - Discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Art. 53 - Desrespeitar o interesse e a integridade de paciente, ao exercer a profissão em qualquer instituição na qual o mesmo esteja recolhido independentemente da própria vontade”. 2. O foco do pedido se circunscreve à necessidade de se coibir que os legistas se desloquem até Hospitais para realizar exames de corpo delito quando, segundo entendem, deveria ser realizados restritivamente no IML local. Sucede que os dispositivos invocados em momento algum vedam que os legistas realizem seus exames periciais em local diverso do IML.  3. Entretanto, a bem da verdade, o esteio da iniciativa dos autores encontra suporte bem mais pragmático na legislação policial civil, isto é,  o local de trabalho dos legistas é o IML, onde devem realizar/empreender  jornada de trabalho de quarenta horas semanais (ex vi do art. 81, par. 1o, da Lei n. 6.843/86 – Estatuto da Polícia Civil c/c art. 6o, da LC 55, de 29.05.92, com aplicação da Resolução n. 12/DGPC/SSP/94).  Também, porque a Portaria n. 0781/SSP/99 (DOE  n. 16.296, de 23.11.99), em seu art. 1o, estabelece que “a jornada de trabalho dos servidores lotados e em exercício na Secretaria de Estado da Segurança Pública é de 40 (quarenta) horas semanais, cumprida em expediente de 8 (oito) horas diárias (...)”. Registre-se que a direção da Polícia Civil, além dos preceptivos citados, tem adotado rigor no controle da jornada de trabalho dos policiais civis (ficha de ponto), especialmente, daqueles que estão em atividades finalísticas  (Delegacia-Geral, Delegacias Regionais de Polícia, Delegacias de  Polícia de comarca e etc.), com restrições do gozo de férias e licenças-prêmio, adoção do “horário de verão” (CI 5061/DGPC/Circular, de 16.10.2001) situação esta agravada pela carência de policiais e a inexistência de concursos públicos para os cargos em vacância.  Como conclusão,  recomendo o acatamento da solicitação formulada pelos médicos legistas, eis que – como aduzem e considerando a jornada diária de oito horas de trabalho (ou regime de plantão) -  o IML se constitui o local adequado para o exercício dos exames de corpo delito, cuja providência, além de estar em consonância com a legislação vigente, assegura igualdade de tratamento para todos os policiais civis. Recomendo, também, que o Titular da 6a DRP/Criciúma adote as providências necessárias com vistas a disciplinar o funcionamento dos serviços periciais do IML local. Florianópolis, 17 de outubro de 2001 - Felipe Genovez - Delegado de Polícia EE”. 

“Jô Guedes” ao ler o documento me veio perguntar algo e aproveitou para dizer:

- “Entendi o que eles estão querendo e também entendi a sua alfinetada!”

Fiquei curioso e perguntei:

- “Sim, o que tu achas? Estou certo ou não?”

“Jô Guedes” respondeu:

- “Claro que sim, eu concordo!”. 

Na verdade eu queria dizer muito mais e quase citei o seguinte artigo que tratava dos desmandos, partindo do macro para o micro (mas não o fiz):

“(...) É evidente que há uma carência fundamental de justiça. Não me refiro à justiça social, que não pode ter melhor caracterização que a exposta pela Cepal.  É justiça no sentido judicial. A justiça que se esperaria de um tribunal incumbido de julgar os governantes que degradam os seus países (ou Estados, ou municípios), devastando-lhes o potencial econômico, arruinando-lhes o patrimônio e condenando populações à vida infame. Os códigos tratam de crimes econômicos, crimes políticos e crimes administrativos. Tratam de incúria, de lesa-pátria, desserviços  aos interesses e à segurança do país. Que direito desconhecido, no entanto, isenta os governantes de serem também submetidos ao que predizem os códigos, se incidirem no que, para outros, é passível de julgamento e punição? Tribunais de governo. Sua simples existência reduziria muito a traição do presente e do futuro de países hoje tão facilmente infelicitados” (Folha de São Paulo, 17.10.2001, pág. A5)”.

Um dos grandes desafios da área pericial sempre foi o fato de que os Peritos Criminalísticos não têm dedicação exclusiva, mais ainda, no caso dos médicos-legistas, especialmente, no interior do Estado, eles trabalhavam nos seus consultórios e hospitais, pois não existia um “IML” em cada cidade (sem contar que possuíam auxiliares para executar serviços de necropsia, então em muitos casos recebiam tudo pronto...). Muitos Peritos também possuíam escritórios de engenharia, arquitetura e etc., portanto, poderiam ter  outras fontes de rendas considerando o horário mais flexível de trabalho. Nas lutas reivindicatórias uma das dores de cabeça sempre foi as disputas salariais internas, pois o pessoal da perícia sempre buscou se nivelar aos Delegados. No entanto, sem se considerar as responsabilidades dos Delegados de Polícia (administrar uma repartição ou órgão policial, presidir procedimentos policiais, prestar contas de seus serviços à sociedade,  à imprensa, ao MP, ao Judiciário..., responder à requisições da Justiça em várias frentes, administrar pessoal, viaturas, bens e ter que prestar contas, controlar diligências investigatórias...) que vão muito além de uma diligência pericial e um laudo... Sim, o trabalho de todos sempre foi de alta relevância, mas seria preciso justiça no tratamento de atividades tão desiguais. Tinha que se levar em conta que o maior poder e prestígio político que não estava centrado só nos Delegados, mas também nos silenciosos e distantes médicos-legistas que sempre foram aliados dos primeiros, especialmente, no que dizia respeito ao fator emancipação da Polícia Técnico-Cientifica da Polícia Civil. Então, mexer com médicos-legistas sempre exigiu cuidados redobrados por parte dos Delegados de Polícia, sob pena de se bandearem para o lado dos Peritos e daí fortalecerem a luta na questão salarial e na desvinculação da Polícia Civil. Nessa seara muitos Delegados sempre foram favoráveis ao atendimento das reivindicações do pessoal da área de perícia, mas teria que haver também a lei da contrapartida e o custo disso para a sociedade, considerando o engessamento do Estado. Com a criação da Procuradoria-Geral e unificação dos comandos das polícias acredito que esse problema dos Peritos poderia ser equacionado com a participação deles no segundo grau das carreiras e, também, com a Polícia Técnico-Científica dirigida por eles dentro da Polícia Civil.