PARTE CCLXXXIV – “A ‘ERA LIPINSKI’ E O CASO ENVOLVENDO O DELEGADO ILSON SILVA”

Por Felipe Genovez | 10/05/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 17.10.2001 – “Brincando com os Destinos dos Policiais?”

O caso do Delegado Ilson Silva (a exemplo dos casos envolvendo os policiais Guilherme Genovez, ‘Brasil...) era digno de registro e entrar para os anais da história:

“ESTADO DE SANTA CATARINA - SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA - DELEGACIA-GERAL DA POLÍCIA CIVIL - Informação n. 101/GAB/DGPC/SPP/2001 -  Interessado: Delegado-Geral da Polícia Civil - Assunto: Processo Disciplinar n. 004/01/CGPC/DGPC/SSP/2001 (Ilson Silva) - Em atenção a CI n. 5037, datada de 15.10.2001, deste Gabinete, venho prestar as seguintes informações: I - Quanto à peça inaugural (Portaria n. P-No 008/SSP/DGPC/CGPC/2001, DOE n. 16.590, de 29.01.2001): a) o art. 227, da Lei n. 6.843, de 28.07.86 (Estatuto da Polícia Civil – EPC/SC) estabelece que “o processo disciplinar será realizado por uma comissão de 3 (três) funcionários efetivos, de padrão ou nível igual ou superior ao do acusado”; b) sem precisar adentrar, porque me parece bastante óbvio, à questão da necessidade dos membros da comissão serem escolhidos dentre policiais de igual ou superior padrão ao do acusado, os presidentes das comissões de processo disciplinar possuem ascendência hierárquico sobre os demais membros. Como comprovação dessa assertiva, vale registrar que são atribuídos aos mesmos os seguintes deveres: 1. designar servidor para secretariar os trabalhos da comissão (art. 122, EPC/SC); 2. determinar a autuação do feito (art. 230, EPC/SC); 3. proceder a citação e intimações às partes no processo (arts. 230, 231 e 232, par. 4o, EPC/SC); 4. representar acerca da necessidade do afastamento do acusado do exercício de suas funções (art. 224, par. 2o, EPC/SC); 5. nomear defensor para o acusado (art. 231, par. 1o, EPC/SC e 263, CPP); 6. ordenar a condução coercitiva do acusado (art. 232, par. 1o, EPC/SC); responder fundamentadamente os requerimentos formulados pelas partes (art. 160, EPC/SC); 7. presidir o interrogatório do acusado e todos os demais atos de instrução (arts. 232, par. 2o e 233, EPC/SC); 8. formular livremente perguntas às  testemunhas (art. 233 e ss., EPC/SC c/c 202 e ss., CPP), facultando aos vogais e à defesa a mesma prerrogativa, após esgotada a sua inquirição; 9. decidir acerca da retirada do acusado do recinto onde estiver se verificando a ouvida das testemunhas (art. 233, par. 4o EPC/SC c/c 217, CPP); 10. decidir sobre a conveniência da aplicação de medidas assecuratórias (arts. 125 e ss., CPP c/c 239, EPC/SC); 11. decidir sobre a conveniência da realização de investigações policiais, diligências e outros procedimentos necessários à busca da verdade real, especialmente, aqueles previstos no art. 6o, respectivos incisos e 226 e ss., todos do CPP;  12. assinar despachos dentro dos autos; 13. prestar as informações requisitadas por autoridades superiores; 14. requisitar documentos ou quaisquer provas necessárias à elucidação dos fatos;  15. convocar e presidir todas as reuniões das comissões disciplinares para deliberar sobre quaisquer assuntos de seu interesse; 16. sanear, sempre que julgar conveniente, os autos; 17. representar acerca da necessidade de aditamento da inicial ou quando se tratar de  dar ao fato nova definição jurídica (arts. 383 e 384, CPP); 18. representar pela absolvição do acusado (art. 386, respectivos incisos, CPP); 19. assinar o relatório final dos trabalhos propondo a decisão e, se for o caso, apresentar dosimetria com fixação da pena  (arts 204, caput e 235, par. 2o, EPC/SC  c/c 387, respectivos incisos, CPP). a) O art. 239, EPC/SC  dispõe expressamente sobre a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal no âmbito da Polícia Civil/procedimentos disciplinares. Nesse sentido, foi incorporado à figura do presidente da comissão as mesmas prerrogativas e restrições previstas para o magistrado na condução do processo criminal (arts. 251 e ss., CPP). “Para que uma sindicância realize seus trabalhos com competência e alcance os seus objetivos, são necessário que os seus membros sejam dotados de várias qualidades, entre elas podemos citar, por ex.: inteligência, dignidade, honestidade, equilíbrio, desembaraço e espírito de justiça. Pois só assim poderão levar os seus trabalhos a bom termo (...)”  (Edson Jacinto da Silva, Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar, Editora Direito, SP, 1999, pág. 32). Na escolha do presidente da comissão, essas qualidades deverão ser ainda muito mais determinantes, adstringindo-se fundamentalmente aos princípios que regem a instituição policial civil. Quanto a isso é preciso invocar os princípios previstos expressamente no art. 37, da Carta Maior Política que fixa a “legalidade” como alicerce essencial à edificação de todos os atos administrativos:  “A Administração Pública está ‘presa’  aos cânones da lei. Só  pode fazer o quê, quando e como a lei autoriza. ‘Suporta a lei que fizeste’. Difere do particular, que pode fazer tudo o que a lei permite e o que ela não proíbe (autonomia da vontade) (art. 5o, II, DV). Define o limite da autuação administrativa do Estado (...)” Abraão José Kfouri Filho, Compêndio de Direito Administrativo, 2a ed., Terra, SP, 1998, pág. 44);  b) o art. 6o, do Estatuto da Polícia Civil,  consagra dois princípios básicos que devem ser observados na instituição: “A atividade policial, por suas características e finalidades, fundamenta-se nos princípios da hierarquia e disciplina”. O art. 7o, do mesmo ordenamento jurídico citado, predispõe expressamente que essa hierarquia “alicerça-se  na ordenação da autoridade, nos diferentes níveis que compõem o organismo da Polícia Civil, entendendo-se que a classe superior tem precedência hierárquica sobre a classe inferior e entre funcionários da mesma classe, o mais antigo precede o mais moderno”. A preocupação do legislador foi tão expressiva com a matéria, ao ponto de estabelecer como  falta disciplinar qualquer violação a esse princípio, conforme promana dos arts. 208, XVI e 209, III, ambos do EPC/SC. Sobre o assunto, de maneira singular, doutrina o jurista Celso Bandeira de Mello: "(...) Princípio que já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito  e recinto de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá o sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção a princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo  sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme  escalão de princípio atingido, porque representa insurgência contra todo  sistema, subversão de seus valores  fundamentais, contumélia irremissível  a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, como ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e aluí-se toda a estrutura neles esposada” (Elementos de Direito Administrativo, RT, SP, 1ª. Ed., pág. 230)" (sublinhei); c) o princípio da hierarquia se aplica também em relação (art. 227, EPC/SC). Sobre o assunto pode-se dizer que “(...) ‘A comissão – especial ou permanente – há que ser constituída por funcionário efetivo, de categoria igual ou superior à do acusado, para que não se quebre o princípio hierárquico, que é o sustentáculo dessa espécie de processo administrativo’ (...)”(STJ, MS 5636, Rel. Min. Edson Vidigal). Esse princípio maior rege tanto a relação dos membros da comissão para com o acusado, como também a composição da própria comissão não só por força de interpretação lógica/indutiva, como também por força de dispositivos legais estatutários expressamente mencionados. Aliás, o Estatuto da Polícia Civil assegura como prerrogativa às autoridades policiais: “uso das designações hierárquicas (I); garantia do uso do título em toda sua plenitude, com as vantagens, prerrogativas e deveres a ele inerentes (...) (II); desempenho de cargo ou função correspondente a condição hierárquica (III)”. Na declaração de voto do MS 5636 consta: “(...) Legalidade objetiva. O princípio da legalidade objetiva exige que o processo administrativo seja instaurado com base e para preservação da lei. Daí sustentar Giannini que o processo, como o recurso administrativo, ao mesmo tempo em que ampara o particular, serve também ao interesse público na defesa da norma jurídica objetiva, visando a manter o império da legalidade e da justiça no funcionamento da Administração. Todo processo administrativo há que embasar-se, portanto, numa norma legal específica para apresentar-se com legalidade objetiva, sob pena de invalidade (...)”;  d) para se estabelecer uma analogia, outras instituições públicas ao constituir suas comissões disciplinares, mesmo sem o rigor estabelecido no diploma policial civil,  utilizam-se do princípio da hierarquia para escolher o presidente dos trabalhos. É por essa razão que não se vê constituída uma comissão presidida por juiz de direito e integrada por desembargadores para apurar falta por magistrado de primeiro grau. No mesmo sentido, também não se vê comissão de processo disciplinar presidida por promotor e integrada por procuradores de justiça para apurar falta pratica por membro de primeiro grau do Ministério público. Outro exemplo vem da nossa Polícia Militar, onde se desconhece um único caso de comissão disciplinar presidida por tenente e integrada por coronéis para apurar falta de subordinado; e) a comissão instituída pela Portaria n. 008/SSP/DGPC/CGPC/2001, ao atribuir a presidência à autoridade policial de graduação inferior (Quarta Entrância) a dos dois vogais (Entrância Especial), transgrediu princípios estatutários e, mais, violou disposições disciplinares, conforme se vê: “(...) É cediço que a administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais” – Súmula n. 473 do STF. “(...) 2. Ato administrativo flagrantemente contrário à lei é nulo e deve a Administração Pública corrigi-lo (...). Ao tomar conhecimento do erro em que havia laborado, a autoridade administrativa, in casu, decidiu acertadamente  e em consonância com o enunciado  das Súmulas  346 e 473 do Pretório Excelso, tornando sem efeito o ato manifestamente ilegal (...)’ (RMS n. 1.544-0, Min. Demócrito Reinaldo; RE n. 185.255-1, Min. Sydney Sanches)” (MS n. 97.010883-4, Capital, Rel. Des. Newton Trisotto, DJ n. 10.314, de 07.10.99, pág. 27);  f) por essas razões, o processo disciplinar é nulo desde a portaria vestibular. II – Sob enfoque da aplicação de sanções disciplinares, a requisição ministerial (MP/Urussanga) para instauração de inquérito policial - com vistas à apuração dos fatos narrados na portaria inaugural -  ocorreu em data 3.12.1998 (fls.12). Na melhor das hipóteses, perfilando o interesse perscrutório/punitivo da Administração Pública, entendo que se deva fixar essa data como aquela em que a autoridade policial competente (Delegado de Polícia da Comarca de Urussanga) tomou conhecimento oficial das irregularidades  praticadas pelo acusado, em cujo momento deveria ter adotado as providências disciplinares (art. 224 caput EPC/SC). Registre-se que há prova nos autos  que o acusado devolveu o objeto referido na exordial antes daquela data. (fls. 17). A deflagração do procedimento disciplinar ocorreu em data de 29.01.2001 (fls. 02/03), ou seja, passados mais de dois anos do conhecimento oficial dos fatos, o que, em consonância com o que estabelece o art. 244, I, EPC/SC, impõe reconhecer a ocorrência de lapso prescricional, considerando a proposta de suspensão disciplinar proposta pelos membros da comissão disciplinar (fls. 234 e ss.). Diante dessas considerações, recomendo o arquivamento dos autos. Florianópolis, 17 de outubro de 2001 - Felipe Genovez - Delegado de Polícia EE”.