PARTE CCLXXXII – “O POLICIAL BRASIL NO TRILHO DO CADAFALSO? E O DESAFIO DO DELEGADO DAMÁSIO MENDES DE BRITO”

Por Felipe Genovez | 10/05/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 16.10.2001, horário: 17:30 horas:

Resolvi dar uma saída porque não estava suportando uma dor de cabeça e encontrei “Jô Guedes” no primeiro degrau da entrada da Delegacia-Geral. Ela estava esperando seu esposo (Inspetor Jucenir)  para ir numa feira (“Direto do Campo”). Logo que me aproximei “Jô Guedes” me chamou de volta – estava indignada - para contar mais uma:

- “O rapaz passou por mim agora, estava lá em cima aguardando para falar com o doutor Lipinski que  foi embora dizendo que não iria recebê-lo, passou por mim agora, estava  com a Cleusa,  embarcou no carro e foi embora”.

Transcrevo aqui a parte final do texto (Informação n. 100/GAB/DGPC/SPP/2001):

“(...) IV – Da avaliação probatória consta que: 1. o relatório encaminhado aos  superiores no mês de junho de 1998, deixa patenteado a excelência dos serviços desenvolvidos pelo acusado, cujos trabalhos – segundo noticiam os autos - chegaram também ao conhecimento da Câmara de Vereadores de Camboriú (fls. 111 e ss.); 2. a maioria das testemunhas – conforme já foi pontificado - não deixaram dúvidas acerca da dedicação do acusado não só a sua repartição policial, mas também quanto a sua visão acerca da instituição que honra e que deve servir de inspiração para muitos policiais civis, o que se pode observar do editorial que escreveu para a revista “Momento Policial” (fls. 138 e ss.): “(...) Sabendo, então, do universo de atividades que englobam  a atividade Policial Civil, e da importância que ela representa para a SEGURANÇA PÚBLICA, e para o desenvolvimento da SOCIEDADE, é que vim me apaixonar por esta profissão (...). Desta forma, lembrei-me de algumas estrofes de uma poesia de autor desconhecido, com o qual vou finalizar minha humilde colaboração para com esta revista: ‘Tanta gente ainda não sabe o que a polícia significa e por maldade critica sem conhecer a verdade e é nesta oportunidade parafraseando aos doutores a polícia meus senhores é o exército da sociedade para vos dar o sossego lutamos de fronte erguida arriscamos a nossa vida para proteger as vossas gente que ainda faz troça quando somos pisoteados dão razão aos renegados as razões que eram nossas essa gente erra senhores quando não erra se engana mas errar é coisa humana quando o engano não o vem mas se o policial errar também há sempre alguém que entrega e finge que não enxerga se o policial  faz o bem...”. (...) 4. no relatório final os membros da comissão pediram pela demissão do acusado com base no art. 210, X, do Estatuto da Polícia Civil – (Lei n. 6.843/86). Quanto, ainda, a esse  documento há necessidade de se formular alguns considerandos: a) os membros da comissão se surpreenderam que o servidor municipal tenha funcionado como condutor nos autos de prisão em flagrante, circunstância esta comezinha e  legitimada quando exercida por qualquer do povo e -  com muito mais razão – quando tenha como agente ativo servidores públicos à disposição da Polícia Civil (ex vi legis dos arts.  5o, LXI c/c 144,  CF/88 e arts. 301 e ss., CPP; b) adicione-se que historicamente, as funções policiais civis sempre foram exercidas por pessoas da sociedade, independente de concurso público para ingresso na carreira. Cite-se, como exemplo disso, que até o final da década de sessenta o engajamento na corporação prescindia de concurso público. Mais ainda, até bem pouco tempo, o pessoal da Polícia Militar era nomeado para cargos de Delegado de Polícia ou designado para prestar serviços nas repartições policiais, onde participavam ativamente de diligências policiais determinadas pelas autoridades policiais. Mais grave, ainda, registre-se que até o advento da LC 55/92 esses mesmos policiais militares podiam ser nomeados para exercer funções de autoridade policial nas comarcas. Também, tivemos até bem pouco tempo a figura dos “delegados calça-curta”, verdadeiros policiais civis que executavam diversas atividades típicas das carreiras policiais civis, além do pessoal da reserva das Forças Armadas e da Polícia Militar. A partir da década de noventa é que se passou a restringir com mais rigor o exercício das atividades policiais civis; c) também se surpreenderam que o servidor municipal tivesse prestado auxílio nas blitze e acompanhado diligências policiais sempre dando suporte ao acusado. Nesse sentido, no afã de interpretar o depoimento da testemunha Carlyle e utilizá-lo para  justificar a sanção disciplinar,  argumentaram que o policial “mencionou que estes funcionários, apesar de serem pessoas esforçadas, mas por não terem habilitação, traz certo desprestígio à instituição policial, porque não possuem capacitação profissional (fls. 187/189)”. Ora, esse juízo foi esboçado pela testemunha como resultado de uma opinião pessoal. A título de se buscar a verdade, há necessidade de se reprisar exatamente o seu depoimento para cotejá-lo no seu contexto maior: “(...) que, o declarante entende que este trabalho prestado pelos funcionários municipais pela falta de capacitação profissional dos mesmos, ao contrário dos policiais que fazem uma academia, traz certo desprestígio a Instituição Policial, apesar de serem pessoas esforçadas e dedicadas porém não possuem capacitação profissional (...)” (fls. 189). Se fosse perguntado à testemunha o que causa mais desprestígio à instituição: a) uma repartição policial fechada à noite/finais de semana e a inviabilização de investigações policiais por falta de servidores;  ou b) a presença de “esforçados” e “dedicados” servidores municipais coadjuvando os poucos policiais civis, é bem provável que a testemunha optaria pela  primeira hipótese; d) além da documentação anexada aos autos, a mesma testemunha Carlyle teceu elogios ao acusado, já  reportados anteriormente e que foram desconsiderados; e) ponderaram que o acusado realmente utilizou-se do servidor municipal José Carlos Peixer para proceder diligências, investigações e até auxílio em prisões, em situação divorciada com a legalidade, considerando o que estabelece o art. 10, I e II da Lei n. 6.843/86 (Estatuto da Polícia Civil - EPC/SC). Sucede que o Estatuto da Polícia Civil prevê expressamente essa possibilidade: “Os funcionários ou servidores não integrantes da Polícia Civil, quando no exercício da função policial civil, ficam sujeitos as normas desta Lei, no que couber”. Aliás, registre-se de passagem que essa sempre foi uma prática bastante comum, na Polícia Civil; f) levando-se em conta o reduzido número de policiais civis entenderam que o acusado poderia ter usado o efetivo policial civil e o auxílio militar nas investigações, além do auxílio da DPCo de Balneário Camboriú, porém, “jamais” poderia ter usado o servidor municipal José Carlos Peixer como policial. Ora, se tais servidores estão à disposição da autoridade policial para exercer “função policial civil”, por que não poderia lançar mão desse recurso, especialmente, em razão da restrição de pessoal efetivo? g) também, afirmaram que o ato de delegar atribuições somente é permitido por lei, ou seja, o acusado “jamais” poderia delegar atribuições ao funcionário municipal José Carlos Peixer, para exercitar serviços policiais. Não se trata de delegação de competência, ou seja, conforme já foi dito alhures, se é permitido ao cidadão comum prender em flagrante e, se é permitido a detetives ou qualquer pessoa fazer investigações particulares, por que um servidor colocado a disposição da Polícia Civil não pode  cumprir ordens da autoridade policial, especialmente, se possuir qualificações para tanto (adestramento às armas, cursos de investigações, habilitação pericial, experiência policial e etc.)? VII – Conclusão: Uma questão importante para o deslinde dos fatos é que para configuração do art. 210, X, do Estatuto da Polícia Civil, exige-se que o cometimento de encargos que competir a subordinados seja conferido à pessoa estranha à repartição. Pelo que já foi dito anteriormente, “jamais” um servidor público, seja ele federal, estadual ou municipal -  colocado à disposição de uma repartição policial civil -  poderá ser tratado como pessoa estranha à unidade policial, razão porque andaram mal mais uma vez os membros da Comissão ao tratar como tal o servidor José Carlos Peixer que há anos exercia seus encargos policiais civis na DPMu de Camboriú. Por último, em contado estabelecido com o ex-DRP de Balneário Camboriú (13.10.2001) e que atualmente está exercendo suas funções em unidade policial daquela mesma comarca, foi informado que há vários servidores municipais prestando serviços em repartições policiais daquela região, onde – especialmente em razão da carência de servidores efetivos – continuam a exercer funções policiais civis. Por todas essas razões recomendo o arquivamento do feito. Florianópolis, 15 de outubro de 2001 - Felipe Genovez - Delegado de Polícia EE”. 

Sim, vivíamos o que mais parecia um momento das trevas, um surdo silêncio, nosso Afeganistão seria aqui? Parecia que tínhamos os dirigentes e governos que merecíamos.

Horário: 18:15 horas:

Já havia retornado para a “Assistência Jurídica” e chegou “Damazão” (Delegado Damásio Mendes de Brito)”  e eu nem sei como é que pude atendê-lo. Damásio estava o mesmo de sempre, porém, mais para “barril nevado” e pude perceber como nossa geração estava envelhecendo rápido. De qualquer maneira, Damásio não perdia o seu estilo o que proporcionava velhas lembranças,  da sua “Moto Honda 450cc”, de quando eu o visitava na “Chácara da Espanha” (centro de Florianópolis, onde residia com seus pais), e nós cursávamos Direito na Federal (UFSC). Seu sorriso tinha sempre um quê de angelical... e seu jeito sempre denotava um misto  “bonachices” e “vivacidade”, sem perder certos ares de alegria pela vida.  Na essência, Damásio sempre foi uma pessoa simples, mas um sobrevivente   e me lançou uma pergunta:

- “Sim Felipe e as promoções, alguma novidade? Eu me inscrevi,  o que me interessa é o concurso de remoção horizontal”.

Disse para Damásio que não sabia de nada e que desde a época da Delegada Lúcia Stefanovich à frente da SSP que atrasaram os processos. Relatei que naquela época a gestão da SSP deveria ter dado exemplo colocando as promoções em dia considerando que tinham tanto poder e que na gestão Lipinski a turma não iria querer bater de frente com o governo. Relatei que na época da Delegada Lúcia criticaram muito  o sistema de promoções e não mudaram nada, ficaram com o foco em construções, o que foi muito importante, porém...  Disse para Damásio que acreditava que o Delegado-Geral Lipinski deveria ter logo os processos de promoções conclusos e que os levaria dentro do prazo legal para o Secretário Chinato, como acontecia com a  Polícia Militar, Ministério Público e magistratura.  Acabamos lembrando que a Adpesc e a Fecapoc  estavam omissas  nas cobranças das promoções e que nem poderíamos falar muito porque no caso do Delegado Mário Martins ele havia recebido uma votação expressiva nas últimas eleições, portanto, tinha o respaldo da categoria que parecia contente com a sua administração, o que fazia esvaziar quaisquer cobranças... Damásio concordou com minha lógica, muito embora não tivesse feito comentário algum, apenas disse que os Delegados deram um cheque em branco para Mário Martins e esperavam a contrapartida. E, finalmente, Damásio desabafou que o que mais queria naquele momento era vir embora para o litoral, claro que só teria a opção do concurso de remoção horizontal ou por meio de promoção. Sim, como eram pequenas as nossas conquistas no campo institucional, todos voltados para os seus umbigos, enquanto isso os projetos simplesmente não existem, ficamos à deriva... e sem esperanças por melhores tempos!