PARTE CCCXXX – “CÚPULAS DAS POLÍCIAS E A ESCALADA DOS JOGOS DE AZAR: LEI INCONSTITUCIONAL E TODOS FINGIAM NÃO SABER?”

Por Felipe Genovez | 23/05/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 01.08.2002, horário: 15:30 horas:

Uma nova visita do Delegado Braga na “Assistência Jurídica” (Delegacia-Geral). Aparentava estar mais calmo do que das outras vezes, mais a vontade... Eu estava sozinho, pois “Jô Guedes” estava de férias e a outra Inspetora estava em casa com o filho doente.  Braga perguntou quando “Jô Guedes” retornaria e eu contei uma mentira:

- “Ela não volta mais!”

Braga pareceu meio frustrado e replicou parecendo bem preocupado:

- “Ela não volta mais?”

Continuei pregando a peça:

- “Sim. Ele vai tirar licença-prêmio, férias e depois outra licença e no ano que vem vai fazer o curso em Brasília”.

Braga argumentou:  

- “Bom, também, Escrivão da Polícia Federal ganha igual a Delegado aqui, né? Mas que pena, uma pessoa tão competente,  Como é que a gente pode perder uma pessoa assim tão competente, heim Felipe?”

Argumentei:

- “Pois é Braga, ela não passou no concurso para Delegado. Perdemos uma pessoa competente. E o marido dela também é muito competente e sério. São duas pessoas valorosas e que vão acabar indo embora. Mais o que adianta, tu vê fizeram esse último concurso e os dois foram reprovados”.

Em seguida, Braga disse que no dia anterior houve uma reunião do Conselho Superior da Polícia Civil e que foi cancelada por falta de quorum. Fiquei curioso e perguntei:

- “Quer dizer que o Lipinski convocou uma reunião do Conselho? Afinal, era para tratar do quê?”

Braga respondeu:

- “O Secretário baixou um ofício circular e mandou para todos os Delegados. Tu precisas ver, o Mário está furioso. Ele ontem iria participar da reunião do Conselho Superior da Polícia Civil. O Mário chegou para a reunião e depois chegou o Moacir Bernardino. Ele foi cumprimentando o pessoal  e quando chegou na vez do Mário tu sabes o que ele disse? Ele disse: ‘este aqui não merece ser cumprimentado. Eu não vou te cumprimentar’. Olha rapaz, tu precisas ver como o Mário se sentiu humilhado. Mas tu vê, o  Conselho Superior de Segurança Pública aprovou que os militares que trabalham no P2 da Polícia Militar poderão ser utilizados nas investigações. Não se trata de uma determinação e sim de uma recomendação do Secretário. O Secretário mandou uma carta para o Mário chamando os Delegados de Burros. Ele disse que faltou ‘exegese’. O que tu entendes por exegese? Não é interpretação?”

Interrompi para perguntar:

- “O Secretário mandou isso diretamente para os Delegados sem passar pelo Lipinski?”

Braga continuou:

- “Mandou. Disse que não era determinação e sim recomendação. Por isso que o Mário pediu essa reunião. Mas ontem não teve quorum. Tu vê, foi só eu e o Peixoto... Ninguém mais veio a reunião e aí o  Lipinski marcou para hoje às cinco horas...”.  

Lembrei que encontrei o Delegado Ademir Serafim (Diretor-Geral do Detran) na Delegacia-Geral no início da tarde. Resolvi interromper Braga novamente para fazer um comentário:

- “Quer dizer que querem colocar o pessoal do  P2 para trabalhar nas investigações? Daqui a pouco a Polícia Militar vai estar investigando crimes.  O Lipinski convocou essa reunião para dividir responsabilidades, podes ter certeza,, ele já acertou isso com o Chinato. Mas vem cá, o Ademir Serafim está fazendo parte do Conselho...? Olha, Braga, o momento é histórico, mas estais certo, tem que haver resistência...”. 

Braga continuou:

- “Eu ontem fui tomar um cafezinho com o Mauro Dutra e fiquei puto da cara. Tu precisas ver. Fiquei puto quando ele me disse que concordava com isso, quando ele disse que tem que integrar, que não há problema algum os policiais militares realizarem investigações... Eu gosto muito dele, mas não adianta, tu precisas ver, eu me irritei com o Mauro. Eu me irritei de ver a tranquilidade dele ao falar isso. Eu disse: ‘espera ai Mauro, eu não concordo,  onde já se viu, os policiais civis não fazem o serviço dos policiais militares...’.  Eu queria ver criar a Polícia Civil fardada, seria uma loucura, eles ficariam loucos, mas eu sei que não adianta. Tu sabes que o Lipinski e o Rachadel são membros do Conselho Superior de Segurança Pública?”.

Respondi afirmativamente. Com relação ao Delegado Mauro Dutra, como já conhecia um pouco a sua personalidade  argumentei:

- “Tais certo Braga. Não dá. O Mauro concorda com tudo, ele é desconectado da realidade...,  quando é contra nossos interesses ele acaba dizendo que é bom, mas fizesse muito bem. Tem que haver resistência...”. 

Depois relatei para Braga sobre um artigo publicado na “Folha de São Paulo” daquele dia (Cotidiano) que mostrava as investidas da Polícia Militar de São Paulo sobre a Polícia Civil nos caos de investigação de crimes de sequestros.  Na sequência Braga me mostrou um artigo de jornal (esqueci de verificar a fonte) que levaria logo mais para discussão no Conselho Superior da Polícia Civil. A matéria tratava de diligencias realizadas pela Polícia Militar de Imbituba em acordo com o Ministério Público local para fechar bares que vendiam bebidas alcoólicas a partir de determinado horário. Braga me perguntou:

- “De quem é a competência, não é da Polícia Civil?”

Evidente que sim, para fechar era da Polícia Civil e aí é que estava dando problemas.  Resolvi mudar de assunto e perguntei como estavam as campanhas dos candidatos policiais. Braga tirou do bolso um santinho do Delegado Ademir Braz de Souza (candidato a  Deputado Estadual/PMDB) e outro do Delegado Mário Martins (candidato a Deputado Federal/PPB). Achei graça do gesto dele e fiz o seguinte comentário:

- “Tais bem. Estais trabalhando para todos os partidos, heim?”. 

Braga externou ares de estratégia correta e disse:

- “Eu tenho que arranjar um candidato do PT!”

Fiquei impressionado com a flexibilidade de Braga que continuou seus comentários:

- “Eu te falei que fui o enterro do pai da Patrícia lá em Rio do Sul na segunda-feira? Ah, sim, eu estava lá e o irmão do Nelson, o Jorge Goetthen  ficou o tempo todo do meu lado”.

Interrompi:

- “O Jorge Goethen é irmão do Deputado Nelson Goethen?”

- “Felipe, tu precisas ver que máfia, meu Deus, eu tive até que me afastar dele. Ele ficava grudado em mim, não me largava o tempo todo. Mas o pessoal me disse lá que o Nelson Goethen tá eleito. Dizem que ele vai fazer uma votação expressiva. Mas o pessoal lá tem ódio dele. Tu precisas ver, o pessoal odeia ele...”.

Fiquei impressionado com aquele paradoxo e Braga continuou:

- “O pessoal lá disse que o Heitor Sché não faz seis mil votos em toda a região de Rio do Sul. Se bem que o Luiz que trabalha ali embaixo comigo disse que não é bem assim. O Julio Teixeira é o pior de todos. Dizem que ele não faz dois mil votos em Rio do Sul e que o total de votos dele não vai passar de dez mil votos. O pessoal lá diz que o Heitor e o Julio não fizeram nada pela região. Agora, Felipe, o Mauricio tá trabalhando, precisas ver... O Carlos e o Marlon estão trabalhando direto para ele. Tu sabias que esse pessoal das máquinas eletrônicas faz reunião entre eles? Como é mesmo que se diz quando se reúne deputados de diversos partidos?”

Arrisquei um palpite:

- “Sei, reunião ‘suprapartidária?’” Braga continuou:

- “Isso. Eles chegam a fazer reuniões suprapartidárias para tratar das máquinas eletrônicas. Eles têm interesses comuns. O negócio deles, independente de partido, é garantir que qualquer governo que venha a ganhar eleições a jogada é manter a Codesc forte. É manter tudo centralizado na Codesc. Eles não querem que a Polícia Civil fique forte, imagina...”.

Depois Braga fez um outro desabafo:

- “Rapaz tu não imaginas o que eu estou passando com aqueles dois lá embaixo. Eu descobri que há sei meses atrás o Carlos tentou me tirar. Fez um monte de intrigas. Eu dou uma ordem, eles agem de forma diferente e dizem que foi eu que mandei. Me colocam no fogo, me colocam contra advogados, tudo só para me queimar. Eu tinha pedido para sair, não estava mais aguentando a pressão. Eu não sei se te contei, mas quando eu descobri que o Carlos há seis meses atrás estava trabalhando para me derrubar fiquei louco. Ah, eu disse: ‘o quê, agora vocês vão ter que me engolir. Não saio mais’. Agora eles estão trabalhando direto para o Maurício. Eles inicialmente não queriam trabalhar, mas o pessoal quando souberam chamaram eles e disseram: ‘vocês vão ter que trabalhar...’”.

Não tinha como não lembrar do ex-Deputado Federal Dércio Knop (um dos maiores defensores da legalização no país...) e da nossa conversa sobre máquinas eletrônicas no Estado, a grande "mina de ouro"... E, resolvi fazer uma pergunta:

- “Mas Braga o Lipinski não sabe disso? E o Secretário... não sabe de nada?” 

Braga respondeu:

- “Sim. O Lipinski sabe tudo o que acontece. Até o Mário já levou relatório sobre os dois lá embaixo para o Lipinski. Não fizeram nada. Eles continuam lá infernizando a minha vida. O Secretário... também sabe de tudo. O pai do secretário é amigo do pai do Carlos.... Não vê, ele estava trabalhando para assumir a gerência!”

Braga se queixou que o Delegado Wilmar Domingues não mantinha mais aquela velha amizade com ele, não lhe cumprimenta e que ele estava terminando o relatório do caso do “Clube Doze de Agosto” e parecia que iria pedir o seu enquadramento por prevaricação, conforme requereu o advogado do Clube. Braga disse ainda que eu e o Wilmar éramos os únicos contra o funcionamento de qualquer estabelecimento que explorasse máquinas eletrônicas e que nossa opinião era isolada. Disse que conversou com todo mundo, especialmente, do Judiciário e todos dizem que a lei estadual tem que ser cumprida. Argumentei:

- “Sim, Braga é certo todos estão envolvidos nessa questão, há um interesse muito grande de vários grupos e pessoas em não contestar a legislação estadual, de políticos, empresários e até a mídia, e o Governador Amin entra de carona nessa história. Imagina quanto que o César Souza não gasta com publicidades nas emissoras de televisão? E tem gente muito forte envolvida com isso?”

Braga interrompeu:

- “São doze mil máquinas eletrônicas funcionando em tudo quando é lugar por aqui. Tem máquinas nos postos de gasolina, padaria, farmácia, próximos à escola. Eu estava falando com o pessoal ali embaixo e perguntei se jogavam muito e eles me disseram que o pessoal chega a fazer fila para jogar. Então tu imaginas, é uma minha de ouro. Eles ganham muito dinheiro com isso. Só que o entendimento teu e do Wilmar são isolados. São só vocês dois que acham que não se deve cumprir a legislação estadual, que ela é inconstitucional...”.

Argumentei:

- “Olha, Braga ninguém está obrigado a cumprir uma lei inconstitucional. Não adianta. É como num caso de homicídio, não  adianta o Estado de Santa Catarina editar uma legislação dizendo que homicídio em casos passionais não é mais crime, dá licença! É como no caso de licenciamento de veículos com multas, imagina se houvesse uma liminar da Justiça determinando que o veiculo teria que ser licenciado, claro que a autoridade de transito poderia licenciar, não seria um absurdo cumprir uma ordem da justiça nessas circunstâncias. Você poderia fazer a mesma coisa, mas só mediante uma liminar...”.

Braga lembrou que tinha recebido muito apoio do Judiciário e era  graças ao mesmo principalmente que estava tendo algum respaldo.  Argumentei que não acreditava que Wilmar Domingues fosse desejar algum mal contra ele. Braga disse pensava o mesmo, mas mostrou-se preocupado.