PARTE CCCLXIX – “A ‘VIA CRUCIS’ DOS POLICIAIS EM JOINVILLE E AS DISPUTAS POLÍTICAS ENTRE OS DELEGADOS ZULMAR VALVERDE E MARCUCCI”.
Por Felipe Genovez | 28/05/2018 | HistóriaPROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA
Data: 27.03.2003, horário: 15:00 horas:
Estava transitando por meio da Rua Marques de Olinda na cidade de Joinville e ao passar em frente da 3ª DP resolvi dar meia volta e fazer uma visita para ver como é que estava o ambiente. Logo que abri a porta frontal dei de cara com o Comissário de Polícia Angelo Cantelli que já que era velho conhecido desde os tempos de “Fecapoc. Observei que Angelo estava mais envelhecido, também já havia passado quase que uma década e meia, em cuja época ele tinha recém ingressado na Polícia Civil e no momento que me viu, sem demonstrar muita surpresa, continuou atendendo uma pessoa no balcão. Procurei agir com naturalidade já que a minha presença não se traduziu um acontecimento incomum capaz de quebrar a sua rotina.
Depois que ele dispensou a pessoa que estava atendendo passou a me dar a devida atenção como nos tempos de embates classistas, iniciando uma conversação tipo “ colocando suas lástimas para fora”:
- “Imagina eu aqui sozinho, não tem mais nenhum policial de plantão. Todo dia são mais de quarenta e cinco telefonemas para atender, ocorrências para registrar, não tem como dar conta de tudo isso sozinho aqui. O Juarez morreu, teve um primeiro derrame, depois teve outro, estava com o diabetes, vinha tirar plantão e não adiantava a gente dizer para ele se aposentar, ele não queria perder as horas extras e preferia continuar trabalhando. Eu cheguei a aconselhar ele a ir embora, receber os aluguéis, ir para a praia com a polaca dele descansar, mas ele insistia que não poderia perder as horas extras. Olha doutor aqui a coisa está preta, o Escrivão Humberto também infartou, o Escrivão Machado também teve derrame...”.
Fiquei perplexo com aquele relato, eram inúmeros os policiais com problemas de saúde e o policial Ângelo reclamava de estresse e que estava aguentando mais ter que enfrentar aquela realidade. Também, deixando transparecer um fio de esperança, relatou que havia se formado em Direito no final do ano passado e que estava esperando para fazer concurso e melhorar de vida. Durante nossa conversa uma Escrivã da Delegacia veio até o Comissariado. Após me dirigir seu olhar pediu que assinasse um documento. Não havia entendido, mas logo imaginei que a Escrivã talvez achasse que eu estava ali aguardando já que anteriormente havia acionado o plantonista para que intimasse uma testemunha... Ângelo olhou para ela e disse:
- “Não conhece o doutor Felipe Genovez? Ele é Delegado em Florianópolis. É assessor jurídico da Polícia Civil. Está nos visitando”.
A Escrivã olhou para mim com certo desinteresse... e logo que ela deu as costas comentei com Ângelo:
- “Chííí, rapaz, eu não gosto de apresentações”.
Ângelo emendou:
- “Eu também não gosto. Mas é bom apresentar, doutor”.
Não entendi o porquê e nem arrisquei perguntar, se era uma forma de provação ou se pelo fato daquela policial ter um histórico de pedantismo, “ego” exacerbado... Acabamos mudando de conversa e eu resolvi perguntar como estavam as coisas em Joinville, especialmente, na Delegacia Regional... Ângelo quase que mudou de cor, sua fase emudeceu, seu olhar me transfixou, e se já estava com a tez branca, ficou mais ainda e disse:
- “Doutor aqui ninguém está aguentando esse homem aí na Regional, meu Deus! Se tem cem policiais civis aqui em Joinville, noventa e seis não querem saber dele. Se passarem pelo Marcucci numa rua eles são capazes de cruzar só para não ter que cumprimentá-lo. Imagina, doutor, numa empresa um diretor, um gerente que tem toda a equipe contra? Como é que um diretor desses pode durar? Olha dos cem policiais, digamos, apenas quatro trabalham e toleram ele. Aliás, toleram porque têm que tolerar, mas não gostam dele também. Eu soube de uma reunião, eu não participei, mas uma pessoa da minha confiança participou e relatou o que ele andou dizendo para os policiais. Meu Deus, o que esse homem anda fazendo aqui e ninguém toma providência alguma? Doutor, ele chegou e disse que em Joinville não tem policial honesto e que quem não quiser trabalhar que vá embora. Não quer nem saber, vai ele a mulher e filhos tudo para o inferno! Meu Deus, está todo mundo se segurando. Estão com os nervos na flor da pele. O senhor sabia que o doutor Zulmar Valverde era que estava mapeado para ser o Delegado Regional, não sabia? Ninguém gosta desse Marcucci. Ele está contra a vontade do Dirceu lá em Florianópolis, está contra a vontade do Luiz Henrique. O Marcucci convocou os Delegados para uma reunião na Delegacia Regional, o doutor Zulmar chegou e ficou um pouco, logo se levantou e foi embora. Noutro dia retornou à Delegacia Regional e disse para o Marcucci: ‘Marcucci escuta bem o que eu vou te dizer, se tu não mudares o teu estilo..., o que tu estais pensando, tu sabes que eu era para estar sentado aí onde tu estais, olha bem, eu vou te detonar lá na Câmara de Vereadores. Eu te derrubo. Todo dia eu vou no plenário e começo a fazer um monte de denúncias contra ti’. Doutor, eu não sei se o senhor sabe, estava tudo acertado para o doutor Zulmar ser o Regional. O Luiz Henrique chamou o Zulmar e disse para ele ficar tranqüilo que ele já era o Delegado Regional. A jogada do Luiz Henrique não era que o doutor Zulmar saísse do PFL. Não precisava mudar de partido coisa nenhuma. O Luiz Henrique só fez uma condição, ele queria que o Zulmar se licenciasse da Câmara e ficasse só na Regional. O problema é que o doutor Zulmar iria perder quatro mil e quinhentos reais como Vereador para ganhar oitocentos reais como Delegado Regional. Ó doutor Zulmar nem quis saber, assim fica como Delegado de Polícia e Vereador. A mulher dele me contou, ela é dona de casa. Ele mudou muito, tem duas e sai de mansinho com a f. por aí no centro, todo mundo vê, ele acha que ninguém nota, ela é psicóloga, o nome dela é Rosângela, eu acho que a mulher dele sabe. Doutor Felipe, o senhor sabe que quem bancou o Marcucci na Regional foi o Deputado Nilson Gonçalvez do PSDB? O senhor sabe que o ex-deputado Sérgio Silva que é do PMDB é inimigo do deputado Nilson Gonçalvez? Só que tem um detalhe, quem comanda a ‘Transurb’ que cuida de todo o trânsito da cidade é o deputado Sérgio Silva. Eu não sei se o senhor sabe, mas todo o dinheiro das multas de trânsito passam pelas mãos do Sérgio Silva. Então a Polícia está uma merda porque o ex-Deputado Sérgio Silva só libera recursos do fundo de trânsito para aqueles gastos rigorosamente previstos no convênio, não tem arrego, e o Delegado Regional não consegue recursos para nada. E para piorar, o senhor sabe que o Marcucci está na Regional contra a vontade do pessoal lá debaixo, o doutor Dirceu, o Luiz Henrique, ninguém queria ele na Regional”.
Ângelo fazia seus relatos muito exaltado, ainda mais quando chegou uma senhora acompanhado de seu filho para registrar uma ocorrência e foi dizendo:
- “Olha doutor isso aqui está uma merda, eu coloquei já no relatório, é somente eu tirando plantão sozinho numa Delegacia com um movimento que é uma loucura, o pessoal está ficando doente, faz anos que Joinville não recebe mais policiais, não se pode tirar férias direito, licenças-prêmio eles negam, o pessoal não aguenta mais e ainda esse homem aí na Regional fazendo misérias, ele é ‘d.’, o senhor sabe que o doutor Quevedo perdeu aquela ação em Brasília, não cabe mais recurso? O senhor sabe que foi por causa do psicotécnico e o doutor Quevedo vai ter que voltar a ser Escrivão de Polícia? Pois é, o Marcucci chegou a Delegado por força de liminar, ele havia sido reprovado no exame psicotécnico, nós estamos levantando toda a vida dele, ele é ‘l.’ Foi Escrivão de Polícia lá em São Paulo, ele tem problema ‘p.’...”.
Como havia pessoas aguardando atendimento procurei abreviar minha estadia e fui me despedindo, cortando o ímpeto do indignado policial que já não era mais aquele jovem de antes, era outra pessoa, bem mais amarga, parecia consumido pelo tempo, seu rosto ficou mais estreito, apresentava rugas salientes na testa, olhos mais fundos, cabelos escassos, barba com sinais precoces de “esbranquiçamento” e não passaram tantos anos assim.
No trajeto até o estabelecimento do “Quinzinho e da Dalva” que trabalhava com pedras na Rua Marques de Olinda me veio a mente mais uma vez o legado do “Triunvirato” que na verdade deram continuidade a um processo que vinha perpassava governos.
Data: 03.04.2003:
“Marcucci x vereadores - Delegado Marco Aurélio Marcucci andou criticando num programa de rádio os vereadores que pedem a instalação de novos distritos policiais. No entendimento do delegado, tem vereador que faz pedido de abertura de novas delegacias em Joinville para buscar benefícios políticos para e eleição do próximo ano. Acabou sendo criticado na tribuna por Kennedy Nenês (PPB). Zulmar Valverde (PFL), que é também delegado de polícia, e por Darci de Matos, que defendeu a Câmara enquanto instituição” (A Notícia, Antonio Neves – Alça de Mira, 3.4.2003).
Fiquei pensando: “quando tempo será que Marcucci ficará em Joinville? Dez anos? Vinte, trinta...? Será como Zulmar e outros, então, pobre polícia operacional, pobre sociedade, pobre dos bons policiais...!”.