Parmênides

Por Rômulo Conceição | 09/11/2007 | Filosofia

INTRODUÇÃO

A passagem da consciência mítica e religiosa para a consciência racional e filosófica não foi feita de um salto. Esses dois tipos de consciência coexistiram na sociedade grega.

De acordo com os conhecimentos históricos, a fase inaugural da filosofia grega, onde Parmênides está inserido, é conhecida como período pré-socrático. Esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (623-546 a.C.) até Sócrates (468-399 a.C.).

Os antigos filósofos se preocupavam em buscar os caminhos da verdade filosófica e suas correlações com a palavra, ou seja, procuravam o significado do não-oculto, não-escondido, não-dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito; a verdade é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é. O verdadeiro se opõe ao falso, pseudos, que é o encoberto, o escondido, o dissimulado, o que parece ser e não é como parece. O verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a razão. Apesar da filosofia ter-se erigido pelos caminhos da alétheia, esta permanece, ainda, misteriosa desde a época do filósofo em pauta neste trabalho acadêmico – Parmênides - até os nossos dias.

Parmênides de Eléia (530 - 460 a.C.) viveu do final do séc. VI ao começo do séc. V a.C. Legislador, deixou suas idéias filosóficas em poema, Sobre a Natureza, que seria o discurso de uma deusa. Sua poesia é dividida em três partes: proêmio, em que ele descreve a experiência de ascese e de revelação; primeira parte, a via da verdade; e segunda, a via da opinião. É a doutrina mais profunda de todo o pensamento socrático, mas também a mais difícil interpretação.

1. O CAMINHO DA VERDADE: O SER É

Parmênides indica que na via da verdade, o homem se deixa conduzir apenas pela razão. Nessa primeira via, ele afirma o princípio lógico-ontológico da identidade. Este princípio pode assumir a formulação: O ser é, o não-ser não é.

Só por meio da razão é possível desvelar a verdade e a certeza. Isso quer dizer que a razão é instrumento fundamental e único com o qual o homem pode deixar-se conduzir à dupla evidência: O que é é, e o que é não pode deixar de ser.

Nessa segunda formulação, o princípio evidenciado é o da imutabilidade. O ser é demonstrado com todo rigor lógico com o raciocínio: "o que é é", sendo o que é, tem que ser único: "além do que é" só existiria, se possível fosse, o diferente dele, "o que não é" – hipoteticamente absurdo, pois isso desembocaria na atribuição de existência ao não-ser, impensável e indizível.

Como os mortais hesitam em escolher, ficam a meio caminho, a vaguear, em função "do hábito multiexperiente" da observação, apenas podem ter um olhar que a nada se dirige, seus ouvidos apenas percebem sons sem significado.

Parmênides diz que ao se comprometer com a via da verdade, o homem sábio perceberá que há indícios sobre o que é; seus atributos são revelados como uma necessidade absoluta, necessidades que são a um só tempo do ser e do pensamento, já que ambos são idênticos.

O ser é, portanto, alheio a todo devir, está além de toda geração e corrupção; é uno e contínuo, porque a razão não permitiria nascer algo além dele, determina-o, pois, indivisível, igual ao todo, não pode ser maior ou menor que ele mesmo e caso houvesse mais de um ser, à unidade retornaria, já que por imposição lógica ente a ente adere. O ser é imóvel e, pousado em si mesmo, permanece imobilizado em seus limites. O ser é perfeito, pois não é carente; se de nada é carente, não é possível que seja imperfeito e inacabado.

Em Parmênides, o um é o todo e o todo é um. Se existissem dois todos, um limitaria a abrangência do outro. Como o ser é infinito, ilimitado, só pode ser um. Ele refere-se a uma esfera. Não se pode deduzir daí que o ser tem o atributo da corporeidade. Trata-se de uma simples imagem, evidentemente influenciado pelas idéias cosmológicas de Anaximandro que geometrizou o espaço, até então aritimetizado. No caso, a esfera dá mais a noção de infinitude, de algo que nunca termina. Quando o poema fala de uma "verdade bem redonda", a imagem que nos vem à mente é a do ser "esférico", ou seja, sem começo e sem fim, sem dobras, sem quebras, indivisível, imutável, sempre idêntico a si mesmo.

Historicamente, Parmênides extraiu a noção de unidade das cosmogonias precedentes tanto míticas quanto filosóficas, mas elaborou-a a sua maneira. Em todas essas cosmogonias, antes de a unidade originária gerar a multiplicidade, tem-se a afirmação de uma unidade perene que reina solitária e absoluta. Parmênides tirou desses princípios cosmogônicos seu rigor lógico que se centraliza na noção de unidade. A evolução histórica das concepções cosmogônicas atingiu seu ponto de maior elaboração com Anaximandro, que colocou a incompatibilidade entre a unidade originária de um lado e do outro a multiplicidade e o movimento que estão intimamente relacionados ao mundo sensível. Diante dessa incompatibilidade, Parmênides optou pela unidade, pelo absoluto, pelo ser, rejeitando tudo que pudesse se contrapor.

Da noção de unidade, ele nega o valor racional, a legitimidade racional da multiplicidade, do movimento e da mudança. Da noção de unidade ele também afirma a imobilidade e a imutabilidade do ser. Enfim, o ser é eterno, perene, imóvel, infinito, imutável, pleno, contínuo, homogêneo, indivisível.

2. O CAMINHO DA OPINIÃO: PENSAR X PERCEBER

Percebe-se que para Parmênides não existe ilimitada possibilidade de investigação, há poucos requisitos a se levar em consideração para o conhecimento da verdade, mas são requisitos sem os quais não se chega à verdade. Além desse caminho, apenas resta a via da opinião, a via do engano, da qual ele manda afastar o pensamento, pois não se chega à verdade, permanecendo no nível das opiniões.

Ele foi o primeiro filósofo a afirmar que o mundo percebido por nossos sentidos é um mundo ilusório, de aparências, sobre as quais formulamos opiniões. Com ele nasce a distinção entre verdade e aparência. Ele também foi o primeiro a contrapor a esse mundo mutável a idéia de um pensamento e de um discurso verdadeiros referidos àquilo que é realmente, ao ser.

A aparência sensível das coisas da natureza não possui realidade. As coisas, das quais percebemos a aparência sensível, não existem realmente.

Parmênides foi o primeiro a contrapor o ser ao não-ser, concluindo que o não-ser não é. A Filosofia torna-se egoísta, tomando para si a Via da Verdade e negando a realidade e o conhecimento à Via da Opinião, em virtude dessa última se ocupar com as aparências, ou seja, com o não-ser.

O que o filósofo de Eléia afirmava era a diferença entre pensar e perceber. Perceber é ver aparências. Pensar é contemplar a realidade como idêntica a si mesmo. Portanto, pensar é contemplar o ser. Assim, multiplicidade, mudança, nascimento e perecimento são aparências, ilusões dos sentidos.

O poema parmenídico declara que ser, pensar e dizer são uma só coisa. Essa é a via da verdade - alétheia - e a da doce persuasão que a acompanha. Já a via da opinião não pode ser percorrida porque não pode ser pensada nem dita. Parmênides estabelece a identificação entre o que é o ser, o que é o pensar e o que é o dizer, de modo que "o que é" é o que pode ser pensado e dito, enquanto que "o que não é" não pode ser pensado nem dito. Traduzindo as palavras poéticas de Sobre a Natureza: o ser pode ser pensado e dito; o não-ser não pode ser pensado nem dito.

Nesse sentido, o pensamento parmenídico tornou a cosmologia impossível ao afirmar que o pensamento verdadeiro exige a identidade, a não-transformação e a não-contradição. Considerando a mudança de uma coisa em outra como o não-ser, ele afirmava que o ser não muda e não tem no que mudar, porque, se mudasse, deixaria de ser o que é, tornando-se oposto a si mesmo, o não-ser. Conseqüentemente, mostrou que o ser é uno e único e que o pensamento verdadeiro não admite a multiplicidade ou pluralidade, não admitindo, portanto a cosmologia. Impossível também uma cosmologia nas idéias parmenídicas, porque só o ser é; o cosmos não é. Impossível enfim, porque não há movimento possível. Ao abandonar as idéias de multiplicidade, de mudança, de nascimento, de vir-a-ser e perecimento, sua filosofia deu uma virada radical passando da cosmologia à ontologia.

Ao estudarmos a história da filosofia e a poesia Sobre a Natureza, constatamos que foi ele o precursor da ontologia e da lógica. Pois dos outros filósofos pré-socráticos que o antecederam ou até mesmo aqueles que foram seus contemporâneos, investigaram o ser, tão pouco, chegaram a conclusões definitivas indubitáveis sobre o ser. E é isto que pretende a ontologia, a investigação do ser enquanto ser.

CONCLUSÃO

Após a construção deste trabalho acadêmico, podemos afirmar que o filósofo Parmênides – o eleito como aquele beneficiado pelas deusas - garantiu para a posteridade a ousadia de afirmar o ser único, absoluto e idêntico a si mesmo. A razão, aqui também de forma inequívoca, afirmava uma dialética do pensamento que deixaria para a posteridade a radicalidade das idéias puras. Apesar da sua ontologia e do seu pensamento lógico e preciso, este pensador foi alvo de críticas sendo, inclusive, detectados, pelo filósofo Aristóteles, erros no seu poema no campo da metafísica. Mas é ao mesmo tempo um dos maiores monumentos da história do pensamento do mundo ocidental. À primeira vista o seu poema não parece mais do que uma extravagância de um filósofo, mas a verdade é que só por causa dele, Parmênides merece um lugar especial entre os grandes pensadores de todas as épocas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUN, J. Os pré-socráticos. Rio de Janeiro: Edições 70, 1991.

MOREIRA, M. Sobre Literatura e Psicanálise. Disponívelem: http://www.psicanalitica.com.br/moreira.htm

NEF, Frédéric. A Linguagem - Uma abordagem filosófica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

PARMÊNIDES. Disponível em: http://www.antroposmoderno.com/biografias/Parmenides.html

ROSA, Garcia. Palavra e Verdade: na filosofia antiga e na psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editor Ltda, 1990.