PARA UMA CRÍTICA DA DEMOCRACIA (II)
Por Adilson Boell | 15/09/2010 | FilosofiaPARA UMA CRÍTICA DA DEMOCRACIA (II)
Sandro Luiz Bazzanella[i] / Adilson Boell [ii]
Nos primórdios da modernidade por volta dos séculos XVI e XVII, constata-se um conjunto de fenômenos na Europa que irão incidir diretamente sobre a organização social, política, econômica e cultural do Ocidente. Entre estes fenômenos estão: Crescimento populacional, revitalização das cidades, desenvolvimento da atividade produtiva e comercial, desenvolvimentos científicos e culturais, nascimento do Estado-nação. No que tange ao surgimento do Estado-nação, é possível afirmar que ele é resultante de pelo menos duas perspectivas que estavam em jogo naquele contexto. A primeira, como resposta pragmática as demandas de investimentos, infra-estrutura e segurança, exigida pela nascente burguesia comercial dinamizadora do nascente capitalismo mercantil. A segunda condição se relaciona com a necessidade de sistematizar e implementar uma racionalidade técnico-administrativa em relação à gestão do território e da população, potencializando assim as riquezas materiais e humanas de que dispõem os Estados.
Desta forma, o nascente Estado-nação se constitui sob a égide do absolutismo, Thomas Hobbes (1588-1679) é o filósofo que justificará a pertinência do contrato social que funda o Estado soberano de caráter absolutista. Hobbes parte do princípio de que os seres humanos em estado de natureza dizimam uns aos outros. "Homini lupus homini" - o homem é lobo do próprio homem. Portanto, ao abrir mão de suas liberdades em estado de natureza, o homem teria garantida a sobrevivência. O Estado hobbesiano representa o poder soberano absoluto em permanente estado de exceção, ou seja, funda a lei, mas não se submete a sua aplicabilidade. É um Estado que age sob o princípio: "de fazer morrer, ou deixar viver". John Locke (1683- 1704) percebeu a necessidade de diminuir o poder deste Estado absolutista, propondo um novo contrato social, apoiado nas teses do liberalismo político e econômico, em que a existência do Estado se justifica através do direito de propriedade aos indivíduos. Desta forma, fica preservada a liberdade individual frente ao poder do Estado, através do exercício da democracia representativa. Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778), por sua vez, funda seu contrato social a partir da concepção de que compete ao Estado garantir a igualdade e a liberdade, da qual os homens eram detentores em estado de natureza, mas, que a organização social teria corrompido, resultando em flagrantes desigualdades e injustiças. Portanto, o Estado é um mal necessário, mas que deve ter seu poder controlado pela sociedade civil, e para que isto ocorra se torna necessário que o povo participe diretamente nos atos legislativos, e executivos do Estado.
Foi Montesquieu, através de sua Teoria da Separação dos Poderes (ou da Tripartição dos Poderes do Estado), que em sua obra: O Espírito das Leis (1748), visou moderar o Poder do Estado, dividindo-o em funções e dando competências a órgãos diferentes do Estado. As idéias de Montesquieu, partiram principalmente das teses lançadas por John Locke. É importante relembrar que a idéia da existência de três poderes, já se apresentava em Aristóteles em sua obra: "A Política"
Portanto, na modernidade com a afirmaçao Estado-nação, a democracia se apresenta em sua forma representativa, mas oscilando entre uma matriz liberal cuja representatividade restringe-se aos representantes da sociedade civil justificados pelo sufrágio universal, e uma matriz rousseniana, cuja representatividade constitui-se para além dos representantes eleitos, na participaçao popular frente as instâncias do Estado, através de conselhos comunitários, consultas populares, conferências públicas, dentre outras formas.
O que é preciso situar aqui é o fato de que tanto a democracia de matriz liberal, amparada na liberdade individual e econômica, como a democracia de matriz rousseniana ampara na busca da igualdade através da participação popular, partem de um pressuposto falacioso: de que a sociedade é constituída de indivíduos livres, sujeitos autonômos e com consciência da necessidade da participação nos espaços políticos assegurados pelo Estado. Mas, não é isto que ocorre, na medida em que esquecem que este sujeito moderno é o resultado de processos de assujeitamento no âmbito das instituições e dos processos sociais nos quais ele se insere ao longo da modernidade. Ou dito de outro modo, as democracias modernas e contemporâneas justificam-se e legitimam-se no âmbito da produção de discursos institucionalizados dirigidos à sociedade de massas, no qual se insere o sujeito moderno, agora transformado em indivíduo produtor e consumidor de produtos, bens e serviços, e que também consome discursos em torno dos direitos de povos e nações, na tolerância às diferentes culturas e credos religiosos, nos direitos e deveres dos cidadãos, no direito a liberdade e na igualdade de condições entre indivíduos.
[i] Sandro Luiz Bazzanella ? Professor de Filosofia do Curso de Ciencias Sociais da UnC e doutorando do Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina.
[ii] Adison Boell - Licenciado em Matemática na UNIASSELVI em Indaial, Pós graduando em Práticas Pedagógicas Interdisciplinares pela FURB/SAPIENCE em Blumenau e Mestrando em Desenvolvimento Regional, pela Universidade do Contestado em Canoinhas.