Palavras para as imagens dois
Por António Lourenço Marques Gonçalves | 08/11/2012 | PoesiasPALAVRAS PARA AS IMAGENS DOIS
ABU SIMBEL
Podia ser blasfémia, porque não,
Medir sem pudor o santuário,
Mas a vida que cabe neste vão
Tem o breve e a glória do contrário! — em Abu Simbel, Aswan.
v
Lembrando a lápide da civilização do Lácio, incrustada na parede da Igreja do Souto da Casa, que o Pe. António Genro da Silva estimou, e o Dr. Pedro Salvado decifrou:
UMA LÁPIDE MEMORÁVEL E O POVO DA RAMA DO CASTANHEIRO
Tem a forma de serpente
Estas casas povoadas.
Um olho alto, à frente,
Da torre lança miradas.
Por aqui viveu em tempos,
Já muito longe passados,
Dona Lívia em que os exemplos
De esposa eram louvados.
Foi Lucius Julius quem fez
A lápide que a deixou viva,
Dormindo com placidez
Perto da torre, cativa.
No mesmo sono, a filha,
Que sendo Júlia, o pai lembra,
Dorme na pedra que brilha
Um passado que relembra
Povos honrados, senhores
Destes sítios tão fagueiros,
Que hoje são os credores
Da rama dos castanheiros. — em Souto da Casa.
v
O GATO E AS MAÇÃS
Mesmo se forem maçãs
Cheirosas e com doçura,
O gato tem a finura
De as tratar como galãs! — em Castelo Branco.
v
VIANA DO CASTELO
Os cuidados paliativos
Trouxeram-me hoje a Viana.
Mesmo olhos fugitivos
Veem um rio que emana.
Subi ao monte que via
Da praça cheia de canto.
Vistosa Santa Luzia,
Trazes luz ou trazes pranto?) — em Viana do Castelo.
v
Amigos e sabores, num restaurante no Barco (Covilhã):
Uma mesa que envaidece
Com delícias e senhores
E se o vinho embevece
Une afetos e sabores.
O Barco trouxe bem perto
Luís, José e António,
Augusto e João Alberto,
Amigos de culto idóneo.
— em Barco.
v
Nas imediações do Fundão, subindo a estrada da Serra:
Outono, será prazer
Ver as cores a arder?
Quanto mais o rubro aquece
Mais o frio me entristece. — em Fundão.
v
PRAÇA DA FIGUEIRA: a outra vista da estátua de D. João I ("João das Regras, Povo de Lisboa, Cortes da Nação..."). E a Praça cheia de gente!
Primeiro, é rei João,
Outro senhor, o das Regras,
Mais este povo em ação,
Oh! Lisboa, tu me alegras! — em Lisboa.
v
Devastação irreparável. Aqui, numa igreja de Lisboa da Baixa pombalina, os estragos são bem visíveis! Azo a mais um "sonetilho" do tempo:
SONETILHO UM
Trapaceiro é um burlão,
E há muitos à descarada,
Vendem a alma a tostão
Duma pátria que já brada.
Que bela filosofia!
Sou mui sério pr’a pagar
A quem sirvo dia a dia
Que é meu patrão e meu par.
Mas não me custa tirar
Coisa que pertence a quem
A ganhou a trabalhar.
Pr’arrecadar o vintém,
Tirar não chamo roubar
Porque sou sério e de bem!— em Lisboa.
v
Um local de grandes ressonâncias, visto no meu passeio:
PRAÇA DA FIGUEIRA
Chegou o rei p´ra adornar
Praça que fora mercado,
Com o poço Borratém
Num dos prédios encerrado.
Vai veloz direito à rua,
Onde só a vista vesga
Acha plausível meter
O Rossio na Betesga.
Primeiro é rei João,
Outro senhor, o das Regras,
Mais o povo glorioso
E estas paredes negras. — em Lisboa.
v
TEMPO OBSCURO
Pode ser malfeitoria
Fechar serviços a eito
Se não há alternativa
Sem corrigir o defeito.
Exemplo da medicina
À qual o doente implora:
Não presta este remédio,
Paciência! Vá-se embora! — em Castelo Branco.
v
Subir ao alto da serra, entre as hortênsias de S. Jorge (S. Miguel, desculpem, mas foi um lapso feliz pelo gosto das quadras de António Lourenço):
O equilíbrio é instável
Mas o travão é seguro:
A pão de forma, domável,
É um carro de futuro.
Se acaso em frente vacila,
O condutor que a conhece
Logo pr’a trás a perfila
E ela avante obedece! —em Ponta Delgada.
v
Se a avesinha soubesse! (imagem total)
SONETILHO DOIS
Se o alvo é as reformas
Há mui pano para manga:
Existem as mesmas normas
Mesmo p´ra ficar de tanga.
Médicos e professores,
Que o Estado bem esgotou,
Patrão exclusivo, penhores,
E muito mais obrigou,
Veêm esta bela quadra:
Em nome de Portugal
Se é Banco, e nunca ladra,
O corte não é real
Porque aqui o que enquadra
É norma, mas especial. — em Lisboa.
v
GIL VICENTE que se cuide de um banho no Rossio:
SONETILHO TRÊS
É este um país castiço
Como prova o que se passa:
Que está bem assombradiço
Clama-o esta trapaça.
Dirão alguns, um feitiço
E não há quem o desfaça.
Mas é mais certo o serviço
Do governo que fracassa.
Basta ver o compromisso
Que tudo, tudo, estilhaça,
Ficando nada inteiriço.
Mas pode haver ameaça
De o povo não ser submisso
E acabar com a devassa. — em Lisboa.
v
D. João da Câmara, bom poeta e dramaturgo, no seu posto último, ao pé do Teatro, com uma ave companheira que lhe levanta a figura:
O bronze moldou com fogo
Os contornos deste busto
E o pombo leve, num jogo,
Veio torná-lo mais robusto.
É o D. João da Câmara,
Que ao Teatro deu seu dom,
Preferindo a antecâmara
Gostoso dum mimo bom. — em Lisboa.
v
“E Monsanto se chama, de pedra é feito - minha nave coalhada."
A Nave de Pedra, FERNANDO NAMORA
O encanto duma nave
De pedra alta, suave,
Que desliza neste manto
É magia de Monsanto. — em Monsanto da Beira.
v
Ruas de Lisboa, na atualidade:
Desafina a toada
Que tem Camões para canto
De esperteza desastrada
Que só pode dar em pranto! — em Lisboa.
v
Arte portuguesa (cachorro de casa do século XVI, em Miranda do Douro) num ângulo suave.
Veio o povo para a rua,
Provou disto não gostar
Se a pobreza se acentua
Com tão canhestro mandar.
Parecia que estava ao rubro
Uma volta do comando
Mas eis que logo descubro
O fumo do lume brando. — em Miranda do Douro, Braganca.
v
Um olhar sobre o castelo visto da Sé, em Castelo Branco:
SE FOSSE UM RIO CANTAVA
Se fosse um rio cantava
O murmúrio que o habita:
As pedras do leito luzem
E a vela esquiva hesita. — em Castelo Branco.
v
Redondilhas e paisagens:
Duma estátua de Lisboa
ESTAR E NÃO ESTAR
Estar e não estar é um jeito,
Uma arte de ilusão.
Ei-lo, batendo no peito:
- Longe de mim ser o mau. — em Lisboa.
v
SONETILHO QUATRO
Um governo inclemente
E uma troika que assanhou
Não é feito de repente
Pois outrora começou!
Veio a troika a mandar
Quando o poleiro servia
Apetites de palmar
E deu esta porcaria.
Agora o povo inocente
Que paga a dívida alheia
Pode ficar consciente
E com a ira bem cheia
E para ser coerente
Pegar todos na cadeia! - em Lisboa.
v
REDONDILHAS E PAISAGENS
Duma estátua de Lisboa:
QUE HAVIA D' ACONTECER…
Que havia d’ acontecer,
Para dar esta feição?
A troika, a bom de ver,
Chegou cá por esticão. — em Lisboa.
v
Soltem-se as redondilhas e mostrem-se as belas paisagens portuguesas, mesmo que não haja relação:
SE NÃO É LABORATÓRIO...
Se não é laboratório
É crime mais afinado:
Sugam o sangue corpóreo
Com requintes de atentado! — em Covilhã, Castelo Branco.
v
Passei há pouco na Av. 1º de Maio, de Castelo Branco, e fiquei triste: a Livraria pode fechar? Mais uma?!
Recordo HERMAN HESS: "Como velho amigo dos livros e dono de uma não pequena biblioteca, posso assegurar, por experiência própria, que comprar livros não serve apenas para sustentar os livreiros e autores: a posse de livros (não somente a sua leitura) proporciona alegrias especiais e tem a sua moral própria". (Rezensionem aus dem Nachlass (inéditos). — em Castelo Branco.
v
A SÉ DE CASTELO BRANCO ENTRE RAMAGENS
Fui há pouco ao centro da cidade
Para mirar, oblíquo, o templo antigo.
Encontrei, de longe, uma verde grade
Que me pôs o rosto como num postigo! — em Castelo Branco.
v
Entrada sul do Fundão, em obras que dão força à sua configuração genuína:
TEM A GRAÇA DE CIDADE…
Tendo a fama de cidade
E o sincero da aldeia,
Teria mais saciedade
Se fosse vila bem cheia. — em Fundão.
v
Fresquíssimo, este livro do grande poeta ANTÓNIO SALVADO - "O DIA - A NOITE - O DIA":
Ó servidor da noite
ó terno sonho
que m'inflamas de luz
o outro lado
e como paz de amante
em doce beijo
me desligas do mundo
e de águas turvas." p. 19
v
Perante as notícias desta semana, que o Jornal do Fundão reflectia - o deslocamento da radioterapia prevista para o Centro Hospitalar Cova da Beira (Fundão) para o de Viseu (Tondela) - apetece ironizar, mais uma vez:
Foi ter em consideração
Tondela, que deu o jeito,
Porque afinal o Fundão
Desandou sem ter proveito! — em Fundão.
v
Esta também cabe nos Epigramas:
NEM POUCO MAIS OU MENOS…
O Jornal da Covilhã
Já é quase peremptório:
Serra dos Reis, não em vão,
Diz que findou diversório.
— em Covilhã, Castelo Branco.
v
CAI O CARMO?
O Carmo visto da Rua do seu nome, nos tempos que correm, e uma redondilha popular para a ocasião:
AFLIÇÃO TÃO PROFUNDA
A gente desta nação
Sofre aflição tão profunda,
Que se não der um murrão,
Pode ficar moribunda. — em Lisboa.
v
Duas redondilhas, lembrando o entardecer, em Ciudad Rodrigo, um dia destes:
AH! COMO A LUZ ADORMECE…
Ah! como a luz adormece
Na tarde de céu macio:
É o crepúsculo que tece
As estrelas, fio a fio.
E como o sono vigora
No cansaço da labuta!
Quando vier a aurora
Será que a todos desfruta? — em CIUDAD RODRIGO (SALAMANCA).
v
Foge a noite, no Ganges...
SE A LUA ME VÊ…
Se a lua me vê, recebo a luz
Que torna o meu velar prateado.
É noite, e o astro rei que a produz
De ouro bateu num rosto espelhado. — em Varanasi.
v
Baixo relevo em madeira de arte popular, peça única maciça (30x40 cm) com cena campestre, que trouxe há pouco da feira de velharias, de Castelo Branco:
É OBRA DUM ARTESÃO
É obra dum artesão
De madeira, com talante.
Tem a ciência da mão
Duma arte cativante. — em Castelo Branco.
v
Lembrar estes locais, com presença:
VELHA GOA
Este campo que se perde
Nas lonjuras do passado,
Se hoje se mostra verde
Foi de sangue repassado.
Foi a Lisboa de Goa,
Esplendorosa rival.
Teve luxo e teve proa
De ser ela a capital
Foi cidade de cristão
E Babilónia indiática.
Medrou lá a inquisição
E a cólera aquática.
Sem ruínas não teria
Esta visão de jardim
Ou sendo cidade pia
Teve um destino ruim. — em Goa Velha, Goa.
v
Hawa Mahal ou Palácio do Vento : construído para as mulheres reais, escondidas, verem as procissões (em Jaipur)
Cada uma janelinha
Tem um segredo escondido:
De fora não se adivinha
Qual é a cor do vestido. — em Jaipur.
v
Local onde uma pessoa idosa morreu queimada, numa madrugada destas! No coração frio da cidade!
VIVIA A SOLIDÃO….
Vivia a solidão bem-disposta nesta casa
Com uma presa que por fácil não fugia.
Mas uma noite em que o frio virou brasa
A cidade viu consumar-se a profecia! — em Castelo Branco.
v
No rio Ganges, em Varanasi (Índia), colhi esta fotografia do meu barco, com a sua beleza. E vai um pensamento que é um hino aos Cuidados Paliativos!
"[Meu filho] olhou-me e caiu no choro: “Sabe, papa, é tão difícil ter o pai doente...” [...] Chorámos juntos. Era duro, mas era possível falar. E, para os dois, aquele momento foi ao mesmo tempo comovente e muito “útil” por nos ter permitido expressa...Ver mais
— em Varanasi.
v
Tem dez anos, esta magnífica imagem nos pomares de Alcongosta. Que não pode ser perene! Homenagem a quem a fez viver.
SE UMA LÁGRIMA CAÍSSE NESTA EFÍGIE
Se uma lágrima caísse nesta efígie,
No dia em que o sol se pôs deveras,
Não seriam as flores, no Estige,
Cerejeiras em vez d'um ramo d’ heras. — em Alcongosta, Fundão.
v
DA MINHA JANELA A VEJO…
Da minha janela a vejo,
Reclinada no meu sono.
Tem a carícia do beijo
E o gosto do abandono!
Tem a luz que me penetra,
Cores profundas que eu gosto,
Palavras doces, soletra,
Com a ternura do rosto!
Tem a lua e a luz do dia,
Folhas que caiem, outono.
Que mais, para garantia
Do repouso que ambiciono?! (Barrocal)— em Castelo Branco
v
AINDA VOLTO AO CAMILO
Ainda volto ao Camilo
Da língua mais que perfeita.
Tenho nele o meu asilo,
De muitos temas, receita.
Horas de paz, eu procuro,
Mistérios são insondáveis.
Bruxas, demónio, esconjuro
Destinos abomináveis.
Amor que o sangue designa,
Cheio de força cruel.
A vida pode ser digna
Sendo às virtudes fiel.
Duas horas de leitura
São bálsamo abençoado:
A vida como aventura
Ou com destino traçado? — em Castelo Branco
V
UM POUCO MAIS DE DECORO!
Resisti a colocar uma fotografia chocante (tenho muitas!), mas a notícia merecia-o: segundo o EXPRESSO deste fim de semana, pela pena acutilada e humana de Cristina Galvão, soubemos que uma lei retira aos doentes qu
e necessitam de cuidados domiciliários dos Centros de Saúde, tal direito, quando saem do seu domicílio (exemplo: pais acamados que transitam entre as casas dos filhos, em cidades ou aldeias diferentes). E diz a lei que é para melhorar os cuidados! Um pouco mais de decoro!
TRATA DE FORMA DIFERENTE…
“Damos à lei um sentido
Geral, que a todos convém.
Mas isso é atrevido
Sendo comum o desdém
Da própria lei, que em conjunto
Trata de forma diferente
O mesmíssimo assunto,
Dando e tirando ao doente:
Sendo por necessidade,
Que cura ferida com cheiro,
Tem direito numa cidade,
Perde-o como passageiro.
No seu país! Infame!
— em Souto da Casa
v
" O meu prazer é encerrar as palavras na medida de um verso". HORÁCIO, Sátiras
METER AS PALAVRAS NA MEDIDA DE UM VERSO
Horácio, grande poeta
De Roma que o viu morrer,
Ao verso deu como meta
As palavras lhe meter,
Usando a medida certa
Como forma de prazer.
Rima a laranja com ser
Ou antes está descoberta?
Se for medida concreta,
Prefiro mais a comer! — em Castelo Novo
v
OH QUANTA VARIEDADE…
Oh quanta variedade
Há no palco da vaidade!
Uns zombam tipo bufão
E outros estão e não estão.
Não é o caso da gata,
Surpresa com o qu’ encontrou:
Nem a morte será chata
Nem a careta ultrajou!
— em Castelo Branco.
v
BUCÓLICA
É a luz que ao sol-posto
Dá vida com tanta cor:
Lê-se a ventura no rosto,
Com a Bucólica em flor. — em Castelo Branco.
v
Ó QUE BELO PASSARITO
Ó que belo passarito
Vestido de pena azul.
Lembra a cor do Egito
Que vi nos mantos de tule.
Oh! Mulheres de Luxor
No Vale dos Reis encantado!
Pássaro que este, maior,
Está nos templos desenhado.
E por ser tão pequenito,
Tem mais graça, sim senhor.
Deslumbra o Francisquito,
Em Goa. É professor.
Colheita (do meu facebook) no início de novembro do ano da graça de 2012