PAIXÃO EXTREMA
Por Manoel Huires Alves | 06/08/2012 | LiteraturaPAIXÃO EXTREMA
Manoel Huíres Alves
Analisando o comportamento apaixonado nas cartas trocadas entre Simão e Teresa.
“Amor de Perdição” é um romance (novela passional portuguesa) de Camilo Castelo Branco, escrito em 1862 e, portanto, o mais famoso de suas obras, dando-lhe grande popularidade.
Inspirado nas próprias desventuras do autor, Amor de Perdição é uma verdadeira cópia portuguesa da peça Romeu e Julieta, de William Shakespeare, tendo um fim trágico: a morte de ambos os apaixonados.
Bom, é comum, nas obras de Camilo Castelo Branco, como nesta, o tratamento do amor desenfreado e profundo entre jovens que lutam por suas paixões muito além dos limites de suas próprias forças. Resistentes a toda sorte de obstáculos, procuram a felicidade, mas geralmente são desviados para a desgraça e/ou para a morte.
Mas, o que nos chama a atenção no romance são os escritos das cartas dos protagonistas, Simão Botelho – jovem de 17 anos – e de Teresa de Albuquerque – sua vizinha de apenas 15 anos, que, por viver um amor proibido, buscam nas mesmas uma maneira de romper os limites das dificuldades amorosas e lutar até a morte pelo amor sonhado.
De modo esclarecedor, trataremos da localização e apresentação de trechos de cada carta, num total de catorze – sendo nove cartas de Teresa e cinco de Simão – para que se perceba que, além de servir de elo entre os apaixonados e meio de exprimir seus sentimentos, serviram também de instrumento para as seguintes funções: informá-los sobre os acontecimentos e tomadas de decisões. Vejamos então:
No capitulo II, temos a primeira carta:
“Meu pai diz que me vai encerrar num convento por tua causa. Sofrerei tudo por amor de ti...”.
Aqui Teresa comunica a hipótese de vir a ser encerrada num convento, prometendo fidelidade ao seu amor, Simão.
No capitulo VII, temos a segunda e a terceira carta, em que, na primeira, informa que já sabe o que se passou com os criados de Baltasar e faz o pedido para confiar nela e, na segunda, relata a sua entrada no convento, mostrando-se firme, faz um apelo ao amor de Simão:
“... Disse-me agora tua mana que os moços de meu primo tinham aparecido mortos perto da estrada. Agora já sei tudo... Tem confiança nesta desgraçada, que é digna da tua dedicação...”.
“Não receies nada por mim, Simão. Todos estes trabalhos me parecem leves, se os comparo aos que tens padecido por amor de mim... Ama-me assim desgraçada, porque me parece que os desgraçados são os que mais precisam de amor e de conforto. Vou ver se posso esquecer-me, dormindo. Como isto é triste, meu querido amigo!... Adeus”.
No capitulo VIII, temos a quarta carta e primeira de Simão, em que faz um apelo para Teresa fugir do convento:
“E necessário arrancar-te daí — dizia a carta de Simão. — Esse convento há de ter uma evasiva. Procura-a, e dize-me a noite e a hora em que devo esperar-te. Se não puderes fugir, essas portas hão de abrir-se diante da minha cólera. Se daí te mandarem para outro convento mais longe, avisa-me, que eu irei, sozinho ou acompanhado, roubar-te ao caminho...”.
No capitulo IX, temos mais duas cartas de Teresa, a quinta e a sexta. Numa ela pede a Simão que vá para Coimbra e desabafa sobre a corrupção que reina no convento, na outra, pede a Simão que não vá para Coimbra, com receio de ser transferida para outro convento:
“Meu pai deve saber que estás aí, e, enquanto aí estiveres, decerto me não tira do convento. Seria bom que fosses para Coimbra, e deixássemos esquecer a meu pai os últimos acontecimentos...”
“Não me desampares, Simão; não vás para Coimbra. Eu receio que meu pai me queira mudar deste convento para outro mais rigoroso...”.
No capitulo X Simão escreve a sétima carta (segunda sua) como se fosse à última da sua vida, despedindo-se de Teresa:
“Considero-te perdida, Teresa. O Sol de amanhã pode ser que eu o não veja. Tudo, em volta de mim, tem uma cor de morte. Parece que o frio da minha sepultura me está passando o sangue e os ossos... Lembra-te de mim. Vive, para explicares ao mundo, com a tua lealdade a uma sombra, a razão por que me atraíste a um abismo. Escutarás com glória a voz do mundo, dizendo que eras digna de mim. A hora em que leres esta carta...”.
No capitulo XIII, na oitava carta, Teresa informa que está a par dos acontecimentos e da morte:
“Simão, meu esposo. Sei tudo... Está conosco a morte. Olha que te escrevo sem lágrimas. A minha agonia começou há sete meses. Deus é bom, que me poupou ao crime. Ouvi a notícia da tua próxima morte, e então compreendi porque estou morrendo hora a hora... E que morte, meu Deus!... Aceita-a! Não te arrependas. Se houver crime, a justiça de Deus te perdoará pelas angústias que tens de sofrer no cárcere... e nos últimos dias, e na presença da...”.
E na nona carta, Simão informa a Teresa da possibilidade de salvação que há para ele e pede-lhe para não morrer:
“Não me fujas ainda, Teresa. Já não vejo a forca, nem a morte. Meu pai protege-me, e a salvação é possível. Prende ao coração os últimos fios da tua vida. Prolonga a tua agonia, enquanto te eu disser que espero. Amanhã vou para as cadeias do Porto, e hei de ali esperar a absolvição ou comutação da sentença. A vida é tudo. Posso amar-te no degredo. Em toda a parte há céu, e flores, e Deus. Se viveres, um dia serás livre; a pedra do sepulcro é que nunca se levanta. Vive, Teresa, vive!...”.
No capitulo XV, temos outra carta de Simão (décima carta), um monólogo em que Simão se autoanalisa:
“O pão do trabalho de cada dia e o teu seio para repousar uma hora a face, pura de manchas: não pedi mais ao céu.
Achei-me homem aos dezesseis anos. Vi a virtude à luz do teu amor. Cuidei que era santa a paixão que. Absorvia todas as outras, ou as depurava com o seu fogo sagrado. Nunca os meus pensamentos foram denegridos por um desejo que eu não possa confessar alto diante de todo o mundo...”
No capitulo XIX, temos três cartas. Na décima primeira, Teresa pede a Simão que aceite os dez anos de cadeia:
“Dez anos! – dizia-lhe a enclausurada de Monchique. Em dez anos terá morrido meu pai e eu serei tua esposa, e irei pedir ao rei que te perdoe, se não tiveres cumprido a sentença. Se vais ao degredo, para sempre te perdi, Simão, porque morrerás, ou não acharás memória de mim, quando voltares”.
Na décima segunda, Simão responde a Teresa sobre o degredo:
“... Não me peças que aceite dez anos de prisão. Tu não sabes o que é a liberdade cativa dez anos! Não compreendes a tortura dos meus vinte meses. A voz única que tenho ouvido é a da mulher piedosa que me esmola o pão de cada dia, e a do aguazil que veio dar-me a sarcástica boa-nova de uma graça real, que me comuta o morrer instantâneo da forca pelas agonias de dez anos de cárcere...”.
Na décima terceira carta, Teresa informa a Simão de que vai morrer e pede-lhe perdão:
“Morrerei, Simão, morrerei. Perdoa tu ao meu destino... Perdi-te... Bem sabes que sorte eu queria dar-te... e morro, porque não posso, nem poderei jamais resgatar-te. Se podes, viva; não te peço que morras, Simão; quero que vivas para me chorares. Consolar-te-á o meu espírito... Estou tranquila. Vejo a aurora da paz... Adeus, até ao céu, Simão”.
Na conclusão do romance temos a décima quarta carta – a mais longa de todas – escrita nos últimos momentos da vida de Teresa, recordando os projetos passados:
“É já o meu espírito que te fala, Simão. A tua amiga morreu. A tua pobre Teresa, à hora em que leres esta carta, se Deus não me engana, está em descanso.
Eu devia poupar-te a esta última tortura; não devia escrever-te; mas perdoa à tua esposa do céu a culpa, pela consolação que sinto em conversar contigo a esta hora, hora final da noite da minha vida...”.
Por fim, a obra Amor de Perdição – bem que poderia ser chamada de “amor por correspondência”, devido às cartas trocadas entre os dois jovens apaixonados – assume caráter totalmente dramático e trágico, uma vez que atinge profundamente as personagens em seus sentimentos e culmina pela morte dos protagonistas. Esse amor fatal e obsessivo é a mola do enredo e dá origem ao sofrimento amoroso que motiva o conflito entre o ideal e o real. E mais, a transcendência desse amor, fez do romance um marco do Ultrarromantismo português, sendo muito bem recebido pelo público em seu lançamento, tornando-se uma espécie de Romeu e Julieta lusitano: o ódio entre as nobres famílias Botelho e Albuquerque ameaçado pelo amor entre Simão e Teresa, Simão – o herói romântico, cujos erros passados são redimidos pelo amor – e Teresa – a heroína firme e resoluta em seu sentimento de devoção ao amado.