Paixão antiga ou sobre ser professor

Por NERI P. CARNEIRO | 01/04/2010 | Educação

Na antiguidade os sábios, mestres, sacerdotes além de quase sempre estarem representados pela mesma pessoa, eram respeitados por seus concidadãos.

Alguém precisava de conselhos, medicamentos ou orações de intercessão junto aos deuses da tribo, procurava por aquele que o poderia atender. E, quase sempre essa pessoa era, além de um ancião, uma pessoa sábia que, com seu saber encaminhava e ensinava a solução para o problema de seu consulente.

Milênios se passaram. Ultrapassamos o século XX e inauguramos o XXI; o mesmo que, quando éramos crianças, parecia tão distante. E neste final de primeira década do século XXI, diante de incontáveis problemas naturais, sociais, ambientais, ecológicos, econômicos, de saúde e de ajuste social... nos perguntamos: onde andariam os sábios, mestres, sacerdotes?

O antigo sacerdote, hoje se apresenta como padre ou pastor. Continua representando a mesma condição de mediador e intercessor junto às divindades... mas já não tem mais o mesmo status daqueles tempos. Tempos em que era ouvido pelas autoridades, na busca de melhores formas de conduzir o todos na direção do bem comum.

E os mestres e sábios, por onde andam? O mestre de antes virou o professor de hoje... e o sábio?... bem era alguém hoje virou internet que tem de tudo menos o saber resultante de anos de experiência vivida e da observação atenta.

Esse é o panorama que nos vem a mente quando assistimos anos a fio de desrespeito não só à pessoa como à função do professor, atual mestre de nossos filhos. Isso se nos apresenta, entre outros elementos, após ouvir dois testemunhos de duas professoras. Uma ao se apresentar na abertura de uma disciplina de pós-graduação; outra analisando o tratamento dispensado aos professores em greve.

A primeira professora, aposentada, beirando os sessenta anos. Após falar seu nome a dona Rosa contou que havia passado recentemente num concurso para professores. "Quando comecei mal sabia ler e escrever. Tinha treze anos. Hoje já terminei a faculdade. Estou fazendo esta especialização, mas já tenho o projeto pronto para fazer minha matrícula no mestrado. Gosto de aprender coisas novas e amo minha profissão" disse ela. "Ficar parada só depois que morrer", completou. Falou que é gratificante pode encontrar seus ex-alunos já formados. Claro que ela também reclamou do péssimo salário e do desrespeito sofrido pelos professores. Mas concluiu dizendo que da mesma forma que se esforça para desempenhar bem sua função quer ser respeitada e bem paga.

O outro testemunho veio de uma professora, que também não é jovem. Foi durante uma assembléia de professores em greve. Contou que já deixou de ser professora por várias vezes, em decorrência do desrespeito e pouco caso sofrido tanto por parte dos gestores das escolas como, principalmente, dos governantes os quais se esqueceram que para ser o que são passaram pelos bancos escolares. "Hoje posso viver de outras rendas, mas me realizo como professora". E disse mais! Disse que se todos os profissionais da educação realmente amassem o que fazem, muitas coisas poderiam ser melhores, tanto no universo escolar como na sociedade. Isso porque só luta por melhores condições de trabalho e para que os alunos progridam aqueles que fazem do exercício do magistério uma extensão da própria vida. Disse que numa greve são os mais apaixonados os que se envolvem na busca de melhorias. Mas que as autoridades se baseiam não na prática dos bons profissionais, mas na acomodação doS relapsos os quais não são eficientes nem mesmo para participar de um movimento sindical em prol da categoria. E a professora Ana foi aplaudida por seu discurso e pelo seu amor ao magistério.

Sabemos que nos dias atuais não são os professores os primeiros nem os únicos transmissores de informações. Os diferentes meios e canais de comunicação podem ser mais eficientes para transmitir novidades do que as salas de aula. Entretanto nem o mais eficiente site de informação pode tratar os estudantes e as informações com paixão e intensidade como pode o faz o professor. Aliás, essa questão está bem colocada por Gilberto Gil, na música "Cérebro Eletrônico":"O cérebro eletrônico faz tudo / Faz quase tudo / Faz quase tudo / Mas ele é mudo / O cérebro eletrônico comanda / Manda e desmanda / Ele é quem manda / Mas ele não anda / Só eu posso pensar / Se Deus existe / Só eu / Só eu posso chorar / Quando estou triste /Só eu / Eu cá com meus botões / De carne e osso / Eu falo e ouço. Hum / Eu penso e posso"

Mas hoje, os progressos estão falando mais alto. Tão alto que nossa sociedade já nem mais consegue ouvir a voz do professor, o mestre da liberdade. E por esse motivo o mundo que estamos fazendo acaba nos desprestigiando, como quem diz: quem precisa de mestres, sábios e sacerdotes? Mas uma paixão muito antiga nos mantém no caminho, caminhando.

Entretanto, por não conhecer a essência da vida e do processo da descoberta, os donos do mundo, assustados em seus castelos de vidro, trancam-se e tremem de medo dos professores. Tanto e tamanho é o medo que nem param para ouvi-los. E assim por medo da maravilha do aprender desprezam aqueles que os pedem libertar.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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