Paisagens: O Espetáculo da Vida
Por Sergio Sant'Anna | 12/11/2008 | CrônicasTenho um amigo que sempre me questiona sobre minha obsessão em viajar nos ônibus coletivos apreciando a paisagem. Afirma que a paisagem é sempre a mesma, as pessoas também, e que não vê nada de belo nesta viagem que faço diariamente rumo ao trabalho.
É aí que mora o perigo (para ele, é claro!), perder a admiração pela beleza que é a vida, acostumar-se as mesmas paisagens e delas não retirar outra maneira de enxergá-las torna a vida monótona, desagradável, sem inspiração. Destina-se ao trabalho rodeado de pensamentos negativos ou mesmo sem nenhum pensamento.
Observo cada esquina, cada cruzamento e neles vejo a vida dando risadas, apresentando sua graça, pois a cada dia o ser humano ganha com as mudanças que sofre. Olho o mesmo jornaleiro com sua banca exposta naquela quadra e lá com ele o sorriso de dentes quebrados, mas pronto para ser solidário e não cobrar os míseros centavos; da janela de seu prédio uma senhora acena todos os dias ao motorista do ônibus, dando sinais de um dia promissor e cheio de esperança, o motorista é incentivado e retribui com um até logo e muito obrigado (noto melhoras na sua maneira de conduzir o veículo); pelos corredores daquele túnel o mendigo pede sua esmola, mas são poucos os trocados que recebe, pois vive muito bem longe dali; no parque mais a frente senhoras e senhores passeiam com seus cães, numa tentativa de passar o dia que se torna demorado quando se chega à aposentadoria; outros, no mesmo parque, caminham, jogam seu frescobol, tomam sua água sem gás, realizam brincadeiras com os filhos e netos e eu ali, na janela do circular, apreciando toda essa movimentação que muda a cada dia. Vejo as árvores que há anos crescem com a rapidez do tratamento dado pelos moradores daquele bairro, pois a Prefeitura é incapaz de destinar um jardineiro para cuidar das plantas; na calçada dorme o garoto que ficou refém da bebida ao sair do baile; no cruzamento de duas grandes avenidas o semáforo dá passagem aos pedestres, mas quem passa é um carro desgovernado e em alta velocidade. O rio que corta a cidade e caminha com estaimensa avenida sofre com a poluição, são dejetos jogados pelo homem e incentivados pelos poderosos, que nada fazem para reverterem essa situação.
Nas folhas caídas daquela árvore o cheiro exalado pelo seu perfume ultrapassa as janelas e supera o perfume daquela jovem que insiste naquela água de cheiro. Uma mistura de Natura e Avon. Nada a exalar. Vejo os carros correrem, as pessoas se esbarrarem e a senhora sendo assaltada pela aquela gangue de desocupados da esquina final. É hora de desembarcar, cheguei ao meu destino, mas amanhã retorno ao trabalho. É mais um dia. A tarde na minha volta tem mais, só que agora com ares do crepúsculo, mais um espetáculo.