OU VIDAS...
Por Afonso Rocha Sombra | 08/08/2011 | CrônicasOuvidas...
Ouvidos procurando ouvidos... Mãos procurando mãos. Olhos procurando olhos... Braços procurando braços... Gente procurando gente... Humano procurando humanos... Em que nos tornamos?
Indivíduos embevecidos em sombras, em busca de sobras, presos em dobras.
Ah!Quero recostar-me... Apoiar-me e ver o mundo de cabeça para baixo. Falar aos pés e esquecer a tez. Contar aos dedos os lamentos da razão. Enrolar a língua e temperá-la com o tempo. E as mãos? Quem sabe repousá-las sobre o papel e ouvir o lamento dos desgraçados. Deitar-me sob aquele e copular com as palavras. Brincar com as letras e abusar das reticências...! Escrever com os ouvidos.
Ouvido. Pavilhão que a todos acolhe. Não, não digas nada, apenas ouça. Percebe o som. É o coração que teima em marcar o ritmo da vida. O soluço?Ah!O soluço é do tempo dizendo que já são horas de levantar os olhos e abrir os braços. Descer ao mundo dos morto-vivos e sentir o calor, bolor, odor dos que pedem ouvidos. Recolher as cabeças sem corpos. Dar pernas, braços; sobretudo, ouvidos. Reprimidos ouvidos, oráculo da vida.
Ontem, fui abordado. Ele estava tão triste, que meu ouvido chegou a doer. Eram muitas vozes que me assaltavam, mas uma eu reconheci: era a minha!Não adiantou o disfarce, logo me reconheci. O choro... O apelo... O pedido. Ignorei-o. Simplesmente... Eu não queria vê-lo, muito menos ouvi-lo. Tinha que executá-lo e tinha de ser rápido para que não doesse muito em mim. Mas ele repetia freneticamente: ouça-me... Ouça-me...
Afastei-o de mim, bradei à consciência. Esta, sem entender muito bem, tratou de chutá-lo... Escorraçá-lo... Ignorá-lo... Depois a sós...
Depois a sós, com minha consciência, sentamos e conversamos. Refletimos sobre o que tinha dado nela para agir daquela forma. Indaguei-a acerca dos seus arroubos humanitários. Alertei-a sobre o perigo do afloramento desses sentimentos na selva dos "bichos sem ouvidos"que, por não escutarem, vivem em pesadelos e escutam vozes por todos os cantos. Que precisam reaprender a ouvir. Decifrar as notas produzidas pelo instrumento mundo. Parar e apreciar no silêncio o mágico segredo de deixar-se inundar pelos sons. Banir a pressa do presente ausente e seduzir-se com a presente gente. Quem sabe arriscar uma palavra de conforto e ânimo. Dançar ao som da melodia lamentosa dos sem ouvidos. Tocar o instrumento do presente talhado na existência de um amanhã... Temido amanhã, que nos assaltará e nos lançará ao chão, onde sentiremos o cheiro da terra encharcada pelo sangue dos embriagados ouvidos-de-si-mesmos. Hipnotizados pelos olhos que nadam no nada, cativos nas lágrimas do mar da indiferença.
Mas..., o que dizer... O que falar... Sou peça, não peça para ser diferente!Preciso ficar a sós comigo mesmo. Pensar o que não sou quem sabe assim, descubra-me. Ter um acesso de mim; assumir o controle e acalmar-me. Embrenhar-me no pântano do eu e beber no lago do silêncio e passear de ouvido em ouvido, de braço em braço, de boca em boca. Ouvir o lamento de quem não fala. O choro dos que não choram, por não ter ouvidos, ou... por não ter mais lágrimas! Vencer a força das águas da soberba que se precipitam sobre o rochedo das indiferenças. Que nos Arrancam gritos de dor, abafados pelos sorrisos desvairados de um aturdido homem objeto. Que não escolhe, apenas encolhe sob a chibata que dita o ritmo, produzindo um som de uma só nota: consuma... Consuma... Consuma... Que ignorando os apelos dos instintos sublimados se brutaliza e imprimi um esforço para vencer uma íngreme subida ilusória. Ilusória por ser indiferente à felicidade humana. Mas o que é felicidade?
Talvez ser ouvidos, braços e olhos que se procuram e se acham. Ou, quem sabe é poder correr de braços abertos e olhos saltitantes ao encontro de outros olhos. Precisar de pouco; de quase nada. Ficar íntimo do silêncio. Saber-se gente. Pode estar no respeito aos limites alheios traçando os seus próprios. Talvez na beleza da flor antes de desabrochar. No cheiro da alma. No cheiro da vida... Cheiro de gente. Simplesmente gente... Que sente... Pressente... Que escuta e quer ser escutado e quem sabe...
Depois a sós... Quem sabe não te escute?!!