Os vetos do PL 99/07 na criação da Lei 12.619/12

Por Cristian Frederico Ahlert | 09/11/2013 | Direito

O Brasil é um país de dimensões continentais. Essa afirmativa, repetida por diversas pessoas país afora, tem maior representação ainda na hora em que em estudamos os dados estatísticos na seara dos transportes de cargas e passageiros realizados pelo modal rodoviário. Com 8,51 milhões de km² e com uma malha rodoviária de 1.736.000 quilômetros, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT – no ano de 2008, o Brasil figura entre os maiores territórios do globo, porém, com uma baixa densidade de rodovias. Isso, por si só, já nos remete a uma estrutura rodoviária deficitária, contudo, a situação fica ainda pior quando analisa-se o total de rodovias pavimentadas. Do total da malha viária, apenas 12% são de rodovias pavimentadas.

Dentro desse contexto, encontram-se os motoristas, aqueles que têm a incumbência de fazer com que o país se movimente. De acordo com dados de 2010 do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran, existem cerca de 50 milhões de motoristas com habilitação no país, e desses, cerca de 210 mil são motoristas de ônibus urbanos, 30 mil de ônibus rodoviários, e ainda, um milhão de caminhoneiros autônomos ou de empresas utilizando os mais de 2 milhões de caminhões registrados no Brasil, o que mostra a necessidade de se ter uma legislação específica para a categoria.

Sendo um tema cujo pleito de regulamentação da categoria já possuía mais de 30 anos e a forte dependência nacional pelo modal rodoviário, a chegada da lei com suas mudanças requer adequação de empresas e motoristas, bem como mudanças na rotina de fiscalização dos órgãos competentes.

Foi pensando nisso que, em maio de 2012, foi sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, a Lei 12.619, que regula a profissão de motoristas de passageiros e de cargas, inserindo diversas novidades e criando um tópico exclusivo para a categoria na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Porém, após a tramitação do projeto de lei 99/07 pelas duas casas do legislativo federal e de ter passado por comissões que debateram juntamente com a categoria dos motoristas, chegando na mesa presidencial, o projeto de lei, já aprovado pelas duas casas do poder legislativo, sofreu novos vetos antes de sua aprovação. Cumpre destacar, entre todos os artigos vetados, os artigos 7º e 10º do referido projeto de lei.

Art. 7o O § 2o do art. 34-A da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VI:

Art. 34-A. § 2º  - VI - nos casos de concessões de rodovias, a exigência da construção de locais seguros destinados a estacionamento de veículos e descanso para os motoristas, situados a intervalos menores que 200 (duzentos) quilômetros entre si, incluindo área isolada para os veículos que transportem produtos perigosos, e em consonância com o volume médio diário de tráfego na rodovia.(NR)

Art. 8o O art. 2o da Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5o: Art. 2º - § 5o Não se aplicam as vedações previstas no § 4o quando a celebração de contrato de parceria público-privada tiver por objeto a construção ou a implantação de pontos de parada em rodovias sob administração direta da União, dos Estados ou do Distrito Federal, para o estacionamento de veículos e descanso dos motoristas, na forma prevista no inciso VI do § 2o do art. 34-A da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001. (NR)

Art. 10. Os contratos de concessões de rodovias outorgadas anteriormente à entrada em vigor desta Lei deverão adequar-se às disposições contidas no inciso VI do § 2º do art. 34-A da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001, no prazo de 1 (um) ano, inclusive em relação ao seu conseqüente reequilíbrio econômico-financeiro.

 O texto do artigo 7º continha a regulamentação para a construção de locais para estacionamento e descanso, chamados de pontos de parada, a cada 200 km, incluindo, nestes locais, a construção de áreas isoladas para o estacionamento de veículos que estivessem carregando produtos perigosos, como combustíveis, óleos, botijões de gás, entre outros.

Já no artigo 10º, o texto sugeria o prazo de um ano para que as concessionárias de rodovias outorgadas se adaptassem a essa exigência. Isto, pela questão do princípio da anterioridade, iria atingir apenas para as outorgas realizadas em período anterior à vigência da lei.

“Infelizmente, ambos os artigos foram vetados pelo Poder Executivo, o que prejudicou a proteção ao meio ambiente laboral dos motoristas no que tange às instalações de terceiros do setor público administradas pela iniciativa privada sob o regime de concessão.” (PASSARI, 2012)

 As razões para o veto presidencial se apegam ao fato de que essa imposição acarretaria em alteração contratual junto às concessionárias e fatalmente culminaria com aumento das tarifas cobradas nos pedágios pelo Brasil, conforme o texto publicado pelo governo:

“A proposta acarretaria novas obrigações aos concessionários de rodovias, o que poderia ensejar o reequilíbrio dos contratos e o consequente aumento de tarifas cobradas nos pedágios. Ademais, a utilização do regime de parecerias públicoprivadas deve se limitar a projetos que exijam recursos vultosos e contratos de longo prazo, os quais permitam a amortização dos valores investidos.” (BRASIL, 2012, texto digital)

Para o diretor-executivo jurídico da NTC&Logística, Marco Aurélio Ribeiro, o argumento não faz sentido e inclusive, sobre esse mesmo pensamento é que o Ministério Público do Trabalho estuda a proposição de uma Ação Civil Pública para intervir na construção dos pontos de parada.

“O veto demonstra uma insensibilidade política que não tem tamanho. Pelos 15 mil km de rodovias concedidas trafegam cerca de 1,48 bilhão de veículos, que pagam R$ 12 bilhões em pedágios por ano. Com um cálculo simples, o aumento de R$ 0,10 na tarifa, por exemplo, garantiria R$ 1,9 milhão por ano para a construção de cada um dos 76 pontos de parada necessários. Todos os anos, já existe um arredondamento de tarifa de R$ 0,03, R$ 0,04 centavos”, esclarece. “É uma insensatez dizer que o motorista vai ser obrigado a parar sem ter onde. Vamos deixá-los aos leões, à margem de assaltos?” (CNT, 2012, texto digital)

Ainda ao passar pela sanção presidencial, houve o veto do §2º do Art. 235-E, sob a justificativa de inconstitucionalidade, mesmo mantendo o §1º e abrindo o precedente de que os descansos semanais remunerados podem ser cumulados ilimitadamente, desde que o empregador não proveja condições adequadas para o seu gozo ao longo do afastamento.

§ 1o Nas viagens com duração superior a 1 (uma) semana, o descanso semanal será de 36 (trinta e seis) horas por semana trabalhada ou fração semanal trabalhada, e seu gozo ocorrerá no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou em seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido descanso.

§ 2o  É permitido o acúmulo de descanso semanal, desde que não ultrapasse 108 (cento e oito) horas, devendo, pelo menos uma vez ao mês, coincidir com o domingo.”

Para que não ocorram absurdos, devemos nos guiar pelo princípio da Razoabilidade pois com o veto do §2º que previa o acumulo de no máximo 3 descansos seguidos, abre-se uma brecha para que os motoristas fiquem meses fora de casa, longe de suas famílias, o que destoa do objetivo da criação das DSR’s

Em suma, os vetos realizados pelo governo foram de encontro às grandes melhorias propostas pela Lei 12.619/12. Com os vetos, a aplicabilidade da lei acabou gerando brechas pois como os motoristas poderão parar seus caminhões, cumprindo com o dispositivo dos descansos obrigatórios, se em inúmeras rodovias pelo país não há sequer um ponto para essa parada?

Inclusive, de tanto impacto que este veto proporcionou, já há em tramitação no congresso nacional, tendo inclusive sido aprovado pela Câmara dos Deputados, um projeto de lei que revoga a Lei 12.619/12 e cria outros artigos na CLT, inclusive referindo-se aos casos em que as estradas não propiciarem local seguro para as paradas, que os motoristas possam seguir até o ponto final da viagem mesmo que extrapolando o tempo limite de direção.

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REFERENCIAS

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES – CNT. 25 de julho: Dia do Motorista. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.sistemacnt.org.br/portal/webCanalNoticiasCNT/noticia.aspx?id=549cc806-954c-495c-aad1-7e9bb0152068> Acesso em: 24 out. 2013.

PASSARI, Fábio Fernando. MPT Entrevista: procurador do Trabalho esclarece dúvidas sobre a Lei do Motorista Profissional. 2012. Disponível em: http://www.prt23.mpt.gov.br/sga/sitioInternet/conteudo/Conteudo.seam;jsessionid=6FBB4958089CFCE27F3979FEC47B2F8F?noticiaId=3247&cid=58. Acesso em: 23 out. 2013.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES – CNT. 25 de julho: Dia do Motorista. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.sistemacnt.org.br/portal/webCanalNoticiasCNT/noticia.aspx?id=549cc806-954c-495c-aad1-7e9bb0152068> Acesso em: 24 out. 2013.