Os tomates
Por Romano Dazzi | 06/06/2009 | CrônicasOS TOMATES
De Romano Dazzi
A pequena tribo estava de novo se recuperando.
Graças às ameaças, aos gritos e às orações do Grande Feiticeiro, finalmente o tempo decidiu endireitar. As benditas chuvas recomeçaram a cair quase todos os dias, enchendo os açudes, . encharcando o chão, fazendo desenvolver as plantações .
Os índios, escaldados pelas secas repetidas, tinham plantado de tudo um pouco, preparando-se assim para sobreviver pelo menos por mais um ano.
Depois, os Grandes Espíritos decidiriam. E por enquanto, tudo crescia muito bem.
A melhor plantação era a de tomates.
Começaram a nascer aos milhares, desenvolviam-se, avermelhavam, ficavam prontos para a colheita em poucas semanas.
Davam o tempo todo, para alegria geral .
A produção era tanta, que para não perdê-la, tiveram que improvisar.
Já não os usavam só em saladas e passados; esmagavam, coavam, ferviam, salgavam ; começaram a transformá-los em molhos, geléias, tinturas, cremes, bebidas, remédios; alguns experimentaram fumar as pequenas sementes secas, o que resultou em algumas dores de barriga, nada muito grave.
Havia tomates por todo lado; nunca se tinha visto tal quantidade.
Chegaram até a simular uma batalha entre dois grupos rivais, só para não ter que simplesmente jogar fora os que apodreciam.
Por fim, a tribo percebeu que o excesso de tomates era, na realidade, um grande pepino – com perdão pelo infame trocadilho.
Os sábios (isto é, os mais desdentados, carecas, corcundas e os que andavam de pernas abertas e sentavam com dificuldade) reuniram-se na taba.
- Vamos parar de produzir tomates ! – gritava um.-
- Sim, rebatia outro – mas como ?
- Queimando uma parte da plantação ! – dizia um terceiro.
- Os Grande Espíritos nos deram este presente, e se o destruirmos, eles se zangarão !
- Eles que se danem ! Não temos mais como usá-los, onde colocá-los, o que fazer para que não
apodreçam !.
- Que tal mandar os tomates pelo rio, para abastecer nossos irmãos da outras aldeias !
- E não ganhar nada ? Nunca ! Você é louco varrido !
- Eu estou cansado de comer macarrão com massa de tomate todo dia !
- E eu, de suportar pratos e mais pratos de salada de tomate!
A discussão esquentou, a briga se generalizou, cada um queria dar a sua opinião (o que é bom) e obrigar todos os outros a aceitá-la (o que é ruim). .
Tiveram que adiar a cachimbada diária para depois da partida do Deus Sol.
A Grande Irmã Lua já estava brilhando no céu, quando finalmente chegaram a duas importantes decisões:
1 - o Feiticeiro entraria em contato com os Grandes Espíritos , pedindo resposta urgente; e
2 - os três Caciques mais cotados iriam pedir conselhos aos cara-pálida, do outro lado do rio.
Naquela noite, ninguém sonhou com a caça, a pesca, o tutu de feijão, o cachimbo, o merecido descanso na rede, as indiazinhas. Todos sonharam com tomates., todos tiveram pesadelos, indigestão e manifestações alérgicas de tomates. Sim, esse era realmente um grande problema.
Passaram-se três semanas; os Grande Espíritos deram algumas respostas enigmáticas, mandando nuvens sinalizadoras, que o Feiticeiro se esforçava para interpretar. Às vezes, ao amanhecer, as nuvens se pareciam com longas canoas carregadas Ao pôr de sol, pareciam plantações pegando fogo.
O Feiticeiro estava cada vez mais desesperado. Pensava até em mudar de profissão, porque é realmente horrível ter que servir um patrão que não fala e não se explica, e tentar o tempo todo interpretar suas vontades.
Os três caciques, porém, tiveram mais sorte. Os cara-pálida, sensibilizados com as dificuldades dos índios, prometeram ajudar. Bastava mandar as canoas carregadas do outro lado do rio, onde os brancos as descarregariam, de graça, e ainda, os índios receberiam de volta os barcos. Tudo sem custo nenhum ! Mas de pagar, pelo menos um valor irrisório, pela mercadoria, nem se fala!
Enquanto os espíritos não se decidiam, a aldeia inteira aprovou o plano das cara-pálida. Afinal, seria um grande problema a menos!
Trabalharam duramente por duas semanas, ate limpar todas as ruelas da aldeia, tirando e embarcando até o último tomate.
Finalmente, no décimo quinto dia, quando a Grande Irmã Lua surgiu no céu, todos suspiraram aliviados.
Foi só no dia seguinte, enquanto os caciques descansavam, vigiando as varas de pesca fincadas na areia, que a coisa gelou. Foi quando as donas-de-taba foram fazer o almoço. Não havia mais um só tomate! Todos entregues, todos sumidos!
Na plantação, passada a época da colheita, os tomateiros murchavam e entravam
Que tomate, que nada! Nada. Nada. Naaadaaa !!!!!
Nova reunião, novas brigas. E de novo os caciques atravessaram o Grande Rio.
Os cara-pálida já estavam esperando. – Ouviram calados as queixas dos índios e:
- “Mas nós temos a solução!” - gritaram, animados - “aqui estão duas mil latas de tomate despelado, massa de tomate, molho de tomate, suco de tomate, salsa de tomate, com acréscimo de especiarias , cebolinha, alho, ervas aromáticas, que vão dar um novo gosto à sua vida! Podem acreditar que a matéria prima é genuína e de superior qualidade.....!”
“O preço? Bem, custa um pouco caro, mas não será nenhum exagero.
Nem vamos pensar nisso agora..... Queremos só que sejam felizes!
Aceitem o produto como empréstimo, por agora; depois, com tempo, falaremos sobre um preço justo, os juros, o financiamento, a taxa de amortização, todos estes pequenos detalhes sem importância.....”
“Fiquem com Deus – tendo em vista que os seus espíritos foram muito menos espertos que os nossos – e, bom apetite !!!!!”
Assim aconteceu que os índios tiveram que ceder – de papel passado - um bom pedaço de terra para os cara-pálida; e estes instalaram lá uma grande e moderna fábrica, usando todas as matérias primas concedidas pelos Grande Espíritos e recebendo ainda alguma compensação.
Aliás, isto é o que tem acontecido, desde então, com todos os primitivos, que teimam em aceitar conselhos dos Feiticeiros, em lugar de aprender estratégias econômicas em Harvard...