Os Sem Vergonha
Por George dos Santos Pacheco | 19/10/2009 | CrônicasArtúrio acordou com sons estranhos vindos do quintal. Esfregou os olhos, já eram nove horas da manhã. Estava na hora mesmo de se levantar. Olhou para o lado, sua esposa dormia tranqüila. Deu-lhe um beijo e se levantou. Espreguiçou-se e foi até a janela da sala, com o rosto ainda todo amassado de dormir. Levantou-a e havia um grupo de pessoas com bonés vermelhos levantando barracas e cozinhando em uma fogueira improvisada. Algu-mas derrubavam as plantas de sua esposa e outras pareciam semear algo.
– Hei cara! O que é isso? – gritou Artúrio desesperado, sem medo de acordar a mu-lher.
– Estamos tomando posse dessa terra. Ela estava improdutiva e agora vamos plan-tar feijão e esperar a reforma agrária para que tenhamos a posse definitiva... Somos os Sem Terra...
Artúrio pensou. Seu quintal não era tão pequeno assim. Além do mais, eles tam-bém tinham direito de ter um pedaço de terra. Baixou a janela e foi se trocar para ir para o trabalho. Pôs seu terno impecável, pegou sua maleta e foi para a garagem. Chegando lá um outro grupo de pessoas, de bonés vermelhos, estavam abrindo o carro à força. Mais uma vez Artúrio interveio.
– Quem são vocês? O que estão fazendo aqui?
– Nós somos os Sem Transporte. Seu carro estava improdutivo então viemos aqui e tomamos posse dele...
Artúrio pensou novamente. Recebia relativamente bem como bancário, podia com-prar outro carro se quisesse. Além do mais, tudo mundo tinha direito de ter um carro também... Resolveu ir de ônibus para o banco.
Ia caminhando até o ponto quando dois homens, de bonés vermelhos, pararam com uma expressão ameaçadora a sua frente.
– O que vocês querem? – disse o bancário.
– Passe sua carteira para cá. Seu dinheiro está improdutivo nela, então tomaremos posse dele. Somos os Sem Recursos.
Artúrio pensou como das outras vezes. A situação do Brasil estava difícil mesmo. Todo mundo precisava de dinheiro para resolver seus problemas. E ele ainda tinha seu emprego. Agora tinha que ir a pé para lá. Chegaria um pouco atrasado.
Depois de duas horas ele estava chegando ofegante e todo suado ao trabalho. Subiu as escadas lentamente. Estava tendo cãibras. Aproximou-se de sua mesa e lá havia um homem, de boné vermelho, organizando alguns papéis.
– Hei cara! Quem é você? – perguntou ele.
– Sua mesa estava improdutiva há horas... Então tomei posse dela. Eu era um Sem Emprego, agora você o é!
Artúrio suspirou. Logo ele que era tão bom funcionário! Mas enfim, todos precisa-vam de emprego para sustentar suas famílias. E ele tinha uma... Com certeza um outro banco teria uma vaga para um bancário experiente como ele. Foi para casa buscar alguns currículos para entregar.
Mais duas horas se passaram até que chegasse em casa, exausto e suado, e ainda com suas amigas cãibras. Afinal ele não era nenhum garotinho... Pelo menos ele conseguiu chegar mais cedo em casa. Abriu a porta lentamente, queria fazer uma surpresa para a mulher. Ouviu uns barulhos estranhos, mas não eram iguais aos do Sem Terra de manhã. Se-guiu os sons e chegou até seu quarto. Sua esposa estava nua com um homem de boné vermelho, também nu, sobre a cama.
– Mas o que é isso? – esbravejou ele.
– Eu sou um Sem Mulher. Como sua esposa estava improdutiva aqui...
– Não! – gritou Artúrio. Estava quase caindo do sofá. Tinha chegado do trabalho e nem tinha trocado a roupa ainda. Era apenas um cochilo.
– O que foi amor? – disse sua esposa vindo da cozinha.
– Nada não. Um sonho, ou um pesadelo...
A televisão estava ligada e passava uma notícia sobre um grupo de Sem Terras que havia invadido uma fazenda em São Paulo e derrubado um monte de pés de laranja. Apa-receu alguém do governo dizendo que eles não significavam perigo algum à sociedade. Depois o repórter falou que uma série de Organizações Não-Governamentais ligadas ao movimento tinha recebido valores astronômicos do Governo...
– Do que estão falando no jornal, amor? – perguntou a esposa de Artúrio.
– Ah querida... Estão falando dos Sem Vergonha!