Os Ricos não se salvarão?
Por Claudionor Erasmo Peixoto | 29/05/2015 | ReligiãoPERGUNTA: OS RICOS NÃO SE SALVARÃO? PORQUE NA PALAVRA DE DEUS ESTÁ ESCRITO QUE É MAIS FÁCIL UM CAMELO PASSAR PELO BURACO DA AGULHA, QUE UM RICO ENTRAR NO REINO DOS CÉUS?
RESPOSTA: Realmente, se você levar a Palavra de Deus ao “pé da letra”, dirá que é impossível um rico se salvar, mas, é para isso que existem os estudiosos, os teólogos e os exegetas; para nos trazer a interpretação real daquilo que Deus quis nos falar. Não podemos ser fundamentalistas no estudo da Bíblia, isto é, pessoas que sem preparo específico, lêem os livros da Bíblia como se tivessem sido escritos hoje, para a nossa cultura e na nossa língua. Costumamos exemplificar a leitura fundamentalista, convidando as pessoas a lerem a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, relatando a chegada ao Brasil da expedição de Pedro Álvares Cabral; ele escreveu em português, a 504 anos atrás e, no entanto, sem a ajuda de estudiosos, não conseguimos entender sequer trinta por cento do que é relatado, tamanha é a diferença do vocabulário, das regras gramaticais e dos costumes da época.
Os livros do Novo Testamento foram escritos por volta do primeiro século da era cristã, portanto a aproximadamente 2.000 anos atrás, em Aramaico, posteriormente traduzidos para o grego e, mais tarde para o latim; somente no século XIX (anos 1.800), tivemos tradução para o português; os livros do Antigo Testamento então, têm aproximadamente 5.000 anos, e tem gente brigando porque a Bíblia fala isso ou fala aquilo, sem se aprofundar em estudos e sem base teológica.
Voltando ao texto que está relatado em Mt 19,21, em Mc 10,25 e em Lc 18,25, Jesus usa uma metáfora para dizer que aquele que é apegado às riquezas, não entrará no reino dos céus; A cidade de Jerusalém, como as grandes cidades da época, era cercada de muralhas para a sua defesa e, nessas muralhas haviam portas ou passagens; várias passagens, por serem pequenas, chamavam-se “buraco de agulha” e seria muito difícil passar um homem com um camelo por alguma delas.
Mas o importante, além da curiosidade do texto, é o que Jesus propõe ao jovem rico antes dessa frase: o jovem de boa posição financeira perguntou a Jesus o que deveria fazer para alcançar a vida eterna e Jesus respondeu que deveria guardar os mandamentos da lei de Deus; o jovem disse que já guardava, pois não matava, não cometia adultério, não furtava, honrava pai e mãe; Ouvindo isso Jesus disse: “Ainda te falta uma coisa: vende tudo o que tens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. Ouvindo isso ele se entristeceu pois era muito rico. Vendo-o entristecer-se, disse Jesus: Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus.” O que Jesus propõe ao jovem rico, é a perfeição do discipulado, isto é, “de segui-lo na obediência do discípulo e na observância dos preceitos que é relacionado com o convite à pobreza e castidade” (Catecismo n. 2053). A sequência dessas palavras de Jesus está no versículo 29 do capitulo 19 de Mateus “E todo aquele que por minha causa deixar irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos, terras ou casa, receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna”. Portanto, Jesus propõe o sacerdócio ao jovem e, quando este não aceita por ter muitos bens, Jesus faz o comentário sobre a riqueza.
Jesus nunca diz que os ricos não se salvarão, mas diz que aquele que se apegar às coisas do mundo não terá a vida eterna. Muitos pobres são “ricos em espírito” isto é, são apegados ao que têm e ao que não têm, porque são ambiciosos, são duros de coração. Um exemplo dado por Jesus é o do empregado que teve sua grande dívida perdoada pelo patrão e depois acionou a justiça para receber uma dívida pequena de seu companheiro. Coração duro, apegado as coisas materiais.
Deus abençoa aqueles que ajudam aos pobres e reprova os que se desviam deles, Deus abençoa aquele que tem riquezas, mas valoriza o mais necessitado oferecendo trabalho, emprego, dignidade e respeito; abençoa o rico “pobre em espírito”, aquele que embora rico, não tem apego exagerado aos seus bens, que sabe partilhar seus conhecimentos e educação, adquiridos porque pode estudar em boas escolas, que agradece a Deus poder ter assistência médica paga, mas luta por uma assistência pública de saúde decente, enfim, aquele que sendo rico, se preocupa em ajudar os mais necessitados.
Já com aqueles que se apegam às suas riquezas o Senhor é severo, porque “o amor aos pobres é incompatível com o amor imoderado das riquezas ou o uso egoísta delas” diz o Catecismo no n. 2445, citando Tiago (5,1-6) “Pois bem, agora vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que estão para vos sobrevir. A vossa riqueza apodreceu e as vossas vestes estão carcomidas pelas traças. O vosso ouro e a vossa prata estão enferrujados e a sua ferrugem testemunhará contra vós e vos devorará as vossas carnes. Entesourastes como que um fogo nos tempos do fim! Lembrai-vos de que o salário, do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Vivestes faustosamente na terra e vos regalastes; vós vos saciastes no dia da matança. Condenastes o justo e o pusestes à morte: ele não vos resiste”.
A vontade perfeita de Deus é que todos nós tenhamos saúde, dignidade de vida, alegria e paz; mas não é esta a nossa realidade, porque sofremos as conseqüências do pecado desde que ele entrou no mundo. Quando nas bem-aventuranças Jesus diz que os pobres em espírito são bem aventurados, não está amaldiçoando os que não são pobres, mas dizendo que aqueles que são desapegados das coisas do mundo (espírito de pobre) e apegados as coisas de Deus são felizes aqui e na outra vida, sejam eles ricos ou pobres em bens materiais. No número 2546 do Catecismo da Igreja Católica está escrito “”Bem Aventurados os pobres em espírito” (Mt 5,3). As bem-aventuranças revelam uma ordem de felicidade e de graça, de beleza e paz. Jesus celebra a alegria dos pobres, a quem já pertence o Reino: “O Verbo (Jesus) chama “pobreza em espírito” à humildade voluntária de um espírito humano e sua renúncia; o Apóstolo nos dá como exemplo a pobreza de Deus quando diz: “Ele se fez pobre por nós” (2Cor 8,9)” S.Gregório de Nissa.”
Em Deuteronômio 15,11 está escrito: “Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso que eu te ordeno: abre a mão em favor de teu irmão, de teu humilde e de teu pobre em tua terra”. Jesus também disse: “Sempre tereis pobres convosco; mas a mim nem sempre tereis.” (Jo 12,8), mas ele nos exorta a reconhecer a Sua presença no pobre conforme Mateus 25,40: “...todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes”. Portanto, Deus não condena o homem pelo simples fato de ser rico, de possuir bens, de proporcionar uma boa vida aos seus e a si mesmo, mas sim responsabiliza aquele que consome egoisticamente sua riqueza, sem gerar riqueza para as demais pessoas, responsabiliza aquele que sendo poderoso escraviza o próximo pagando salários de fome e obrigando seus empregados a viverem em função da sua empresa, em detrimento da família, do descanso e do lazer; responsabiliza aquele que aplica o que tem com egoísmo, apenas para seu próprio consumo, ao invés de aplicar em algo produtivo não só para ele próprio mas para os outros também, através da geração de empregos, de trabalho e de bens úteis à comunidade.
A riqueza pode ser o caminho da salvação, ou o caminho da perdição. Depende de como o homem aplica os seus bens e os seus talentos. No número 2547 do Catecismo lemos: “O Senhor se queixa dos ricos porque encontraram na profusão de bens o seu consolo. Sto. Agostinho diz;”O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito busca o Reino dos Céus”. O abandono nas mãos da Providëncia do Pai do Céu libera da preocupação do amanhã. A confiança em Deus predispõe para a bem-aventurança dos pobres. Eles verão a Deus.”
Quando falamos de riqueza, também falamos dos bens não palpáveis, como o talento, a formação acadêmica, bens que não estão ao alcance da maioria do povo. Também esses bens o Senhor quer que partilhemos, doando nosso tempo a serviço dos mais pobres; um profissional da saúde, médico, enfermeiro, dentista, assim como educadores, professores, marceneiros, serralheiros, pedreiros, cozinheiros, também os artistas, comunicadores, escritores, enfim, qualquer tipo de profissional pode doar um pouco do seu tempo para os pobres, através de trabalho voluntário em creches, asilos, ONGs, orfanatos etc.; lugar para oferecer seus talentos não falta, mas voluntários...
Aquele que dá o dízimo de seus ganhos, o dízimo de seu tempo para a obra do Senhor através de Sua Igreja, seja rico ou seja pobre, será sempre abençoado, conforme Malaquias (3,10) “Pagai integralmente os dízimos aos tesouros do templo, para que haja alimento em minha casa. Fazei a experiência – diz o Senhor dos exércitos – e vereis se não vos abro os reservatórios do céu e se não derramo a minha benção sobre vós, muito além do necessário”.
O bem maior, ou seja, a maior riqueza que recebemos de Deus, é seu Espírito Santo que nos foi dado em nosso batismo; presente que é renovado sempre que pedimos. Se guardarmos egoisticamente este dom, Jesus nos tirará, assim como está descrito na parábola dos talentos: aquele homem que não aplicou os talentos dados pelo patrão, por medo de perdê-lo, teve até este único talento tirado, enquanto os demais empregados que haviam multiplicado os talentos recebidos, receberam todo o lucro e mais o talento do medroso.
Temos que multiplicar os talentos que Deus nos deu, oferecendo aos outros o Espírito Santo que recebemos. De que forma? Apresentando Jesus às pessoas, evangelizando, levando a boa nova que Jesus vive e está atuante na sua vida e, na vida de milhares que a ele entregam suas vidas. Testemunhar através de nossa vida, principalmente aos que nos são mais próximos, que viver em comunhão com Deus e com a Igreja, traz paz e alegria, mesmo nos momentos de tribulação.
No número 2548 e seguintes do Catecismo está escrito: “O desejo da felicidade verdadeira liberta o homem do apego imoderado dos bens desse mundo, para se realizar na visão e na bem-aventurança de Deus. São Gregório de Nisssa diz que” a promessa de ver a Deus ultrapassa todas as bem-aventuranças. Na Escritura ver é possuir. Aquele que vê a Deus obteve todos os bens que podemos imaginar””.
Ao povo santo de Deus resta lutar, com a graça do Alto, para alcançar os bens que Deus promete. Para possuir e contemplar a Deus, os fiéis de Cristo mortificam sua concupiscência e superam, com a graça de Deus, as seduções do gozo e do poder.
Santo Agostinho diz: “Aí haverá a verdadeira glória; ninguém será louvado então por engano ou bajulação; as verdadeiras honras não serão recusadas àqueles que as merecem, nem concedidas aos indignos; aliás, nenhum indigno terá tal pretensão, pois só quem é digno será admitido. Aí reinará a verdadeira paz, onde ninguém será sujeito à adversidade nem de si mesmo nem dos outros. Da virtude o próprio Deus será a recompensa, Ele que deu a virtude e se prometeu a si mesmo como a recompensa maior e melhor que possa existir:” Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo “(Lv. 26,12)... É também o sentido das palavras do apóstolo:” Para que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,12). Ele mesmo será o fim de nossos desejos, aquele que contemplaremos sem fim, amaremos sem saciedade, louvaremos sem cansaço. E esse dom, essa afeição, essa ocupação serão certamente como a vida eterna, comuns a todos”.
Portanto podemos concluir que Deus não condena a riqueza material. Condena sim o usurário, o egoísta e aquele que põe suas riquezas materiais acima das riquezas espirituais. Ricos ou pobres, coloquemos nossa esperança naquele que é a fonte de todos os bens e de todas as verdadeiras riquezas.