OS REFLEXOS SUCESSÓRIOS SOBRE A PESSOA QUE NASCE DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL...

Por Carolina Cavalcanti Almeida | 10/11/2016 | Direito

OS REFLEXOS SUCESSÓRIOS SOBRE A PESSOA QUE NASCE DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM QUANDO EXISTENTE O “TESTAMENTO BIOLÓGICO

RESUMO

A priori, se discutirá brevemente no presente trabalho, a posição da mulher na sociedade atual, para que seja possível se compreender em que princípios deve ser baseada a aplicação do método da inseminação artificial, seja ela homóloga ou heteróloga. Será analisado o fato de a mulher não precisar mais de um companheiro para que possa ter um filho, e no que este fato altera as situações previstas na legislação. Posteriormente, é importante explicar como se dá a inseminação artificial heteróloga, isto é, realizada a partir de um material genético não pertencente ao companheiro da pessoa, dando enfoque especial a esta condição de inseminação. Mas não é só. Também vale deixar claro do que se trata a fecundação na forma homóloga. Para que, assim, se discuta os direitos sucessórios da criança nascidas a partir destas inseminações, mas, principalmente, da heteróloga, visto que o ordenamento jurídico brasileiro é tão falho nessa questão, deixando tantas lacunas e fazendo com que cada um dê interpretação própria ao que já existe.

INTRODUÇÃO

É praticamente de conhecimento geral da sociedade o quanto a mulher ganhou espaço em todos os âmbitos da sua vida de alguns anos pra cá, seja na vida profissional ou pessoal; inclusive concebendo e criando filhos independentemente da ajuda de qualquer pessoa. As famílias atuais, nas suas variadas formas e modelos, não necessitam mais de um pai a qualquer custo, como acontecia em outros tempos. O nosso sistema jurídico prevê como entidades familiares, a família monoparental, a união estável, a família socioafetiva, sendo a sua forma de livre escolha dos seus componentes.

O fato é que, mesmo o ordenamento jurídico brasileiro prevendo inúmeras formas de formação de família, prevendo algumas possibilidades até de fecundação artificial, parece que o legislador esqueceu-se se criar normas específicas e claras a respeito dos direitos do filho que nascerá nas condições de concebido a partir de inseminação artificial heteróloga post mortem, visto que o mesmo não expressa como devem ser exercidos os direitos de sucessão desta criança.

Neste estudo sobre os reflexos sucessórios quanto à inseminação artificial post mortem quando existente um testamento biológico demonstrar-se-á que devido à dificuldades de inúmeros casais e pelos novos modelos familiares, parece ser inadmissível a existência de normas que vão contra a inseminação artificial post mortem. Através dessa necessidade de conceber um filho, a população procurou buscar técnicas para que a fecundação fosse plenamente possível diante de alguma situação contra a existência de uma concepção.

Primeiramente, para que o intuito do artigo seja compreeido, será feita uma análise evolutiva do instituto familiar, levando em consideração a liberdade de vontade da mulher de ter filhos, independentemente de seu companheiro já ter falecido, e ela precisar de uma terceira pessoa para a realização desse desejo. Serão ressaltados os princípios norteadores, como o da liberdade ao próprio corpo e o direito a vida e dignidade da pessoa humana.

Logo depois, elucidará as possibilidades de inseminação artificial heteróloga e homóloga post mortem e, nesses casos, analisando como se dará a presunção de paternidade ou a falta dela. Menciona-se que no ordenamento brasileiro atual regula, no artigo 1597, inciso III, do Código Civil, a possibilidade da fecundação artificial homóloga post mortem, mas não traz previsão a respeito de tal fecundação no modo heterólogo, ou seja, quando uma terceira pessoa oferece o material genético.

Por último e fechando o trabalho, colocar-se-á em pauta a discussão de como será reconhecido o direito sucessório da criança que tenha sido concebida através da vontade expressa em um testamento biológico provida nos dois tipos de inseminação, levando em consideração se terá presunção ou não de paternidade. Citar-se-ão os efeitos sucessórios dos descendentes providos de inseminação artificial Post Mortem, que ainda é motivo de controvérsias entre doutrinadores.

  1. PRINCÍPIOS GERAIS QUE RODEIAM A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL E O DIREITO COMPARADO: UMA ANÁLISE DA VONTADE DA MULHER 

A título de introdução, é importante que se diga que o conceito de Reprodução Assistida se encaixa em todo método de reprodução no qual é preciso o auxílio de um médico. E dentre estes métodos está a Inseminação Artificial, a qual já se faz presente no Brasil desde a década de 1970, porém, o seu primeiro teste já havia sido realizado nos Estados Unidos desde o século anterior àquele. Por muitos anos, a Inseminação Artificial se consolidou como o único meio de trazer a gravidez para casais com algum problema de fertilidade, ou como uma solução para casais homoafetivos. Hoje, já é utilizada por outros inúmeros motivos e finalidades. (AYRES, 2013). É o que será visto.

A ideia de Testamento Biológico parte da possibilidade da utilização do método da Inseminação Artificial. Tal testamento, como alguns chamam – pois há quem pense, como Caio Mário Pereira (2013), que não se trata de um, mas apenas possui suas características, não contemplando, na realidade, a concepção tradicional de Testamento – seria o nascimento de bebês a partir de óvulos ou sêmen deixados como herança por pais já mortos, com a devida autorização por escrito. (FLINT, 2014). A nova ideia tem sido adotada em alguns países e tem sido bastante polêmica entre doutrina e sociedade.

Por Testamento Biológico (também chamado de testamento vital, instruções prévias ou diretivas antecipadas), se entende o documento pelo qual uma pessoa física, plenamente capaz, manifesta sua vontade de se submeter ou não a certas técnicas médico-terapéuticas, na hipótese de vir a se encontrar em estado terminal ou se sofrer lesão traumática cerebral irreversível. Admite-se ainda que, por meio dele, se designe pessoa para administrar os bens do declarante, caso se configure futura incapacidade. (PEREIRA, p. 184, 2013).

Bom, o nosso Código Civil já prevê, em seu artigo 1597, inciso III, a inclusão de direitos a filhos havidos por fecundação artificial homóloga, isto é, a partir do material genético do companheiro, mesmo que este já haja falecido – “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido” (Código Civil, art. 1597). Ou seja, neste caso, haveria clara presunção de paternidade. Quanto à heteróloga, o código a permite neste caso, no inciso V do mesmo artigo, desde que aconteça com prévia autorização do marido.

Aqui, pode-se lembrar também da Lei Portuguesa nº 32 (artigo 22), do ano de 2006, que tem finalidade parecida com tal parte da legislação brasileira, permitindo e considerando totalmente lícita a transferência “post mortem” de embrião. Exigindo para tanto, porém, um projeto parental definido por escrito anteriormente à morte do pai. (ALVES, 2014).

E não é só. Há um tipo de inseminação artificial que é proibida em alguns países: se trata da fecundação heteróloga. Na Itália, por exemplo, tal método não é permitido pelo governo, e a igreja católica do país o considera prejudicial à criança e a sua formação e educação, além de enxergar tal forma de inseminação como uma infidelidade. 

Existe também atualmente a Resolução nº 1.597/2010 do Conselho Federal de Medicina, a qual afirma que “Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”. Prevendo a mesma ideia da lei de Portugal e do nosso Código. Ademais, a Austrália, bem como em Israel, também já permitiu que mulheres tivessem filhos a partir do material genético de uma pessoa morta. (CALIL, 2011).

O que não está previsto no ordenamento são os casos da fecundação heteróloga em outra situação, isto é, quando o material genético utilizado não é do cônjuge, e não há a prévia autorização exigida por lei. E é aqui que entram a vontade da mulher e o direito sucessório da criança.

Túlio Vianna entende que a liberdade ao próprio corpo é um direito que ainda não é tratado como merece e como deveria ser: como um direito fundamental da pessoa humana. Se uma ação individual não prejudica demais pessoas, nada deveria impedi-la. Mas não é assim que funciona a sociedade atual, a qual possui diversas maneiras de limitar a liberdade e reduzir o direito das pessoas de tomarem suas próprias decisões. (VIANNA, 2012). Indaga-se questões como, por exemplo, da mulher que resolve, sozinha, realizar inseminação artificial com material de quem não seja seu companheiro.

A grande batalha jurídica do século XXI será pela libertação dos corpos das normas impostas pelo arbítrio da maioria. Somos herdeiros de uma cultura religiosa que nos impôs ao longo da história uma infinidade de restrições morais e, posteriormente jurídicas, ao uso de nossos próprios corpos. A liberdade de um povo não está simplesmente em escolher seus governantes. Não se pode considerar livre um povo que decide os rumos de seu governo, mas que nega a cada um de seus indivíduos a autonomia de decidir sobre os rumos de seu próprio corpo. Liberdade é, antes de tudo, poder decidir sobre o próprio corpo. (VIANNA, 2012).

Além disso, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana se baseia nas pessoas serem ou terem aquilo que se torna essencial para sua existência; que, em algum momento da vida, se torna imprescindível, inadiável. Taís Nader Marta (2010) considera esta dignidade como a capacidade e a própria liberdade do ser humano de construir seu destino e sua vida, de acordo com suas escolhas. Diz ainda, que o exercício deste princípio deve ser ilimitado enquanto não afetar a dignidade de outra pessoa.

O Princípio da Dignidade Humana está previsto como garantia essencial na atual Constituição Federal do Brasil, logo em seu artigo 1º, podendo ser sua interpretação unida aos direitos à vida e liberdade, por exemplo.

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