Os profetas e a grandeza dos Profetas Menores

Por Neri de Paula Carneiro | 13/06/2024 | Bíblia

1- Os Profetas

Você já se deu conta que parece existir um ar de mistério envolvido na palavra PROFETA? 
Parece que “profeta”, “profecia” tem algo a ver com: previsão do futuro, bençãos e maldições, profetas de Deus x falsos profetas… Mas será que os profetas, realmente, estavam “prevendo o futuro”? Qual era, verdadeiramente, a missão dos profetas de Deus, cujos textos estão em nossas bíblias? Existe, aí, algo misterioso, ou os profetas são apenas de um grupo específico de mensageiros de Deus?
Destacando que as nossas bíblias mencionam diferentes tipos de profetas. Mas dois grupos mereceram um olhar mais específico. De um grupo foram preservados os escritos; do outro grupo só nos sobraram os ensinamentos. 
Estamos falando, por exemplo: de Iaías, Ageu, Amós ou Zacarias…, também chamados de “Literários”. Seus livros podem ser lidos em nossas bíblias. Outro grupo é formado pelos os profetas não literários (ou pré-literários) como Elias, Eliseu, Natan… e são assim chamados porque não há nenhum livro desses profetas. Eles aparecem noutros livros, como Elias e Eliseu, nos livros dos Reis ou Natan, no livro de Samuel.
Aqui vamos falar sobre os profetas. Porém não vamos nos deter sobre os profetas pré-literários. Vamos nos deter apenas nos profetas de Deus, dos quais temos algum livro. São eles que chamam nossa atenção a respeito do projeto de salvação que passa pelo bem estar das pessoas e o anúncio de uma breve restauração libertadora. São eles que denunciam os lideres do povo que levam o povo a se afastar do projeto de Javé; e são eles que anunciam a capacidade de Deus para o perdão para aqueles que retornam ao projeto de um povo que recebeu a missão de ser luz para os outros povos!
Veremos que esses profetas fazem sérias denúncias contra os monarcas, os líderes do povo e o próprio povo. E os denunciam porque eles se afastam do projeto de salvação, seguindo outros projetos… projetos que, por estarem distantes de Deus, levam para a morte e a perdição. 
Vamos falar, portanto, apenas daqueles que são chamados de profetas literários (mas nem todos!), ou seja, dos escritos dos profetas ou atribuídos a eles. 
Por que dizemos atribuídos?
Dizemos atribuídos, pois, da mesma forma que todos os demais escritos bíblicos, os livros proféticos também não nasceram diretamente das mãos do profeta que dá nome ao livro. Por exemplo, o personagem histórico, chamado Isaías, não é, necessariamente, a pessoa que escreveu todo o livro de Isaías. E assim por diante. Entretanto, todo o livro do profeta Isaías está ligado ao personagem histórico.
Mas não será essa a nossa discussão. 
Mesmo porque não vamos comentar todos os profetas. Por exemplo, não vamos falar a respeito de Isaías, em cujo livro podem ser identificados pelo menos três momentos históricos e, portanto, pelo menos três autores; não vamos estudar Jeremias, lamentando a infidelidade que produziu a ruína do povo; não vamos estudar as orientações de Ezequiel para o retorno do cativeiro; nem vamos estudar Daniel em suas visões apocalípticas.
Consequentemente não nos determos sobre o texto de Baruc ou do livro das Lamentações. Ou seja, não vamos falar sobre esses, que são chamados de profetas maiores. Não os estudaremos apenas porque nossa atenção está voltada para outro grupo: os menores!
Isso não significa que não mereçam nossa atenção. Significa apenas que buscaremos a voz de Deus ressoando a partir de outro grupo de profetas, cujas mensagens são tão importantes como a dos maiores. Vamos procurar entender a grandeza dos Profetas Menores.

1.a- O profeta de Deus

Profetas menores? Isso significa que até na Bíblia existe bullying? Ou é outro o motivo dessa linguagem de segregação? Até na Bíblia alguns personagens são maiores que outros? Sendo assim, podemos indagar:
Qual o tamanho de um profeta? 
A resposta imediata é: O profeta é do tamanho de sua profecia. Sua grandeza reside no fato de ser porta-voz de Deus. Não fala o que deseja, mas transmite a palavra, o oráculo, de Deus. Uma palavra que tem, sempre, um destinatário específico, determinado pelo próprio Senhor. Como, por exemplo, Jeremias: 
A palavra de Iahweh me foi dirigida nos seguintes termos: Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações. Mas eu disse: “Ah! Senhor Iahweh, eis que eu não sei falar, porque sou ainda uma criança!” Mas Iahweh me disse: Não digas: “Eu sou ainda uma criança!” Porque a quem eu te enviar, irás, e o que eu te ordenar, falarás (Jr 1,4-7).
A que se dedica o profeta? 
É claro que, além de suas atividades cotidianas, o profeta é aquele que se dedica a fazer profecias. Ou seja, sua atuação, como profeta, é apresentar a proposta de Deus aos seus interlocutores. Muitas vezes ele deixa de lado suas atribuições cotidianas para responder ao apelo divino. Um exemplo típico é o caso de Amós, o vaqueiro: 
Amós respondeu e disse a Amasias: “Não sou um profeta, nem filho de profeta; eu sou um vaqueiro e um cultivador de sicômoros. Mas Iahweh tirou-me de junto do rebanho e Iahweh me disse: ‘Vai, profetiza a meu povo, Israel!’ E agora ouve a palavra de Iahweh… (Am 7,14-16)
Em que consistem as profecias dos profetas?
Entendendo que não estamos falando a respeito dos falsos profetas, podemos dizer que eles se ocupam em realçar os valores do projeto de Deus. Dedicam-se a anunciar o plano de Deus; a afirmar o plano de Deus em contraposição às ações maldosas dos seres humanos. 
As profecias consistem em afirmar e demonstrar quais os caminhos que levam ao Reino de Deus e afirmam isso em contraposição aos interesses humanos, expressos pelas atitudes dos monarcas e seus profetas da corte ou pelos sacerdotes corrompidos. Atitudes essas que representam projetos humanos e, muitas vezes, fazem com que o povo sofra; seguindo os passos desses líderes, o povo é levado a afastar-se de Deus.
As profecias, portanto, consistem nas denúncias das atitudes que levam ao afastamento de Deus e seu projeto salvador. Como afirma Oseias denunciando a prostituição da fé: “A terra se prostituiu constantemente, afastando-se de Iahweh” (Os 1,2). 
Como afirma Miqueias mostrando que Iahweh vai queimar as idolatrias: 
Todos os seus ídolos serão destroçados, todos os seus salários serão queimados pelo fogo, e arruinarei todas as suas imagens, já que elas foram ajuntadas com o salário da prostituição tornar-se-ão de novo salário da prostituição (Mq 1,7).
Ou como afirma Jeremias quando Iahweh o faz porta-voz duma transformação radical:
E Iahweh me disse: Eis que ponho as minhas palavras em tua boca. Vê! Eu te constituo, neste dia, sobre as nações e sobre os reinos, para arrancar e para destruir, para exterminar e para demolir, para construir e para plantar. (Jr 1,9,10).
A palavra do profeta vem com o anúncio de dias melhores. Entretanto, e para que isso aconteça, é necessário que haja conversão a começar pelos “ministros do altar” (Jl 1,13). É necessário que todos se voltem para o Senhor. É necessário sair em defesa do mais fraco e combater a corrupção daqueles que  “vendem o justo por prata e o indigente por um par de sandálias” (Am 2,6). É necessário “rasgar os corações e não as roupas” (Jl 2,13).
Mas o foco contra o qual vicejam as palavras dos profetas são os monarcas e os sacerdotes, ou os profetas do rei. Eles são a causa das dores do povo. O erro do monarca leva o povo ao erro. O pecado do sacerdote conduz o povo ao pecado. Ou seja, os líderes do povo, o sacerdote e o monarca, distanciando-se do Senhor, fazem com que o povo também o abandone. O Eclesiástico faz a constatação: “Com exceção de Davi, Ezequias e Josias, todos multiplicaram as transgressões porque abandonaram a lei do Altíssimo: os Reis de Judá desapareceram. Porque eles entregaram seu vigor a outros e sua glória a uma nação estrangeira” (Eclo 49,5-7). 
Miqueias é mais incisivo ao condenar as lideranças, “os chefes de Jacó” e os “profetas que extraviam o meu povo”. São eles que levam o povo à perdição: 
Ouvi, pois, isto, chefes da casa de Jacó e magistrados da casa de Israel, vós que detestais o direito, que torceis o que é reto, vós que edificais Sião com o sangue e Jerusalém com injustiça! Seus chefes julgam por suborno, seus sacerdotes ensinam por salário e seus profetas vaticinam por dinheiro. E eles se apoiam em Iahweh, dizendo: “Não está Iahweh em nosso meio? Não virá sobre nós a desgraça!” Por isso, por culpa vossa, Sião será arada como um campo, Jerusalém se tornará um lugar de ruínas, e a montanha do Templo, um cerro de brenhas! (Mq 3,9-12).
Assim é o profeta de Deus: capaz de denunciar tudo que se contrapõe ao projeto de salvação; capaz de anunciar as consequências de se abandonar o Senhor; capaz de anunciar o desejo de Deus em perdoar o penitente; capaz de se deixar levar pelo Senhor… e se atentarmos para seu anuncio, poderemos ver que a restauração, a paz, o perdão, o dia de Javé, o resto… são figuras da proposta de Jesus: o Reino.

1.b- O tamanho do profeta: Maiores ou menores?

E aqui está a verdadeira resposta sobre o tamanho do profeta. Se ele é do tamanho de sua profecia e sua profecia diz respeito ao Reino de Deus, podemos dizer que todos os profetas têm a mesma envergadura. Não existe um maior e outro menor pois todos colocam em evidência um aspecto do mesmo projeto de instalação do Reino. Entre os profetas de Deus não existe um maior que os outros.
Porém existem os falsos profetas, aqueles que falam em nome do rei; estes vivem e comem à mesa do palácio (1Rs 18,19), mesmo assim são insignificantes. Por seu lado, os profetas de Deus são aqueles capazes de se contrapor aos desmandos dos líderes do povo. Estes levantam a voz condenando os erros e pecados, ao mesmo tempo que anunciam a ira de Deus. Ira que só será contida quando houver conversão: “Elias, o tesbita de Tesbi de Galaad, disse ao rei Acab: “Pela vida de Javé, o Deus de Israel, a quem sirvo: nestes anos não haverá orvalho nem chuva, a não ser quando eu mandar.” (1Rs 17,1).
Assim, quando falamos em profetas estamos nos referindo àqueles que são mensageiros da mesma proposta de Deus para a libertação e para a reconstrução: da vida, da sociedade, de um governo, de uma postura religiosa… em favor do mesmo Projeto de Reino e resgatar aquele resto que se mantiver fiel ao Senhor. Esses formarão “uma nação poderosa”: “Naquele dia – oráculo de Yahweh – reunirei as estropiadas, congregarei as dispersas e as que maltratei. Farei das estropiadas um resto, e das dispersas uma nação poderosa” (Mq 4,6-7). E esse resto de Israel “será, no meio de numerosos povos, como um orvalho vindo de Yahweh, como gotas de chuva sobre a erva, que não espera o homem e não conta com o filho do homem” (Mq 5,6). Uma nação que contará apenas com o Senhor a conduzi-la. 
Então, por que os livros dos profetas são organizados de forma que alguns são chamados de profetas maiores e outros de profetas menores?
Embora seja uma denominação que pode nos causar estranheza ou transmitir a impressão de que uns profetas são melhores que outros, a denominação de maiores e menores tem a ver APENAS com o tamanho do livro. São maiores o profetas cujos livros são grandes: muitas páginas e muitos capítulos. O melhor exemplo é o enorme livro de Isaías com sessenta e seis capítulos. Os outros são menores poque seus livros são mais magrinhos, com poucos capítulos. Como Joel cujo livro é formado por quatro pequenos capítulos ou Naum com apenas três capítulos minúsculos… ou Abdias, com apenas um capítulo! Assim, Isaías é um dos profetas maiores e Joel, não e Abdias são alguns dos profetas menores… mas todos tratam da mesma proposta de Deus: convite para instalar o Reino.
Em nossas Bíblias, os “profetas menores” formam 12 livros independentes, mas já houve época em que formaram um só livro. É assim na Bíblia hebraica. Lá são conhecidos como “os doze” e são colocados logo após os “profetas posteriores” que são Isaías, Jeremias e Ezequiel. Para a bíblia hebraica os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis formam os “profetas anteriores”. 
O livro deuterocanônico do Eclesiástico, após falar sobre Jeremias e Ezequiel diz: “quanto aos doze profetas, que seus ossos floresçam no sepulcro, porque eles consolaram Jacó, eles o resgataram na fé e na esperança” (Eclo 49,10). Isso demonstra que por volta do segundo século antes de Cristo, esses escritos já formavam uma unidade completa, conhecida e difundida entre os judeus. E assim entraram para o cânon cristão.
Essa denominação, “os doze” ou “os doze profetas” (dodekapropheton, em grego; e em caracteres gregos:  δωδεκαπροφήτων), permaneceu no cristianismo. Até onde sabemos, foi Santo Agostinho que criou a denominação de “profetas menores”, e assim são conhecidos, atualmente.

1.c- Quem são os profetas?

São pessoas como quaisquer outras; que convivem com seus semelhantes e são por eles conhecidos. Amós se declara vaqueiro e cultivador de sicômoros (Am 7,14). Miqueias era cidadão de Morasti: “Palavra do Javé dirigida a Miqueias de Morasti, no tempo em que Joatão, Acaz e Ezequias eram reis de Judá. Palavra que lhe foi dirigida em visão a respeito de Samaria e Jerusalém.” (Mq 1,1)
Situados no tempo e no espaço como, por exemplo, Ezequiel, ao lado dos concidadãos, no exílio:
No trigésimo ano, no quinto dia do quarto mês, quando me encontrava entre os exilados, junto ao rio Cobar, eis que os céus se abriram e tive visões de Deus. No quinto dia do mês — isto é, no quinto ano do exílio do rei Joaquin — veio a palavra de Iahweh ao sacerdote Ezequiel, filho de Buzi, na terra dos caldeus, junto ao rio Cobar. Ali pousou sobre ele a mão de Iahweh. Eu olhei: havia um vento tempestuoso que soprava donorte, uma grande nuvem e um fogo chamejante; em torno, de uma grande claridade e no centro algo que parecia electro, no meio do fogo. (Ez 1,1-4).
Suas famílias eram conhecidas, como a de Oseias:
Palavra de Iahweh que foi dirigida a Oseias, filho de Beeri, nos dias de Ozias, Joatão, Acaz e Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel. Começo das palavras de Iahweh por intermédio de Oseias. Disse Iahweh a Oseias: “Vai, toma para ti uma mulher que se entregue à prostituição e filhos da prostituição, porque a terra se prostituiu constantemente, afastando-se de Iahweh”. (Os 1,1-2).
Ou seja, a partir de seu cotidiano, aquele a quem Deus convoca, atende ao chamado e dá sua resposta. Essa é a única diferença, em relação às outras pessoas: é que num determinado momento de sua vida percebe-se chamado para algo a mais. Trata-se de algo tão diferente e forte que o profeta entende que já não pode se calar. Ele até discute com o Senhor, dizendo-se incapaz para a missão. (Jr 1,6; Is 6,5...)
Mas o fato é que em um dado momento essa pessoa sente o chamado de Deus e se põe a falar. E se põe a fazer um alerta aos seus interlocutores. Assim foi com Isaías:
Ouvi, ó céus, presta atenção, ó terra, porque Iahweh está falando: Criei filhos e fi-los crescer, mas eles se rebelaram contra mim. O boi conhece o seu dono, e o jumento, a manjedoura de seu senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, o meu povo não pode entender. Ai da nação pecadora! do povo cheio de iniquidade! Da raça dos malfeitores, dos filhos pervertidos! Eles abandonaram a Iahweh, desprezaram o Santo de Israel, e afastaram-se dele. (Is 1,2-4).
Assim, também, com Miqueias, emprestando sua voz à denúncia do Senhor:
Ouvi, povos todos, presta atenção, terra, e o que a habita! Que Iahweh seja testemunha contra vós, o Senhor saiu de seu santo Templo! Porque eis que Iahweh sai de seu lugar santo, ele desce e pisa sobre os altos da terra. Debaixo dele os montes se derretem e os vales se desfazem como a cera junto do fogo, como a água derramada em uma encosta. 5Tudo isso por causa do crime de Jacó, por causa dos pecados da casa de Israel. Qual é o crime de Jacó? Não é Samaria? Qual é o pecado da casa de Judá? Não é Jerusalém? (Mq 1,2-5).
Por seu lado, Zacarias mostra como Deus está irritado com os pastores que deixam o rebanho abandonado à própria sorte. Ironiza sua postura quando bendizem ao Senhor dizendo “eu sou rico” mas não se preocupam com o destino das ovelhas. São capazes até de oferecer um preço à Deus: avaliam-no em trinta moedas. Como não podia ser diferente, o Senhor manifesta sua decepção com esses que abandonaram o Senhor em troca de trinta moedas:
E eu lhes disse: “Se isto é bom aos vossos olhos, dai-me o meu salário; se não, deixai!” E eles pesaram o meu salário: trinta siclos de prata. E Iahweh me disse: “Lança-o ao fundidor, esse preço esplêndido com que fui avaliado por eles!” Tomei os trinta siclos de prata e os lancei na Casa de Iahweh para o fundidor. Quebrei, então, o meu segundo bastão, “União”, para romper a fraternidade entre Judá e Israel. (Zc 11,12-14)
Alguns dizem que os profetas foram pessoas extraordinárias. Embora não possamos afirmar isso com absoluta certeza, também não há como negar. Entretanto, sabemos que Deus faz maravilhas na vida de quem se mantém fiel; ele faz maravilhas em nossas vidas, da mesma forma que realizou em Maria quando cantou: “O Todo Poderoso fez grandes coisas em meu favor, Santo é seu nome e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o temem” (Lc 1,49-50). 
Sabemos que, por vezes, as maravilhas de Deus na vida das pessoas geram consequências doloridas. Os seguidores do Senhor acabam sendo causa de chacota (Sl 22,7-8; Sl 109,25); respondendo ao chamado do Senhor, acabam sendo perseguidos e expulsos pelos seus ouvintes (Am 7,12); alguns são apedrejados ou aprisionados (At 7,58-59; At 5,18).
Mas também sabemos que, por se entregarem completamente ao Senhor, mesmo que o façam sob protesto, acabam emprestando sua voz para que a vontade de Deus seja anunciada (Jr 1,5-10). E não se trata de um anúncio qualquer: trata-se de um alerta, de um convite, de um desafio… pois a proposta do Reino não pode ser calada.
Observemos o exemplo do que ocorre co Isaías (Is 6,5-8). Teve uma visão: viu o Senhor e alguns serafins. Assustado, lamentou: “Ai de mim, estou perdido. Com efeito, sou um homem de lábios impuros. Vivo no meio de um povo de lábios impuros. E meus olhos viram o Rei, Iahweh dos exércitos” (Is 6,5). Quer dizer, ele se deu conta de que algo grande estava por acontecer, mas ele também sabia que a sociedade em que ele estava inserido havia abandonado o projeto de Deus e estava embarcando em outas direções, afastando-se de Deus!
Mas sua visão não terminou nisso. Veio até ele um dos serafins, com uma brasa, presa num instrumento. O Serafim colocou aquela brasa em sua boca: “Vê, isto tocou teus lábios, a tua iniquidade está removida. O teu pecado está perdoado” (Is 6,7). Foi nessa hora que ouviu o lamento do Senhor: “Quem hei de enviar? Quem irá por nós?” E Isaías se coloca à disposição para a missão: “Eis, me aqui. Envia-me” (Is 6,8). Ou seja: aquele que reconhece em sua vida o apelo divino dá outro rumo à sua existência; converte-se e se faz parceiro de Deus para anunciar suas maravilhas.
Como podemos observar, Isaías é uma pessoa como as demais. A diferença é que soube analisar a conjuntura da sociedade em que estava inserido; soube perceber que as atitudes dos seus concidadãos, do monarca e dos sacerdotes não eram condizentes com o projeto de Deus; soube que era o momento de emprestar sua voz ao Senhor da vida. Tudo porque, a partir de sua situação e condição, deixou-se tocar pelo Senhor e soube ouvir o apelo divino.
Por vezes a pessoa convocada é apenas mais um trabalhador, como outros tantos. Como o foi Amós: um vaqueiro (Am 7,13-17). Ao ser interpelado e ameaçado, defende-se: “Não sou um profeta, nem filho de profeta; eu sou um vaqueiro e um cultivador de sicômoros” (Am 7,14). E, como uma pessoa comum, igual a outras tantas, Deus o escolheu e enviou:  “Mas Iahweh tirou-me de junto do rebanho e Iahweh me disse: ‘vai, profetiza a meu povo’” (Am 7,15). 
Com a autoridade do mandato divino, e não da sua vontade, Amós enfrentou aqueles que desejavam lhe calar a voz; aqueles que pretenderam impedi-lo de profetizar no “santuário do rei, um templo do reino”. (Am 7,13). E foi com a autoridade do mandato divino que se contrapôs às ordens do rei, mostrou as falhas da rainha e toda a corte; e afrontou os desmandos dos sacerdote. Levantou a voz de profeta para fazer ouvir a palavra do Senhor. Por isso foi extremamente duro ao condenar as atitudes do rei, sua família e sua corte: “E agora ouve a palavra de Iahweh: ‘Tu dizes não profetizarás contra Israel, e não vaticinarás contra a casa de Isaac.’ Por isso, assim disse Iahweh: Tua mulher se prostituirá na cidade, teus filhos e tuas filhas cairão pela espada, a tua terra será dividida com a trena” (Am 7,16-17).
Portanto, não é a voz do profeta, mas a voz de Deus. Não é, exatamente, contra o povo, mas contra aqueles que conduzem o povo para o descaminho. Não é contra a tradição, mas contra os desvios de conduta daqueles que deveriam preservar a aliança e a fidelidade ao projeto do Senhor. Não é contra  fé, mas contra os desvios, visto que o templo já não é mais espaço de oração, havia deixado de ser casa de oração e fora transformado em “templo do rei” ou “templo do reino”. E se o monarca estava desviando-se dos caminhos do Reino de Deus então é a voz de Deus que ressoa pela voz do profeta.
O profeta Habacuc confirma isso. Em resposta ao apelo do profeta vem a voz do Senhor: 
Vou ficar de pé em meu posto de guarda, vou colocar-me sobre minha muralha e espreitar para ver o que ele me dirá e o que responderá à minha queixa. Então Iahweh respondeu-me, dizendo: “Escreve a visão, grava-a claramente sobre tábuas, para que se possa ler facilmente. Porque é ainda uma visão para um tempo determinado: ela aspira por seu termo e não engana; se ela tarda, espera-a, porque certamente virá, não falhará! Eis que sucumbe aquele cuja alma não é reta, mas o justo viverá por sua fidelidade. Verdadeiramente a riqueza engana! Um homem arrogante não permanecerá, ainda que escancare suas fauces como o Xeol, e, como a morte, seja insaciável; ainda que reúna para si todas as nações e congregue a seu redor todos os povos! ” (Hab 2,1-5)
Como sempre, nas palavras do profeta, a mensagem divina anuncia a perdição para o malvado e a vitória do injustiçado. Até pode parecer que o poderoso está em vantagem, mas será o justo a viver; serão as vítimas dos gananciosos a receber o apoio divino; serão os desvalidos pelos poderes e poderosos deste mundo a receber de Deus uma boa resposta, pois estes não vivem para o mal nem da maldade, mas vivem pela fé.

1.d- A vida do profeta

No dia a dia, a vida do profeta transcorre como a de qualquer outra pessoa. Com a diferença de que se trata de uma pessoa que está atenta aos sinais de Deus e disponível ao Senhor. E, por ser uma pessoa atenta ao seu cotidiano, percebe, nesse cotidiano, o apelo do Senhor. E, ao ser interpelado por Deus, aceita o desafio. Assume a missão, mesmo que isso altere ou transtorne sua vida. Foi o que ocorreu com Oseias, convidado por Deus a tomar uma prostituta como esposa, com a finalidade de mostrar a prostituição de seu povo, ao se afastar dos caminhos do Senhor (Os 1,2).
O fato é que será sempre no transcorrer do seu cotidiano que o profeta vê os problemas nos quais seus concidadãos estão mergulhados. Percebe que esse jeito de viver não está de acordo com a proposta divina. Analisa a conjuntura social e política e aí, nesse contexto, aponta os equívocos e co a força de Deus denuncia o afastamento do projeto divino. 
Eis que estás destruído, Israel, pois só em mim está o teu auxílio. Onde está, pois o teu rei para que te salve  em todas as tuas cidades, e os teus juízes a quem dizias: ‘dá-me um rei e um príncipe’? Eu te dou um rei em minha ira, eu o retomo em meu furor. (Os 13,9-11). 
Sobre o povo pedindo um rei, ver 1Sm 8. Aí o profeta posiciona-se contra a instalação de uma monarquia. E faz isso enumerando os “direitos do rei”, pois aqueles que pediam um rei já haviam abandonado o Senhor.
Ao se perceber convocado, por Deus, o profeta pode até, em princípio, hesitar. Pode até tentar se esconder, como o fez Jonas que “levantou-se para fugir para Társis, para longe da face de Iahweh” (Jn 1,3), pois a missão não é fácil. Às vezes se trata de anunciar a ira de Deus a uma cidade inteira. Era essa a missão de Jonas. Depois de fugir e passar por vários dissabores, assume a missão. Vai a Nínive anuncia que a cidade será destruída (Jn 3,4). 
Mesmo relutando, quando assume a missão, o profeta leva adiante a proposta de Deus. Em muitos casos, é perseguido e xingado; por vezes contestado e vão tentar impedir que leve adiante sua missão. Exatamente como ocorreu com Amós e Oseias. E, nesse caso, o profeta não deixa de anunciar, fazendo sua denúncia, mas os ouvintes preferem não ouvir… e continuam a entregar ofertas defeituosas. 
“Maldito o embusteiro que tem em seu rebanho um animal macho, mas consagra e me sacrifica um animal defeituoso. Pois eu sou um grande rei, disse Iahweh dos Exércitos, e o meu Nome é temido entre as nações.” (Ml 1,14).
Mas, por vezes a palavra do profeta, que fala em nome de Deus, produz resultados de conversão: “Os homens de Nínive creram em Deus, convocaram um jejum e vestiram-se de panos de saco, desde o maior até o menor” (Jn 3,5). E assim o fizeram todos. Até o monarca entrou no processo de conversão. E o rei incitava a todos a se purificar, dizendo: “Quem sabe? Talvez Deus volte atrás, arrependa-se e revogue o ardor de sua ira” (Jn 3,9). 
Ou seja, o sinal de que a conversão é possível não vem do infiel povo da promessa, mas de uma nação pagã. Ali todos se converteram ao Senhor, e Deus os poupou, pois Yahweh não se agrada com a punição, mas com a conversão. E Jonas constata que as obras, as atitudes de todos lhes mereceu o perdão de Deus: “E Deus viu as suas obras: que eles se converteram de seu caminho perverso, e Deus arrependeu-se do mal que ameaçara fazer-lhes e não fez.” (Jn 3,10).
Neste caso, nessa nação estrangeira, houve conversão. E Deus voltou atrás, perdoando. Por seu lado Jonas se irritou, pois queria ver a cidade destruída entretanto, por seu lado, Deus quer o arrependimento. Qual a causa da ira de Jonas? Ele não queria o arrependimento e o perdão. Ele queria ver a punição dos pecadores. E disse ao Senhor o porquê de ter fugido: “Eu sabia que tu és um  Deus de piedade e de ternura. Lento na ira e rico em amor” (Jn 4,2). Mas Deus, que é um Deus de amor e perdão lhe explica o que deseja: Teve pena da cidade, pois ali as pessoas mudaram de atitude. Por isso, pacientemente e com amor, Deus explica a razão de seu perdão: “E eu não terei pena de Nínive, a grande cidade, onde há mais de cento e vinte mil homens, que não distinguem entre direita e esquerda, assim como muitos animais!” (Jn 3,11). E se não tivesse ocorrido o arrependimento? A resposta nos vem pela boca de Jesus de Nazaré: “Quem nele crê não é julgado, mas quem não crê já está julgado” (Jo 3,18), como a dizer que não é Deus quem faz o julgamento, mas o julgamento ocorre quando cada pessoa coloca-se diante de Deus. Como se estivesse diante de um espelho, vê a sua realidade ao se confrontar com seus atos...


1.e- A quem se dirigem os profetas?

Um fato importante e merecedor de nossa atenção: o profeta não é um homem (ou mulher) do templo nem do palácio. Ele tem suas origens no meio do povo e, como membro do povo, o que diz não representa a vontade dos sacerdotes do templo, nem a vontade do rei.
O profeta não age no templo, porque ele não é um sacerdote. Com exceção de Ezequiel, mas ao exercer sua profecia não o faz como sacerdote! Ao ser “tocado” pela profecia está junto com os seus, às margens do rio (Ez 1,1-3). Além disso, ao profetizar diante dos “chefes do povo” (Ez 11,1), vê o Senhor sair do templo e da cidade. (Ez 11,22-24).
Não é sacerdote porque não dirige as orações e sacrifícios. Pelo contrário, ele denuncia o formalismo que não representa fidelidade ao projeto de amor; tornou-se um ritual vazio, cumpre o precito mas não a finalidade do gesto de adoração. “Efraim multiplicou os altares para fazer expiações, mas os altares foram para ele ocasião de pecar” (Os 8,11). E o profeta Miqueias vem afirmar que o “Senhor saiu do seu santo Templo! (Mq 1,2-3) evidenciando o pecado dos habitantes da cidade.
O profeta não frequenta o palácio nem convive com o rei, como um cortesão ou uma pessoa que vive às custas das benesses da monarquia. Pelo contrário, o profeta condena a monarquia. Ele sabe que esta instituição não trouxe benefícios. Pelo contrário, aumentaram os tributos e aumentou a exclusão. A monarquia aumentou o fosso social e produziu uma classe que passou a sobreviver graças ao serviço dos pobres. Não é a toa a ira de Amós contra as “vacas de Basã” (Am 4,1) e Oseias  condenando  a “balança falsa” (Os 12,8). E se torna lugar comum a condenação as alianças dos monarcas com os impérios estrangeiros (Os 8,8-10). Em tudo isso se confirma o que Natan havia dito, quando o povo pedira um rei, “como acontece em todas as nações.” (1Sm 8)
Então, concretamente, a quem são dirigidas as palavras do profeta? O que ele anuncia e o que denuncia? A resposta nos chega de Sofonias quando denuncia a cidade, os príncipes, os juízes, os sacerdotes e os profetas do rei. Diz o profeta: 
Aí da cidade, da manchada, da cidade opressora! Ela não ouviu o chamado, não aceitou a lição, não confiou em Yahweh, não se aproximou do seu Deus. Seus príncipes, em seu seio, são leões que rugem; seus juízes são lobos da estepe, que não guardam nada para a manhã; seus profetas são aventureiros, homens da traição; seus sacerdotes profanam o que é santo, violam a lei. (Sf 3,1-4).
Por qual motivo Yahweh está irritado com os líderes do seu povo e com seu povo que segue líderes corrompidos? Por um só motivo: a infidelidade.
Com os líderes, está irritado porque, sabendo quais os caminhos do Senhor, desviam-se. Confiam em outras nações. Confiam nas armas. Confiam no Templo… mas não confiam no Senhor que os escolheu desde Abraão (Gn 12,1-3), que os libertou da “casa da servidão” (Ex 3,7-10). E fazendo isso levam o povo a, também, distanciar-se do Senhor, pois segue o mau exemplo de seus líderes. Aliás esse foi o lamento de Jesus ao ver seu povo abandonado “como ovelha sem pastor” (Mt 9,36).
E está irritado com o povo porque se deixou levar pelas promessas enganosas e equivocadas de seus lideres. Mesmo depois de ter se comprometido com Yahweh e com Josué, na Assembleia das tribos (Js 24,16-17). Diante desse abandono, assim podemos entender o lamento do salmista: Lamenta que o povo tenha se corrompido e condena “os malvados que exploram o povo”
Diz o insensato em seu próprio coração: ‘Não há Deus! Deus não existe!’ Corromperam-se em ações abomináveis. Já não há quem faça o bem! O Senhor, ele se inclina lá dos céus sobre os filhos de Adão, para ver se resta um homem de bom senso que ainda busque a Deus. Mas todos eles igualmente se perderam, corrompendo-se uns aos outros; não existe mais nenhum que faça o bem, não existe um sequer. Será que não percebem os malvados quanto exploram o meu povo? Eles devoram o meu povo como pão, e não invocam o Senhor. (Sl 14,1-4).
Estamos, portanto, diante de dois projetos de sociedade. O primeiro é aquele que vem se fortalecendo ao longo do Pentateuco e se consolidou com a Assembleia das Tribos (Js 24). Ali estava se definindo um projeto de sociedade tribal, sem reis. Uma sociedade na qual os problemas e projetos da tribo seriam decididos pela assembleia da tribo. E caso houvesse alguma necessidade, a assembleia escolhia um juiz para conduzir o povo até que o problema fosse resolvido. Assim não haveria rei, nem tributos; também não haveria templo para ostentar opulência. 
Esse projeto de sociedade se mostrou eficaz no período dos Juízes: Não havia exército regular e nem obrigação de manter soldados de prontidão, desfalcando a produção. De acordo com esse projeto todos dedicar-se-iam ao trabalho, à produção e não havia necessidade de tributo militar. Assim não haveria necessidade de alguns trabalharem mais para alimentar aqueles que deixavam de ser produtivos, dedicando-se ao serviço militar. Para organizar o cotidiano das tribos o Senhor “suscitou juízes que os libertavam” (Jz 2,16) e os lideravam diante das ameaças. 
Outro projeto de sociedade foi pedido pelo povo, já corrompido, em contato com os habitantes da terra. E em consequência de seus desvios e porque alguns dos juízes também não correspondiam ao que deles se esperava e pelo contrário, ampliaram a ganancia, a idolatria e a exploração dos mais pobres. Por isso procuraram Samuel. E diante do velho Samuel os anciãos fizeram o fatídico pedido: queremos um rei!
Então todos os anciãos de Israel se reuniram e foram ao encontro de Samuel em Ramá. E disseram-lhe: “Tu envelheceste, e os teus filhos não seguiram o teu exemplo. Por isso, constitui sobre nós um rei, o qual exerça a justiça entre nós, como acontece em todas as nações.” Mas esta expressão: “Constitui sobre nós um rei, o qual exerça a justiça entre nós”, desagradou a Samuel, e então ele invocou a Iahweh. Iahweh, porém, disse a Samuel: “Atende a tudo o que te diz o povo, porque não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, porque não querem mais que eu reine sobre eles. Tudo o que têm feito comigo desde o dia em que os fiz subir do Egito até agora — abandonaram-me e seguiram outros deuses — assim fizeram contigo. Portanto, atende ao que eles pleiteiam. Mas, solenemente, lembra-lhes e explica-lhes o direito do rei que reinará sobre eles”. (1Sm 8,4-9).
Quer dizer: nem o povo nem seus líderes confiavam no Senhor. Passaram a ter como modelo não mais o estatuto de Moisés e depois de Josué, mas quiseram o modelo de sociedade dos povos vizinhos. Conhecendo seus corações Yahweh orienta a Samuel, pois sabe o que move seus interesses: “Atende a tudo o que te diz o povo, porque não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, porque não querem mais que eu reine sobre eles” (1Sm 8,7). 
Mas a principal orientação do Senhor, que Samuel deve explicar ao povo, diz respeito a um elemento importante: “Solenemente lembra-lhes e explica-lhes o direito do Rei que reinará sobre eles” (1Sm 8,9). 
E Samuel adverte ao povo sobre os direitos do Rei. Este lhes tomará as filhas, os campos, os servos; cobrará tributos e, em resumo, fará com que o povo se torne como que escravo do rei. (1Sm 8,10-18). Aqui em 1 Sm 8,22, cada um volta “cada um à sua cidade”, que é o sinal da dominação da elite sobre o povo, pois na cidade não existe uma sociedade produtiva. Ela sobrevive do que o povo produz no campo, a sociedade tribal; a cidade é onde vive o rei e seu exército que precisam ser alimentados pelo povo que passou a trabalhar não mais para o próprio sustento e sim para pagar os tributos que sustentam o rei que cobra mais trabalho e tributo: “Meu pai vos sobrecarregou com um jugo pesado, mas eu aumentarei ainda o vosso jugo” (1Rs 12,11).
É uma situação completamente diferentemente do que ocorrera em Josué 24,28. Ali, ao final da assembleia não havia cidade e cada um voltou para sua herança, ou seja, sua tribo (cf também Jz 21,24). No contexto de Josué e de Juízes voltavam para suas tribos porque “naqueles dias não havia rei em Israel, e cada um fazia o que lhe parecia correto” (Jz 21,25).
Em outras palavras, sem ser saudosista, o profeta condena a sociedade urbanizada, pois ela distanciou-se do Senhor copiando os modelos de sociedade dos vizinhos; e, com isso, também assimilou os modelo de exploração dos malvados sobre o povo “Será que não percebem os malvados quanto exploram o meu povo?” (Sl 14,4). Por isso o apelo constante, saindo da boca do profeta: voltem ao senhor! Convertam-se e façam penitência (Jl 2,12-17). 
Assim é o convite de Isaías: 
Lavem-se, purifiquem-se, tirem da minha vista as maldades que vocês praticam. Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem: busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva. (Is 1,16-17).
Uma conversão, purificação… que se completa com a chegada de Jesus, como apregoa João Batista apontando para Jesus: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).

1.f- Surgem os profetas

Esse é o contexto no qual nascem os profetas e a profecia. Com o nascimento da monarquia, surgem os profetas e a profecia como sua consciência crítica do poder institucionalizado. E ao final do período monárquico, com a queda do último rei termina o período profético: perdeu-se, definitivamente a possibilidade para o projeto tribal de sociedade igualitária e foi um ponto final para o sonho de uma grande nação. Não havia mais rei, não havia mais templo, não havia mais profetas… A classe dirigente (sacerdotes e família real) estavam no exílio e o povo disperso...
É claro que antes desses personagens aos quais denominamos de profetas, a Sagrada Palavra menciona alguns outros que, a rigor, não são profetas, como estes, chamados de profetas literários. Estamos falando a respeito de Sara, Abraão, Moisés e Débora. No Novo Testamento temos a figura de João Batista e até Jesus é visto como profeta. Entretanto, esses personagens, embora estejam embasados em sua experiência de Deus, embora atuem em defesa de seu povo não o fazem com as características da atuação profética. 
E quais são essas características: 1) os profetas são mensageiros do Senhor. Cada vez que se dirigem àqueles a quem são enviados, começam seu discurso afirmando: “Assim fala Javé”. Portanto, são mensageiros, não de sua palavra ou opinião, mas da palavra é a Palavra do Senhor; 2) são visionários, não como aquele que prevê o futuro, como se entende popularmente. São visionários porque fazem uma leitura da realidade social e política e a partir disso anunciam sua profecia, dizendo que essa realidade não condiz com o plano de Javé. Ao analisar as relações sócio-políticas o profeta, pode antever as consequências para o povo, para o sistema político e para a nação e, principalmente, para a religião… e a partir dessa análise da conjuntura, pode concluir quais a consequências: não havendo mudança nas atitudes e se tudo continuar como está o resultado será trágico para o povo. 3) Ele também é, ao mesmo tempo aquele que anuncia e denuncia. E a partir dessa visão, de sua análise da realidade, pode anunciar o que “pensa” Javé e ao mesmo tempo, denunciar as posturas equivocadas dos dirigentes do povo e do próprio povo ao se deixar levar pelos dirigentes inescrupulosos. 4) Além disso o profeta é aquele que interpreta os projetos de Deus e o anuncia dentro de seu contexto. Com base na sua experiência de fé sabe que não é de Deus uma sociedade na qual o grupo dirigente sobrevive da exploração do mais pobres. 5) Finalmente, o profeta é aquele que corre riscos, inclusive de vida, porque sua mensagem não agrada àqueles que denuncia; sua profecia cobra mudança de atitudes. Por isso, desagrada aqueles que são denunciados pela palavra profética que tem como critério a predileção de Deus para com aqueles que sofrem. 
Com base no fato de ser a consciência crítica da sociedade e do sistema político pode-se reafirmar que a profecia nasceu com o surgimento da monarquia e encontrou seu ocaso com a queda do último rei. Por isso é que, além de ser palavra de Deus, a profecia é um tipo de literatura que exige ser lida e interpretada dentro de uma ótica política, pois a palavra profética encontra seu sentido original ao ser lida como convite a uma revisão de postura e mudança de atitude. Como proposta de transformação social, como questionamento das relações políticas.

2- A grandeza dos Profetas Menores

Vamos agora concentrar nosso olhar sobre os profetas menores.
Em nossa Bíblia são enumerados 16 livros atribuídos aos profetas. Um primeiro grupo, formado por quatro personagens, são chamados de profetas maiores. São eles:  Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel; Os demais, formam o grupo dos profetas menores: Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
Isso posto, ainda cabem algumas observações: Alguns estudiosos, preferem colocar o livro de Daniel junto com o conjunto da literatura apocalíptica do Antigo Testamento. Isso em razão da época em que se acredita ter sido produzido esse livro e em razão da linguagem aí utilizada, principalmente o capítulo 7, com a visão dos quatro animais. Por sua vez, não deixa de ser um livro da profecia porque, como os outros, questiona as posturas políticas dos dirigentes além do templo e dos sacerdotes.
Entre os profetas maiores também estão os livros de Lamentações e Baruc, ambos ligados a Jeremias. Embora o livro das Lamentações não seja um livro profético, ele é atribuído e Jeremias, por isso o acompanha. Por sua vez, Baruc, que também não é um profeta, é um dos livros deuterocanônicos. Como indica o título, é atribuído a Baruc, aquele que teria sido secretário de Jeremias, por isso é colocado no conjunto dos profetas maiores, ao lado de Jeremias.
Quanto aos profetas menores, na Bíblia hebraica e por muitos anos, também entre os cristãos,  eram chamados apenas de “os doze”, ou os “doze profetas”, compondo um só volume. A partir de Santo Agostinho (Séc IV) passou-se a chamá-los de “profetas menores” e seus escritos separados como “livros” individuais. Mas não são nem mais nem menos profetas que o chamados profetas maiores, cujos livros são mais volumosos. Atualmente, em nossas bíblias aparecem logo após Daniel, listados como os profetas menores.
Cada um desses personagens viveu e residiu em épocas e lugares diferentes. Dirigiram suas palavras a públicos distintos, uns dos outros, entretanto, todos tiveram a mesma preocupação: convocar para a fidelidade ao plano de Javé e denunciar os desvios desse projeto.
Aqui vamos estudá-los não pela ordem em que aparecem em nossas bíblias, mas seguindo a disposição cronológica que nos é apresentada pela Bíblia de Jerusalém. Em nossas bíblias os profetas menores não estão em ordem cronológica, como o faremos aqui. Procuraremos situá-los na linha do tempo apenas porque imaginamos que fica mais fácil compreender sua atuação em relação aos eventos sócio-políticos em que estiveram envolvidos.


2.a- Amós – vacas de Basã

Entre os livros dos profetas, assim nos informam os pesquisadores, o de Amós parece ter sido o primeiro a ser escrito. Viveu em Técua, localidade próxima de Jerusalém (cerca de 10 km), reino do Sul durante o século VIII. Homem do campo, usa sua experiência rural para analisar a situação e a instabilidade social e política em que vive e na qual está inserido o reino de Judá. 
Tudo indica que viveu num tempo de prosperidade econômica para a classe dirigente. Como consequência dessa prosperidade ocorreu um crescente empobrecimento dos trabalhadores da região. Diante da ostentação das damas da corte, o profeta toma as dores dos pobres que são vítimas da exploração promovida pelos ricos comerciantes ligados ao monarca. 
Sua atividade profética se dá em Betel, cidade santuário localizada no território de Israel, reino do Norte. Oriundo do Sul, vai fazer sua pregação numa cidade do Norte. Isso sugere que mesmo com a divisão política o povo mantém vínculos religiosos. É essa religiosidade que facilita à classe dirigente explorar aos trabalhadores pobres. Contra essa exploração se insurge o profeta. Por isso suas palavras são duras, afirmando que Javé vai enviar fogo contra os palácios (Am 1,3–2,5). 
O palácio, portanto, representa o centro da exploração. Deve-se notar, entretanto que, ao mesmo tempo em que condena a classe dirigente local, seus oráculos são proferidos contra os monarcas estrangeiros. 
Ocorre que o profeta percebe a proximidade de uma invasão estrangeira, pois conhece a geografia da região (Crescente Fértil) e sabe que tanto o Egito como os Assírios (inimigos históricos) passarão por ali para invadir o território inimigo. 
Contra Israel, o profeta denuncia seu crime pois é ali que “eles esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos” (Am 2,7). Ou seja, o profeta denuncia a exploração contra os trabalhadores do campo o que justifica a ira contra as “vacas de Basã” que oprimem os fracos e esmagam os indigentes. E, ainda por cima “dizem a seus maridos ‘trazei-nos o que beber’” (Am 4,1).
Ao mencionar o Dia de Javé, o profeta alerta seus ouvintes: “ele será de trevas” (Am 5,18). Porque esse dia será catastrófico? Porque Javé detesta o “orgulho de Jacó, odeio seus palácios” (Am 6,8), pois é ali que se tramam os planos contra o povo ao ponto de transformar “o direito em veneno e o fruto da justiça em absinto” (Am 6,12).
Além disso, profere anúncios a respeito de uma série de desgraças e o domínio de nações estrangeiras Porém nem tudo é desgraça, ou não serão as desgraças o fim de tudo. Haverá um tempo de reconstrução.
O profeta termina sua atuação deixando entrever que depois da catástrofe ter se abatido sobre todos os que exploram e produzem as dores dos trabalhadores, virão dias de reconstrução. E, então, “aquele que semeia estará próximo daquele que colhe” (Am 9,13), como a indicar que não mais haverá rico explorando pobre, nem os palácios e templos para cobrar tributos. Quando cessar a exploração dos templos e dos  palácios haverá paz, “plantarão vinhas e beberão seu vinho; cultivarão pomares e comerão seus frutos” (Am 9,14). 
Além do mais, os profetas, e isso já podemos observar em Amós (Am 9,7-10), desenvolvem uma perspectiva universalista para a fé judaica. Trata-se de um povo eleito, é verdade, mas o amor de Deus ultrapassa as fronteiras, as etnias e os tempos (Is 19,22-25). E isso Jesus veio confirmar: enviando seus discípulos a levar sua mensagem até os confins do mundo (Mt 28,19-20). deve-se notar, entretanto, que o profeta insiste: para que ocorra a universalização será necessária uma grande purificação. O Senhor vai “peneirar” a todos a fim preservar os puros. Os grãos que não caírem por terra formarão o resto, pois o Senhor não pretende “suprimir totalmente”, pois sabe que nem todos se corromperam (Am 9,7-10).


2.b- Oseias – quero amor não sacrifícios

Contemporâneo de Amós, mas natural do reino do Norte, foi o primeiro profeta a tratar a relação de Deus com Israel nos termos de um matrimônio. Embora não existam elementos definitivos para dar certeza, alguns estudiosos sugerem que Oseias é originário de Siquém ou arredores, visto ser este o único santuário do Norte ao qual não tece críticas. 
Também de origem rural, condena os dirigentes da sociedade em que vive, por terem abandonado a Javé, aderindo aos cultos pagãos e idolólatras. Por esse motivo os alvos de sua pregação são os monarcas e os sacerdotes. São eles que conduzem o povo à infidelidade e ao culto a Baal e Astarte.
Essa situação explica o fato do profeta ter tomado seu drama pessoal, capítulos 1 a 3, para falar da infidelidade do povo para com Deus. Da mesma forma que sua esposa lhe foi infiel, assim também os dirigentes estão conduzindo o povo à infidelidade oferecendo sacrifícios a Baal, pondo sua esperança noutras divindades. “Ela não reconheceu que era eu quem lhe dava o trigo, o mosto e o óleo, quem lhe multiplicava a prata e o ouro que eles usavam para Baal” (Os 2,10).
Em razão dessas infidelidades, o profeta anuncia a ira de Deus contra os reis, os sacerdotes e contra o povo que se deixa seduzir. Da mesma forma que sua esposa o traiu pensando em trigo, uvas e ouro, assim fazem os infiéis, nas cerimônias dedicadas aos deuses estrangeiros. Diante da infidelidade, o profeta anuncia a devastação. Vai acabar com “sua alegria”, devastar “sua vinha” e tudo será transformado num matagal: 
“Acabarei com sua alegria, com as suas festas, as suas luas novas e os seus sábados e com todas as suas assembleias solenes. Devastarei sua vinha e sua figueira, das quais dizia: Este é o pagamento que me deram os meus amantes. Farei deles um matagal e os animais selvagens as devorarão. Eu a castigarei pelos dias de baals, aos quais queimava incenso. Enfeitava-se com o seu anel e só seu colar e corria atrás de seus amantes, mas de  mim ela se esquecia! Oráculo de Iahweh” (Os 2,13-15).
Entretanto, da mesma forma que afirma essa punição contra as transgressões de sua amada, Oseias lhe apresenta as condições para que ela seja perdoada: “por muitos dias ficarás em casa, para mim, e não te prostituirás, não te entregarás a homem algum, e eu farei o mesmo contigo” (Os 3,3). Essa mesma proposta o Senhor faz ao seu povo: “Muitos dias ficarão os filhos de Israel sem rei, sem chefe, sem sacrifícios, sem estela, sem efod e sem terafim. Depois disso os filhos de Israel voltarão e procurarão a  Iahweh, seu Deus” (Os 3,4).
Em 5,1-7, o profeta anuncia a palavra de Deus contra sacerdotes, reis e as elites. Todos se prostituíram e “traíram a  Iahweh, pois como bastardos foram gerados. Por isso, agora a lua nova lhes devorará os campos” (Os 5,7). Também em 8,4-7, vemos a condenação dos atos dos monarcas que “semeiam vento, colherão tempestade”. Como em outras passagens, o profeta condena a monarquia, os sacerdotes e a classe dirigente que provocam o sofrimento do povo. Em razão da postura da classe dirigente o profeta anuncia a consequência da infidelidade: a invasão estrangeira. Trata-se da Assíria e do Egito, ambos esperando a primeira oportunidade para dar o bote (Os 5,13-15; 7,8-16). E efetivamente a invasão ocorreu, embora não tenha sido assistida pelo profeta que morreu antes da invasão dos assírios, em 722.
Antes, porém, e apesar de toda infidelidade de seu povo, o Senhor está disposto a perdoar (Os 6,1-6). E, novamente, é o modelo do matrimônio de Oseias que se mostra como modelo desse retorno, pois assim como o profeta oferece seu perdão à esposa adúltera, o Senhor também está disposto a perdoar seu povo arrependido (Os 14,2-9).
O profeta, mesmo anunciando a destruição e os perigos de se confiar nos vizinhos poderosos, demonstra que o Senhor está disposto ao perdão. E o ensinamento do profeta é retomado por Jesus, quando afirma a importância não do sacrifício, mas do amor misericordioso que se manifesta não em sacrifícios, mas em gestos que externalizam o amor. (Os 6,6; Mt 9,13).


2.c- Miqueias – E tu Belém

Também este é um profeta do reino do Sul. Ao que tudo indica foi contemporâneo de Amós, Oseias e o primeiro Isaías. E, de acordo com seu estilo de linguagem pode-se dizer que também é um camponês. Embora sua linguagem seja mais dura que a do profeta vaqueiro. E, da mesma forma que Isaías, anuncia a iminência de uma invasão estrangeira.
Tão radicais são suas pregações que repercutiram em outros profetas e ao longo dos séculos. Ele é lembrado no contexto do julgamento de Jeremias (Jr 26,17-19), que relembra as profecias de Miqueias contra Israel e nem por isso foi condenado. Assim, Jeremias também deveria ser poupado. 
Além disso, suas palavras foram relembradas pelo redator de Mateus (Mt 2,6), por ocasião do nascimento de Jesus. No evangelho, retomando Mq 5,1, os sacerdotes identificam o local do nascimento do Menino Deus: “E tu Belém, embora o menor dos clãs de Judá, de ti sairá para mim aquele que será o dominador de Israel”, o qual virá para resgatar um “resto” dos “filhos de Israel”. E também porque repercute Isaías 7,14, ao dizer que chegará o “tempo em que a parturiente dará a luz” (Mq 5,2), que também será relembrado por Mateus 1,23, quando José assume a paternidade de Jesus. 
A exemplo de Amós e Oseias, Miqueias também condena aqueles que oprimem o povo: os ricos e sacerdotes. E, por extensão, condena os rumos da atuação política dos monarcas. “Aí daqueles que planejam iniquidade e que tramam o mal em seus leitos. Ao amanhecer eles o praticam porque o poder está em suas mãos” (Mq 2,1). Aos chefes do povo, levanta a vós, nestes termos, acusando-os de explorar os pobres até a morte:
E eu digo: Ouvi, pois, chefes da casa de Jacó e magistrados da casa de Israel! Por acaso não cabe a vós conhecer o direito, a vós que odiais o bem e amais o mal, (que lhes arrancais a pele, e a carne de seus ossos)? Aqueles que comeram a carne de meu povo, arrancaram-lhe a pele, quebraram-lhe os ossos, cortaram-no como carne na panela e como vianda dentro do caldeirão, então eles clamarão a Iahweh, e ele não lhes responderá. Ele lhes esconderá a sua face naquele tempo, porque os seus atos foram maus! (Mq 3,1-4).
Na realidade todo o capítulo 3, embora a destinatários distintos, faz a mesma acusação, ou seja, condena os líderes corruptos: em 3,1-4 acusa os “chefes da casa de Jacó e magistrados da casa de Israel”; adiante, em 3,5-8 acusa os profetas que “seduzem meu povo”; logo em seguida, em  3,9-12 acusa, novamente, os “chefes da casa de Jacó e magistrados da casa de Israel”. E faz essa acusação porque, como líderes do povo, deveriam preocupar-se com seu bem estar e, ao contrário disso, buscam os próprios interesses. 
Todos exploram os pobres e os enganam. Por isso são punidos pelo Senhor (Mq 1,2-4) trazendo como consequência final a invasão dos exércitos mesopotâmicos para ocupar a Samaria (Mq 1,6-7), as cidades da planície (Mq 1,8-15) e posteriormente a destruição de Jerusalém e do Templo. A sentença não poderia ser outra: tudo será devastado. “Por isso, por culpa vossa, Sião será arada como um campo, Jerusalém se tornará um lugar de ruínas, e a montanha do Templo, um cerro de brenhas!” (Mq 3,12).
Entretanto, o profeta acredita na edificação de uma sociedade de paz, sem exploração; uma sociedade de justiça sem sofrimento e aberta a todos os povos. Uma sociedade sem exércitos e sem armas; uma sociedade modelo para todas as nações (Mq 4,1-5). 
É nesse contexto que Belém é evidenciada como o local de onde sairá o governante justo (Mq 5,1). Profecia essa que será assumida pelo evangelista (Mt 2,1-6), como anúncio da chegada do Messias, no episódio da visita dos Magos ao recém nascido. Diante do monarca impiedoso os visitantes, procuram pelo recém nascido “rei dos judeus”. 
A fé universalista do profeta cumpre-se em Jesus com a presença dos Magos. Uma cena que mostra o Filho de Deus nascido dentre o povo da promessa, mas cumprindo a promessa de acolher todos os povos, dos quais os três Magos são os primeiros representantes.
Assim, entre ameaças e sinalizações de esperança o profeta finaliza seu texto com uma prece de esperança na restauração: 
“Qual deus é como tu, que tira a culpa e perdoa o crime? Manifesta novamente tua misericórdia por nós, calca aos pés as nossas faltas e lança no fundo do mar todos os nossos pecados. Concede a Jacó a tua fidelidade, misericórdia a Abraão, como juraste a nossos pais desde os dias de antanho” (Mq 7,18-20).
Miqueias teve pouca repercussão no Novo Testamento. Entretanto, além da referência a Belém, suas palavras finais são anúncios de salvação que se concretiza em Jesus Cristo.


2.d- Sofonias – Os pobres da terra

Da mesma forma que outros escritos e os demais profetas, Sofonias também é um texto sobre o qual permanecem dúvidas a respeito da autoria e da data em que foi produzido. Não se tem muitas indicações a respeito de sua vida. Entretanto, a análise do título de seu livro sugere que era do Sul, pois suas palavras foram proferidas durante o reinado “de Josias, filho de Amon, rei de Judá” (Sf 1,1).
Sua denúncia está direcionada contra os estrangeirismos e os dirigentes do povo (Sf 1,8) e a crença nos falsos deuses (Sf 1,4-5). Entretanto não aparecem críticas a Josias. Talvez isso ocorra porque sua pregação foi antes da reforma promovida por ele. Aparecem várias referências aos Assirios. Isso sugere que essa nação já está à porta e representa destruição. E, se a Assíria ainda é uma ameaça, pode-se concluir que o livro foi escrito antes dessa invasão, que se concretizou com a queda da Samaria em 722.
Nos capítulos 1,2–2,3 o profeta trata do Dia de Javé. Em 2,4-15 apresenta suas profecias contra as nações: os filisteus, moabitas, amonitas, além dos etíopes e os assírios. Já em 3,1-8 suas advertências são dirigidas contra Jerusalém. Finalmente, 3,9-20 são apresentadas algumas promessas. Nisso tudo dois temas se evidenciam: o “Dia de Javé” e o “Resto”.
O Dia de Javé é sinônimo de destruição: “Vou, na verdade, suprimir tudo da face da terra” (Sf 1,2). Esse dia “está próximo” (Sf 1,7.14) e será assustador e está muito próximo:
Está próximo o grande dia de Iahweh! Ele está próximo, iminente! O clamor do dia de Iahweh é amargo, nele até mesmo o herói grita. Um dia de ira, aquele dia! Dia de angústia e de tribulação, dia de devastação e de destruição, dia de trevas e de escuridão, dia de nuvens e de negrume, dia da trombeta e do grito de guerra contra as cidades fortificadas e contra as ameias elevadas. (Sf 1,14-16). 
Por outro lado o profeta dirige-se aos pobres da terra e lhes oferece um alento; talvez por terem sido vítimas dos poderosos, talvez porque mantiveram alguma fidelidade;  talvez os “pobres da terra”  sejam “protegidos no dia da ira de Iahweh” (Sf 2,3), pois estes procuram abrigo no nome de  Iahweh.
Depois do “dia de Iahweh” sobrará um pequeno grupo, “um povo pobre e humilde” que será poupado. Esse resto pautará sua vida pela justiça e verdade; seu refúgio será Iahweh.
Deixarei em teu seio um povo pobre e humilde e procurará refúgio no nome de Iahweh, o resto de Israel. Eles não praticarão mais a iniquidade, não dirão mentiras; não se encontrará em sua boca língua dolosa. Sim, eles apascentarão sem que ninguém os inquiete” (Sf 3,12-13). 
A partir de Sofonias somos levados a concluir que o “dia de Iahweh” será terrível, mas somente para aqueles que produzem e provocam as dores sobre “os pobres da terra”. São eles que, como na escravidão do Egito, gritam a Iahweh, pedindo ajuda contra “seus príncipes”; “seus juízes”; “seus profetas”; “seus sacerdotes” suplicando a proteção daquele que “promulga o seu direito” (Sf 3,1-4).
Mais um detalhe sobre Sofonias: foi um dos precursores da literatura apocalíptica. Nisso foi seguido por outros, entre eles Joel. 


2.e- Naum – Iahweh é bom!

Este profeta é, também, visto como um grande poeta. Inicia seu livro com um salmo no qual exalta a ação de Javé contra os promotores do mal. Sua temática é bem específica. Ela está no título do livro: “Oráculo contra Nínive” (Na 1,1).
Originário de Elcós, possivelmente uma cidadezinha de Judá, no reino do Sul, não poupa ameaças contra Nínive (que segundo Jonas, precisava de três dias para ser atravessada Jn 3,3) a capital da Assíria, que representa a grande potência inimiga e opressora. 
Naum interpreta a conjuntura e interpreta os fatos. Ele sabe que, como ocorre nos dias atuais, os grandes, os poderosos, os ricos, os dominadores políticos estão constantemente ocupados em explorar os mais frágeis. E o profeta não poupa tintas ao descrever o Senhor: é um “vingador”; é poderoso; não deixa nada impune. Isso porque é um Deus “ciumento”, ou seja, ama aos seus.
Iahweh é um Deus ciumento e vingador! Iahweh é vingador e cheio de furor! Iahweh se vinga de seus adversários ele guarda rancor de seus inimigos. Iahweh é lento para a ira, mas grande em poder. Mas a nada deixa Iahweh impune. Na tormenta e na tempestade é o seu caminho, a nuvem é a poeira de seus pés. (Na 1,2-3)
A profecia de Naum trata da queda de um desses poderosos: o império assírio, cuja capital Nínive, foi destruída em 612. E, ao mesmo tempo, afirma a ação do Senhor em favor de um povo oprimido, Israel. Isso nos ajuda a entender a afirmação de que o Senhor “é um Deus ciumento e vingador”, ou seja, age em defesa das vítimas do sistema opressor. 
Importante dizer, também, que Deus não age “no impulso” como as pessoas e os agressores do seu povo. Não revida, simplesmente. Ele oferece oportunidade para o arrependimento. Por isso é que o profeta afirma que, é um Deus “lento para a ira mas grande em poder, mas Iahweh nada deixa impune” (Na 1,2-3).
Na realidade o profeta ainda não viu a queda do grande inimigo, mas consegue antever sua derrota.  Sabe que é o Senhor quem comanda a história. Sabe que os poderosos dominam e exploram, mas não são eternos. Por isso lança o brado de Iahweh: “Aí da cidade sanguinária, toda cheia de mentira, repleta de despojos, onde não cessa a rapina” (Na 3,1). O profeta antevê uma multidão de mortos a ponto de se tropeçar nos cadáveres e todos perderam a vida “por causa das inúmeras prostituições da prostituta formosa, hábil feiticeira que vendia as nações por suas prostituições e os povos por suas feitiçarias” (Na 3,4). 
Naum anuncia a ruína do opressor como quem comemora o fim de um período de sofrimento. Por isso, não poupa palavras de quem se sente vingado pelo Senhor: “Lançarei sobre ti a desonra e farei de ti um espetáculo”. Antevendo a derrota do opressor, o profeta se pergunta: “quem terá compaixão dela? Onde posso procurar consoladores para ti” (Na 3,6-7). Não é somente Israel que vai comemorar a derrota da Assíria. “Todos os que ouvem notícias sobre ti batem palmas a teu respeito; pois sobre quem não pesou continuamente a tua maldade?” (Na 3,19).
O profeta Naum pode ser visto como modelo para os que sofrem as dores da dominação. Pode ser apresentado como proposta de esperança ativa: além de confiar na ação e na defesa do Senhor lança-se na divulgação desses feitos divinos. Ao que tudo indica, não viu a derrota da grande nação opressora, mas anunciou seu fim. E isso pode ser um alento para todos os que sonham com dias melhores. A opressão pode ser grande, mas é muito maior o amor de Deus para com as vítimas, e ele é o vingador pelo qual será superada a dor e construída a paz: “Eis sobre as montanhas os pés de um mensageiro que anuncia: Paz!” (Na 2,1). 
Essa proposta de esperança ativa repercute em Isaías: “Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz. Do que proclama boas novas e anuncia a salvação, do que diz a Sião: “O teu Deus reina!” (Is 52,7). Essa proposta de esperança ativa leva Paulo a se indagar sobre a necessidade de que os mensageiros anunciem para que o mundo creia no ressuscitado, mensageiro da Paz (Rm 10,14).
Assim, se por um lado Naum anuncia o fim da opressão e a queda da nação opressora (e os Assírios o foram em todos os sentidos!) uma vez que “é ele que reduz ao nada” (Na 1,9), o profeta também afirma que Deus só faz isso por conta de seu amor para com aqueles que “nele se refugiam”:
Iahweh é bom; ele é um abrigo no dia da tribulação. Ele conhece aqueles que nele se refugiam, mesmo quando sobrevêm uma inundação. Reduzirá a nada os que se levantam contra ele, perseguirá os inimigos até nas trevas (Na 1,7-8).


2.f- Habacuc – Até quando Senhor?

Muitos estudiosos afirmam que este profeta é contemporâneo a Naum. E, da mesma forma que ele, está diante da iminência do ataque de um império poderosíssimo: os caldeus, um “povo cruel e impiedoso” (Ha 1,6).
Sua profecia, entretanto, não toma o mesmo rumo que a do seu contemporâneo. Naum acreditava que os assírios representavam a mão de Deus castigando os opressores do povo (Na 1,2-8). Ou seja, Deus permite que os “gafanhotos”, os assírios, (Na 3,15-17) venham para fazer a limpeza, devorando tudo a fim de que cresça a justiça por meio daquele que vem anunciar a paz (Na 2,1). Mas, também levanta sua mão contra os Assírios porque, também esse, é um povo violento (Na 3,1).
Habacuc vê a destruição de Nínive com outros olhos. Contempla a derrota dos assírios, mas, para ele, isso significava que um império mais poderoso está chegando. Daí sua pergunta inicial: “Até quando  Iahweh pedirei socorro e não ouvirás, gritarei a ti: ‘violência’ e não salvarás?” (Hab 1,2). Diante desse quadro, sua constatação: “o ímpio cerca o justo, por isso o direito parece torcido” (Hab 1,4). 
Ele sabe que os assírios são terríveis conquistadores. Implacáveis em relação aos vencidos: sabe que quase sempre executam as lideranças e dispersam a população; por vezes implantando estrangeiros em seu lugar. Tudo para que não haja oposição nem revoltas entre os povos vencidos. E o profeta sabe disso, pois o destino do Reino do Norte e da Samaria ainda estava em sua memória. 
Seu raciocínio, portanto, não deixa dúvidas: se os assírios fizeram isso, com os irmãos do norte, aqueles que os vencerem não pouparão o que restou, ao sul. Por isso, seu discurso em relação aos caldeus.
Dentro dessa perspectiva podemos entender os temores de Habacuc. Eles não são sem fundamentos. O profeta vê a proximidade dos caldeus (império persa) não como uma possibilidade de libertação em relação aos assírios, mas como uma ameaça ainda maior: “Eis que suscitarei os caldeus, esse povo cruel e impetuoso” (Hab 1,6). O profeta sabe disso, pois afirma que esse povo guerreiro, com seus exércitos “amontoam prisioneiros como areia” (Hab 1,9).
Depois dos questionamentos o profeta, apresenta a resposta de Iahweh: “Eis que sucumbe aquele cuja alma não é reta, mas o justo viverá por sua fidelidade” (Hab 2,4). Essa afirmação o apóstolo Paulo irá retomar em suas cartas aos romanos e aos gálatas (Rom 1,17; Gal 3,11). Entretanto, se essa é a condição para que se viva, o profeta não vê muitas opções. Por a série de cinco “ais”.
Embora Habacuc não seja tão incisivo contra os poderosos de sua terra, não deixa de afirmar os enganos e vícios que nascem do acúmulo de bens.
Verdadeiramente a riqueza engana! Um homem arrogante não permanecerá, ainda que escancare suas fauces como o Xeol, e, como a morte, seja insaciável; ainda que reúna para si todas as nações e congregue a seu redor todos os povos!  (Hab 2,5). 
É a partir dessa constatação que lança a série de “ais”: contra o acúmulo, contra o lucro injusto, contra os assassinos, contra os depravados e contra os idólatras:
Ai daquele que acumula o que não é seu, (até quando?) e se carrega de penhores![…]. Ai daquele que ajunta ganhos injustos para a sua casa, para colocar bem alto o seu ninho, para escapar à mão da desgraça![…]. Ai daquele que constrói uma cidade com sangue e funda uma capital na injustiça![…] Ai daquele que faz beber seus vizinhos, e que mistura seu veneno até embriagá-los, para ver a sua nudez![…] Ai daquele que diz à madeira: “Desperta!” E à pedra silenciosa: “Acorda!” (Ele ensina!) Ei-lo revestido de ouro e prata, mas não há sopro de vida em seu seio[…].  (Hab 2,6.9.12.15.19).
Aparentemente o profeta está desesperado. vê tudo isso acontecendo e não vê perspectiva nem resposta do Senhor: “Mas Iahweh está em seu Santuário sagrado: Silêncio em sua presença, terra inteira!” (Hab 2,20). O profeta levanta todos os questionamentos possíveis. Com isso, procurando mostrar que as soluções não virão dos assirios, pois logo serão derrotados; nem dos poderosos da nação, pois estão corrompidos, tanto que uma nação estrangeira os domina; nem dos caldeus, pois são tão ou mais malvados que os dominadores atuais…
Há que se dizer que o profeta, na realidade confia em seu Deus. Por isso pede sua intervenção e sua compaixão: “Iahweh, ouvi a tua fama, temi, Iahweh, a tua obra! Em nosso tempo faz revivê-la, em nosso tempo manifesta-a, na cólera lembra-te de ter compaixão!” (Hab 3,2)
Isso nos ajuda a entender a teofania de 3,3-7, em tom apocalíptico. Ela pode ser vista como uma resposta do Senhor, à indagação do Profeta. Além disso o profeta se coloca na espera: “espero tranquilo o dia da angústia que se levantará contra o povo que nos ataca” (Hab 3,16), como quem espera o “dia de Javé” anunciado por outros profetas. Nessa confiança de uma vitória final o profeta se alegra: “Eu, porém, me alegrarei em Iahweh, exultarei no Deus de minha salvação” (Hab 3,18).


2.g- Ageu – Eu estou convosco

A atuação de Ageu ocorre depois do retorno do exílio. Por volta de 520 posiciona-se em favor de Zorobabel e de Josué. Assume uma missão: incentivar  a reconstrução. 
Essa sua missão será executada em duas frentes: reconstruir o Templo em vista da reconstrução do povo. E quem é esse povo? Trata-se do “resto do povo” (Ag 1,12; 2,2). E, a esse povo desorientado, o profeta oferece um norte: o vínculo da Aliança: “Eu estou convosco, oráculo de Iahweh!” (Ag 1,13)
E este é um detalhe importante, para a contextualização e compreensão deste profeta: o fato de que as palavras de Javé, por meio de Ageu, não se dirigem ao inimigo externo, nem aos sacerdotes corruptos, nem contra a profanação do Templo. A preocupação do profeta é a reconstrução do Templo porque acredita ser este o ponto de convergência para a reunificação do povo. 
O povo exilado retornou, mas não voltou como povo, pois não lhes sobrava o elemento aglutinador: um ponto de convergência. “É para vós tempo de habitar em casas revestidas, enquanto esta casa está em ruínas? Agora, pois, assim disse Iahweh dos Exércitos: Pensai bem em vossos caminhos!” (Ag 1,4-5). Por conta desse ambiente desolador é que o profeta reapresenta o Templo, agora como elemento agregador.
O profeta justifica suas afirmações ao dizer que os repatriados plantaram muito e colheram pouco. Além desse, outros empreendimentos estão fracassando: falta alimento, falta vinho, o salário é insuficiente… (Ag 1,6). Por qual motivo: o povo ainda não se unificou. Daí a orientação de Javé: reconstruir o Templo porque ele será o ponto de convergência do resto do povo e de todas as nações (Ag 2,7). 
Em defesa da reedificação, o Senhor afirma: “O que recolhíeis, eu, soprando espalhava. Por que isso? – Oráculo de Iahweh dos exércitos – por causa de minha casa que está em ruínas enquanto vós corríeis cada um para a sua casa” (Ag 1,9). Quer dizer: os exilados retornaram, mas ainda não se havia desenvolvido uma nova consciência nacional. Cada um voltava para sua casa e não para reafirmar a coesão do povo. Por isso é que cada um corria “para suas casas” e não para a reunificação. Mas ainda há uma esperança: novo Templo, novas plantações novas colheitas. O esforço da reconstrução será o elemento aglutinador, por isso o Senhor afirma: “O meu espírito permanecerá entre vós. Não temais!” (Ag 2,5). E o Senhor diz algo a mais. Afirma que passando a existir esse ponto de convergência, “a partir desse dia eu darei a minha benção” (Ag 2,19).


2.h- Zacarias -  Eles pesaram o meu salário

Quando lemos Zacarias entendemos o que mostram os estudiosos: o livro é composto de duas partes bem definidas. A primeira composta pelos capítulos 1 – 8; a segunda parte é formada pelos capítulos 9 a 14. 
Embora sua profecia seja levemente posterior ao inicio das atividades de Ageu, os dois são contemporâneos. Ambos estão preocupados com a reconstrução do templo, mas a principal preocupação é a restauração nacional mediante o culto a Javé. Afinal, um povo só se constrói quando tem uma cultura e objetivos comuns; quando alimenta e mantém a mesma fé. E, neste caso, a fé manifestou-se na crença de que a restauração do Templo levaria à restauração da nação.
As atividades destes dois profetas são mencionadas por Esdras (5,1) e por Neemias (12,16), no contexto do retorno do cativeiro. E no caso de Zacarias, pelo menos a primeira parte, os capítulos 1 a 8 tratam disso. São oráculos datados e podem ser inseridos dentro do contexto de Zacarias e seus discípulos. Aqui a grande e principal preocupação é com a reconstrução: do templo, como casa de Deus e símbolo de unidade nacional e a reconstrução política, objetivando a restauração nacional. 
Embora haja um tom de repreensão em seu discurso, Zacarias inicia sua profecia chamando a atenção do povo exortando-o para que não cometa os mesmos erros dos pais (Zc 1,1-6). Só assim será possível a reconstrução.
Isso nos ajuda a constatar que as duas expectativas de reconstrução têm um só fundamento: a fé de que Deus os está conduzindo depois da lição do cativeiro. Nos tempos passados, diz o profeta, “Iahweh esteve profundamente irritado contra vossos país” (Zc 1,2). Mas essa irritação terminou, e o Senhor está disposto a dar nova oportunidade. Essa é a mensagem anunciada por Zacarias: Não repetir o erro dos pais que negligenciaram os alertas trazidos pelos profetas!
Tu lhes dirás: Assim disse Iahweh dos Exércitos: Retornai a mim — oráculo de Iahweh dos Exércitos — e eu Retornarei a vós, disse Iahweh dos Exércitos. Não sejais como vossos pais, a quem os antigos profetas anunciaram: Assim disse Iahweh dos Exércitos: Convertei- vos de vossos caminhos perversos e de vossas ações perversas. Mas eles não ouviram e não me deram atenção — oráculo de Iahweh. Onde estão os vossos pais? E os profetas vivem para sempre? Mas as minhas palavras e os meus decretos, que proclamei por intermédio de meus servos, os profetas, acaso não atingiram os vossos pais? (Zc 1,3-6).
Na sequência dessa exortação à fidelidade ao Senhor (Zc 1,1-6), o texto prossegue com uma seção apocalíptico/escatológica. Trata-se de uma série de oito visões (Zc 1,7–6,8) que tanto sugerem a importância da reconstrução nacional, via reconstrução do templo; como os riscos de, nesse processo de reconstrução, atrair novamente a atenção dos impérios vizinhos. 
E o anjo com o qual o profeta dialoga afirma ao Senhor que a paz está instalada. “Então eles se dirigiram ao Anjo de Iahweh, que estava entre as murtas e lhe disseram: ‘Acabamos de percorrer a terra e eis que toda a terra repousa e está tranquila!’” (Zc 1,11). Por isso o retorno e a reconstrução podem ocorrer. Há paz, pois “a terra repousa tranquila”, mas os inimigos continuam existindo...
Esse fato explica o tom apocalíptico que se segue. Com esse tom apocalíptico Zacarias relembra as nações inimigas. Embora presentemente em paz, continuam sendo uma ameaça.  São como um anjo exterminador, que pode entrar em ação contra a infidelidade latente no meio do povo. 
Isso não muda o foco do profeta e do anjo que é a reconstrução: os quatro chifres representam os inimigos e os quatro ferreiros são os poderes dos céus. E o que tudo isso indica?  Que a mão forte do Senhor está pronta para proteger a todos que retornam a Jerusalém, e a cidade que não terá muralhas, pois sua proteção é o Senhor (Zc 2,1-9). 
Deve-se notar, entretanto, que no retorno não se vê uma multidão de exilados, mas apenas o “resto” (Zc 8,6). O grande feito da Restauração, portanto, será de justiça para com o pobre: 
“Antes destes dias o salário do homem não existia e o salário dos animais era nulo. Para o que saia e voltava não havia paz, por causa do inimigo; eu tinha lançado os homens todos uns contra os outros. Mas agora não sou para o resto desse povo como nos dias passados” (Zc 8,10-11).
Para restaurar a paz, o Senhor exige apenas que se evite o mal e pratique o que é reto: a verdade, a paz o bem...
“Estas são as coisas que deveis fazer: falai a verdade uns com os outros; fazei em vossas portas um julgamento de paz; não maquineis, uns contra os outros, o mal em vossos corações; não ameis juramentos falsos. Porque tudo isso eu odeio, oráculo de Iahweh” (Zc 8,16-17).
A segunda parte, capítulos 9 a 14, é posterior ao Zacarias histórico. Os especialistas afirmam que foram escritos no período da supremacia grega. São oráculos anônimos, colhidos ao longo do tempo e atribuídos a Zacarias. Pode-se dizer que é um segundo Zacarias, algo semelhante ao que ocorreu com o livro de Isaías, onde temos o segundo e terceiro Isaías.
Estes capítulos tiveram grande repercussão no Novo Testamento. São textos em que se cria a expectativa da vinda do Messias, como o anúncio do Messias que vem montado num jumento (Zc 9,9-10). Anunciando a glória do Senhor, não só pela simplicidade de seu reino, mas principalmente porque nele se instalará a paz definitiva. A paz que fora acenada em Zc 1,11 é concretizada pela presença do Messias.
Ele eliminará os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém o arco de guerra será eliminado. Ele anunciará a paz às nações. O seu domínio irá de mar a mar e do Rio às extremidades da terra. (Zc 9,10).
O Messias que é, também, o pastor atento às suas ovelhas (Zc 10,2; 11,17), diferente da postura do maus pastores que deixaram as ovelhas se dispersarem. O Senhor reunirá e defenderá seu rebanho. “Iahweh está com eles, ao passo que serão confundidos aqueles que montam cavalos.” (Zc 10,5).
No discurso contra os maus pastores – os dirigentes do povo – aparece o tom irônico que caracteriza a atuação profética. Um texto de Zacarias que repercute no gesto de Judas, ao entregar Jesus (Mt 27,1-10). Pela boca do profeta, o Senhor fala àqueles que tramam a ruína do povo, assim como Judas tramou com os sacerdotes a prisão de Jesus (Mt 26,14-16):
E eu lhes disse: “Se isto é bom aos vossos olhos, dai-me o meu salário; se não, deixai!” E eles pesaram o meu salário: trinta siclos de prata. E Iahweh me disse: “Lança-o ao fundidor, esse preço esplêndido com que fui avaliado por eles!” Tomei os trinta siclos de prata e os lancei na Casa de Iahweh para o fundidor (Zc 11,12-13).
Entretanto, se para eles o preço de Deus são trinta moedas, o braço do Senhor tem outro peso: a punição do “pastor” insensato:
Ai do pastor insensato, que abandona as ovelhas! Que a espada esteja sobre o seu braço e sobre o seu olho direito! Que seu braço seque completamente e que seu olho direito se obscureça totalmente! (Zc 11,17).
O tom apocalíptico tem um objetivo: anunciar o dia do Senhor, o dia de  Iahweh, o dia do acerto final. Depois da purificação do povo sobrará um resto que se reunirá em Jerusalém; depois da destruição dos malfeitores sobrará um resto que adorará o Senhor; depois de serem vencidos os inimigos, sobrará um resto que vai se prostrar diante do Senhor, pois esse resto viverá na paz dos que reverenciam ao Senhor. 
Não será só um resto do povo hebreu, mas de todas as nações: “Então acontecerá que todos os sobreviventes de todas as nações que marcharam contra Jerusalém subirão, ano após ano, para prostrar-se diante do rei Iahweh dos Exércitos e para celebrar a festa das Tendas”. (Zc 14,16).
Tudo isso nos sugere que a redação final de Zacarias está entre os últimos escritos da tradição e da literatura profética. Como se pode ver, o livro termina com um anúncio escatológico do dia de Javé. Ou seja, a profecia está se encaminhando para seus últimos anos e já está em transição. Está se desenvolvendo um novo modelo de literatura para falar de Deus e mostrar sua presença na história. Está se desenvolvendo o modelo da literatura apocalíptica.


2.i- Malaquias – Amaldiçoarei a vossa benção

Este pode ser apresentado como o último dos profetas clássicos. Em nossas bíblias é o último dos livros proféticos e o último livro do Antigo Testamento. Foi redigido em meados do século V.
Depois da atuação de Ageu e Zacarias o Templo foi restaurado. Entretanto, com o passar do tempo, a fidelidade a Javé foi decaindo. E, com o tempo, a religião passou a ser mais uma formalidade, sem o compromisso com Deus e com a comunidade. 
É nesse contexto que age Malaquias.
O profeta vem para lembrar que a verdadeira religião não se traduz em palavras, mas em atitudes. E isso leva o autor a questionar os sacerdotes e todos os que oferecem sacrifícios apenas por conveniência das normas.
Mas agora, é para vós esta ordem, ó sacerdotes! Se não escutardes, se não levardes a sério dar glória ao meu Nome — disse Iahweh dos Exércitos —, mandarei contra vós a maldição e amaldiçoarei a vossa bênção. Sim, eu a amaldiçoarei, porque não levais isso a sério! Eis que vou cortar o vosso braço, jogar imundície em vossos rostos — a imundície de vossas festas — e afastar-vos com elas. (Ml 2,1-3).
é extremamente rígido contra os sacerdotes – os líderes do povo – pois conduzem o povo não ao culto a Deus, mas os desviam do Senhor. Os lábios que deveriam conduzir ao bem, produzem tropeço:
Porque os lábios do sacerdote guardam o conhecimento, e de sua boca procura-se ensinamento: pois ele é o mensageiro de Iahweh dos Exércitos. Mas vós vos afastastes do caminho, fizestes tropeçar a muitos pelo ensinamento (Ml 2,7-8)
O profeta, em razão desse descaso com o Senhor, anuncia o Dia de Javé (Ml 3,1-5) que vira como processo de purificação assegurando a vitória da justiça em favor dos justos e das vítimas dos poderosos.“Mas para vós que temeis o meu nome, brilhará o sol de justiça, que tem a cura em seus raios.” (Ml 3,20). E isso ocorrerá num processo universalizante, ou seja, a justiça de Deus abrange todas as nações uma vez que o estrangeiro também tem direitos.
Eu me aproximarei de vós para o julgamento e serei uma testemunha rápida contra os adivinhos, contra os adúlteros, contra os perjuros, contra os que oprimem o assalariado, a viúva, o órfão, e que violam o direito do estrangeiro, sem me temer, disse Iahweh dos Exércitos (Ml 3,5).
O anúncio de um anjo do Senhor (Ml 3,1) foi entendido pelos evangelistas (Mt 11,10; Lc 7,27; Mc 1,2) como se concretizando na pessoa de João Batista. 
O profeta inicia seu discurso com a indagação sobre o amor do Senhor (Ml 1,2): “Eu vos amei, disse Iahweh.—Mas vós dizeis: Em que nos amaste?”. A resposta aparece no final, quando o profeta responde (Ml 3,24) dizendo que no dia de Javé é necessário que “o coração dos pais voltem para seus filhos e o coração dos filhos voltem para os pais; e assim quando eu vier não condenarei o país à destruição total”.


2.j- Abdias – Contra Edon

Há muita discussão a respeito do brevíssimo livro de Abdias, com apenas 21 versículos. As opiniões se dividem em relação à datação e autoria. Alguns o situam por volta do século IX e outros o situam posteriormente a Jeremias.
Anuncia o Dia de Javé e o castigo a Edon, pequena nação, vizinha de Judá, na fronteira sul. O profeta anuncia que será destruída não por forças extraordinárias, mas pela própria soberba: “quem acabou com você foi a soberba de seu próprio coração” (v 3). E não adianta querer ser grande, pois o Senhor a tornará pequena: “Se voares como uma águia e se colocares entre as estrelas o teu ninho, de lá eu te farei descer — oráculo de Iahweh.” (Ab 4).
Essa aversão aos edonitas, descendentes de Esaú, se deve ao fato deste povo ter invadido a judeia, quando da destruição de Jerusalém. Ou seja, o profeta condena seu oportunismo.
Por causa da violência contra teu irmão Jacó, a vergonha te cobrirá e tu serás exterminado para sempre! No dia em que estavas longe, no dia em que estrangeiros levavam suas riquezas, quando os bárbaros entravam por sua porta e lançavam sorte sobre Jerusalém, tu também eras como um deles! (Ab 10-11).
E no dia de Javé tudo será restaurado. O erro de Edon recairá sobre ele mesmo. O profeta anuncia o retorno dos exilados e, nesse dia, o que “você fez com os outros assim será feito com você” (v 15). 
Porque assim como bebeste em minha montanha santa, assim beberão todas as nações sem cessar; elas beberão e sorverão e serão como se nunca tivessem existido! Mas no monte Sião haverá refugiados, — ele será santo — a casa de Jacó recobrará suas possessões. Então a casa de Jacó será um fogo, e a casa de José uma labareda, mas a casa de Esaú será uma palha! Eles a incendiarão e a devorarão, e não haverá sobreviventes da casa de Esaú, porque Iahweh o disse! (Ab 16-18)
Em síntese, o profeta anuncia a restauração, o dia de Iahweh e a destruição dos invasores.


2.k- Jonas – O destino de Nínive

Estamos, agora, diante de um profeta que foge às convenções e às características dos demais profetas: um hebreu enviado a profetizar a um povo estranho. 
O detalhe intrigante e bem significativo é este: Jonas é enviado e Nínive. Esta cidade é a capital do Império Assírio, o grande e mortal inimigo de Israel; povo com deuses estranhos e que não conhecem ao Deus de Israel. Jonas anuncia a ira de seu Deus contra Nínive e todo o povo se converte! O estrangeiro acata a orientação profética mas o profeta irrita-se com a conversão desse povo. 
Jonas é bastante conhecido pelos seus descaminhos e por ser uma narrativa quase ao estilo de enredo de aventura. Também não seria errado chamá-lo de antiprofeta. 
Não que seja contrário ao projeto da profecia, mas pelo seu posicionamento quase que arrogante e teimoso para com o chamado do Senhor. Ele, ao ouvir o chamado, foge em vez de responder ao apelo de Deus. O Senhor conhece a maldade dos ninivitas e quer enviar Jonas a fim de alertar o povo, dizendo que conhece sua maldade (talvez nisso uma alusão ao poderio militar assírio e sua prática de domínio pela forço e medo). Pode-se ver, nisso, um eco de Ex 3,7-10, onde o Senhor afirma conhecer a dor dos oprimidos e lhes envia Moisés a fim de que os liberte.
“Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia contra ela que a sua maldade chegou até mim”. E Jonas levantou-se para fugir para Társis, para longe da face de Iahweh. Ele desceu a Jope e encontrou um navio que ia para Társis, pagou a passagem e embarcou para ir com eles para Társis, para longe da face de Iahweh. (Jn 1,2-3)
Chamado por Javé para anunciar a iminência da destruição de Nínive, jonas foge de navio, mas é descoberto pelos marinheiros que o tiram ao mar (Jn 1,12.15). É engolido por um peixe descomunal e devolvido à praia (Jn 2,1-2.11).
O senhor dirige-se a Jonas uma segunda vez e lhe ordena: “Levante-te! Vai a Nínive!” (Jn 3,2) Chega a Nínive e transmite a mensagem de Deus e, diante da conversão da população e de seus dirigentes, a cidade é poupada. 
A notícia chegou ao rei de Nínive. Ele levantou-se do seu trono, tirou o seu manto, cingiu-se com um pano de saco e assentou-se sobre a cinza.” Em seguida, fez proclamar em Nínive como decreto do rei e de seus grandes: “Homens e animais, gado graúdo e miúdo, não provarão nada! Eles não pastarão e não beberão água. Cobrir-se-ão de panos de saco, invocarão a Deus com vigor e se converterá cada qual de seu caminho perverso e da violência que está em suas mãos. Quem sabe? Talvez Deus volte atrás, arrependa-se e revogue o ardor de sua ira, de modo que não pereçamos!” E Deus viu as suas obras: que eles se converteram de seu caminho perverso, e Deus arrependeu-se do mal que ameaçara fazer-lhes e não fez.(Jn 3,6-10)
Vendo isso o profeta se irrita com Deus. Nesse ponte é que entendemos qual é o projeto de Deus e como esse projeto se diferencia dos planos humanos. O senhor não quer a destruição, mas a conversão. Ao pecador arrependido, o Senhor não pune, mas concede o perdão. E Jonas é um excelente exemplo de como se manifesta o amor de Deus: seu escolhido (Jonas, representando o povo hebreu) leva a mensagem de salvação a uma nação estrangeira… que se converte e abandona seus pecados; mesmo que isso possa parecer absurdo aos olhos do mensageiro!
Em Nínive, a grande cidade; cidade do pecado; ameaça aos hebreus… as pessoas ouvem a pregação de Jonas. E a começar do rei, todos abandonaram seus maus comportamentos. Por esse motivo foram perdoados. Por seu lado, Jonas queria ver a destruição e, quem sabe, assistir à tragédia. E, podemos dizer, ele teria tido até um certo prazer em assistir a essa destruição, pois teria a certeza de que deixaria de ser uma ameaça para seu povo; deixaria de ser uma nação estrangeira que representava perigo para Israel. 
Entretanto a conversão dos ninivitas lhes faz merecedores do perdão. 
O livro de Jonas é um projeto literário que nos permite algumas conclusões importantes: a primeira é que Deus é misericordioso, aceita o pedido de perdão; e quando ele não é pedido, Deus o oferece, pois está sempre disposto a perdoar. A segunda é que em sua proposta de salvação, Deus valoriza as práticas amorosas. O exemplo do rei, convenceu a população e todos pediram perdão. Outro elemento importante é que a mensagem do Senhor destina-se a todos os povos. Neste caso o grande inimigo mereceu a mensagem salvadora, acolheu-a e se converteu; mesmo contra a vontade de pregador. Mais um dado importante: Jonas pode ser visto como as nossas certezas e convicções que nos impedem de perceber que o outro também tem direito ao perdão de Deus. Jonas foi alertado a esse respeito ao perder a sobra do pé de mamona (Jn 4,8-11). E, por último, o dom de Deus é gratuito. Mesmo contra a vontade de Jonas, Deus ofereceu a salvação aos ninivitas. E os salvou porque se converteram...


2.l- Joel – O dia de Javé

Finalmente chegamos a Joel, profeta que pode ser situado ao final da corrente profética. Em nossas bíblias Joel vem logo após o livro de Oseias e Malaquias é o último livro do conjunto do Antigo Testamento. Entretanto o livro de Joel é o ponto final desta corrente literária. 
Possivelmente composto por volta do ano 400, o livro de Joel pode ser considerado um ponto de transição entre a literatura profética e a apocalíptica. 
Na primeira parte do livro (capítulos 1 e 2) assistimos a uma invasão de gafanhotos: “O que o gazam deixou, o gafanhoto o devorou!” (Jl 1,4). Esta narrativa simbólica serve como preparação para a segunda parte (capítulos 3 e 4) que trata do Dia de Javé. Um período terrível, de dores e catástrofes: “O sol se transformará em trevas, a lua em sangue, antes que chegue o dia de Iahweh, grande e terrível!” (Jl 3,4)
Embora os dois primeiros capítulos mostrem a destruição advinda dos gafanhotos, são, na realidade, uma espécie de súplica pelo perdão de Iahweh: “A ti, Iahweh, eu clamo, porque o fogo devorou as pastagens da estepe e a chama consumiu todas as árvores do campo.” (Jl 1,19). O profeta mostra que o povo, juntamente com seus sacerdotes, desviaram-se da proposta de Javé. E isso trouxe, como consequência, as pragas. E, por isso, o povo está sendo atacado por uma nuvem de gafanhotos. Eles devoram a tudo que encontram, como o fizeram os exércitos invasores. Aliás, os gafanhotos representam, exatamente, os inimigos que já pilharam e que podem, novamente invadir a região.
Vale notar que o profeta chama a atenção dos “anciãos” para a praga dos gafanhotos e em seguida lança um desafio ao “bêbados”. E devem despertar para ver o que está acontecendo. O profeta diz isso como quem fala: “enquanto vocês estão comendo, bebendo e se divertindo, o povo está sofrendo”
Ouvi isto, anciãos, escutai vós, todos os habitantes da terra! Sucedeu, acaso, tal coisa em vossos dias, ou nos dias de vossos pais? Contai-o a vossos filhos, vossos filhos a seus filhos, e seus filhos à geração seguinte. O que o gazam deixou, o gafanhoto o devorou! O que o gafanhoto deixou, o yeleq o devorou! O que o yeleq deixou, o hasil o devorou!” Despertai, vós bêbedos, e chorai! Lamentai-vos, todos os bebedores de vinho, por causa do mosto, pois ele é arrancado de vossa boca! Porque um povo subiu contra a minha terra, poderoso e inumerável; seus dentes são dentes de leão, ele tem mandíbulas de leoa. (Jl 1,2-6).
Em tudo isso, imagem dos gafanhotos aparece como um convite à conversão. De várias formas o profeta mostra as consequências das atitudes impenitentes dos líderes do povo. E faz isso apelando para a memória dos fatos: exércitos invasores destruíram tudo como o fazem os gafanhotos. “Ouvi isto, anciãos, escutais vós, todos os habitantes da terra. Sucedeu tal coisa em vossos dias ou nos dias de vossos pais?” (Jl 1,2). Houve tragédias, no passado, mas haverá muito mais!
Assim é que se pode entender a afirmação de que tudo foi devorado (Jl 1,4.7.12). Essa infestação, devorando a produção, se não é uma anúncio de uma nova e possível invasão dos exércitos inimigos que já transitaram pela região, é uma forma de chamar a atenção para a necessidade de conversão e de se mentar a fidelidade: “porque um povo subiu contra a minha terra, poderoso e inumerável; seus dentes são dentes de leão, ele tem mandíbulas de leoa” ( Jl 1,6). A devastação, consequência da iniquidade dos sacerdotes e do povo (Jl 1,13-14), gera tristeza e se torna um convite à penitência: “Sim, a alegria desapareceu do meio dos homens” (Jl 1,12).
Como se está diante de uma situação trágica e catastrófica o profeta alerta: “Tremam todos os habitantes da terra porque está chegando o dia de Iahweh” (Jl 2,1). Um dia que será, não só catastrófico, mas também de purificação: “Sim, o dia de Iahweh é grande, extremamente terrível. Quem poderá suportá-lo” (Jl 2,11). Como se pode notar a dimensão escatológica acompanha a profecia de Joel: o profeta está descrevendo uma invasão de gafanhotos, mas os campara a uma invasão militar (Jl 2,4-5), numa típica narrativa apocalíptica que percorre todo o livro, convidando à penitência.
Com esse panorama o profeta alerta: está na hora de todos se voltarem para o Senhor. Com isso pretende chamar a atenção de todos para a necessidade de restaurar a sintonia com o Senhor. Mas um retorno que não se baseie na formalidade da liturgia e sim na sinceridade das atitudes: “Rasgai os vossos corações, e não as vossas roupas, retornai a Iahweh, vosso Deus, porque ele é bondoso e misericordioso, lento na ira e cheio de amor, e se compadece da desgraça.” (Jl 2,13). A súplica pelo perdão, em favor do povo, deve partir da conversão dos representantes do povo. “Entre o pórtico e o altar chorem, os sacerdotes, ministros de Iahweh” (Jl 2,17). 
Ocorrendo a conversão que se manifestará em mudança de atitude, o Senhor se compromete a afastar o inimigo: “Afastarei aquele que vem do norte” (Jl 2,20). E, sendo assim, os tempos de penúria cessarão e a fatura voltará.
Comereis até fartar-vos, louvareis o nome de Iahweh, vosso Deus, que vos tratou de modo maravilhoso. (Meu povo não se envergonhará nunca mais!) “E sabereis que eu estou no meio de Israel, eu, Iahweh, vosso Deus, e não outro! Meu povo não se envergonhará nunca mais!” (Jl 2, 26-27)
A proposta de conversão é colocada ao lado da promessa de um espírito inovador: “Derramarei meu espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos anciãos terão sonhos, vossos jovens terão visões” (Jl 3,1). E assim se segue a descrição apocalíptica envolvendo todas as nações para um julgamento final. 
“Que partam e subam, as nações, ao vale de Josafá! Sim, ali eu me sentarei para julgar todas as nações dos arredores. Lançai a foice, porque a messe está madura; vinde, pisai, porque o lagar está cheio, as tinas transbordam, pois grande é a sua malícia!” Turbas e turbas, no vale da Decisão! Sim, está próximo o dia de Iahweh, no vale da Decisão! (Jl 4,12-14).
O dia de Iahweh é o tempo da colheita: “Então, todo aquele que invocar o nome de Iahweh, será salvo” (Jl 3,5). Por mais terrível que possa parecer, no dia de Iahweh tudo se transformará em alegria – pelo menos para aqueles que aderiram à proposta do Senhor. Tudo será regado pela graça do Senhor a partir da casa de Iahweh. 
Depois de terem sido vencidas as injustiças; depois que os dirigentes do povo voltarem-se para realizar o bem daqueles a quem devem servir; depois que o próprio povo se tiver convencido de que devem seguir ao Senhor e não aos líderes corruptos…:Depois de tudo isso a justiça, a graça e a fartura estarão à disposição dos adoradores do Senhor e “naquele dia, as montanhas gotejarão vinho novo, e das colinas escorrerá leite, os ribeiros de Judá conduzirão água. Da casa de Iahweh sairá uma fonte e regará o vale das Acácias.” (Jl 4,18).
Com essa visão apocalíptica Joel encerra o tempo da profecia, para inaugurar uma nova era...

Os tempos são outros

Os tempos são outros, quando os últimos profetas desempenham seu papel. Já não estão mais às voltas com monarcas corruptos nem com um povo volúvel. Ainda existe, é verdade sacerdotes infiéis… mas os tempos são outros. 
Nos novos tempos que se vive, aquilo que os profetas temiam, está acontecendo. Os grandes impérios já não estão mais ameaçando… eles já invadiram, já tomaram o território, já destruíram o templo, já deportaram muitos membros do povo, já trouxeram povos de outras nações para implantar na região… novos tempos...
Esse é o ambiente em que o povo hebreu ainda tenta resistir: reconstruindo o templo; preservando suas tradições nas sinagogas e nos escritos sagrados; mantendo-se vivo e esperançoso clamando ao Senhor… Esse é o ambiente!
Nesse novo ambiente nacional a esperança parece que está se desfazendo. Até o salmista se lamenta: “Já não vemos nossos sinais, não existem mais profetas, e dentre nós ninguém sabe até quando” (Sl 74,9). Joel havia anunciado tempos de fartura… mas aqueles que invadiram e dominaram a região estão matando as sementes da esperança… e assim, nesse novo ambiente nacional em que a esperança parece que está se desfazendo desenvolve-se a apocalíptica…

Referências


Preparamos estes comentários com base em diversas leituras. Entre essas o material bibliográfico abaixo relacionado. As principais informações são da Bíblia de Jerusalém, da Bíblia Sagrada edição pastoral e da Bíblia Sagrada da CNBB. Os demais textos nos ajudaram com informações complementares.
As citações bíblicas são da BÍBLIA DE JERUSALÉM.
Devido ser este um material destinado à estudo com agentes de Pastoral, com diferentes níveis de escolaridade, preferimos não sobrecarregar o texto com notas e citações de textos acadêmicos. Mas isso não significa que não rendemos tributo aos especialistas.

Sugerimos, para quem deseja aprofundamento: 
* Coleção COMO LER… Paulus Editora. 
* Coleção O MUNDO DA BÍBLIA. Paulus Editora
Nas duas coleções, além de outros temas bíblicos introdutório, aqui se pode encontrar comentários sobre os profetas.

PODE-SE LER COM PROVEITO:
ASURMENDI, Jesus. O profetismo: das origens à época moderna. São Paulo: Paulinas. 1988.
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1989
BÍBLIA Sagrada, edição pastoral. São Paulo: Paulus. 1999.
BÍBLIA Sagrada. Brasília/São Paulo: CNBB/Canção Nova. 2012.
DOZE simples homens. Profetas menores: quem são eles? Disponível em: https://paodiario.org/doze-simples-homens-profetas-menores/. Acesso em: 30/05/2023.
FONSATTI, José Carlos. Os livros proféticos. Petrópolis: Vozes. 2022
GRUEN, W. O tempo que se chama hoje. São Paulo: Ed. Paulinas 1977.
INSTITUTO de teologia LOGOS. Profetas menores. Disponível  em: https://www.institutodeteologialogos.com.br/downloads/profetas-menores.pdf. Acesso em: 30/05/2023.
JOHN Wiclyfe University. PROFETAS MENORES. Disponível em: https://files.comunidades.net/uinvead/Profetas_Menores.pdf. Acesso em: 30/05/2023.
ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Os Profetas: Vocação para a liberdade e Solidariedade. São Paulo: Paulus Editora. 2018
RUMO à Santidade. Os profetas menores. Disponível em: https://rumoasantidade.com.br/os-profetas-menores/. Acesso em: 30/05/2023.
SCHÖKEL, L. A.; SICRE DÍAZ, J. L. Profetas I. São Paulo: Paulinas 2004
SCHÖKEL, L. A.; SICRE DÍAZ, J. L. Profetas II. São Paulo: Paulinas 2002.
SCHWANTES, Milton. A profecia durante a monarquia. In BEOZZO, José Oscar (org.) Curso de Verão II, São Paulo: Paulinas/CESEP. 1988.

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