Os príncipes e princesas sem castelo

Por Rudimar dos Santos | 18/10/2009 | Família

Os príncipes e princesas sem castelo

 

Esta reflexão nasceu da vontade de compartilhar com outros pais e mães a angústia de educar nos tempos de hoje. Cada dia são novos desafios e a impressão de que tudo o que vivemos um tempo atrás não tem valor agora.

Com a evolução da tecnologia, as distâncias encurtaram, a comunicação tornou-se instantânea, a economia se tornou globalizada e os pais ficaram perdidos diante dessa nova realidade.

Minha experiência como pai de uma garota de 8 anos e minha experiência como professor e orientador educacional de adolescentes de Ensino Fundamental e Médio e seus pais, fez com que eu vivenciasse certas situações que gostaria de compartilhar.

Cabe ressaltar que os pais e mães dos adolescentes de hoje foram uma geração que, quando criança, não tiveram acesso a tantos bens materiais. Eles cresceram construindo seus próprios brinquedos e brincadeiras.

Uma geração que aprendeu a ver seus pais como autoridades que merecem todo o respeito. E qualquer outra autoridade era vista assim também, com profundo respeito e até um certo de receio na aproximação.

Muitos ensinamentos foram aprendidos nesse período. Um deles é que, se você quer alguma coisa, deve buscar seus próprios meios. E o estudo era difícil: escolas distantes, materiais caros e o uniforme era no máximo duas camisetas, mas o esforço era maior.

Quantos andavam quilômetros para chegar à escola e aprender. A lição foi aprendida, mas infelizmente hoje o enfoque daquela forma de educação tenha sido equivocado.

Porque muitos desses pais e mães, procuram dar aos seus filhos tudo aquilo que não tiveram e os problemas começam quando esses pais não dão para seus filhos aquilo que tiveram: o aprendizado de que as coisas não caem do céu e de que é preciso buscar com esforço aquilo que precisamos.

Quando, em outros tempos, se ouvia um sonoro não, buscava-se formas de superar as frustrações. Hoje em dia, os adolescentes não suportam ouvir um não, ser contrariados. E, quando isso acontece, transbordam os problemas.

A incapacidade de tolerar as frustrações tem levado os adolescentes de hoje a desenvolver sérios problemas. São dificuldades de relacionamento com colegas, namorado ou namorada, incapacidade de empenhar-se nos estudos e no trabalho. Tudo isso tem feito com que nossos adolescentes e jovens permaneçam cada vez mais dependentes de seus genitores.

Pesquisas recentes têm mostrado que a adolescência está cada vez mais prolongada. E os filhos estão deixando a casa de seus pais depois dos 20, 25, 30 anos e até mais tarde.

O sonho de morar sozinho, trabalhar e, ao mesmo tempo, fazer faculdade, está cada dia mais raro. O cordão umbilical só é cortado em muitos casos, depois da conclusão do curso superior. E muitas vezes até mais tarde.

Outra mudança fundamental que observamos nas famílias é a entrada da mulher no mercado de trabalho. Até um tempo atrás, o homem tinha a função de provedor familiar e a mulher era a responsável pela casa e pela educação dos filhos. Ainda assim, tínhamos problemas na educação desses filhos que conviviam mais com a mãe do que com o pai.

Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, a pouca convivência dos pais com os filhos piorou ainda mais essa situação. Muitas dessas mães sentem-se culpadas por não estarem com seus filhos e no pouco momento em que estão juntos, permitem que seus filhos façam o que quiserem, sem uma orientação e organização de atividades visando uma integração familiar.

O problema não está no fato da mulher ter menos tempo de convivência com os filhos, mas está na qualidade do pouco tempo que restou. A mulher hoje partilha com o marido o papel de prover materialmente a casa, mas infelizmente em muitos lares os pais não partilham com as mães a convivência e a organização do lar.

E assim, a educação dos filhos foi terceirizada. Essa responsabilidade ficou nas mãos de uma empregada e, principalmente, da escola que agora acabou também por assumir esse papel.

Gostaria de lembrar ainda, uma outra realidade muito comum, que é a dos pais separados. Muitos são responsáveis e não esquecem seu papel. Mas outros, infelizmente, esquecem que existe ex-marido, ex-mulher, mas não existe ex-pai e ex-mãe.

Mesmo na escola, os alunos são passageiros, permanecem ali durante alguns anos, mas serão eternos filhos desses pais que podem estar juntos ou separados.

E o excesso de compromissos se agrava quando observamos que muitos pais e mães estão trabalhando não para prover a família, mas para satisfazer a vaidade dos adolescentes. Dessa forma, os pais não fazem o papel de pais, mas de simples provedores (aqueles que pagam as contas) muitas vezes os pais são tratados como empregados de seus rebentos.

A vontade de ser amigos dos filhos também é outro fator que precisa ser bem analisado. É evidente que os pais podem e devem ser amigos de seus filhos, o que não podem, é esquecer que são os pais, ou seja, são os adultos, os condutores da vida familiar.

Historicamente observamos que algumas sociedades eram comandadas pelas mães, ou seja, eram matriarcais. Em outros tempos, encontramos as sociedades patriarcais em que o homem possuía a supremacia familiar. Hoje, muitas famílias existem única e exclusivamente em função dos filhos. São as famílias que chamo de filiarcais. Aquelas que criam seus príncipes e princesas bem distantes da realidade em que vivem.

São filhos altamente dependentes dos seus progenitores, que foram e são criados numa redoma de vidro: “protegidos dos perigos do mundo”.  Mas e quando não puderem contar com seus pais? Ou mesmo, quando forem contrariados por uma sociedade que não tolera pessoas altamente egocêntricas?

Saber lidar com essas questões é muito complexo, até porque nossos filhos não têm manual de instrução. O que se pode sugerir são tentativas que até agora mostraram-se bons indicativos.

Entre outras sugestões, está a organização da família e da casa em que cada um tenha uma responsabilidade. Além disso, favorece muito se há horários pré-estabelecidos, regras bem claras e uma hierarquia de autoridade sem autoritarismo. Aristóteles já falava em ‘justa medida’, hoje autores modernos falam em ‘bom senso’. E desde aquela época estamos buscando isso em nossas ações diárias.

Como já dissemos não é algo fácil, mas ser pai e ser mãe é justamente isso: buscar sempre formas de aprender com nossos filhos e com a sociedade e passarmos para eles que é preciso aprender sempre. Afinal, somos seres em construção, inacabados e estamos nos construindo uns aos outros.