OS PRIMEIROS RAIOS DE SOL

Por José Carlos de Arruda | 19/07/2009 | Contos

Todos os dias quando começava suas tarefas ele lamentava-se da vida. Falava de todos os problemas que o perturbava. Estava sempre de mau humor e sempre de cara fechada. Certo dia um pseudo amigo perguntou o seguinte:

__ Alcides, porque você está sempre assim?

__ Assim como?

__ De mal com a vida.

__ Me deixe, sou assim mesmo, até parece que você não me conhece.

__ Deixa disso e parte para uma nova vida.

__ Não tem jeito.

__ Tem sim, é só você querer.

__ Está bem. Deixa pra lá. Estou na minha hora e tenho que ir.

__ Até breve, um abraço.

__ Até, obrigado.

Cada qual seguiu seu caminho. Alcides foi naquele dia para o médico, porque tinha uma consulta marcada e seu¨amigo¨ foi trabalhar. Mais tarde, lá por volta das quatro horas os dois se encontraram novamente, daí conversa vai, conversa vem, Alcides sem mais sem menos chegou para ele e perguntou:

__ Olha, o dia até agora não foi dos piores, mas eu tenho uma dúvida que está me intrigando.

__ Diga, Alcides, coloque o problema para a gente conversar.

__ Por que você sempre se preocupa comigo?

__ É simples, porque eu tenho certo apreço pela sua pessoa.

__ Sim, mas justo eu?

__ Essas coisas não tem explicação, você não acha assim?

__ Verdade, a vida tem dessas coisas.

__ Melhor a gente deixar isso de lado não acha?

__ Acho sim.

__ Até.

Alcides dificilmente conseguia terminar o que iniciara, seja no trabalho, em casa, em seu convívio social, enfim tudo em sua vida era dificultoso, problemático, inclusive esta convivência com seu amigo. Às vezes pensava: será que não estou exagerando? Mas logo chegava a conclusão que não. Era de fato realidade. Gostaria que fosse um pouco diferente, porém sempre acontecia de os problemas existirem realmente e ele não sabia conviver com eles, ou pelo menos pensava assim.

Pasavam-se os dias e nada de novidade acontecia na vida de Alcides, até que recebeu, na mesma semana que fora ao médico, um telefonema deste chamando-o ao consultório, o Dr. Luís Carlos, cardiologista renomado, queria vê-lo novamente para fazer-lhe algumas perguntas que não foram feitas na primeira visita. Alcides ficou um tanto preocupado. Pensou, pensou e no dia seguinte aos acontecimentos, foi logo cedo a nova consulta. Conversaram muito e o médico então revelou que seu problema cardíaco era sério. Cardiopatia grau III. Alcides levou um susto. E como de nada adiantava sensibilizar-se tanto com a sua nova realidade, tratou logo de sair do consultório e ir andando pela rua no meio da multidão. Neste dia não foi trabalhar, não pode suportar tanta desilusão com a vida.

No dia seguinte, quando Alcides abriu a janela do quarto e olhou para o céu viu-o carregado de nuvens prenunciando uma chuva e ventos fortes, sentiu que precisava ser mais forte do que estaria sendo até a presente data, sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo, uma leve pressão na nuca e os olhos começaram a encher-se de lágrimas as quais pode sentir escorrer suavemente pela face, mas com um detalhe importante, queimava o rosto como se fosse fogo. Não se deixou abater, parece que pela primeira vez sentiu-se encorajado e dali mesmo apressou-se e tratou de ir logo para o trabalho. Alcides sentiu-se um pouco melhor e porque não dizer: bem melhor.

Encontrou seu amigo quase na entrada do edifício onde trabalha, começaram uma conversa rápida, como de costume.

__ E aí Alcides o que conta de novo?

__ Fui ao cardiologista de novo.

__ Por que de novo?

__ Ele telefonou-me para uns esclarecimentos.

__ Alcides, estou achando você tão abatido com isto.

__ Fiquei, mas já estou melhor.

__ Meu caro, está não. Você pode se abrir comigo, mas melhor você não está, pelo contrário.

__ Daqui a pouco você vai perguntar se morri.

__ Não é para tanto, amigo.

__ Estou indo para minha sala, até mais.

__ Melhoras, Alcides.

Neste dia Alcides trabalhou muito, colocando umas tarefas em atraso e nem percebeu que o dia passara tão rápido que já se fazia tarde. A noite se aproximava sorrateiramente. A chuva forte e o vento frio foi uma constante durante todo o dia. Um pouco diferente dos dias aqui no Rio de Janeiro. A verdade é que Alcides mesmo sabendo da gravidade de seu estado de saúde parecia estar melhor. Todos notavam sua melhor disposição no trabalho e também em sua vida pessoal. Nem mesmo ele sabia o que estava acontecendo.

As dores de cabeça estavam aumentando e Alcides estava tentando conciliar todos os seus compromissos com o tempo que deveria destinar para as suas idas ao médico e o seu tratamento. O Dr. Luís Carlos recomendou menos esforço físico, o que, para Alcides é uma piada. Ia levando a vida como podia Um comprimido aqui, outro ali entre tudo isso um café com leite e bolachas de água e sal.

Alcides e seu amigo encontraram-se de novo.

__ Como vai indo, Alcides.

__ Estou melhor.

__ Não estou notando isso não. Como pode estar melhor assim todo arruinado?

__ Não estou arruinado.

__ Desculpa, Alcides, somente sou seu amigo.

__ Que amigo é esse?

__ Digo o que sinto, sou seu amigo.

__ Seria melhor que não fosse meu amigo.

__ Não seja ingrato, Alcides.

__ É melhor pararmos por aqui.

__ Estou tentando ajudar você.

__ Então não ajude-me mais.

__ Por que isso, Alcides?

__ É melhor assim.

Daí em diante a amizade com Alcides estava comprometida. Dois amigos de tantos anos estavam rompendo uma relação de amizade e cumplicidade muito forte. Como se um cristal se quebrasse e talvez jamais se juntassem outra vez. Mas acontece.

Alcides e o seu médico, Dr. Luís Carlos estavam na luta contra a enfermidade que atingia-o. Remédios e controle, dieta e muita força de vontade para atingir a cura, cada dia era uma nova esperança, Alcides embora gravemente enfermo sentia-se mais otimista, vivia melhor com a amizade do médico do que com a do amigo que só fazia por desmerecer a sua consideração, visto que criticava e humilhava o amigo sempre que se encontravam. Os dias se passaram, sua melhora era notável, sua aparência mais saudável, a doença controlada e mais branda fazia com que Alcides levasse uma vida quase normal.

Quando somos pessimistas e deixamos a nossa fé abalada, normalmente acontece o que ocorreu com o Alcides, discutia e brigava com ele mesmo. No começo até que o amigo tentou ajudá-lo, porém diante de sua auto recusa então passou a pisá-lo cada vez mais. Alcides não acreditava nem em si mesmo. Seus diálogos eram sempre curtos e muitas vezes não terminavam. Alcides prejudicava-se sempre, graças ao seu pessimismo nato. Quando descobriu que estava doente, descobriu também que deveria lutar e não ficar lamentando-se da vida. O amigo ou inimigo de Alcides era o seu próprio interior seu rancor e revolta que nutria dia a dia dentro de seu peito. O Dr. Luís Carlos dedicou-se quase que exclusivamente a seu paciente Alcides recuperando-o para a vida. Somos aquilo que produzimos em nós mesmos. As últimas gotas de chuva ou os primeiros raios do sol.

JOSÉ CARLOS DE ARRUDA.