Os primeiros pensadores
Por Ben Hur Heckmann | 27/09/2010 | FilosofiaINTRODUÇÃO
Este trabalho relata as mudanças ocorridas no pensamento humano e suas principais causas que levaram à origem da filosofia, assim como seus primeiros pensadores, os Jônicos. O estudo aponta, também, a origem dos Sofistas e suas contribuições, numa época onde a argumentação era fundamental.
OS PRIMEIROS PENSADORES
De acordo com Cotrim (1995), a filosofia ocidental nasce na Grécia por vota de século VI ou VII a.C. Este é o período conhecido como Pré-socrático, onde o pensamento ocidental seguia em direção ao conhecimento filosófico. Com o surgimento da Filosofia, ocorre a passagem do saber mítico para o pensamento racional. Esta passagem para racionalidade foi influenciada por meio de longo processo histórico.
Naquela época, como cita Bertoche (2007), as cidades gregas conheceram um período de expansão econômica, militar e geográfica. Foram fundadas inúmeras colônias gregas na Europa e na Ásia Menor.
Para Vernant (1992, apud Cotrim, 1995), o momento em que o homem passou a utilizar a razão (logos) para resolver seus problemas está vinculado ao surgimento da pólis, Cidade-Estado grega.
A pólis era uma nova forma de organização social e política em que os cidadãos dirigiam os destinos da cidade. Foi uma criação dos homens, dos cidadãos, e não dos deuses. E podia ser explicada e organizada pela razão, dispensado a mitologia popular. Podemos dizer, então, que os antigos deuses haviam perdido seu lugar no governo da sociedade. (COTRIM, 1992, p.84)
Com o passar do tempo, o valor dado ao debate e a exposição clara e convincente das idéias ultrapassou a esfera política, tornando-se o modo adotado para se pensar sobre todas as coisas. Com isso, a filosofia nasceu procurando desenvolver o logos (saber racional) em oposição ao mito (saber alegórico).
De acordo com Bertoche (2007), nas colônias gregas, os homens tinham contato com viajantes de várias partes do mundo, permitindo que os gregos tivessem contato com a matemática, a astronomia, a geometria. Alguns desses gregos começaram a investigar a phisis, ou seja, a natureza, no sentido da totalidade das coisas físicas.
Para Cotrim (1997), os primeiros pensadores surgiram na cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. O objetivo dos Jônicos era construir uma cosmologia, ou seja, explicar de forma racional e sistemática as características do universo (cosmos), substituindo a cosmogonia (antigas explicações baseada nos mitos).
Com isso, os primeiros filósofos queriam descobrir, com base na razão, a "matéria-prima" de que são feitas todas as coisas, ou seja, o princípio substancial existente em todos os seres materiais, princípio denominado de arché.
De acordo com Châtelet (1981), no período pré-Socrático, os três principais pensadores foram Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
TALES DE MILETO ? "Tudo é água"
Tales de Mileto (623-546 a.C), foi talvez o primeiro filósofo a levantar questões sobre a estrutura e a natureza do cosmos como um todo, como cita Kenny (1998). Tales queria descobrir um elemento físico que fosse constante em todas as coisas, o princípio unificador de todos os seres. Como cita Châtelet (1981), Tales foi o primeiro a imaginar uma realidade sensível, a água, como o substrato e a força geradora de todas as coisas. A justificativa dessa visão, certamente, foi dada pela observação instintiva sobre o papel da água na vida das plantas, dos animais e das civilizações. Cotrim (1995) acrescenta que, provavelmente, houve inspiração em concepções egípcias. "A água é vida e princípio de vida, todas as coisas dela provêm e a ela voltam, de sorte que tudo é vivo, tudo é "animado" e, nesse sentido, dotado de alma". (CHÂTELET, 1981, p.26)
Para Kenny (1998, p.21), Tales sustentava a idéia de que a Terra repousa sobre a água, como um madeiro que flutua num regato. "Tales pensava que, num certo sentido, tudo era feito de água".
ANAXIMANDRO DE MILETO ? "Nem água nem alguns dos elementos, mas alguma substância diferente, ilimitada, e dela nascem os céus e os mundos neles contidos".
Anaximandro (610-547 a.C) foi aluno de Tales e, de acordo com Kenny (1998) fez o primeiro mapa do mundo e das estrelas, tendo inventado tanto o relógio de sol como um relógio das estações. O fogo desempenhava um papel importante na cosmologia de Anaximandro, mas ele não considerava o fogo como o último constituinte da natureza, como a água de Tales.
De acordo com Cotrim (1995) Anaximandro procurou aprofundar as concepções de Tales sobre a arché, mas, em meio a tantos elementos observáveis, como a água, o fogo e o ar, ele acreditava não ser possível eleger uma única substância material como o princípio primordial de todos os seres. Com isso, para Anaximandro, a "massa geradora" de todos os seres foi denominada apeíron, ou seja, algo que transcende os limites do observável, que não se situa numa realidade ao alcance dos sentidos.
O elemento básico de tudo, sustentava, não podia ser a água nem o fogo, nem nada de semelhante, pois, caso contrário, esse elemento invadiria gradualmente o universo. Tinha de ser algo sem uma natureza definida, a que chamou o «infinito» ou o «ilimitado». «O infinito é o primeiro princípio das coisas que existem: é eterno e sem idade e contém todos os mundos.» (KENNY, 1998, p.22)
ANAXÍMENES DE MILETO ? "E assim como nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, da mesma maneira o vento envolve todo o mundo".
Anaxímenes (588-524 a.C) admitia, de acordo com Cotrim
(1995), que a origem de todas as coisas é indeterminada, mas, recusava-se a atribuir-lhe o caráter oculto de elemento fora dos limites observáveis da experiência sensível. Com cita Kenny (1998), apesar do Anaxímenes concordar que o elemento último não poderia ser o fogo nem a água, afirmava que foi a partir do ar que tudo o mais se tinha gerado.
No seu estado estável o ar é invisível, mas, quando se move e se condensa, torna-se primeiro vento, depois nuvem e a seguir água, e, finalmente, a água condensada torna-se lama e pedra. Presumivelmente, o ar rarefeito torna-se fogo, o que completa a gama dos elementos. (KENNY, 1998, p.23)
De acordo com Châtelet (1981) Anaxímeres defende que existe, como origem de tudo, uma realidade submetida ao julgamento da experiência, ainda que num sentido indeterminado.
Este princípio será o ar, elemento invisível e imponderável, quase inobservável e, no entanto, observável: o ar é a própria vida, a força vital, a divindade que "anima" o mundo, aquilo de que dá testemunho à respiração. (CHÂTELET, 1981, p.28)
DEMÓCRITO DE ABDERA ? "O homem, um microcosmo".
Demócrito (460-370 a.C) é um pensador pré-socráico, que de acordo com Cotrim (1995), possui este título devido somente a tradição, pois foi nascido e morto depois de Sócrates. Demócrito foi aluno de Leucipo e, para Kenny (1998), na antiguidade, Leucipo e Demócrito são freqüentemente mencionados em conjunto, e o atomismo que tornou a ambos famosos foi provavelmente criação de Leucipo.
A característica fundamental do atomismo de Demócrito era de que a matéria não é infinitamente divisível, afirmando que as coisas que formam a realidade são constituídas de partículas invisíveis e indivisíveis, chamadas átomos, que significa não-divisível.
Para Kenny (1998), o argumento que chegou a esta conclusão parece ter sido filosófico e não experimental.
Se a matéria fosse divisível até ao infinito, suponhamos então que esta divisão foi feita ? pois se a matéria for genuinamente divisível deste modo, nada de incoerente haverá nesta suposição. Qual o tamanho dos fragmentos que resultam desta divisão? Se tiverem alguma magnitude, então, pela hipótese da divisibilidade infinita, seria possível dividi-los de novo; portanto, têm de ser fragmentos sem extensão, como os pontos geométricos. Mas aquilo que pode ser dividido pode ser juntado outra vez: se serrarmos um tronco, dividindo-o em muitos pedaços, podemos voltar a juntá-los para formar um tronco do mesmo tamanho. Mas se os nossos fragmentos não têm qualquer magnitude, como podem eles ter sido juntados para formar a porção extensa de matéria com que começámos? A matéria não pode consistir meramente em pontos geométricos, nem mesmo num número infinito deles; temos de concluir, portanto, que a divisibilidade tem um fim e que os fragmentos mais pequenos têm de ser partículas com tamanho e forma. (KENNY, 1998, p.40)
De acordo com Cotrim (1995) Demócrito explicava, através de três fatores básicos, as diferentes composições dos átomos:
? Figura: a forma geométrica de cada átomos
? Ordem: a seqüência espacial dos átomos numa mesma figura.
? Posição: a localização espacial dos átomos.
Para Demócrito, as infinitas possibilidades de aglomeração dos átomos explicam a infinita variedade de coisas existentes.
A principal contribuição trazida pelo atomismo de Demócrito à história do pensamento é a concepção mecanicista. [...] Isto é "nada nasce do nada, nada retorna ao nada". Tudo tem uma causa. E os átomos são a causa última do mundo. (COTRIM, 1995, p.94)
OS SOFISTAS
Os Sofistas surgem, na Grécia, numa época que a democracia se instala. De acordo com Chauí (1995), para que a opinião de um cidadão fosse aceita nas assembléias, era necessário saber falar em público e ser capaz de persuadir, para que suas vontades, ou de sua classe, fossem aceitas. Assim, uma nova educação é estabelecida, como aquela do bom orador.
Assim, os sofistas ensinavam técnicas de persuasão para os jovens, a um preço elevado, de modo que, nas assembléias, fossem capazes de ter fortes argumentos para ganhar a discussão. Os sofistas defendiam a idéia de que, desta forma, formariam-se bons cidadãos, e que os ensinamentos dos sofistas não tinham utilidade para a vida na pólis, além de estarem repletos de erros e contradições.
Assim, os Sofistas, cuja palavra significa "sábio", apresentavam-se como mestres de oratória ou de retórica. Mas, mais tarde, de acordo com Hamlyn (1990), para seus contemporâneos, eles passam se ser conhecidos como trapaceiros.
"Sócrates censurava-os porque achava que eles alegavam fornecer mais do que realmente davam. Em especial, alegava que eles diziam que podiam ensinar virtude ao homem e achava que não faziam nada disso". (HAMLYN, 1990, p.25)
CONCLUSÃO
A filosofia surge como um novo modo de pensar sobre o mundo, indo contra o pensamento mítico. Isto foi influenciado significativamente pelo surgimento das Pólis.
Os primeiros pensadores, os Jônicos, buscavam uma unidade fundamental da natureza, enquanto que os sofistas dedicavam-se às relações entre os homens e a sociedade. A argumentação era fundamental para a vida política na Pólis, onde a arte da persuasão era ensinada pelos sofistas.
BIBLIOGRAFIA
BERTOCHE, G. Do mito aos Sofistas. 1998. Disponível em: <http://www.oficinadefilosofia.files.wordpress.com>. Acesso em: 9 set. 2008.
CHÂTELET, F. A Filosofia pagã: do século VI a.C. ao século III d.C. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
CHAUÍ, M. S. Convite à Filosofia. 6 ed. São Paulo: Ática, 1995.
COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
HAMLYN, D. W. Uma história da Filosofia Ocidental. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
KENNY, A. História concisa da Filosofia ocidental. Lisboa: Temas e debates, 1998.