Os Novos Caminhos Opostos da Utopia: O Homem Entre Deus e Animal
Por Emanuel Isaque Cordeiro da Silva | 01/07/2019 | FilosofiaTHE NEW OPPOSITE WAYS OF UTOPIA: THE MAN BETWEEN GOD AND ANIMAL
Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - Agropecuarista, Autodidata, Escritor, Estudante, Pesquisador e Professor. Acadêmico do curso de Zootecnia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). WhatsApp: (82) 9.8143-8399.
Na Antiguidade, em particular em Aristóteles, os homens eram definidos por duas grandes oposições. Acima deles, havia os deuses; abaixo deles, havia os animais. O que os homens tinham em comum com um opunha-os ao outro; e o que os distinguia de um ligava-os ao outro. Os homens tinham em comum com os deuses o fato de serem racionais — o que os opunha aos animais, que não podem argumentar ou raciocinar. Mas os homens tinham em comum com os animais o fato de serem viventes mortais — o que os opunha aos deuses, que são viventes imortais. Havia, portanto, três tipos de viventes (zôa) ou, por assim dizer, três "faunas": os viventes imortais racionais, os viventes mortais irracionais e o homem, entre seus dois "Outros": nem irracional como os animais nem imortal como os deuses. Isso garantia a natureza humana. O homem está no centro do mundo, não no sentido de que é a espécie superior, mas no sentido de que sua natureza, por mais imperfeita que seja, está encerrada, e como que a meio caminho, entre duas outras naturezas perfeitas: o animal e o deus.3 Sabíamos o que tínhamos de fazer, pois sabíamos o que somos. Mas porque sabíamos que não somos nem animais nem deuses, sabíamos também o que não podíamos fazer. Querer subir ao céu dos deuses era pecar por húbris, pela "desmedida" daquele que quer ultrapassar seus limites naturais. Inversamente, tender a descer ao nível dos animais, abandonar sua faculdade racional, era cair na vergonhosa bestialidade. Hoje, porque não sabemos mais quem somos, nós, seres humanos, ora nos identificamos com os animais (liberais), ora com os deuses (libertarianos). Essas são as duas utopias de nossa Modernidade.
Não utopias de quem imagina viver em outro lugar mas utopias de quem imagina ser outro. Não podemos mais pensar o que somos: seres humanos. Perdemos as duas referências que nos definiam: nossos limites superior e inferior. Como os outros animais, somos fruto da evolução natural e o que nos diferencia deles não é nem uma diferença absoluta nem uma oposição de natureza. Hoje sabemos que existe consciência na maioria dos animais superiores; que há modos de comunicação em muitas espécies sociais e de inteligência nos primatas; e que há modos de transmissão de conhecimentos culturais em certas espécies de chimpanzés etc.
Por outro lado, não acreditamos mais que o Céu seja habitado por deuses imortais. Para boa parte da Modernidade, o Céu é vazio: é o que chamamos de secularização do mundo; e para outra parte da Modernidade, para a qual Deus ainda é mestre absoluto, Ele é tão inconcebivelmente grande, tão elevado e tão distante de nós que não podemos mais nos definir em relação a Ele. Portanto, não há nenhuma distinção que nos separe dos animais, mas ao mesmo tempo há uma distância infinita que nos separa do além.
Surgem então as duas grandes utopias que hoje se contrapõem no horizonte humano. De um lado, a utopia pós-humanista é herdeira do ideal libertário do gozo; ela sonha como um novo "eu", mais poderoso do que jamais foi, e triunfante sobre sua própria animalidade e mortalidade. De outro lado, a utopia animalista é herdeira das grandes esperanças de libertação coletiva do século XX; ela sonha com um novo "nós", uma nova comunidade além da política, a comunidade de todos os animais sensíveis.
Sonhamos para o homem um futuro divino ou um destino animal.
Haveria lugar para uma utopia humanista entre essas duas utopias anti-humanistas? Ainda é possível sonhar para a humanidade um destino à sua medida? É muito tarde para uma nova utopia política ou ainda não é hora para uma utopia humanista, para a revolução cosmopolítica?
Seria possível deduzir a priori esses três ideais a partir de uma única certeza: nós nos tornamos indivíduos. Mas como seriam os programas revolucionários na era dos direitos subjetivos? Livrar-nos do Mal. Nós quem? Talvez você e eu. Ou os habitantes de uma nova Cidade pós-política.
O primeiro tipo de programa seria o de uma utopia libertariana: o Mal seria tudo que obstrui e limita a ação, o pensamento e a vida individuais: a doença, a velhice, a morte, em resumo: a animalidade. O direito seria o privilégio de viver melhor, viver mais, viver sempre. Eu tenho esse direito! Quem seríamos nós? Seríamos apenas, e para sempre, eus. Nossa ética seria na primeira pessoa: ser eu plenamente. Pós-humanismo.
Quanto ao segundo tipo de programa, das duas uma. Ou os habitantes da nova Cidade seriam de um gênero novo ou então a própria Cidade é que seria de um gênero novo.
No primeiro caso, os indivíduos não seriam mais humanos, pois a Cidade seria estendida a todos os seres sensíveis. O Mal seria o sofrimento ou a dominação. A Cidade ideal, a Calípolis de Platão, seria uma Zoópolis. Todos os seres sensíveis seriam detentores dos mesmos direitos, isto é, de imunidades. Quem seríamos nós? Seríamos animais sensíveis aos animais sensíveis. Nossa ética seria na segunda pessoa: compaixão, culpa. Animalismo.
No segundo caso, os indivíduos seriam humanos, pois a Cidade seria estendida a todos os homens. O Mal seria a guerra ou a condição de estrangeiro. A Cidade boa, a Calípolis de Platão, seria uma Cosmópolis. Todos os seres humanos seriam detentores dos mesmos direitos, isto é, de liberdades iguais. Quem seríamos nós? Seríamos a humanidade. Nossa ética seria na terceira pessoa: justiça. Cosmopolitismo.
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