OS MOVIMENTOS SOCIAIS COMO FONTE DE DIREITO: A inclusão do movimento transexual como fonte de direito a fim de prover direitos e garantias àqueles que dele fazem parte.

Por Leiza Monteiro Dutra Galiza | 21/07/2020 | Direito

OS MOVIMENTOS SOCIAIS COMO FONTE DE DIREITO: A inclusão do movimento transexual como fonte de direito a fim de prover direitos e garantias àqueles que dele fazem parte.¹

 

Isabela Marisa Câmara Sousa²

Leiza Monteiro Dutra Galiza²

Vitoria Mont’Alverne Frota²

João Carlos da Cunha Moura³

 

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Os movimentos sociais como fonte do Direito; 3 A desconstrução do conceito ocidental de gênero; 3.1 A inclusão do movimento transexual no direito; 4 João W Nery e a PEC 5002/13; 5 Conclusão; 6 Referências

 

RESUMO

 

Esta pesquisa visa analisar por meio de uma análise sócio-jurídica de que forma os movimentos sociais incidem sobre o campo jurídico e como podem o transformar, já que o direito, como possuidor do dever de atender às necessidades sociais, deve expressar, por mais divergente que esta venha a ser, o povo em sua totalidade, ou seja, já que as demandas das sociedades estão em constante alteração, é necessário que de acordo com essas mudanças, o direito seja reformulado, de forma que, todas as relações dentro da sociedade carecem que o direito, como ordenador, mude de acordo com estas. É o caso do movimento LGBT, em especial do movimento transexual que, por meio dos movimentos sociais, passa a ganhar espaço dentro do ordenamento jurídico quebrando com os padrões e tabus preconceituosos elaborados por uma maioria dominante.

 

Palavras-chave: Movimentos Sociais. Fontes do Direito. Movimento LGBT. Movimento Transexual.

 

1 INTRODUÇÃO

 

A questão que tange aos movimentos sociais como fonte do direito está relacionada a busca da emancipação de um sistema restrito a preceitos tradicionais, legitimada no surgimento de novos agentes da sociedade, de forma autentica, visando maior representação social e política. A partir da perspectiva de que o movimento transexual, luta daqueles que não se sentem condizentes com o sexo, em uma visão biológica, que nasceram, buscam dentro do ordenamento jurídico a garantia de seus direitos.

O que demonstra que deve se debater dentro da academia, de que forma esses movimentos sociais se tornam legítimos para prover leis que representem aqueles que efetivamente participam desse sistema. A partir de teorias que envolvem a sociologia jurídica e o direito constitucional, o sentido sociológico e clássico de constituição que propõe Lassale, retificado em Harbele e Hesse, visa o que resumindo seria, a constituição de um Estado deve refletir sua realidade e todos devem também, participar do seu mecanismo de interpretação e feitura.

Ana Lucia Sabadell (2015) em seus apontamentos, demonstra a existência da corrente que afirma a legitimação para o direito e sua força na mudança social. O direito como instrumento dessa mudança, a partir da obtenção do poder e da forma educadora que se instala no ambiente jurídico, o direito assume seu papel progressista. Ainda que existam as teorias que explanam sobre como o direito é também um elemento que impede a ocorrência dessas mudanças, devemos sim, acreditar que mudanças parciais e gradativas possam ocorrer dentro de um ordenamento com o nosso, pois de certa forma, a organização do sistema jurídico influencia na intensidade da mudança.

 

Um desses movimentos é o movimento transexual, que está cada vez mais presente em nosso ordenamento, e por meio dele, busca-se a desconstrução do conceito ocidental de gênero e a demonstração do surgimento de novos sujeitos coletivos que influenciam na representatividade e na geração de novos direitos, conforme mostra a linha de pensamento de Judith Butler que se volta contra a reprodução dos discursos dogmáticos acerca do gênero.

O movimento trans se enquadra na problemática da não universalidade do direito, de forma a desfavorecer alguns, podem ser encontrados vários grupos sociais, que lutam contra essa segregação de forma ativa. O grande obstáculo para ainda se falar em segregação dentro do próprio direito por motivos de escolha sexual, está no conceito ocidental de gênero, onde o sexo necessariamente define o gênero, sendo, aquele que não cumprir esse padrão, excluído de um modelo já definido.Como solução à problemática, foi colocada a desconstrução dessa ideia de que o gênero delimita o sexo, e que, essa segregação por opção sexual atinge o direito, de forma que, este acaba por não atender à todos, como se propõe a fazer.

Dentro dessa perspectiva é de suma importância mencionar João W Nery, o primeiro trans homem operado brasileiro, que serviu de inspiração pra PEC 5002/13 mais conhecida como lei de identidade de gênero, o que mostra a forte negligência que os sistema possui em relação a esse grupo e como isso vem sendo superado por meio dos movimentos sociais.

 

2 OS MOVIMENTOS SOCIAIS COMO FONTE DO DIREITO

 

O direito, como possuidor do dever de atender às necessidades sociais, deve expressar, por mais divergente que esta venha a ser, o povo em sua totalidade. Porém, como afirma Wolkmer, esta se trata de um universo complexo que o direito não é mais capaz de atender (1996), dessa forma, se faz necessário que a sociedade venha a clamar por suas necessidades para que o direito consiga preencher, ainda que por partes, essas lacunas que ele- pela própria complexidade social- não consegue preencher naturalmente.

 

Apesar disso, pode-se observar dentro do pensamento de Boaventura de Sousa Santos (2007) que o direito possui "linhas abissais", as quais dividem a sociedade entre aqueles que detêm o poder, e aqueles que estão do outro lado da linha, ou seja, estão a margem desta. Assim, ainda que o direito deva suprir à necessidade de todos, existem grupos que não as têm de imediato, mas necessitam de buscá-las por fazerem parte do "outro lado da linha".

 

Como afirma Ana Lúcia Sabadell, a mudança social indica uma reestruturação das relações sociais (2014), ou seja, as demandas das sociedades estão em constante alteração, bem como a sociedade como um todo, o que faz com que essa alteração seja alvo do direito. Assim, é necessário que a partir dessas mudanças, o direito seja reformulado, de forma que, todas as relações dentro da sociedade carecem que este, como ordenador e reflexo social, mude para que esteja de acordo com a coletividade.

 

Observando, também, a partir da visão de Antonio Carlos Wolkmer (2016), percebe-se que, a divisão da sociedade nesses núcleos é inviável e muito prejudicial, de forma que esta é plural, representa vários tipos e formas, sendo absurdo determinar uma forma de ser única para tal. A partir desse pluralismo, passa-se a observar o grande problema existente dentro do direito e da sociedade como um todo, sendo esse sentido de inclusão mais importante que o próprio direito, ou mercado, como afirma Wolkmer:

 

“Em tal intento, a prioridade não estará no Estado-Nacional e no mercado, mas, presentemente, na força da sociedade como novo espaço comunitário de efetivação da pluralidade democrática, comprometida com a alteridade e com a diversidade cultural”(WOLKMER, 2006, 114).

 

De acordo com o que afirma o sociólogo Pierre Bourdieu (1989), o direito tende a possuir núcleos de poder, os quais o definem a sociedade, bem como o direito, que se fazem a partir de um poder simbólico e um monopólico hermenêutico. Este faz com que esse direito seja privatizado por aqueles que estão "desse lado da linha", ainda no pensamento de Boaventura (2007), o que dificulta ainda mais os objetivos de igualdade e universalidade que o direito propõe, e faz com que a sociedade careça ainda mais de outras fontes do direito.

 

Dessa forma, foram  iniciados movimentos que, a partir da luta, faz com que essa minoria dominada possa ter voz, e ter suas vontades, ainda que por partes, refletidas no direito. Assim, os movimento  sociais surgem com objetivo de atender a essas demandas que são clamadas por partes da sociedade, que, por razão da existência de um direito selecionador e contraditório (propõe igualdade e é fonte de desigualdade) são necessárias, o que dá maior legitimidade ao sistema jurídico.

 

Sendo assim, esses movimentos passaram a ganhar força e legitimidade, o que, como afirma Ana Lúcia Sabadell (2014) esta está ligada justamente com o direito, que legitima as normas provenientes de um órgão com poder legitimo, e estas ditas como justas, principalmente pela população, que tem o dever de averiguá-las. Dessa forma, os movimentos sociais, a partir dessa legitimidade, passam a ser vistos como fonte do direito, o que faz com que esses oprimidos venham a influencia-lo diretamente, bem como as normas estatais.

 

O movimento social é a busca de mudanças no cenário de um povo, que, em um contexto de uma sociedade específica, precisa sofrer mudanças que serão travadas em forma de embate político; é a luta de um grupo que se sente prejudicado por um direito e pretende mudá-lo. Dessa forma, estes surgem como "representação da sociedade como organização que os utiliza como instrumento da ação num contexto histórico específico" (SANTOS, 2016), ou seja, são utilizados para que esse ser complexo (sociedade) consiga ter voz.

 

Então, estes se fazem necessários para a emergência da satisfação, legitimando esse direito social, como forma mais eficaz de promover mudanças significativas e de forma organizada. Isto pode se observar no movimento transexual, onde um grupo de pessoas, por estarem a margem de um núcleo de poder, ou do outro lado da linha, viam seus direitos diminuídos, indo, assim, a partir de um movimento social, buscar a mudança.

 

 

 

 

3 A DESCONSTRUÇÃO DO CONCEITO OCIDENTAL DE GÊNERO

 

O debate sobre sexo e gênero ao longo da historicidade sempre esteve ligado aos detentores dos discursos médico-jurídicos, só então no século XIX, segundo Foucault (1976, apud PORCHART, 2007, p.23) que o nascimento da sexologia trouxe para academia as diversas discursões acerca do então tema. O então cenário de discursão, visava demonstrar de que forma a sexualidade era ligada com o poder, e seus detentores usavam o mesmo para o controle social, e ainda uma construção histórica, pois os mesmos fatores que controlavam também determinavam quais as condutas corretas acerca do tabu da sexualidade.

 

É valido ressaltar que a história e seus fatores culturais são de cunho importante para as diversas teorias que aqui estão sendo apresentadas, de forma que antigamente o fato da reprodução ser intimamente ligado ao sexo, determinava inclusive, que só um homem e uma mulher eram passiveis de gerar descendentes, o que de fato, é correto, porém, biologicamente. Corrente esta que inclusive, foi intimamente criticada por Foucault. Onde existiram teorias que também diziam que o “gênero” e o sexo” eram meramente produtos da cultura, retirando qualquer naturalidade dessas definições, estas que novamente segundo Foucault (1976) estão relacionadas intimamente com o discurso do ocidente (PORCHAT, 2007)

Foucault destaca a natureza mutuamente constitutiva dos discursos ocidentais da sexualidade e da biologia. A compreensão de que o sexo como categoria unitária é algo estabelecido através das práticas discursivas ocidentais implica que não se pode afirmar que o conceito ocidental de sexo seja subjacente às construções de gênero em todo o mundo. (Foucault, 1976 apud PORCHART,2007, p 22)

 

Judith Butler, filosofa contemporânea que detêm de uma linha de pesquisa que busca a desconstruir os ideias de gênero e sexo, busca o discurso de Foucault para fundamentar seus ideais, onde para ela o discurso que se enquadra o sexo e o gênero, é que esses são colocados de forma única, onde ambos são construídos tanto de forma natural como culturalista, sua teoria tange no embate entre cultura versus biologia (PORCHAT, 2007). Portanto, é mister afirmar que a construção social está ligada com a determinação dos conceitos relacionados ao homossexualismo e ao transexualismo também, posteriormente, e a partir dessas contribuições de Foucault e outros, os debates acerca das patologizações desses fenômenos.

 

Patrícia Porchat (2007) explanou em seu artigo sobre como Freud pode ter sido o precursor acerca da utilização da palavra, visto que este acreditava em que o “gênero” masculino estaria contido em nossos corpos, onde este poderia desenvolver tanto a masculinidade quanto a feminilidade, este de aproximou da teoria da bissexualidade, e mais uma vez utilizando Butler, que contrariada a essa teoria freudiana, afasta a dicotomia do gênero feminino e masculino.

 A historicidade da “identidade de gênero “forjada nos anos 60 por Stoller, diz a respeito de um cunho psicanalista, mas que separa totalmente o “sexo” e o “gênero”, de um lado biológico e outro, mas psicológico, pois o mesmo separa os dois conceitos, mas admiti que essa identidade de gênero é adquirida por convicção, que ele destaca sendo tanto advindo do sexo biológico quanto do meio social que a pessoa convive. (Stoller, 1993 apud PORCHART, 2007, p. 32)

A desconstrução em relação ao movimento transexual deve também ser esclarecida através do nome, o transexualismo e o sufixo ISMO, remete a doença, baseada em alguns conceitos da psicanalise e relacionado a um sistema heteronormativo de caráter binário, que na legislação brasileira é aceita e legitimada na portaria do Ministério da Saúde do Brasil, N° 457 de 2008. Enquanto a transexualidade, se refere ao não conformismo com sexo biológico, sem comprovações anatômicas e sem distúrbios psíquicos (ARÁN, 2009).

 

De modo que este conceito patológico da transexualidade aumenta o caráter majoritário da sociedade hetero normativa, podemos afirmar que todo esse processo caracteriza o grande tabu que a sociedade ainda carrega acerca do movimento trans, de que consciente em uma orientação sexual, quando na verdade o discurso está relacionado a uma identidade de gênero. O que de forma alguma, se limita também somente a esse conceito, pois travestis e trans também podem ser considerados gays, lesbicas. O próprio movimento transexual pode ser considerado plural, de forma que nem todas as experiências são iguais, a busca pelo reconhecimento como transhomem ou transmulher, em alguns casos não se resumem pelo procedimento cirúrgico, porém em outros casos sim, e como é imposto pela norma estes devem passar pelo processo transexualizador, comprovado psicologicamente, quando nem mesmo estes sabem lidar com essa nova realidade, que infelizmente hoje é limitada por critérios desenvolvidos por importantes estudiosos acerca desse tema Benjamin, Money e Stoller.  (SOUSA; CRUZ. 2014)

 3.1 A inclusão do movimento transexual no direito

 

No movimento LGBT, a busca pela representatividade ao longo dos anos geraram diversos efeitos positivos e negativos para essa comunidade. No Brasil, até mesmo a luta para a inclusão dos travestis e transexuais nos próprios movimentos homossexuais, se tornou efetivo de forma dificultosa, só em 1990 que o “T” tornou-se parte da sigla que carregava os movimentos sociais naquela época, e a grande questão que até hoje é criticada no movimento, é a diferença de nomenclatura entre “transgênero” , que algumas pessoas trouxeram a sigla do âmbito internacional para o cenário do movimento no Brasil, e o próprio, transexual. É mister ressaltar que essa luta também engloba os travestis, que desde os anos 1970 lutam para o seu reconhecimento juntamente com toda a comunidade. (Carvalho, Mario; Carrara, Sergio, 2013)

 

De certo que uma das principais reivindicações do movimento é o reconhecimento da identidade de gênero, de forma que este seja retirado de um conceito patológico, questões que já estão sendo debatidas e para o futuro esperamos que o meio acadêmico e jurídico evolua. Mas vale levar em consideração que como Wolkemer (1996) destacou quando fala de movimentos sociais como fonte do direito, as novas representações que surgem na sociedade quebrando os padrões existentes na sociedade, no caso, o movimento trans, já conquistou direitos fundamentais importantíssimos no âmbito jurídico-social.

 

Em 2009, o Sistema Único de Saúde (SUS) possibilitou o uso do nome social de acordo de com a identidade de gênero, nos cartões de identificação, assim como algumas universidades federais brasileiras também permitem essa permuta no nome. No ano de 2004, precisamente no dia 29 de janeiro, data que carrega o dia da visibilidade trans.  (CARVALHO,2016)

 

Foi a primeira vez em que o Ministério da Saúde do Brasil recebeu pessoas que representavam o movimento, ONGS, coletivos, A recepção deu-se em consequência do lançamento de uma campanha que lutava contra a AIDS, DSTS e hepatite, representada pelo movimento Trans e Travesti.  Devemos ressaltar que, como citaram Mario Carvalho e Sergio Carrara em seu artigo, não foi apenas uma questão voltada para a saúde, e sim uma abertura para essas pessoas em outras áreas do poder público.

 

 Levando com otimismo o fato de que podemos considerar que caminhamos para um futuro promissor na questão de mais conquistas de representação para essas pessoas que lutam diariamente, e é o direito de empoderamento, a legitimidade da voz para lutar contra os padrões normativos existes, aqui se faz jus a legitimidade dos movimentos sociais como fonte do direito, este que deve refletir a realidade do Estado, de que é vigente.

 

4 João W Nery e a PEC 5002/13

 

Tendo em vista o que foi exposto, cabe mencionar um caso de extrema relevância que foi o de João W Nery, primeiro transexual homem operado em território brasileiro e que possui um número de registro correspondente a seu gênero. Trava-se de um procedimento experimental, feito por baixo dos panos pelo médico Roberto Farina, que inclusive foi preso, em decorrência de uma outra cirurgia do mesmo gênero, pelo fato de ser ilegal, o que já não ocorre mais hoje em dia, contudo, é um processo meticuloso, demorado e burocrático.

 

João nasceu na década de 50, em plena ditadura militar, que já expõe um quadro de intolerância forte. Nessa época não se falava em transexualidade, ele portanto vivia sempre embalsamado por um sentimento de despertencimento e desconexão com a realidade que era obrigado a viver. Formado em psicologia, dava aula em 3 universidades, como mulher, e trabalhava como taxista, que segundo ele não poderia ser um melhor estagio para estudante desta área visto que entrava em contato com os mais diferentes tipos de gente o tempo inteiro.

 

Depois que a moda unissex entra em alta ele passa a ter maior liberdade para se vestir e se portar segundo sua identificação de gênero, o que faz com que passasse a ser confundido com homem. Portanto ora tratado como homem, ora como mulher, o que levava a uma verdadeira confusão, principalmente em relação à seus documentos, que embora não tivesse nada de ilegal o medo do constrangimento que passaria caso pedissem seus documentos de identificação era constante.

 

Em 1977 fez a cirurgia, que se divide em mastectomia (retirada da mama), histerectomia (retirada dos órgãos reprodutores internos) e neofaloplastia, sendo a última etapa não realizada por na época ser utilizada técnica muito precária e experimental. Um ponto relevante é que até os dias de hoje ela é considerada experimental, só podendo ser realizada em hospitais universitários quando se trata de transexuais, enquanto que qualquer pessoa que sofra acidente e que precise da construção de um novo falo pode realizar o procedimento em qualquer hospital, não sendo considerado experimental.

 

Seus documentos porem não condiziam com sua fisionomia nem com sua identidade de gênero, sendo necessário modificação. Contudo, em plena ditadura militar sabia que se recorresse a um juiz para alteração do registro jamais obteria sucesso, razão pela qual foi ao cartório, alegou ter 18 anos, embora tivesse mais, e nunca ter sido registrado até a presente data, sendo necessária tal documentação para que passasse a servir no exército. A partir desse momento passava a ter dois registros, um masculino e um feminino, e ao ser registrado novamente perdeu todo seu histórico escolar, passando a ser considerado analfabeto e tendo que trabalhar em áreas que não condiziam com sua área de especialização.

 

Ou seja, para conseguir se assumir e ser reconhecido segundo sua identidade de gênero teve que cometer dois atos ilícitos, o de fazer a cirurgia que era proibida e de obter um novo registro embora já tivesse um, pelo fato de ordenamento jurídico brasileiro não ter dado abertura nem possibilidade de ele agir de outra forma.

Exatamente por essa razão, e levando em conta o caso de Joao W Nery, símbolo do movimento transexual brasileiro, o deputado Jean Wyllys e a deputada Érika Kokay criaram a PEC 5.012/13, que consiste no projeto de lei de identidade de gênero e permite que a pessoa trans possa mudar seu documento de identificação (gênero e prenome) sem necessidade de cirurgia, hormonização ou laudo psiquiátrico, além de reduzir a idade da cirugia de 21 para 18, assim como o da hormonização para 16 anos.

Trata-se de uma forma de libertação dos transgêneros e de fortalecimento da despatologização da transexualidade que, por meio dos movimentos sociais, passa a ganhar espaço dentro do ordenamento jurídico quebrando com os padrões preconceituosos elaborados por uma maioria dominante.

 

5 CONCLUSÃO

 

O presente trabalho objetivou-se em demonstrar de que forma os movimentos sociais pode proporcionar mudanças no ordenamento jurídico, utilizando o direito como propulsor dessa mudança, que apesar de gradativa e parcial, ainda é uma legitima forma de incluir os que estavam marginalizados na sociedade. De modo que a em sua essência, a lei deve ser o reflexo da realidade, e em uma análise sociológica da Constituição feita por Lassale, se a mesma não estiver a par do contexto, será uma mera folha de papel.

 

Foi necessário utilizar teorias de sociólogos para que pudéssemos explanar de que forma o direito pode ter um caráter propulsor de mudanças, contudo, sabemos que a existência de um monopólio do poder por parte de alguns detentores legítimos do direito, carrega um caráter excludente da maioria da população. O que faz do direito um grande paradoxo, pois ao mesmo tempo que este deveria garantir e incidir sobre todos, torna dificultoso esta garantia, pois a partir da Teoria das Linhas Abissais, vemos que existe uma linha tênue que, de um lado existem pessoas que se encontram próximas dos detentores do poder, e por isso, a garantia dos seus direitos é efetiva, e do outro lado, existem aqueles que para que essa efetivação seja real, precisam lutar.

 

Desse modo, entendemos que a garantia dos direitos que o movimento transexual busca cada vez mais em suas diversas manifestações, é maior e complexa que todas, se eleva a desconstrução da patologia  e do conceito socialmente construído de gênero, que existe acerca do que os mesmos se definem, não como opção, performance, não se resume apenas na conquista da possibilidade da troca do nome nos documentos pessoal ou quem sabe, no processo “ transexualizador” se tornar mais simples, essa luta, busca principalmente por legitimidade do discurso dos mesmos, pois, o ordenamento jurídico e o próprio Poder Legislativo, ainda tendem a negligenciar a existência de projetos e da fala,  para as pessoas desse movimento.

 

Dando finalidade a essência do direito, entendemos que este em sua mais pura teoria, deve primordialmente garantir a satisfação e os direitos básicos para todos, além de que, como estamos em constante mudança, o sentido estático e conservador não deve ser encarado como princípios básicos do ordenamento, a partir da sociologia, vimos que esta adequação deve existir, de modo, que o direito e as normas devem ser reflexos de um contexto, desse modo, podemos afirmar sim, que o movimento social pode ser uma fonte do direito, pois ele se torna a ponte dessa adequação da realidade da sociedade com a norma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERENCIAS

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. In: ______. A força do direito: Elementos para uma sociologia do campo jurídico. Lisboa: Difel, 1989. Cap. 8, p. 209-254.

 

SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: Legitimidade e Direito como fator de consenso social. Cap.5. 6 ª ed. 2014

 

SANTOS, Boaventura Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberesScielo, São Paulo, 14 ago. 2007.

 

 

SOUSA, Tuanny Soeiro; CRUZ, Mônica Silva da. TRANSFOBIA MATA! HOMICÍDIO E VIOLÊNCIA NA EXPERIÊNCIA TRANS. 2014

 

PERGUNTE as bee nº 36: João W Nery. Produção: Canal das Bee. 8’56”. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=WQU5xggurXo >. Acesso em 25/04/2016.

 

PERGUNTE as bee nº 37: João W Nery. Produção: Canal das Bee. 9’56”. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=Sm-y0YSUr1o >. Acesso em 25/04/2016.

 

PERGUNTE as bee nº 38: João W Nery. Produção: Canal das Bee. 8’39”. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=tBAZG6bJnHY >. Acesso em 25/04/2016.

 

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico, direitos humanos e interculturalidade. Revista Sequência, p.113-118, dez. 2006.

 

 

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico, direitos humanos e interculturalidade. Revista Sequência, p.113-118, dez. 2006.

 

                                                                                                                         

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                       

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