Os limites do Princípio da Supremacia do Interesse Público no Direito Administrativo
Por Camila Araújo Martins | 23/02/2015 | DireitoOs limites do Princípio da Supremacia do Interesse Público no Direito Administrativo
Autores : Breno Sampaio Lima Rodrigues e Camila Araújo Martins
RESUMO
O presente trabalho traz como objeto de estudo o Princípio da Supremacia do Interesse Público, verificando sua aplicabilidade e suas possíveis limitações, verificando através da ponderação entre os princípios da razoabilidade e proporcionalidade se o interesse público preponderará sempre diante do interesse individual ou se é possível que o segundo prepondere diante de tal sopesamento. Para tanto, será feito um estudo prévio do surgimento do Interesse público, assim como abordaremos as noções gerais sobre tal princípio, para posterior análise na atualidade.
Palavras-chave: Interesse Público; Supremacia do Interesse Público; Razoabilidade; Proporcionalidade;
INTRODUÇÃO
A nossa Constituição Federativa do Brasil, traz em seu preâmbulo a instituição de um Estado Democrático de Direito, cujo qual é destinado à assegurar o exercício dos direitos individuais e sociais, assim como assegura liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna. Assim como estes, a Carta Magna traz também, implicitamente, o Princípio da Supremacia do Interesse Público, cujo qual informa todo o Direito Administrativo direcionando as condutas dos agentes.
O Interesse Público, o mais indeterminado dos conceitos, sempre esteve ameaçado pelos donos do poder, visto que sempre têm sido invocado, através dos tempos, para acobertar as razões do Estado, quando não, interesses menos nobres, sendo manejado por certas administrações públicas como verdadeiro escudo. Sabe-se que no âmbito das relações sociais é comum prevalecer o interesse público na ocorrência de um conflito entre os interesses público e privado, como bem defendem ilustres autores.
Logo, começam os questionamentos de quando é que o interesse individual poderia ser observado, já que a Administração Pública detém o dever de atender aos anseios da coletividade, há alguma possibilidade disso ocorrer? A resposta para tal indagação é positiva, devido à existência do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, devendo haver, portanto, a ponderação do interesse público e individual, a fim de saber qual seria o que prevaleceria diante de um caso concreto. Feito isto, não há que se falar em um interesse prevalecer sobre o outro de modo absoluto, e sim, no momento da ponderação, um deles obteve maior peso diante de uma situação mais específica.
Apesar do Princípio da Supremacia do Interesse Público ser implícito na Constituição, este tem a mesma força jurídica do que qualquer outro princípio explícito. Desta forma, deve ser aplicado em conformidade com os demais princípios inseridos em nosso ordenamento jurídico brasileiro.
A nossa Carta Magna atuou expressamente ao descrever os direitos fundamentais individuais, os quais devem ser rigorosamente cumpridos por todos, inclusive pelo administrador público, por mais que este tenha o dever precípuo de buscar a satisfação do interesse coletivo. Assim, terá o administrador a tarefa de estabelecer um equilíbrio entre os interesses, através dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, com a finalidade de se chegar a um Estado Democrático e ideal, onde os interesses individuais e coletivos coexistam em harmonia.
Deste modo, o Princípio da Supremacia do Interesse Público deve ter uma aplicação limitada, bem como deve ser pautado sobre o viés dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade incumbindo ao administrador ponderar os interesses, público e privado, uma vez que o particular deve ser reconhecido como um ser social possuidor de prerrogativas individuais legítimas.
CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO
O Interesse Público possui conceito muito amplo, sendo de extrema dificuldade, inclusive para os doutrinadores, descreve-lo de modo específico. Ainda não se conseguiu definir ao certo o que vem a ser o interesse público, sendo, portanto, um conceito ainda indeterminado.
Conforme preceitua Celso Antônio Bandeira de Mello [1]:
[...] ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiaridades de cada qual. Dizer isto, entretanto, é dizer muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é interesse público.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] leciona que desde o século XIX começaram a surgir reações contra o individualismo jurídico, como decorrência das profundas transformações ocorridas nas ordens econômica, social e política, provocadas pelos próprios resultados alarmantes daquele individualismo exacerbado. Portanto, o Direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, um meio de se conseguir tal justiça, do bem comum, do bem-estar coletivo.
Ao se tratar de interesse público, Di Pietro[3] diz que:
[...] as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, tem o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a ideia do homem com fim único do direito pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos tem supremacia sobre os individuais.
Bandeira de Mello[4] discorre muito bem sobre o tema ao defender ideia de que, na verdade, o interesse público nada mais é que a “dimensão pública dos direitos individuais”, ou seja, dos interesses de cada participante de uma sociedade. Assim, defende o legislador:
[...] o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem[5].
Segundo o professor Gustavo Binenbojm[6], o melhor interesse público só pode ser obtido a partir de um procedimento racional que envolve a disciplina constitucional de interesses individuais e coletivos específicos, assim como um juízo de ponderações que permita a realização de todos eles na maior extensão.
Diante disso, podemos notar uma variedade de conceitos estabelecidos pelos doutrinadores. Entretanto, ficou claro que, a partir do momento em que o particular busca satisfação individual, esta esbarra diante de interesse de um grupo de pessoas, que podemos chamar de coletividade, que também busca a satisfação dos interesses de todas estas pessoas inseridas nessa coletividade, ressaltando-se que quem tem o dever de satisfazer os interesses dessa coletividade é a administração pública. Conforme disciplina Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que trata do Processo Administrativo, prevê expressamente em seu artigo 2º, caput, o princípio do interesse público. Segue tal dispositivo:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança-pública, interesse público e eficiência.
Portanto, o interesse público está na base de todas as funções do Estado, e por isso, ele constitui fundamento essencial em todos os ramos do direito público. Ademais o Estado tem o dever de perseguir a realização do interesse público, o qual representa um princípio basilar de uma sociedade democrática. Cabe ainda ressaltar que, todo ato administrativo deve ter uma finalidade, isto é, exposição de qual interesse pretende-se atingir, além disso, este ato deve ser pautado pela motivação e legalidade.
LIMITES AO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO: PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE
Como foi visto, existe uma supremacia do interesse público em relação ao interesse individual e, analisando essa ideia de que o interesse público prevalece sobre o individual, é necessário que nossa Carta Magna estabeleça um padrão mínimo de proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos, pois os mesmos não podem ficar a mercê das decisões dos administradores, os quais, como já fora supracitado, estão sempre invocando o interesse público para atingir os objetivos da administração.
Seguindo esta logística, deve-se pensar em princípio da supremacia do interesse público de uma forma mitigada, tendo em vista determinadas situações, onde tal interesse não é observado, pois o interesse individual nesse caso teria um peso maior e não seria suprimido.
Para deixar mais claro tal posicionamento, tomemos como exemplo as cláusulas pétreas. Elas são elencadas pela nossa Constituição Federal, e, no tocante às hipóteses tuteladas, o interesse público não poderia ser invocado com a finalidade de abolir as cláusulas pétreas, uma vez, que estas não podem ser abolidas do texto constitucional.
Porém, apesar das cláusulas pétreas não poderem ser abolidas da Constituição, elas são passíveis de modificações, desde que estas sejam para melhor e jamais para pior. Em outras palavras, o interesse público poderia ser aplicado em caso de alteração de alguma cláusula pétrea, mas desde que tal alteração beneficie ainda mais a coletividade. Em contrapartida, este interesse público não poderia ser aplicado caso a alteração diminuísse alguma garantia individual.
Diante de tais considerações, é preciso que o administrador tenha muita cautela ao aplicar a supremacia do interesse público, a qual deve ser ponderada, tendo em vista que o interesse da coletividade não pode prevalecer, em regra, sobre o interesse do particular. Ademais, em casos de conflitos entre dois princípios, um não prevalece imediatamente sobre o outro. Isto quer dizer que, na análise de determinado caso concreto, é fundamental a ponderação desses princípios em conflito, pois, em uma dada situação, o princípio da supremacia do interesse público pode prevalecer, todavia, em uma situação diversa, pode ser que o interesse particular se sobreponha, pois terá um peso maior em relação ao interesse público.
Corroborando com tal intelecção, Ricardo Catunda[7] menciona que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são utilizados como mecanismos para controlar a discricionariedade legislativa e administrativa. Faz-se a diferença entre os dois princípios adotando o da razoabilidade como um instrumento de controle de atos normativos, enquanto que o da proporcionalidade como instrumento de controle de atos administrativos. Ambos, porém, são aplicados para invalidar atos, cujos quais não há adequação entre fim perseguido e meio empregado, não é exigível ou necessária tal medida, ou não há proporcionalidade, em sentido estrito, ou seja, quando a medida traz resultado mais negativo no momento em que é aplicada do que se não fosse tomada.
Com a aplicação desses princípios, o Judiciário deve buscar o melhor resultado, isto é, buscar a realização dos direitos fundamentais, ou seja, dos valores constitucionais, para se atingir um resultado socialmente desejável.
Luis Roberto Barroso[8] colabora ao dizer que o princípio da proporcionalidade deve ser vislumbrado diante de três subprincípios, sendo estes o da adequação, no qual exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos, o da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento dos fins visados, e, por fim, o da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos do cidadão.
Em relação à ponderação a ser feita, Daniel Sarmento[9] traz o seguinte:
[...] entendemos que, diante de conflitos entre direitos fundamentais e interesses públicos de estatura constitucional, pode-se falar numa precedência prima facie dos primeiros. Esta precedência implica na atribuição de um peso inicial superior a estes direitos no processo ponderativo, o que significa reconhecer que há um ônus argumentativo maior para que interesses públicos possam eventualmente sobrepujá-los. Assim, o interesse público pode até prevalecer diante do direito fundamental, após um detido exame calcado sobretudo no princípio da proporcionalidade, mas para isso serão necessárias razões mais fortes do que aquelas que permitiriam a ‘vitória’ do direito fundamental. E tal idéia vincula tanto o legislador – que se realizarem ponderações abstratas que negligenciarem esta primazia prima facie dos direitos fundamentais poderá incorrer em inconstitucionalidade – como os aplicadores do Direito – juízes e administradores – quando se depararem com a necessidade de realização de ponderações em concreto.
Seguindo esta linha de raciocínio a supremacia do interesse público deve atender aos anseios da coletividade buscando um bem maior, ou seja, deve se prestar a atender a satisfação dos interesses de um grupo de pessoas em prol de interesses individuais. Todavia, a aplicação desse princípio não pode ser absoluta, haja vista a supervalorização do princípio em questão, que não pode ceder ao elemento humano que lhe dá suporte e legitimidade.
Vale ressaltar que tal linha de pensamento não cogita em hipótese alguma de deixar que a supremacia do interesse público fique em segundo plano, pelo contrário, a presente intelecção visa apenas que ela seja perseguida com todas as armas pelo administrador público. No entanto, o que não pode ser admitido é que esta supremacia seja invocada em todas as hipóteses, tendo em vista que esse princípio tem sido utilizado com a finalidade de justificar atos que nem sempre correspondem ao interesse público, mas tão-somente, a interesses pessoais de determinados administradores.
Diante do que fora exposto, imperioso concluir que a aplicação da supremacia do interesse público deve ser relativa e pautada no princípio da razoabilidade e proporcionalidade devendo o administrador ponderar os interesses em jogo, uma vez que o particular deve ser reconhecido como um ser social possuindo legitimas prerrogativas individuais.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6º edição. Editora Saraiva: 2004.
BINENBOJM, Gustavo. Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007.
GUEDES, Ricardo Catunda N. Supremacia do interesse público sobre o interesse privado em face dos direitos fundamentais. Revista Mestrado em Direito. Osasco. Ano 7, nº 1, 2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 19ª edição. Editora Atlas.
São Paulo, 2006.
SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005. p. 59.
[2] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 19ª edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006. p. 69.
[3] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 19ª edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006. p. 69.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005. p. 60.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005. p. 61.
[6] BINENBOJM, Gustavo. Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007. p. 167.
[7] GUEDES, Ricardo Catunda N. Supremacia do interesse público sobre o interesse privado em face dos direitos fundamentais. Revista Mestrado em Direito. Osasco. Ano 7, nº 1, 2007. p. 285
[8] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6º edição. Editora Saraiva: 2004. p. 209.
[9] SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007. p. 313.