OS IMPACTOS DO NOVO CPC NAS AÇÕES POSSESSÓRIAS E AS INOVAÇÕES AO INSTITUTO DO USUCAPIÃO

Por Umberto Peluso | 17/03/2017 | Direito

 

 

 

 

 

 

 

OS IMPACTOS DO NOVO CPC NAS AÇÕES POSSESSÓRIAS E AS INOVAÇÕES AO INSTITUTO DO USUCAPIÃO

Umberto Peluso1

Orientadora: Prof. Ms. Luciana Alves Dominato2

Resumo 

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil de 2015 implementou-se algumas grandes inovações ajustando, assim, à Constituição Federal de 1988. Diante disso, este estudo analisará as ações possessórias e suas três hipóteses, quais sejam, o interdito proibitório no caso de ameaça da posse, ação de manutenção da posse quando ocorre a turbação e, por último, ação de reintegração da posse o esbulho, para proteção do demandante (art. 1210, CC/2002). Merece destaque que o novo CPC também em caso de claramente, previsto no art. 554, uma preocupação com o princípio da função social da posse corroborando o que é determinado na CF/88. Além dessas questões, tem-se também que o novo Estatuto Processual veio a estabelecer novos caminhos para aquisição da posse, pois aqueles que oferecem uma melhor destinação à área terá a figura da melhor posse, desde que seja acompanhada da tão defendida função social. A partir de agora estão regulamentadas as questões que envolve no polo passivo a existência de diversos litigantes, sendo que todos deverão ser notificados pessoalmente ou por meio edital, devendo-se proceder agora a notificação do Ministério Público e da Defensoria Pública quando da existência da hipossuficiência de alguma das partes. Todos os atos, em cumprimento aos princípios constitucionais, deverão respeitar a publicidade, além da possibilidade de se resolver a lide através da audiência de mediação e sempre verificando a ocorrência da boa fé dos envolvidos. Não menos importante tem-se o instituto do usucapião que, a partir do CPC/2015, sofreu as mais expressivas mudanças proporcionando uma maior celeridade, pois permite-se agora este instituto por meio do rito comum. A possibilidade do usucapião extrajudicial/administrativo surge para demonstrar um amadurecimento e atualização de nossa legislação, contudo ele não veio para eliminar a possibilidade do caminho judicial, que pode ocorrer mesmo com a existência da oportunidade do outro caminho. Atualmente o notário poderá realizar os atos "processuais" referentes ao usucapião administrativo, desde que seja cumprido todos os atos legais determinados e verificados a segurança e autenticidade dos documentos necessários: ata notarial, planta e memorial, certidões negativas e justo título. Este estudo possibilitou verificar a necessidade dos cuidados que devem envolver, em especial, o usucapião extrajudicial visto a possibilidade do interessado (usucapiente) quando agindo de má-fé vier a fazer uso deste instituto para regularizar imóveis localizado em terreno clandestino ou burlar o fisco quanto à arrecadação do imposto devido.

Palavras chaves: Usucapião extrajudicial, Função social da posse e Boa fé. 

Introdução  

A sociedade está em constante evolução e, como consequência, todas as estruturas que a compõe, vivenciam grandes mudanças, pois necessitam acompanhar as evoluções sociais.

O Direito como uma ciência social visa as relações humanas com o Estados e os ordenamentos jurídicos, Nader (2014, p.52) afirma que: 

A relação entre a sociedade e o Direito apresenta um duplo sentido de adaptação: de um lado, o ordenamento jurídico é elaborado como processo de adaptação social e, para isto, deve ajustar-se às condições do meio; de outro, o Direito estabelecido cria a necessidade de o povo adaptar o seu comportamento aos novos padrões de convivência. 

Como reflexo dessas constantes evoluções, tem-se como exemplo a recente introdução no Brasil, pela Lei 13.105/2015, do Novo Processo Civil com o qual foram trazidas novas e grandes mudanças no direito processual civil.

Nader (2014, p.54) afirma que “A sociedade cria o Direito e, ao mesmo tempo, se submete aos seus efeitos. O novo Direito impõe, em primeiro lugar, um processo de assimilação e, posteriormente, de adequação de atitudes.” (Grifo nosso). Dessa forma, tem-se que quando o direito introduz um novo ordenamento jurídico, como no caso do Novo CPC, isso automaticamente gera por parte da sociedade e pelos Advogados, elementos essenciais da Justiça, uma assimilação e adequação a fim de se alcançar o objetivo proposto pela norma jurídica.

Diante das diversas inovações introduzidas pelo Novo CPC, cita-se duas que são de grande relevância, a saber: as ações possessórias e as inovações no instituto do usucapião, não desmerecendo nenhuma outra inovação.

As ações possessórias estão reguladas no arts. 554 ao 568 do Novo CPC (Lei nº 13105, de 16/03/2015). O legislador do ordenamento processual civil manteve a estruturação constante do CPC de 1973 e não alterou as regras até então existentes, contudo incluiu algumas disposições que regulamentam a legitimidade coletiva e a possibilidade de mediação em conflitos derivados da posse do bem.

Quanto ao Usucapião, o legislador foi muito feliz nas modificações introduzidas, em que pese algumas críticas por parte de alguns estudiosos. Com o Novo CPC, há a possibilidade de ocorrer o usucapião pela via extrajudicial, ou seja, via administrativa. Isso trará como reflexo uma desjudicialização de procedimentos e, consequentemente, uma agilidade nas questões que envolve o usucapião, desde que não ocorram fatores impeditivos estabelecidas pelo próprio CPC. Essa flexibilização do procedimento facilitará ao possuidor/interessado a aquisição de um bem imobiliário através do usucapião.  

A Posse e as Ações Possessórias no novo CPC/2015  

O art. 1210, caput, CC estabelece as medidas cabíveis e que são autorizadas ao possuidor para ter mantida sua posse. Da mesma forma, o art. 560 do Novo CPC estabelece que nos casos de turbação e esbulho o possuidor terá direito a ser mantido na posse.

Dessa forma, são três as formas do possuidor fazer garantir sua posse: ação de reintegração de posse, ação de manutenção de posse e ação de interdito proibitório. A primeira ação é considerada um remédio processual quando o possuidor é despojado do bem possuído, ou seja, quando ocorre o esbulho. A segunda ação visa proteger o possuidor quando seu exercício da posse é dificultado por atos materiais do ofensor, ou seja, atos de turbação. Neste caso não há a perda física do bem, sendo uma ofensa de menor intensidade em relação ao esbulho. Quanto à terceira e última ação, é cabível quando possuidor legítimo do bem sofre ameaça de turbação ou de esbulho, mesmo que tais atos não tenham ocorrido, ou melhor, quando estão na eminência de levá-los a efeito.

Para este estudo, torna-se necessário destacar alguns artigos do Novo CPC, em especial os artigos 554, 557 e 565.

O art. 554 do CPC/15 trouxe uma relevante inovação, até então não prevista no ordenamento jurídico, qual seja, a questão da existência no polo passivo de muitas pessoas. Doravante, havendo diversas pessoas figurando no polo passivo, o oficial de justiça ao proceder a citação deverá citar os presentes no local (ocupantes) e aqueles que não lá estiverem deverão ser notificados através de edital. Também, deverá proceder a notificação do MP e nos casos de hipossuficiência a Defensoria Pública. 

Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

§ 1o No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

§ 2o Para fim da citação pessoal prevista no § 1o, o oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os que não forem encontrados.

§ 3o O juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da ação prevista no § 1o e dos respectivos prazos processuais, podendo, para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de outros meios. 

Outra questão de grande relevância está relacionada ao princípio da publicidade, §3 do citado artigo. Segundo Tartuce (2015), os atos do Juiz deverão ser revestidos de “ampla publicidade” quando tratar-se de ação envolvendo vários ocupantes e, para garantir uma grande divulgação dessa demanda, o Magistrado poderá valer-se de anúncios em jornais ou rádios locais.

No dispositivo estabelecido no art. 557, tem-se a manutenção do que antes era regulamentando quanto à infactibilidade da alegação de domínio ou de propriedade, trazendo, assim, segundo Tartuce, uma distinção entre ações possessórias (discussão quanto à posse) e ações petitórias (discussão quanto à propriedade). Também segundo este autor, em que pese haver uma exceção quando trata-se de pretensão deduzida em face de terceiros, “... não é possível discutir a posse em ação de discussão do domínio.”, o que foi claramente confirmado pelo citado dispositivo legal: 

Art. 557. Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.

Parágrafo único. Não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa. 

Outro artigo que merece ser citado é o art. 565, que, segundo estudioso, veio a trazer uma maior inovação e conforme Tartuce “... novidade de cunho social inquestionável…” , isto é, uma responsabilidade, desde então, com os conflitos coletivos de terra.

Dessa forma, no caput do artigo, é explícito que, havendo o litígio e já tendo transcorrido há mais de ano e dia (posse velha), o Juiz deverá designar audiência de mediação, que se realizará até 30 dias, isso antes de apreciar o pedido de concessão de liminar judicial. Percebe-se, assim, que a audiência de mediação passa a ser um ato obrigatório, quando tratar-se de litígios coletivos.

Destaca-se que, segundo Tartuce, a mediação visará apenas proporcionar uma apreciação entre as partes e não um acordo entre os litigantes.

Outra exigência passa a ser a intimação do MP a comparecer na audiência de mediação. Destaca-se que o próprio Magistrado, §3º do citado artigo, poderá comparecer ao local visando garantir a tutela jurisdicional. 

Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2o e 4o.

§ 1o Concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de 1 (um) ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de mediação, nos termos dos §§ 2o a 4o deste artigo.

§ 2o O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça.

§ 3o O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.

§ 4o Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório.

§ 5o Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel. 

Estudando as questões referentes à posse e utilizando como referência as palavras de Tartuce, torna-se necessário destacar algumas questões. Primeiramente o art. 1211 do CC/2002 regula que quando mais de uma pessoa se disser possuidora da coisa, aquela que estiver na posse lá permanecerá provisoriamente, desde que não fique comprovado que sua posse foi viciada. Segundo Tartuce este dispositivo trata do possuidor aparente. Contudo se for demonstrado que esse mesmo possuidor aparente tem a coisa com algum vício, esta poderá ser-lhe retirada.

O Autor destaca também que o novo CPC no que diz respeito à ação de força nova manteve o procedimento especial, contudo quanto à força velha deverão ser seguidos o procedimento ordinário, sem perder seu caráter possessório e não sendo possível liminar.

Segundo Joel Dias Figueira Júnior (apud Tartuce, 2015, p. 225) o principal critério que irá direcionar a manutenção ou reintegração de posse será com certeza o emprego socioeconômico (art. 1239, CC/2002) do bem que está no litígio e não mais o prazo de ano de dia. Também o citado autor frisa que o substancial marco deverá ser a posse efetiva em consenso com a finalidades sociais e econômicas, o que definirá cabalmente o que é previsto no art. 1211 do CC/2002: 

Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. (Grifo nosso). 

Outra questão apontada por Tartuce e que concluiu os estudos da posse, em sua obra, foi uma análise do art. 1212 do CC/2002. O dispositivo estabelece, segundo o autor, a oportunidade do possuidor que veio a sofrer um atentado definitivo à sua posse de iniciar a ação devida c/c art. 952 do CC/2002 (reintegração de posse ou com ação de reparação de danos) em desfavor de terceiros. 

Art. 1.212. O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era. 

Em analise contínua do citado dispositivo (art. 1212 do CC/2002) Tartuce cita a 1ª Jornada de Direito Civil, que aprovou o Enunciado nº 80 do CJF/STJ, em que determinou que tais demandas em desfavor de terceiros de boa-fé (art. 1242, CC/2002) são inadmissíveis, sendo cabíveis apenas proposituras de ação petitória, para a reivindicação da propriedade. 

As Ações de Usucapião no novo CPC/2015 

O que é o usucapião? Antes de iniciar os estudos sobre as inovações trazidas pelo CPC/2015 é necessário, primeiramente, o entendimento do que vem ser usucapião, conforme artigos do CC/2002. 

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. (Grifo nosso)

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. 

Existem diversas formas de se adquirir uma propriedade no direito brasileiro. Quanto à classificação a aquisição se divide em originária e derivada: a primeira desvinculada de qualquer relação com titular anterior é marcada pela inexistência da relação jurídica de transmissão, a maioria da doutrina, entende também como originária a aquisição por usucapião e acessão natural, formas de aquisição que veremos adiante; já a segunda ocorre quando há relação jurídica com o antecessor, existe transmissão da propriedade de um sujeito a outro, a regra fundamental dessa modalidade é que ninguém pode transferir mais direitos do que tem “ nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet”, existe transmissão derivada tanto por inter vivos como causa mortis. 

CC/2002 em seu art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. 

Dentro desta classificação tem-se a modalidade do usucapião que é um modo de aquisição da propriedade e ou de qualquer direito real que se dá pela posse prolongada da coisa, de acordo com os requisitos legais, sendo também denominada de prescrição aquisitiva. É necessário destacar que as inovações trazidas pelo CPC/2015, quanto ao usucapião, não é de tudo uma novidade, pois a Lei nº 11977/2009 (Lei da Minha Casa Minha Vida) já trazia em seu dispositivo dois instrumentos de regularização fundiária de interesse social, uma verdadeira usucapião extrajudicial3.

O CPC/2015 trouxe em seu dispositivo grandes inovações que vieram adequar o novo ordenamento jurídico à atualidade, que é marcada pela celeridade na tramitação da informação e dos trabalhos, devido as grandes facilidades proporcionadas pela tecnologia. Com o novo dispositivo a ação de usucapião passa a seguir o chamado rito comum, diferente do que era chamado de rito ordinário.

Tartuce destaca que ficará para os debates futuros a obrigatoriedade ou não de atuação do MP nestas ações, pois no novo CPC não foi reproduzido o que era estabelecido no art. 944 do CPC de 19734. Contudo este autor entende que esta atuação deverá ocorrer, mesmo com a ausência de previsão expressa, tendo com base o art. 176 ou art. 178, inciso III, do CPC/20155.

Agora passemos, mais especificamente, às inovações trazidas pelo novo CPC. O citado ordenamento jurídico em seu art. 10716 veio a modificar a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6015/1973), para que assim fosse admitida a nova modalidade de usucapião, a extrajudicial, que será agora processada diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver matriculada a coisa.

É importante destacar que o fato de agora ser possível o usucapião extrajudicial, isso não significa que está afastado a esfera judicial da questão. O que se criou agora foi a faculdade para o interessado de poder contar com mais um opção para intentar sua ação de usucapião. 

Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos): Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado [...]". (Grifo nosso). 

CC/2002, art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.

Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. 

Conforme consta o artigo acima é possível verificar outra questão de grande relevância: mesmo sendo por via extrajudicial, o requerente deverá se fazer representar por um advogado, pois além de garantir um trabalho executado por um elemento essencial para a justiça, estar-se-ia preservando também a legalidade, formalidade e transparência.

Apesar dessa nova modalidade de ação é importante esclarecer que o procedimento para o usucapião extrajudicial requer a concordância de todas as pessoas que aparecem na matrícula e nos registros, ou seja, deve haver praticamente uma aquiescência geral sobre a oficialização, com a abertura de matrícula. Havendo manifestação contrária de algumas das partes, constantes na matrícula, o notário deverá remeter os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, conforme definido no art. 216-A, §10, da Lei nº 6015/73. Também é necessário destacar que esta modalidade de usucapião especial não envolve áreas superiores a 250 metros quadrados, pois caso sejam de metragem superiores o procedimento seria outro.

Art. 216-A: § 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum. 

Merece também ressaltar a questão definidas nos art. 1240 e art. 1240-A. O primeiro artigo estabelece o limite para a metragem em que poderá incidir ação de usucapião e que o interessado não poderá ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Uma novidade, que foi inclusive enfatizada por Tartuce, está relacionada ao usucapião por abandono do lar, art. 1240-A. Nessa nova modalidade aquele que ao ficar por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição em um imóvel, na metragem determinada em lei, cuja propriedade ele dividia com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, conforme Tartuce “adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel…” . Também destaca o autor que este artigo trouxe duas questões de grande relevância: a primeira e já falada é a questão do tempo de afastamento, ou seja, dois anos ininterruptos; já a segunda questão, que foi trazida pela V Jornada de Direito Civil, está relacionada aos atos de violência praticados pelo cônjuge ou companheiro que resultem na retirada do outro do lar, pois ocorrendo isso tal expulsão não configuraria o abandono estabelecido no citado artigo. 

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

§1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 2o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

O artigo 216-A da Lei de Registros Publicos (Lei nº 6015/1973) também introduziu quatro tipos de documentos básicos que devem instruir o pedido de usucapião: a ata notarial, planta e memorial descritivo, certidões negativas e justo título.

O Novo CPC trouxe uma grande inovação ao prever o instrumento da ata notarial (art. 384). Diante disso se um fato pode ser objeto de percepção pelo notário, será possível seu registro em ata notarial a partir da vigência do Novo CPC. Assim sendo, para a usucapião, a ata notarial poderá atestar o tempo de posse do interessado, bem como as outras informações que deixe bem claro e comprovada a posse e o direito à aquisição da propriedade do imóvel pela usucapião. Dessa forma é perceptível que este documento será um instrumento muito útil não só para a usucapião extrajudicial, mas para todo o novo processo brasileiro.

Art. 216-A, inciso: ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias“.

Outro novo documento exigido é o Planta e Memorial. Em que pese este documento já ser exigido anteriormente nas ações de usucapião, contudo era até permitia sua substituição por meros croquis em alguns casos específicos. No entanto isso não mais poderá ocorrer na usucapião extrajudicial, pois o Novo CPC fez questão de consolidar os requisitos, gerando maior controle sobre a atividade administrativa. Neste documento exige-se a concordância dos limítrofes (confinantes) e cônjuges, logo no memorial descritivo o que se demonstra é um requisito insuperável para a usucapião extrajudicial. Merece destaque o fato de que se um dos confinantes não assinar o memorial descritivo estes deverão ser notificados, pois ocorrendo o silêncio de qualquer um deles, este será entendido como uma discordância, impossibilitando o uso do instrumento. A doutrina entende que relacionado a todos os demais, como os credores que tenham suas dívidas averbadas na matrícula do imóvel, também haverá a necessidade de consentimento dos mesmos.

Art. 216-A, inciso II: planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;

Já quanto às Certidões Negativas o requerente deverá provar que não demanda o imóvel judicialmente (ou é demandado por ele), para isso basta uma certidão negativa da distribuição.

Art. 216-A, inciso III: certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;

Por último tem-se o Justo Título em que o texto legal agora deixa bem claro, através da conjunção “ou”, que agora é possível suprir este quarto requisito também por outros documentos passíveis de comprovação de tempo do imóvel. Dessa forma infere-se que será possível a comprovação do tempo no imóvel a partir de documentação idônea que não necessariamente será o justo título de aquisição.

Art. 216-A, inciso IV: justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

Após se embrenhar no usucapião especial urbano individual Tartuce passa a explorar o usucapião especial urbano coletiva, esta última prevista no Estatuto da Cidade (art. 10 da Lei nº 10257/2001). O dispositivo desta lei estabelece que áreas urbanas superiores a 250 metros quadrados, que estão ocupadas por população de baixa renda que a usam para sua moradia, por tempo superior a 5 anos ininterruptos e sem oposição e que principalmente não seja possível identificar os terrenos que ali estão ocupados para cada pessoa, estarão sujeitas a sofrerem usucapião coletivas. Percebe-se assim, conforme requisitos citados, que não há exigência de que a posse seja de boa-fé, bastando apenas os requisitos anteriores.

A usucapião coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz mediante sentença, a qual servirá de título para o devido registro no Cartório competente. Também a sentença fará constar a criação de um condomínio a favor dos usucapientes, condomínio este especial e indivisível.

Por fim, a sentença que reconhecer o usucapião continua tendo natureza meramente declaratória. Vale dizer que o juiz apenas reconhece e declara ter havido aquisição por usucapião. Não é a sentença que torna o requerente proprietário do imóvel. Ela tão somente declara a existência deste direito.

Proferida que seja a sentença, que deverá ser transcrita no Registro de Imóveis, a fim de dar ao ato publicidade e garantia contra terceiros. O registro terá, pois, efeito meramente declaratório e natureza administrativa, diferentemente do registro da escritura de compra e venda, que tem efeito constitutivo e natureza real. 

Conclusão 

Percebe-se que com as inovações trazidas pelos institutos das ações possessórias e pelas ações de usucapião tem-se uma grande evolução no direito brasileiro, o que demonstra claramente que este tem procurado acompanhar os progressos sociais.

De certo é notório que a utilização dos parâmetros da função socioeconômica da posse e da propriedade demonstra uma grande evolução no ordenamento jurídico brasileiro. Tal linha de raciocínio só vem a corroborar os princípios do Estado Democrático de Direito, que marcam o Brasil.

Nesse contexto observa-se que o CPC de 1973 havia sido recepcionado pela CR/88, no entanto com o passar dos anos surgia a necessidade de constantes modificações ou adequações, visando seu ajuste aos ditames de nossa Constituição Cidadã. Já a partir de 2015 o novo CPC vem como uma ferramenta processual assentada nos princípios indicados na Carta Magna, daí sua marcante preocupação com a função social da posse e da propriedade, a publicidade de seus atos, a atenção aos atos de boa fé, a celeridade nos trabalhos e outros.

Quanto à inovação do usucapião extrajudicial é importante enaltecer, conforme apontado no estudo, que esta nova modalidade veio em um bom momento. A agilidade nos atos notariais dão aos cidadãos respostas rápidas em suas demandas, contudo é importante nunca deixar de lado o essencial que envolve a questão da atividade notarial, ou seja, a segurança jurídica que vem como uma ferramenta de proteção aos direitos. Também essa nova modalidade com certeza irá gerar na parte envolvida e interessada na aquisição da propriedade uma grande expectativa, diante isso o notário deve ter o compromisso de sempre manter as partes esclarecidas que o usucapião extrajudicial deve cumprir diversos outros requisitos, que não sendo respeitados poderão resultar no fracasso do processo e consequentemente frustrar a parte interessada.

Outra questão de grande relevância e que demanda muito cuidado está relacionado à inexistência do registro do imóvel. Como um notário terá segurança e poderá ter a certeza que seu ato não está lesando terceiro? A inexistência de um registro gerará grande dificuldade, para não dizer que será uma barreira impeditiva para a efetivação do procedimento de usucapião extrajudicial.

É sabido que as ações de usucapião sempre demandaram muito tempo, chegando algumas aos absurdos de se tornarem inviáveis. Dessa forma tem-se que nesta nova modalidade de usucapião administrativa, se bem usada, só terá a trazer benefícios aos envolvidos e à sociedade. Contudo, por ser algo novo, deverá ser revestido de todos os cuidados que a lei exige e cumprir fielmente os princípios que regem os atos da Administração Pública.

Assim sendo entende-se que apesar da celeridade admitida na nova modalidade de usucapião e de seus facilitadores para a aquisição da propriedade, tal modalidade só se admitir-se-á quando totalmente revestida de legalidade, pois o ordenamento jurídico nacional não admite atos ilegais, enriquecimento ilícito ou ações de má-fé.

Dessa forma, quando for verificado que o usucapiente estiver utilizando deste instituto para evitar o fisco, ou seja, a arrecadação do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) e como tal comportamento reflete uma atitude revestida de má-fé, entende-se que o procedimento do usucapião administrativo deverá ser encerrado, sendo verificadas as devidas responsabilidades com base na Seção II (Da Responsabilidade das Partes por Dano Processual) do CPC/2015. 

Referências Bibliográficas

Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm). Acessado em: 23 mai. 2016.

Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015). Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm). Acessado em: 23 mai. 2016.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 36.a ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

TARTUCE, Flávio. Impactos do novo CPC no Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

1PELUSO, Umberto. Graduado em História pela Universidade Presidente Antônio Carlos, Ubá, MG; Pós-Graduado em Educação à Distancia pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, RJ e Graduando no curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira, Juiz de Fora, MG.

2 Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG.

3 VIANNA JR, Dorgival. Procurador Federal em PGF. Disponível em: . Acessado em: 24 mai. 2016.

4 Art. 944. Intervirá obrigatoriamente em todos os atos do processo o Ministério Público. (CPC /1973).

5 Art. 176. O Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis.

Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam:

III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

Parágrafo único. A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

6 Art. 1.071. O Capítulo III do Título V da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A.