OS FUNDAMENTOS DA GESTÃO DE ATIVOS

Por Teófilo Cortizo Moreira Neto | 17/07/2024 | Engenharia

OS FUNDAMENTOS DA GESTÃO DE ATIVOS

 

Teófilo Cortizo Moreira Neto[1]

RESUMO

A norma ISO 55000 já possui uma década desde que chegou oficialmente ao mundo, muito embora seus conceitos e ideias fundamentais já estivessem maturadas na publicação PAS-55 no Reino Unido e muitas décadas atrás, pelo menos em alguns conceitos, na Manutenção Produtiva Total (Japão) e Terotecnologia também no Reino Unido.

Desde sua publicação muitas empresas lutam para chegar em sua certificação e serem conhecidas como detentoras do padrão ISO para Gestão de Ativos. Nesse artigo apresentamos os conceitos gerais da Gestão de Ativos, seu histórico e principalmente seus fundamentos.

Os fundamentos da Gestão de Ativos são os norteadores para entendermos se realmente iremos apenas seguir requisitos de normas ou se realmente estaremos dispostos a mudar a cultura de nossa empresa a fim de garantir resultados sustentáveis.

Também refletimos sobre os obstáculos encontrados que infelizmente não são novos e continuam a persistir a existirem como mal a ser eternamente combatido entre as grandes corporações.

 

Palavras-chave: Gestão de Ativos, Fundamento de Gestão de Ativos, ISO 55000, Cultura Empresarial, Obstáculos

 

1.INTRODUÇÃO A GESTÃO DE ATIVOS

No passado, o entendimento inicial de Gestão de Ativos era a gestão do ciclo de vida dos ativos físicos de uma empresa, desde sua concepção, projeto, implantação, manutenção, operação e descarte. Tudo isso integrando em todas as áreas da corporação levando em consideração o impacto e retorno econômico-financeiro que esses ativos poderiam nos oferecer.

Entendemos que a origem mais próxima desse conceito inicial foram os movimentos de Manutenção Produtiva Total (TPM) e a Terotecnologia, ambas surgidas ainda na década de 70. Esta última se destaca por ter conexão mais direta com os conceitos que hoje discutimos, ela se propunha a uma solução combinada de técnicas de investigação operacional, gestão de informação e engenharia para acompanhar o ciclo de vida do ativo [05].

Embora os conceitos de Terotecnologia fossem conhecidos, apenas na década de 2000 uma publicação direcionada mais efetiva para a gestão de ciclo de vida do ativo foi divulgada. Segundo [5], em 2004 a BSI junto com a IAM publicou a Publicly Available Specification 55 (PAS 55). Essa nova especificação determinava 28 pontos de requisitos específicos para os sistemas de gestão de vida de todos os ativos físicos. Ela era específica para o Reino Unido e sua certificação também só era possível naquela região.

Segundo [02] , a gestão de ativos foi considerada para se transformar em um modelo  ISO, isso foi resultado da evolução da PAS 55 (2004) – atualizada em 2008 junto o trabalho realizado do Fórum Global de Manutenção (GFMAM) que, em 2009, reunindo todas as associações de Gestão de Ativos do mundo, desenvolveu e padronizou publicações, normas, processos de certificação discutindo questões comuns que afetam essas instituições.

Em 2014 o produto desses estudos e compilações dão origem a norma de Gestão de Ativos padrão ISO levando alguns conceitos mais evoluídos que a anterior PAS tais como definição dos ativos, foco na gestão, ênfase na comunicação e nos aspectos financeiros entre outros pontos relevantes [04].

A série ISO 55000 desenvolveu melhor o conceito de Gestão de Ativos o definindo como “Atividade coordenada de uma organização para realizar o valor dos ativos” [01]. Também ampliou o conceito de ativo onde na PAS 55 era restrito a ativos físicos: “Ativo é um item, coisa ou entidade que tem valor potencial ou real para uma organização”[01].

Segundo [06], os padrões PAS 55 (2008) e ISO 55000 (2014) apenas informam às organizações o que deve ser feito e não como fazê-lo. Somente na publicação da ISO 55002 (2020) foram fornecidas novas diretrizes para implementação da norma e trazendo diretrizes para o alinhamento entre funções financeiras e não financeiras.

Como a ISO ampliou o conceito de ativos isso gerou a necessidade de classificarmos quais esses novos tipos de ativos eram possíveis gerenciar. Dessa forma a norma estabeleceu os seguintes conceitos de ativos:

1.           Físico (máquinas e estruturas)

2.           Financeiro (dinheiro, ações, dívidas)

3.           Humano (pessoas e suas qualidades e características)

4.           Informação (estratégia, planos, metas, objetivos, dados técnicos)

5.           Intangível (marca, propriedade intelectual, patente)

 

Segundo [05], a Gestão de Ativos se encontra entre o campo técnico e comercial. O gestor deve combinar o conhecimento técnico com o do negócio para atender as necessidades relacionadas aos ativos da empresa.

O mesmo autor destaca que, diferente do conceito estabelecido na Terotecnologia, a Gestão de Ativos é, no entanto, uma atividade separada da engenharia técnica e da gestão da manutenção sendo mais ampla do que a última. Ela se refere à criação de valor, incluindo processo de ciclo de vida: criação, estabelecimento e exploração. Ou seja, operação, manutenção e alienação de um ativo físico de maneira a satisfazer as restrições impostas pela economia, ergonomia, integridade e desempenho dos negócios.

 

2.FUNDAMENTOS DA GESTÃO DE ATIVOS

Quando imaginamos a Gestão de Ativos se transformando em uma norma padrão ISO imaginamos que os objetivos visam um cumprimento a requisitos de norma, auditorias e certificações. Para [06], a conformidade com os requisitos da norma é apenas o ponto de partida e não uma meta final. Para irmos além de uma mera conformidade e chegarmos a resultados palpáveis deve-se implementar os quatro fundamentos da Gestão de Ativos:

1.           Alinhamento

2.           Garantia

3.           Liderança

4.           Valor

A seguir detalhamos os fundamentos destacando alguns obstáculos encontrados para implementar tais fundamentos.

 

2.1.ALINHAMENTO

Uma palavra que ganhou muita frequência no uso corporativo. Ela gera uma ideia de que os pensamentos e objetivos de uma determinada esfera hierárquica ou gerencial esteja em sintonia com as demais. Esse conceito tem grande impacto na comunicação bem-feita e clareza das informações. Por isso mesmo é algo que pode gerar muitos problemas.

Segundo [04] uma falha na comunicação pode resultar em uma série de determinações equivocadas e que a falta de comunicação só não é pior que uma comunicação mal realizada ou divulgada afetando diretamente nos desdobramentos da estratégia corporativa.

Para [05] a ISO disponibiliza uma estrutura para ligar os ativos com os objetivos na tomada de decisão. Para tal é necessária uma informação de qualidade, sua falta, leva a falhas que levam as pessoas a culparem uma as outras. Devido à falta de resultados em cadeia, mais procedimentos serão criados aumentando a entropia de todo o sistema.

Segundo [03] o alinhamento visa transformar intenções estratégicas e resultados desejados em planos de atividade e ações, ao longo do ciclo de vida dos ativos. Esse conceito está totalmente atrelado ao valor dado aos ativos visto que o alinhamento visa implementar métodos para garantir o melhor valor total ao longo das diferentes fases do ciclo de vida.

O fundamento de Alinhamento na norma se destaca entre os demais e é dividido em Horizontal e Vertical.

O Alinhamento Horizontal se traduz como o desdobramento para que uma necessidade ou oportunidade seja executada seguindo os passos necessários dentro de uma avaliação crítica. Ela tem a ver com as partes interessadas internas e externas [06].

A Gestão de Ativos traduz os objetivos em decisões técnico e financeiras, planos e atividades. A implementação de um Sistema de Gestão de Ativos permite que isso seja realidade. Além das partes interessadas internas e externas, são influências horizontais de risco e restrições de conformidade que modificam o planejamento por meio dos critérios de tomada de decisões [06].

Para o conceito de Alinhamento Vertical [03] o define como as técnicas e ferramentas usadas para traduzir e interpretar informações e dados obtidos pelas áreas de operação e manutenção, em termos de resultados para o negócio. Por exemplo, para executivos se traduzem nos custos de CAPEX, OPEX e o  balanço dos riscos.

Ou seja, o Alinhamento Vertical tem a ver com o contexto e as expectativas das partes interessadas até o planejamento e controle operacional [06].

O Alinhamento Vertical se mostra muito relevante para os objetivos da Gestão de Ativos pois visa fazer a ligação entre os objetivos estratégicos que geralmente flutuam em uma camada entre investidores e acionistas guiadas por indicadores financeiros e as metas das equipes produtivas onde os indicadores de produção, custo, SSMA, confiabilidade são mais exigidos. A interligação entre os dois mundos sempre foi um problema e a Gestão de Ativos visa preencher essa lacuna com o Alinhamento Vertical.

Para reforçar esse objetivo, [03] afirma que há uma área cinzenta entre os interesses financeiros dos acionistas e as equipes que conduzem o negócio (gerentes de projeto, manutenção e operação). A Gestão de Ativos visa ocupar esse espaço via Alinhamento Vertical.

 

2.2.GARANTIA

A garantia é uma palavra muito conhecida, mas poucos possuem a capacidade de mensurá-la. Em confiabilidade ela pode se traduzir quantitativamente quando compramos um eletrodoméstico e nos é informada uma garantia de um ano, por exemplo.

Segundo [03], a garantia no mundo corporativo deve se relacionar ao cumprimento dos propósitos requeridos dos ativos. Contudo, ela é amplamente usada de forma qualitativa porque para darmos garantia de que um processo será bem executado,  uma meta seja atingida ou o propósito de um ativo seja cumprido, geralmente é respondida com um plano de ação de mitigação de riscos que também são qualitativos.

Além desse entendimento, ações como compromisso com a liderança, avaliando o progresso e desempenho, definindo medidas de desempenho e auditorias periódicas também são consideradas ações de garantia [05]. Seguindo a mesma linha racional, os autores [06] falam que a alta administração deve realizar análises críticas dos processos que ligam os objetivos organizacionais às funções do negócio e ao desempenho dos ativos e do SGA (Sistema de Gestão de Ativos).

Deve-se então ter um sistema de acompanhamento de performance dos ativos alinhados com o seu propósito e valor na cadeia produtiva, execução de auditorias dos processos e uma análise de risco bem executada para se gerar as ações de mitigações desses riscos.

O autor [03] ressalta em se buscar a melhoria contínua dos desempenhos dos ativos, SGA e de gestão bem como um nível de confiança mensurável em uma dada capabilidade estabelecida. Sua variável associada é o risco (medida de incerteza), por isso, determinar medidas de mitigação do risco compõe a garantia de se atingir os objetivos.

 

2.3.LIDERANÇA

As lideranças sempre foram um assunto muito debatido nas corporações. Ela geralmente é associada ao cargo hierárquico que a pessoa ocupa. Disso cria-se uma expectativa que a pessoa que ocupe tal cargo de gestão consiga desempenhar seu papel de liderança com as equipes embora muitas vezes não ocorra. Os gestores estão mais preocupados em gerenciar os processos do que gerir pessoas e liderar se conecta totalmente com o fator humano de criar empatia, confiança, segurança e apoio dos liderados.

Assim, a liderança dentro da Gestão de Ativos visa o estabelecimento de uma cultura organizacional que possibilite que os conceitos estabelecidos sejam executados de forma natural com o entendimento e apoio de todos das equipes.

Na Gestão de Ativos a liderança se trata de um processo e não uma posição ocupada por autoridades. É direcionadora da mudança de comportamento e cultura. Isso direciona a um aprendizado organizacional... Ela visa transformar os fundamentos da Gestão de Ativos em crenças e valores em nível pessoal. Ou seja, transformar a Gestão de Ativos em cultura organizacional... Isso quer dizer que a Gestão de Ativos não pode ser apenas uma prioridade pois ela muda conforme o tempo e a situação. As crenças e valores são imutáveis. [03]

Para [05], no entanto, as decisões devem ser tomadas por um grupo e não por indivíduos. Boas decisões dependem de boa informação e a forma como a empresa trata seus dados demonstra seu compromisso com o sistema.  A ISO potencia a melhoria do funcionamento da organização integrando todos os departamentos e melhorando a comunicação e  a compreensão das funções e o porquê da existência de cada um.

Dessa forma entendemos que a liderança possui o objetivo de transformação cultural e segundo [06] ... junto com a cultura, são fatores determinantes da obtenção de valor. O grande desafio é e sempre foi, independente da forma de gestão adotada, a escolha de bons líderes com competência de inter-relações humanas e técnicas, com pleno entendimento da cultura organizacional.

 

2.4.VALOR

O conceito de valor é muito relativo para cada indivíduo. Isso depende da cultura, formação, status social, religião entre outros aspectos. Contudo, as empresas geralmente definem seus valores aos empregados, colaboradores e acionistas. Eles geralmente moldam a forma de funcionar e objetivos da corporação. Tais conceitos devem estar relacionados, mas são alterados em entendimento quando se trata da Gestão de Ativos.

Primeiramente devemos entender que os ativos físicos existem para fornecer valor a organização e aos seus acionistas. Ela traduz os objetivos organizacionais em decisões de caráter técnico e financeiro e nos planos de atividade [05].

O valor abrange benefícios quantitativos e qualitativos além dos tangíveis e intangíveis que os ativos podem proporcionar. Um ativo é um item que fornece meios a realização de um valor à corporação [06].

Dessa forma começamos a perceber que o conceito de valor para a Gestão de Ativos muda em relação ao aplicado na constituição da empresa. Para os investidores, ela se traduz em retorno financeiro e produtivo que um ativo que recebeu um investimento no passado tem a oferecer ao longo do seu ciclo de vida.

Ainda assim mensurá-lo também não é tarefa simples. Segundo [03], a norma não especifica o valor dos ativos, precisamos defini-lo baseado nos objetivos, natureza e finalidade da organização e das necessidades e expectativas de suas partes interessadas. O valor equilibra custos, risco e desempenho (compromisso com a produção mensurável). Foco não está no ativo, mas no valor que ele pode gerar à organização.

O autor ressalta que o valor não é algo fácil a ser definido e mensurado. Cada stakeholder da empresa tem seus interesses e a determinação de valores:

•            Acionistas (o valor é o maior retorno financeiro)

•            Cliente (o valor são produtos de maior qualidade)

•            Empregados (o valor é a qualidade de condições de trabalho e maiores salários)

•            Comunidades (o valor são os baixos índice de acidentes, poluição, retorno social etc.)

 

Em reflexão do que foi exposto, faz sentido todas essas classificações e a importância de a própria corporação entender que ela precisa atender às expectativas de tantos grupos diferentes, mas necessários ao seu funcionamento e existência.

Cada ativo deve ser estudado para se chegar a um valor a que ele representa. Apesar de ser difícil de mensurar o valor máximo total com frequência é igual ao menor custo total do ciclo de vida [03]. Dessa forma um trabalho de engenharia deve ser realizado em conjunto com outras áreas da empresa para se chegar a uma definição dentro da unidade produtiva, em completo alinhamento com a estratégia de negócio.

 

3.CONCLUSÕES

Essa revisão de conceitos dos fundamentos da Gestão de Ativos nos fornece uma clareza de tantos desafios que a implantação do sistema de gestão oferece. Na verdade, tais obstáculos são historicamente conhecidos por culturalmente nunca serem plenamente solucionados. Quando falamos em mudança de cultura da empresa, alinhamento entre acionistas e gerência produtiva, base de dados confiável, indicadores representativos, liderança, quantificação dos riscos estamos falando de problemas estruturais históricos que por décadas, muito antes da norma ISO 55000 aparecer, tentava-se solucionar.

Então, apesar da Gestão de Ativos ser um ótimo caminho para a excelência, temos que ter em vista que uma mera certificação de conformidade não irá garantir atingir os resultados esperados sem um trabalho de base e envolvimento de todos os colaboradores da empresa implementando os fundamentos da Gestão de Ativos, visto que os desafios apresentados são historicamente problemáticos dentro das corporações.

Deve-se ter em mente da mudança cultura da Gestão de Ativos e não de atingimento de requisitos de normas. Senão teremos mais uma tentativa frustrada de implementação de soluções que foram desacreditadas por entendimento equivocado da própria empresa.

 

4.REFERÊNCIAS

 

[01] 55000-1, I. ISO 55000 - Asset management. 2014.

[02] ABRAMAN. Gestão de Ativos e PAS-55. Disponível em: .  2017.

[03] LAFRAIA, João Ricardo Barusso: “Manual de Gestão de Ativos”, ISBN 978-65-00-03365-6, Presto Produção e Comunicação, São Paulo-SP, Vol. 1. 2020.

[04] NETO, Teófilo Cortizo Moreira: “Aplicação da Análise do Custo de Ciclo de Vida em uma Indústria de Mineração com Base na Gestão de Ativos”, Dissertação Mestrado Profissional, PEI – Programa de Pós-graduação em Engenharia Industrial, UFBA, Salvador-BA. 2018.

[05] PAIS, E.; FARIANHA, J. T.; RAPOSO, H: “ISO 5001 – Gestão de Activos”, 15º Congresso de Nacional de Manutenção, Braga – Portugal. 2019.

[06] PENEGOSSI, A. C. G.; da Silva, E.C.C.: “Evolução das Normas de Gestão de Ativos”, Congresso Brasileiro de Engenharia de Produção, UTTPR, Curitiba-PA. 2020.

 

 

 

[1] MSc Engenharia Industrial, AUSENCO consultoria

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