OS EFEITOS TRANSNACIONAIS DA FALÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Por Thais Rodrigues da Silva | 23/10/2015 | DireitoOS EFEITOS TRANSNACIONAIS DA FALÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS[1]
Darla de Medeiros Gonçalves Gaspar[2]
Thaís Rodrigues da Silva[3]
José Humberto G. de Oliveira[4]
Sumário: Introdução; 1 Aspectos gerais da evolução histórica do Instituto da Falência e Recuperação de Empresas; 1.1 Direito Romano;1.2 Idade Média; 1.3 Direito Moderno; 1.4 O Direito Falimentar no Brasil; 2 A Falência e a Recuperação de Empresas em nível internacional; 3Análise do caráter transnacional do Instituto da Falência e Recuperação de Empresas e seus efeitos; 4 Noções do Instituto da Falência no Direito Comparado; 4.1 EC Insolvency Regulation; 4.2 Uncitral Model Law; 4.3 Convenções Internacionais; Considerações Finais e Referências.
RESUMO
O presente trabalho objetiva precipuamente analisar os efeitos transnacionais dos institutos da Falência e da Recuperação de Empresas. Para isso, inicialmente, busca-se compreender os aspectos históricos que deram ensejo aos institutos bem como expor a evolução destes. Parte-se dos aspectos históricos mais gerais e remotos, a fim de facilitar a compreensão dos institutos modernos.Num segundo momento, objetiva-se identificar o instituto da Falência em âmbito internacional. Posteriormente, o objetivo volta-se no sentido de investigar o caráter transnacional do instituto da falência e recuperação de empresas de forma a demonstrar os efeitos como consequência do instituto. Finalmente, investiga-sea Falência no Direito Comparado.
Palavras-chave: Falência – Recuperação de Empresas – Direito Falimentar – Direito Comparado.
INTRODUÇÃO
Como se sabe, cada Estado é soberano na medida de sua territorialidade. Isso significa que cada espaço, com sua determinada cultura, com seus costumes e seu povo, possuem uma individualidade e que somente estes podem regular a sua forma de vida. Dessa forma, o direito que rege cada tipo de sociedade se adequa a esta de modo a estabelecer uma harmonia entre aquele e esta. É, além disso, um reflexo dos comportamentos, e os limites de tais, expostos em um único sistema, pressupõe o ordenamento jurídico. Isso ocorre em qualquer âmbito do Direito: Penal, Civil, etc., e, com o Direito Comercial não poderia ser diferente.
Entretanto, apesar de se afirmar essa soberania e “independência” (no sentido de autonomia) não se anulam as relações entre estes, havendo, muitas vezes um conflito, devido suas particularidades. Assim, ao formular um sistema de compra e venda de matéria prima, por exemplo, de um país para outro se formando uma relação jurídica internacional, a chamada exportação ou importação de produtos. É nessa lógica que se formam todas as relações jurídicas de um Estado para outro.
De acordo com Santos (2006, p. 526), “a falência constitui um concurso universal de credores do devedor empresário ou sociedade empresária”. De acordo com esse autor, o processo de falência acontece em determinado país, onde o empresário encontra-se nele sediado, bem como todos os componentes de seu passivo e ativo, representados pelo conjunto de credores, estabelecimentos e outros bens que possam compor sua massa falida. Entretanto, conforme o autor citado, pode acontecer de alguns desses elementos não se encontrarem num mesmo território.
Com o objetivo de regular este “conflito” ou relações de cada Estado, existem os Tratados e Convenções Internacionais. É uma forma estabelecer um consenso, um ponto comum entre essas relações. Sua necessidade se justifica tão somente pelo fato de que, apesar de autônomos e soberanos, os Estados dependem de certa forma uns dos outros, a exemplo da falta de certa matéria-prima em um país e abundância em outro.
É nessa perspectiva que se inserem as relações comerciais, a exemplo da falência, que apesar das dificuldades de determinar legislação acerca desta e de seus efeitos no âmbito internacional, existem normas que a regulam justamente para manter essa harmonia, senão em todos os Estados, mas os que as adotam.
Assim, busca-se no presente trabalho tentar compreender de forma cabal a discussão acerca do ponto em comum, que regula sistemática da falência e recuperação empresas no âmbito internacional, enfatizando os seus efeitos.
1ASPECTOS GERAIS DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Para uma melhor compreensão do instituto da falência, é necessário fazer um apanhado histórico acerca da evolução de tal instituto. Sabendo-se que o Direito em geral tem suas raízes fincadas na Roma antiga, não é de se estranhar que a falência, assim como grande parte dos institutos do direito contemporâneo, também tenha sido prevista já nessa época. Assim, vai-se buscar no Direito Romano a origem do instituto da falência.
1.1 Direito Romano
De acordo com Amador Paes de Almeida (2007, p. 5), o instituto da falência está diretamente ligado à evolução do conceito de obrigação. Segundo esse autor, já na antiguidade, o indivíduo devedor, respondia pela dívida com sua liberdade ou até mesmo com sua própria vida. Na fase mais primitiva do Direito Romano, antes mesmo da codificação da Lei das XII Tábuas, o devedor insolvente permanecia em estado de servidão para com o credor durante o prazo de sessenta dias. Caso o devedor não pagasse o débito nesse período, o credor poderia vendê-lo ou até matá-lo, repartindo-lhe o corpo de acordo com a quantidade de credores. (ALMEIDA, 2007, p. 5).
Após essa conjuntura, segundo Waldo Fazzio Júnior (2010, p. 7), a execução evoluiu para o sistema de “constrição patrimonial” através da Lex PaeteliaPapiria, a qual previa a execução da dívida pelo venditiobonorum, ou seja, o magistrado autorizava a entrada na posse de todos os bens do devedor, procedendo posteriormente à venda dos seus bens. Conforme Almeida (2007, p. 5), introduziu-se com isso, no Direito Romano, a execução do patrimônio, desfazendo-se o antigo critério da responsabilidade pessoal.
Numa fase posterior do direito clássico, surgiram outros institutos até hoje existentes no ordenamento jurídico: a administração da massa, a assembleia de credores, a classificação dos créditos, a revogação dos atos fraudulentos do devedor e, sobretudo, a regra essencial da par conditio omniumcreditorum, ou seja, a mesma condição para todos os credores. (FAZZIO JÚNIOR, 2010, p. 7). Nas palavras de Waldemar Ferreira apud Almeida (2007, p. 6),
Desde então, o credor, que tomava a iniciativa da execução, agia em seu nome e por direito próprio, mas também em benefício dos demais credores. Com isso, veio a formar-se o conceito de massa, ou seja, da massa falida.
Completava-se a bonorumvenditio, com larga série de providências, determinadas pelo pretor, contra os atos fraudulentos de desfalque do seu patrimônio, praticados pelo devedor.
É importante ressaltar a importância da criação de tais institutos até hoje perduráveis, em uma época da história tão remota. Isso mais uma vez, apenas confirma a grandeza do Direito Romano.
1.2 Idade Média
Nessa época, conforme as lições de Almeida (2007, p. 6), o Estado passa a atuar assumindo um relevo especial, submetendo a atuação dos credores à disciplina jurídica. Dessa forma, o concurso de credores torna-se organizado, obrigando os credores a habilitarem-se em juízo, a fim de que o juiz partilhasse o produto entre os credores. Deve-se ressaltar que, nessa época, a falência estendia-se a todos os defraudadores de crédito, embora ocorresse mais nas relações mercantis.
1.3 Direito Moderno
Com o surgimento do Estado como unidade política e jurídica, ocorreu uma uniformização acerca da interferência do Estado nas relações creditícias. Nesse momento, os Estados nacionais trouxeram para si a exclusividade da imposição de sanções e judicializaram as situações jurídicas relativas ao instituto da falência. (FAZZIO, 2010, p. 9). Época da edição do Código Napoleônico, o qual foi um dos grandes responsáveis pela evolução do direito falimentar.
Napoleão, criador do código vigente, demonstrou através deste que não compreendia as distinções que havia entre os falidos; achava que o falido deveria ser julgado independente de sua culpa ou dolo, pois a falência poderia ser usada para criar fortuna, sem fazer perder a honra. No entanto, tomou medidas para impedir que isso acontecesse, criando a pena de detenção com efeitos de correção. Foi relevante nesse período, a distinção feita entre os devedores honestos e os desonestos, facultando aos que estavam de boa-fé os benefícios da moratória, com o aperfeiçoamento da concordata. (OLIVEIRA, 2005).
Tal código restringia o instituto da falência ao devedor comerciante, considerando ainda criminoso, o devedor faltoso (PERIN JÚNIOR, 2006, p. 33). Entretanto, segundo Almeida (2007, p. 7), com o tempo foi-se abrandando o tratamento para com o devedor, distinguindo-se o devedor de boa-fé e o de má-fé.
Segundo Perin Júnior (2006, p. 35), o século XVIII ao século XIX, vigoravam duas modalidades principais de entendimento: o Sistema Franco-Italiano, no qual o caráter falimentar era exclusivamente comercial; e o Sistema Anglo-Saxônico, onde a falência incidia sobre qualquer tipo de devedor, comercial ou não.
1.4 O Direito Falimentar no Brasil
A partir das lições de Almeida (2007, p. 7), o período colonial, o Brasil estava sujeito às leis portuguesas, mais conhecidas como Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas). Tais ordenações disciplinavam o concurso de credores, estabelecendo prioridade de crédito ao credor que tomasse a iniciativa na execução do falido.
Após a Independência, a legislação portuguesa continuava a vigorar em solo nacional, até a promulgação da Lei 556 de 1850, ou seja, o Código Comercial brasileiro, inspirado no Código Napoleônico. Assim, houve no Brasil, desde o começo de sua legislação comercial, uma forte influência do direito francês. O que mais caracterizou esse período foi a instituição de um “processo falimentar lento e complicado, que importava sempre em ruína do devedor em sacrifício de seus credores”. (PERIN JÚNIOR, 2006, p. 37). Ao mesmo tempo, dava-se muita autonomia aos credores, inclusive liberdade para decidirem acerca da decretação da falência do devedor, fato esse muito criticado pelos juristas da época. (PERIN JÚNIOR, 2006, p. 37).
Segundo Perin Júnior (2006, p. 39), a partir do período republicano, ocorreu uma maior preocupação em criar uma legislação especificamente falimentar. Em 1945 surgiu o Decreto-lei 7.661. Uma das principais características dessa legislação era o instituto da Concordata, que segundo Fábio Ulhoa Coelho (2002, p. 305), “consiste na dilação dos vencimentos das obrigações ou na remissão parcial de seu valor, a que tem direito o comerciante que preenche determinados requisitos formais”. Entretanto, de acordo com Kanashiro (2011),
A antiga Lei 7.661/45 não atendia as necessidades dos empresários, mostrava-se defasada e visavasomente à extinção da atividade empresarial. Era muito difícil uma empresa em concordata conseguir sobreviver, por isso a necessidade de surgir uma nova Lei que visasse à Recuperação da Empresa, preservando interesses múltiplos.
Tal Decreto, revogado pela Lei nº 11.101 de 2005, conhecida como Lei de Falência e Recuperação de Empresas, a qual vigora atualmente no Brasil. Essa leitrouxe modificações, como a extinção da Concordata, alterou algumas características da Falência e criou o instituto da Recuperação de Empresa (judicial e extrajudicial), simplificando procedimentos processuais e alterando a previsão de prazos. (KANASHIRO, 2011).Para Campinho (2012, p. 12), o processo de Recuperação de Empresas, instituído pela nova legislação tem como principal finalidade “a aprovação por parte do devedor e seus credores de uma proposta destinada a viabilizar a empresa por aquele até então realizada”. Ou seja, assegurar judicialmente aos credores, uma proposta que “ressuscite” a empresa. Já o instituto da Falência, segundo esse autor, consiste na verificação e reconhecimento de um estado de fato: a insolvência. (CAMPINHO, 2012, p. 209).
2 A FALÊNCIA E A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS EM NÍVEL INTERNACIONAL
O processo de Falência e Recuperação de Empresas não acontece da mesma forma nos Estados, uma vez que possuem legislações específicas, e tratam o assunto de maneira diversa. De acordo com Santos (2006, p. 530), “a falência internacional apresenta um elemento de estraneidade, quando os bens, os credores e outros elementos se encontram no exterior”. O Conselho da Europa abordou essa temática no Preâmbulo da Convenção de Istambul em 1990, chegando ao entendimento de que esses elementos de “estraneidade” são determinantes do caráter internacional da falência. Assim, como exemplifica o autor, “a falência do empresário estrangeiro estabelecido na França, depois de longo tempo, em que contratou com clientela e fornecedores locais, não tem cunho internacional”. (SANTOS, 2006, p. 530).
Segundo Marcos Pereira (20[?], p.3), essa estraneidade se configura como as,
[...] causas que as ligam a diferentes sistemas jurídicos: as diferenças de nacionalidade ou de domicílio/residência entre as partes envolvidas ou de sedes das pessoas jurídicas envolvidas, localização de bens em outros Estados, lugar de constituição ou de cumprimento de obrigações, etc. Assim, as relações jurídicas hodiernas ultrapassam os limites físicos das fronteiras geopolíticas dos Estados e, consequentemente, desafiam os limites tradicionalmente estabelecidos para a jurisdição dos Estados.
Era de se esperar que, com o processo de globalização de diversas empresas, se buscasse uma forma de unificar as diversas legislações acerca do processo falimentar. Foi com o propósito de determinar como ocorre o processo e efeitos da falência em recuperação de empresas que foi elaborada uma Lei modelo, que de acordo com Ecio Perin (2011), já é adotada em 19 países.
A Lei modelo da UNCITRAL (The United NationsCommissiononInternational Trade Law) foi elaborada no ano de 1997 e dispõe sobre os procedimentos falimentares com conexão internacional. Trata-se da iniciativa global de maior relevância no âmbito da insolvência internacional. (PERIN JR., 2011, p. 105).
Tal lei é vista apenas como um aparato de auxílio, não sendo obrigatória sua adoção visto a autonomia de cada país e divergências acerca da regulamentação do instituto. Entretanto, não se pode deixar de citar, nessa perspectiva, a importância dos Tratados e Convenções Internacionais que têm como finalidade unificar essas relações a fim de dirimir as disparidades entre esses diversos ordenamentos.No Brasil, por exemplo, a lei não é adotada, ainda de acordo com Perin (2011) há o exercício dessa autonomia nestas questões, não se permitindo a vigência regulamentação do instituto sob pontos de vista diferentes, um que regule a falência e recuperação de empresa em âmbito nacional e outra em âmbito internacional.
Quanto ao próprio posicionamento da legislação brasileira em relação a intervenção de jurisdição estrangeira, Marcos Pereira (20[?]) esclarece que a regulamentação sobre a questão internacional no processo de falência se deu, em um primeiro momento, restritiva, apenas a justiça brasileira poderia decretar aos empresários brasileiros, salvo casos previstos em lei, tal disposição, segundo o autor, era prevista no primeiro Código de Processo Civil Brasileiro.
O Direito Falimentar Brasileiro, tradicionalmente – como exposto supra -, consagra o sistema territorialista sujeitando aos tribunais brasileiros a falência e a recuperação dos empresários que aqui desenvolvem suas atividades empresariais. Tanto assim o é, que a competência do juízo universal falimentar é estabelecida em função do local do principal estabelecimento.(PEREIRA, 20[?], p. 13)
Entretanto, é necessário considerar, que alguns autores afirmam que a falência também poderá ser decretada no lugar na qual a empresa exerça suas principais atividades. (PEREIRA, 20[?]).Doutrinariamente, existe uma discussão acerca da competência no que concerne o processo falimentar. Para Fazzio Jr. (2006, p. 71), estabelecimento principal é “o centro vital das principais atividades profissionais do agente econômico, o núcleo de seus negócios, onde se densifica a empresa”.
O mesmo autor ainda esclarece que quando brasileiro é empresário no estrangeiro, a competência é do juízo do estado na qual se encontra a empresa, mas isso não impede a execução da sentença no Brasil. E, quando a sede for estrangeira e possuir filial no Brasil, o juízo competente será o brasileiro, considerando a autonomia administrativa de cada uma.
3ANÁLISE DO CARÁTER TRANSNACIONAL DOS EFEITOS DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS.
Constata-se que a partir do momento em que se decreta a falência, ou se inicia o processo para decretá-la percebe-se que a consequência desta é um emaranhado de efeitos, que como verificável na obra de Amador Paes de Almeida (2002), se insere em relação aos credores, em relação ao próprio falido, aos seus bens e aos seus contratos. Quanto aos direitos dos credores cita-se antecipação de vencimentos, por exemplo, e quanto ao falido, este terá restrições contra seus bens e liberdade,impedimento do exercício da atividade econômica pelo falido, bem como o cumprimento de certos contratos e o desfazimento de outros.Na medida em que a falência constitui um novo estado jurídico, produz efeitos diversificados sobre o devedor e seus credores (FAZZIO JR., 2006, p. 281).
Entretanto, é nessa perspectiva que surgem as controvérsias acerca do instituto em âmbito internacional, já que, como se sabe, cada estado possui um ordenamento diferente e cada um trata de modo diverso a falência e a recuperação de empresa, e como consequência, produzem efeitos diversos. Portanto, as dúvidas não se exaurem apenas quanto ao processo de falência transnacionalmente falando, mas em seus efeitos, as consequências que a decretação da falência expõe em âmbito internacional.
Destarte, deve-se considerar em um primeiro momento os efeitos que a decretação da falência e recuperação de empresas geram no próprio âmbito nacional, para depois se fazer uma análise acerca da incidência transnacional destes. É nesse viés que Fazzio Jr. (2006, p. 282) afirma que os efeitos são: “formação da massa falida subjetiva;”, “suspensão das ações individuais;”, “suspensão condicional da fluência de juros;”, “exigibilidade antecipada do créditos contra o devedor, sócios ilimitadamente responsáveis e administradores solidários;”,“suspensão da prescrição;”, “arrecadação dos bens do devedor.”
Dessa forma, percebe-se que o falido, com a decretação da falência, deixa de exercer suas atividades, somente continua mediante autorização judicial, quando não, o juiz designa um administrador judicial para gerenciar os bens do falido, tem seus bens arrecadados, as datas de pagamentos são antecipadas, suspendem-se os processos correntes, bem como prescrição e os juros.
Em uma segunda perspectiva, quanto a incidência destes efeitos em âmbito internacional, defende Alexandre Toscanelli, que existem três teorias que o discutem: a teoria da territorialidade; a teoria da universalidade dos efeitos e por fim, a teoria dauniversalidade atenuada.
A tese da territorialidade dos efeitos e pluralidade de processos defendia que o processo de falência deveria ter efeitos meramente territoriais, limitando estes efeitos ao território do Estado onde este processo tivesse sido instaurado. [...] Num outro extremo, encontra-se a tese da universalidade e unidade do processo. Segundo os defensores desta corrente, a falência deveria ser aberta exclusivamente em um único país. A declaração de falência pronunciada neste Estado estender-se-ia a todos os bens do devedor, onde quer que estes se encontrassem. [...]. Uma vez instaurado um processo desta natureza num país, todos os outros deveriam rejeitar a abertura de processos paralelos.Como meio termo das propostas anteriores, apareceu a tese da universalidade atenuada. Segundo esta poder-se-iam instaurar diversos processos de falência. Seria aberto um processo principal, recorrendo-se a um critério atributivo de competência internacional pré-determinado, sem que, contudo, ficasse impedida a propositura de outros processos secundários, estes últimos com efeitos meramente territoriais. Os efeitos do processo principal de falência atingiriam todos os bens do devedor, porém de um modo diferente, ou seja, de uma forma direta (sic) ou através da coordenação dos diversos processos. (20[?], p.3).
Vige, no Brasil, segundo Sérgio Campinho (2012), a regra da territorialidade, na qual a decretação da falência no Brasil surte efeitos apenas no próprio território brasileiro visto a autonomia que cada estabelecimento e cada país possui. Amador Paes de Almeida (2007) se posiciona no mesmo sentido, afirmando que os bens atingidos são os que somente se encontram no Brasil.
4NOÇÕES DO INSTITUTO DA FALÊNCIA NO DIREITO COMPARADO
O processo falimentar acontece no país onde o empresário está sediado, ou seja, sua empresa, de acordo com Santos (2006, p. 526), “seu estabelecimento, os bens componentes da massa falida,assim como seus funcionários e credores, cujos créditos representados pela massa passiva também se acham nesse país”. Entretanto, pode ocorrer de alguns desses elementos não se encontrarem no território desse Estado. Acerca dessa situação, estuda-se o processo de falência no Direito comparado.
De acordo com Rechsteiner apud Santos (2006, p. 526), a doutrina classificava as falências pertencentes a dois estatutos: o primeiro sendo pessoal do devedor, cujos efeitos jurídicos do processo de falência se estenderiam a todas as partes onde se encontrassem os bens móveis do devedor; o segundo, chamado de estatuto real, era relacionado ao patrimônio do devedor, havia limitação territorial aos efeitos da falência.
Segundo Santos (2006, p. 527), na Suíça, ainda no século XIX, foram celebradas convenções entre a Coroa de Wurtenberg e a Baviera. De acordo com esse mesmo autor, alguns juristas italianos admitiam que quando a falência de uma empresa era decretada, mesmo em outro país, já era capaz de produzir efeitos na Itália, por meio da concessão de exequatur formal. Em 1995, a Convenção de Bruxelas revogou Tratados e Convenções. Entretanto, a exceção é que tal Convenção não se aplica a Estado contratante, uma vez que ela é incompatível com obrigações em matéria de falência resultante de convenções anteriores a ela.No Reino Unido, quando for incompatível com obrigações de falência resultante de qualquer acordo adotado no Quadro da Commonwealth, existentes antes da entrada em vigor da Convenção de Bruxelas, não se aplicam as normas desta Convenção.
O autor Roy Good, abordou o tema das cross-borderinsolvencies, “nas quais a companhia possui ativos em mais de uma jurisdição e sujeitos a processos em duas ou mais jurisdições”. (SANTOS, 2006, p. 527). Ainda de acordo com Santos (2006, p. 527), a atividade de tais empresas obedecem a dois princípios:
- Princípio da Unidade ou Universalidade – tal princípio atribui exclusiva jurisdição sobre a dissolução aos tribunais de determinado Estado, da incorporação ou do lugar representado pelo centro onde a sociedade tem o principal interesse, para o qual todos os interesses convergem.
- Princípio da Pluralidade ou Territorialidade–esse princípio limita o impacto do processo de falência na sua jurisdição aos ativos locais.
4.1 EC Insolvency Regulation
Trata-se de uma legislação,como explica Santos (2006, p. 529), que versa sobre matéria relativa à insolvência no Direito Internacional. Seu objetivo constitui a regulamentação do conflito de leis relativas ao Direito Falimentar, unificando os efeitos dos procedimentos de falência e estabelecendo o reconhecimento por uma Corte em um país com jurisdição em outro. O centro dos principais interesses do devedor deve estar situado no território de um Estado-Membro do EC. Assim, a abertura do processo de falência normalmente evita a abertura do mesmo processo em outro Estado-Membro.
É uma legislação que se volta a facilitar o processo de falimentar quando ocorrido em âmbito internacional, ou seja, quando empresas têm filiais em, no mínimo, dois países distintos, em que cada um desses apresenta uma legislação que prevê tal processo de forma distinta. Assim, o tratamento dado a uma empresa em processo de Falência no Brasil, certamente, não tem a mesma previsão jurídica de outro país. Por esse motivo, muito se buscou uma unificação acerca de uma legislação unificada, que previsse o processo falimentar de maneira uniforme, mesmo ocorrendo em países diferentes.
De acordo com essa legislação, as Cortes de qualquer outro país, no território no qual o devedor possui um estabelecimento, têm jurisdição para iniciar o processo, cujos efeitos são restritos a ativos situados naquele Estado-Membro. Portanto, a legislaçãoaplicável ao processo de falência e seus efeitos é a do Estado-Membro do território no qual os procedimentos são abertos.(SANTOS, 2006, p. 529).
4.2 Uncitral Model Law
Nas lições de Santos (2006, p. 536), a Lei-Modelo Uncitral (Uncitral Model Law on Cross-Border Insolvency), elaborada no âmbito da ONU, sofreu grande influência da Convenção de Bruxelas de 1995 e constitui uma sólida referência às autoridades nacionais e estrangeiras e aos corpos legislativos na preparação de novas leis, na escolha de variadas soluções para a elaboração de leis nacionais, quando da criação de novas legislações voltadas para o reconhecimento de procedimento de insolvência estrangeira, basicamente na coordenação entre diversos Estados.
Essa legislação objetiva a cooperação entre tribunais estrangeiros no que concerne ao Direito Falimentar, providenciando efetivos mecanismos para lidar com casos de falência internacional. Seus objetivos, especificamente são, de acordo com Santos (2006, p. 536):
a) Promover a cooperação entre tribunais e outras autoridades competentes de Estado estrangeiros;
a) Dar mais certeza e eficácia no comércio e investimento;
b) Administração justa e eficiente da falência internacional na proteção de todos os credores e outras pessoas interessadas, incluído o devedor;
c) Proteção e maximização do valor dos ativos do devedor; e
d) Simplificação da busca de solução em negócios complicados e proteção do investimento e na preservação do emprego.
De acordo com esse mesmo autor, Santos (2006, p. 537), a Lei-Modelo, como também é conhecida, visa também a estabelecer normas objetivando a convivência entre as duas jurisdições, a nacional e a internacional, respeitando as diferenças entre as leis processuais nacionais e evitando a tentativa de unificação das leis individuais de cada um dos Estados.
Entretanto, o Secretário de Estado pode adotar medidas adequadas que considerenecessárias, a fim de dar cumprimento à Model Law, com ou sem modificações. (SANTOS, 2006, p. 530).
4.3 Convenções Internacionais
Conforme as lições de Santos (2006, p. 530), as Convenções mais conhecidas são a de Copenhague, de 1933 e a de Istambul, embora esta não tenha entrado em vigor dada a insuficiência de ratificações necessárias.Atualmente, na Europa, a Convenção em vigor é a de Bruxelas, do ano de 1995. Segundo Godoy (2004), tal convenção enumera os procedimentos de insolvência coletivos dos seus Estados-Membros e dispõe acerca dos procedimentos que visam à liquidação dos ativos do devedor. De acordo com Santos (2006, p. 544),
A Convenção, que se aplica aos processos coletivos fundados sobre a insolvabilidade do devedor, acarreta o desapossamento parcial ou total desse devedor, assim como a designação de um síndico (art. 1º, inciso I), sendo inaplicável às empresas de seguro, instituições financeiras, empresas de investimento que fornecem serviços que impliquem em detenção de fundos e valores mobiliários de terceiros, assim como de investimento coletivo.
Pode-se entender com isso, que tal Convenção cria regras básicas acerca do instituto da Falência, atribuindo especificamente, determinações relativas a empresas especificamente.
Santos (2006, p. 548), complementa citando a Convenção de Montevidéu. Concluída em 1979 e promulgada pelo decreto nº 2.400 de 1997, essa convenção regulou matéria relativa à existência, à capacidade, ao funcionamento e à dissolução das sociedades mercantis, entendida como a lei do lugar da sua constituição. As sociedades assim constituídas seriam assim reconhecidas pelos outros Estados, mas tal reconhecimento não incluiria a faculdade do Estado de exigir comprovação da existência da sociedade. De acordo com a lei do lugar de sua constituição, a capacidade pelo Estado poderá ser maior do que a do Estado do reconhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema em voga expõe uma discussão que gera dúvidas por se tratar da problemática envolvendo as relações internacionais no que tange os institutos da Falência e Recuperação de Empresas. Assim, buscou-se em uma primeira perspectiva, a compreensão do processo histórico pelo qual os institutos da Falência e Recuperação de Empresas foram evoluindo, desde tempos remotos, o que se previa acerca do assunto e como eram tratados pelo Estado, os indivíduos que viam seu negócio entrar em falência, de quando o falido pagava suas dívidas com o corpo, até a atualidade, no momento em que há um processo previsto em lei, formal de como ocorre o instituto, demonstrando que evolução desse fenômeno importa para que se possa melhor compreender que tais institutos não nasceram por si sós, mas que são advindos de um longo caminho já traçado e paulatinamente aperfeiçoados por outras legislações.
Advindos de um processo histórico, os institutos da Falência e Recuperação de Empresas foram sendo positivados internacionalmente não somente pelas legislações de cada Estado independentemente, mas através também de Tratados e Convenções Internacionais. É uma forma estabelecer um consenso, um ponto comum entre essas legislações. Sua necessidade se justifica tão somente pelo fato de que, apesar de autônomos e soberanos, os Estados dependem de certa forma uns dos outros. Apesar das dificuldades de determinar legislação acerca desta e de seus efeitos no âmbito internacional, existem normas que a regulam justamente para manter essa harmonia, senão em todos os Estados, mas os que as adotam. A exemplo da UNCITRAL. Não se deixou de citar, outrossim, a relevância dos tratados e convenções internacionais.
Assim, em um último momento, após ter-se considerado acerca das formas que se inserem os efeitos falência sob as três teses citadas, buscou-se comparar a incidência dos efeitos na perspectiva de várias legislações, afirmando as várias formas que estas podem assumir.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresas: de acordo com a Lei n. 11.101/2005 – 23. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: O novo regime da insolvência empresarial – 6ª ed. – Rio de Janeiro, 2012.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial – 13. ed. rev. e atual, de acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São Paulo: Saraiva, 2002.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Lei de falência e recuperação de empresas – 5. Ed. – São Paulo: Atlas, 2010.
_____________________. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
GODOY, Wilson Carlos. Direito falimentar internacional. 2004. Disponível em:http://jus.com.br/artigos/5141/direito-falimentar-internacional#ixzz30UxOOXto
Acesso em abr 2014.
KANASHIRO,Marloí Mayumi. O impacto da nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência na efetivação dos Princípios da Preservação e da Função Social da Empresa – São Caetano do Sul – 2011.Disponível em:<http://www.uscs.edu.br/pesquisasacademicas/images/.../marloi_cinira.pdf>
Acesso em abr 2014.
OLIVEIRA, Alexandre Toscanelli. Insolvência Transnacional. TCA, 20[?]. Disponível em: <http://www.tcalaw.net/isite/show.php?name=Content&pa=showpage&cid=7&pid=225&page=1> Acesso em: 01 de maio de 2014.
OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Direito Falimentar Brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005. Disponível em: <
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=594
>. Acesso em maio 2014.
PEREIRA, Marcos Vinicius Torres. Falência e conflitos de Jurisdições no Direito Internacional Privado Brasileiro. Rio de Janeiro, 20[?]. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=794288f252f45d35> Acesso em: 01 de maio de 2014.
PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2006.
SANTOS, Paulo Penalva. A Falência no Direito Internacional e o Mercosul. In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.). GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. [et al.]. A nova lei de falências e de recuperação de empresas: Lei nº 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006.