OS EFEITOS DA ADOÇÃO

Por ana carolina camerino de melo | 19/06/2010 | Direito

Dra Ana Carolina Camerino de Melo ? Advogada inscrita na OAB/CE e Pós Graduanda em Direito Processual Civil

INTRODUÇÃO
A adoção é uma espécie de filiação artificial, que imita em quase todos os aspectos a filiação natural. Por isso, ficou conhecida como filiação civil, já que não resulta de nenhum vínculo biológico, e sim de uma manifestação livre de vontade geradora de um vínculo afetivo, proporcionando que alguém goze do estado de filho de outra pessoa, independente do vínculo de sangue, genético ou biológico. É a aceitação voluntária e legal de um alguém como filho.
Decerto, a adoção geralmente não é a primeira opção para quem quer ter filhos, e sim a última alternativa. Nos dias atuais, a adoção é o meio mais comum de se ter um filho que não seja o biológico. Naturalmente que a adoção não é deferida a qualquer pessoa com o real interesse de adotar. Algumas formalidades, alguns requisitos e razoáveis medidas de prevenção e segurança são elementos que formarão o processo para a habilitação de um pretendente.
Antes de quaisquer outros procedimentos, o pretenso adotante tem que procurar o Juizado da Infância e da Juventude de sua cidade, dirigir-se à Seção de Colocação em família substituta, e solicitar uma entrevista com técnicos para obter todas as informações necessárias à formalização do seu pedido de inscrição. A etapa mais longa é a da aprovação dos adotantes. Os adotantes, depois de aprovados pelo juiz, estarão então em condições de adotar e passarão a integrar um cadastro, ou relação, de possíveis adotantes.
Os procedimentos judiciais não permitem qualquer quebra da ordem de preferência. Os adotantes, quando da inscrição, informam quais as suas preferências em relação ao adotando. O grande problema que o Juizado da Infância e da Juventude enfrenta, hoje, é que o perfil das crianças e adolescentes disponíveis para adoção é
diametralmente oposto ao perfil desejado pela maioria das pessoas interessadas em adoção. As famílias, quando da adoção, procuram crianças recém-nascidas, meninas e brancas.
O número de adotandos na fila é muito maior do que o de adotantes. Isso gera um grande problema para a sociedade e para o Estado. Muitas das crianças ou adolescentes que não possuem o perfil desejado ficam por muito tempo em abrigos, ou até mesmo nunca são adotados.
DESENVOLVIMENTO
Finalmente, após serem examinados alguns aspectos essenciais do instituto da adoção, mister enfocar, embora de maneira sucinta, a importante matéria relativa aos efeitos da adoção.
A adoção possui efeitos pessoais e patrimoniais. Os principais efeitos pessoais são a filiação legal e a transferência do pátrio poder. O adotado assume legalmente uma filiação legal e o adotante, a paternidade. As relações familiares se estendem à família do adotante. No contraponto, o adotado se desliga de todos os vínculos com sua família de origem. Importante é frisar que a extinção, suspensão ou destituição do pátrio poder dos adotantes não restaura o dos pais biológicos (Art. 49, ECA).
Os principais efeitos patrimoniais gerados pelo instituto da adoção são os sucessórios e os relativos à prestação de alimentos. O artigo 227, § 6º da Constituição de 1988 estabeleceu a isonomia entre os filhos adotados e legítimos, dando aos dois os mesmos direitos, corrigindo as injustiças e discriminações anteriores, quanto aos direitos sucessórios.
Não há que se falar mais em filhos ilegítimos, visto que todos gozam dos mesmos privilégios, sendo proibidas todas e quaisquer discriminações em relação à condição de filho adotado ou legítimo. O adotivo hoje, por preceito constitucional, artigo 227, §6º da Constituição Federal, é tão filho como qualquer outro na condição de legítimo, sendo vedado qualquer tipo de discriminação.
A Constituição Federal de 1988 versa, no citado dispositivo, que:
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
O Código Civil também especifica a isonomia que cabe a todos os filhos:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente também traz a sua manifestação sobre o tema e dispõe sobre as suas condições:
Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
Manifesta-se sobre o assunto Silvio Rodrigues (2002, p. 387):
Tendo em vista a posição de filho do adotante, ele desfruta de todos os direitos que a lei confere aos descendentes, entre eles e no campo econômico aos direitos sucessórios e alimentícios. Creio necessário insistir na atual perpetuidade da adoção, uma vez que a lei vigente proclama ser ela irrevogável. Hoje a adoção cria um vínculo absoluto entre o adotado, o adotante e a família deste; portanto, decorrência lógica dessa solução legal é sua perenidade.
Desse modo, ao conferir tratamento isonômico aos filhos havidos naturalmente ou por adoção, a Lei Fundamental veda a edição de leis que tratem tais indivíduos de maneira desigual. Eis a tese do Professor Celso Antonio Bandeira de Melo (2005, p.286):
A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é conteúdo político ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.
A adoção nos moldes ora estabelecidos é irrevogável (art. 48). Uma vez que se estabelece a adoção, a sua sentença somente pode ser rescindida de acordo com os princípios processuais.
A morte dos adotantes ou do adotado não restabelece o vínculo originário com os pais naturais (art. 49). O menor pode ser adotado novamente, obedecendo aos requisitos
legais. Essa solução é tomada no caso da primeira adoção não ser bem-sucedida, perante a impossibilidade de sua revogação.
A adoção estatutária pressupõe perfeita integração do adotado em sua nova família, com desligamento de todos os vínculos biológicos com os pais e parentes naturais. Como corolário, o pátrio poder é assumido, por sua vez, pelo adotante, juntamente com todos os deveres respectivos, suprimindo-se o pátrio poder dos pais biológicos a partir da sentença que defere a adoção. A inscrição do adotado no registro civil consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes (art. 47, § 1º), permitindo-se, também, a pedido do adotante, a mudança de seu prenome (art. 47, § 5º).
O artigo 1.627 do Código Civil estipula que a decisão que decreta a adoção confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a mudança de prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado. Se for a mulher casada que adota, é seu sobrenome que é conferido ao adotado, e não o do seu marido, e vice-versa. Tudo faz o legislador para que a integração do adotado na sua nova família seja a mais completa possível.
Embora a lei iguale todos os direitos do adotado aos do filho legítimo e insira-o integralmente na família do adotante, os impedimentos matrimoniais são ressalvados. O impedimento matrimonial, por força do parentesco biológico, é irremovível, na esteira de razões morais, éticas e genéticas. Nesse diapasão, os impedimentos atingem o adotado com relação a ambas as famílias, a adotante e a biológica.
A adoção, como qualquer outro ato ou negócio jurídico, fica sujeita a nulidades ou anulabilidades, dentro das regras gerais estabelecidas. Nessas ações, geralmente serão interessados o adotante e o adotado, embora possa existir interesse de terceiros para essas ações: parentes, sucessores e legatários. O prazo prescricional para a ação decorrente de anulabilidade é de 10 anos (art. 205). O negócio nulo não prescreve (art. 169).
CONCLUSÃO
Diante disso, o que se pode concluir é que o ordenamento jurídico brasileiro tem uma boa abordagem sobre a adoção em si, mas também deveria instituir algumas
mudanças em relação à função social almejada pela adoção, que muitas vezes está sendo descumprida.
Diante dessas circunstâncias políticas e sociais, a adoção foi elencada no Código Civil de 1916, e posteriormente estabeleceu-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos dispondo sobre seu funcionamento. O novo Código Civil de 2002 adotou o mesmo posicionamento da Constituição Federal de 1988 sobre a condição de filho legítimo, atribuída ao filho adotado e a seus direitos na sucessão.
Tem-se o Projeto de Lei Nº 6.222/05, que traz algumas modificações, inclusive no tocante ao tempo de espera na fila para adotar, que diminuiu de quatro anos, em média, e passou para um a dois anos, no máximo. Também retirou os casais homossexuais da lista de pessoas aptas a adotar.
Alguns requisitos precisam ser preenchidos ao se adotar, dentre eles, o requisito da idade mínima para adotar, que é de dezoito anos, outro importante ponto sempre observado sendo o bem-estar do adotado prevalecendo em relação ao do adotante. A questão dos efeitos que o instituto da adoção traz em seu âmago revela-se principalmente no caráter de irrevogabilidade que se constitui ao adotar uma criança ou adolescente.
O Estado brasileiro não pode deixar que suas crianças e adolescentes continuem a aguardar nas filas de adoção dos abrigos, nas ruas, nas praças, no frio, na fome, à espera de um olhar de misericórdia dos que confundem dever social com caridade e assistencialismo.