Os Direitos Fundamentais e a Cegueira retratada por Saramago

Por Augusto Kummer | 08/05/2017 | Direito

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho se divide em dois capítulos, o primeiro sendo sobre direitos fundamentais e o segundo uma crítica baseada no livro Ensaio Sobre a Cegueira, do autor romancista, dramaturgo e poeta José Saramago.

A ideia é ler o artigo 1º ao 4º da Constituição Federal de 1988, e quando diz-se "ler", significa ler mesmo, sem aplicação de técnicas interpretativas, simplesmente ler de modo que qualquer brasileiro consiga compreender. Posteriormente é trazer a tona do autor Saramago, conforme exposta no livro Ensaio Sobre a Cegueira, criticando pontos considerados relevantes, os quais demonstram que a crítica do autor ainda se mantém.

Passando a concluir o trabalho sobre a reflexão de que se a constituição observa os direitos humanos e declara direitos fundamentais que embasam excelentes políticas públicas, por que essas não são efetivas?

Dessa forma, passamos a expor o presente trabalho. 

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

            Inicia-se o presente trabalho com a leitura do Título I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Apesar de o Título I comportar apenas quatro artigos, não podemos nos enganar, pois sua abrangência é gigantesca.

            Quando diz-se que ocorrerá a leitura, isso significa que, de fato, vamos ler as palavras, artigos e incisos, de modo simples, sem adentrar em interpretações complexas com apoio em teorias de interpretação hermenêutica do direito, com base em Heidegger e Gadamer. A ideia é ler de forma simples, de modo que qualquer criança, adolescente ou adulto consiga compreender.

            Iniciamos então com a leitura do artigo 1º do Título I daConstituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual se expressa da seguinte forma:"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (grifou-se).

            Estado Democrático de Direito.Isso quer dizer que ninguém está acima da Lei, nem mesmo o próprio Estado. Então a primeira garantia que foi dada ao povo brasileiro foi de que não haverá um Estado absolutista, pois este está vinculado a Lei assim como qualquer outro cidadão.

            O artigo 1ª se alonga e apregoa fundamentos do Estado, divididos entre cinco incisos, dos quais vamos frisar um, somente o inciso III, o qual é extremamente importante. Estamos falando da dignidade da pessoa humana, o qual não está no rol de direitos fundamentais à toa, há quem dica que constitui o princípio máximo do Estado Democrático de Direito. O princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta, por si só, um mundo de direitos fundamentais. Entre tantos conceitos, o que mais faz sentido no presente estudo, é o significado dado por Kant, no sentido de que as pessoas devem ser tratadas como um fim em si mesmas e não como um meio. Isso quer dizer que as pessoas não são um objeto e por isso não podem ser usadas e/ou manipuladas.

            Faz sentido a afirmação de Kant, ainda mais quando observamos o testificado no parágrafo único do artigo 1ª da CF de 1988:"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.(grifamos)". Ou seja, o poder é do povo e exercido pelo mesmo.

            E para que o Estado ficasse submetido as suas próprias Leis, o artigo 2º regulamentou a divisão dos poderes do Estado:"São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". A doutrina chama a divisão dos três poderes de sistema de freio e contra peso, expressão coerente, uma vez que a sinergia entre os poderes depende de colaboração, e na medida em que um poder não colabora com os outros, faz peso e/ou freia condutas indesejadas. Essa teoria separatista pertence a Montesquieu, a qual fora pensada em tempos que o Rei era livre para dizer "o estado sou eu".

            Na sequência adentraremos nos objetivos fundamentais, anunciados pelo artigo 3º, o qual, por si só, tem o condão de legitimar cem por cento das políticas públicas vigentes no país.A afirmativa anterior dá-se pela questão de que o artigo deixa claro que o Estado será solidário, garantirá o desenvolvimento, erradicará a pobreza, marginalização, reduzindo as desigualdades sociais regionais, com a promoção do bem estar de todos, indiferentemente da raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Segue na integra:

Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (grifamos). 

            Esse dispositivo constitucional diz tanto em tão poucas palavras que, se refletirmos sobre, acharemos todos os fundamentos necessários para as políticas públicas contemporâneas, como, por exemplo: Sistema de cotas, Assistência social (Loas), Financiamento estudantil (Fies), Bolsa Família, Minha casa minha vida e Sistema único de saúde (Sus).

            Por fim, no artigo 4º, expõe sua conduta perante questões internacionais, regida per 10 princípios, deixando claro que os direito humanos devem prevalecer, defesa da paz, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre povos de forma a fazer com que a humanidade progrida. Atuando no campo econômico, político, social e cultural dos povos da América Latina.

A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. (grifamos). 

            O artigo suprarreferido corresponde ao de boa vizinhança. Abre portas para estudos programas de estudos no exterior, representada pela política pública ciência sem fronteira, política financeira de incentivo fiscal na exportação, cooperação com países carentes através do uso de tropas na missão de paz no Haiti.

            Dessa forma, conclui-se a breve leitura do Título I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Como anteriormente proposto, fora uma leitura simples sem adentrar em teorias de interpretação.

            O objetivo do capítulo ora apresentando é, de certo modo, demonstrar que não se faz necessário centenas de artigos de Lei ou técnicas complexas de interpretação para fundamentar e garantir políticas públicas. Apesar de haver centenas (talvez milhares) de dispositivos legais que as garantam, sua efetividade não vem do positivismo da legislação, se aflora na conduta do sujeito, na sua moral.

            Por isso que, no próximo capítulo, serão abordadas falácias, ditos populares, informações despidas de veracidade, ajustadas para fazer com que o sujeito desvirtue sua conduta, deixando de ser solidário e passando a acreditar que para si somente há ônus e não bônus.     

3 CEGOS QUE VEEM, CEGOS QUE, VENDO, NÃO VEEM. 

            Inicialmente o leitor pode ficar um pouco confuso com o título escolhido e se perguntar o que este tem a ver com direitos humanos, direitos fundamentais e políticas públicas? Porém, a resposta é simples, o título nada mais é do que uma frase do autor romancista, dramaturgo e poeta José Saramago, a qual faz parte da obra Ensaio Sobre a Cegueira, romance retentor de uma bela crítica à ética do homem, diálogo que passa a expor.

            Como anteriormente dito, não precisamos de centenas ou milhares de dispositivos legais para embasar políticas públicas que garantam direitos fundamentais, a Constituição de 1988, somente em seu Título I, já faz isso em apenas quatro artigos. Porém, apesar de haver políticas públicas, essas são insuficientes, não pela falta de qualidade, atualmente o Brasil possui belíssimas políticas públicas para habitação, cultura e erradicação da pobreza.

            Mas ai nos perguntamos: se temos políticas públicas de qualidade, devidamente fundamentadas, o que falta para serem efetivas? Essa questão é complexa e depende de muitas variáveis para ser respondida, contudo, o presente trabalho tentará colaborar com a resposta, trazendo à baila a crítica do romance Ensaio Sobre a Cegueira, satisfazendo o que considera parte do problema ora enfrentado, a falta de ética, moral, o uso equivocado da razão.

            Não é à toa que o livro ganhou o Premiado Nobel da Literatura. Sua crítica a razão destorcida do homem é densa. Saramago constrói uma situação em que os cidadãos de uma cidade inteira acabam cegos, inicialmente dependentes do governo e posteriormente, quando os membros do governo também acabam cegos, da ajuda uns dos outros. Destaca que, mesmo um necessitando do outros, em meio a um caos total, não abrem mão de futilidades e costumes egoístas.

            Então, o termo "cego" corresponde a "não querer ver". Para alguém ser cego basta querer, como cita o livro "Se queres ser cego, sê-lo-ás", no sentido de não querer ver os problemas, ou os vendo lhe dá sentido diverso.

            Contemporaneamente podemos notar a "cegueira" citada por Saramago nas condutas egoístas do homem que interfere nas políticas públicas. Exemplo pode ser dado com o processo de impedimento, que, por meio de um seleto grupo de interessados, com capital suficiente para comprar autoridades públicas no poder executivo e judiciário, pararam o país inteiro pela busca do poder. Independentemente de quem estava certo sobre a questão, isso não importa para o estudo, o que importa é que tudo foi feito através de interesses egoístas, o qual acarretou na cegueira do povo através de informações obscuras e mentirosas de ambas as partes.

            Tanto a rede de televisão como a rede mundial de computadores contribuiu para a cegueira do povo, mediante devida remuneração, claro! Desde que cada um ganhe o seu "$" pouco importa o resultado.

            Um exemplo menos especulativo pode ser dado quando nos cegamos ao ponto de questionar políticas públicas distributivas as quais não nos encaixamos, é o caso de alguém que questiona os gastos do governo com o programa bolsa família sendo que se beneficia de outro programa governamental como crédito educativo. Apesar de comportarem propostas dispares, ainda assim, em sua essência, correspondem a oportunidades.

            Atualmente vivemos em tempos que a informação é rápida e abundante, porém pouco precisa. Isso nos leva a dois trabalhos, primeiro o de filtrar as informações de qualidade, segundo saber o que fazer com as informações. Observamos que apesar de haver muito o que olhar pouco enxergamos, não aproveitamos as informações trazidas até nos, ou aproveitamos de modo equivocado, sem a devida observância do que de fato representam.

            O livro de Saramago cita: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara". Ou seja, precisamos reparar mais, pensar mais, avaliar mais as questões ao nosso redor, caso contrário seremos um povo cego.

            Os direitos humanos, os direitos fundamentais e as políticas públicas estão ao nosso redor, convivemos com esta, essa e aquela diretamente e/ou indiretamente. Seja por participar de alguma política pública específica, seja por se beneficiar comercialmente dessas, e quando repudiamos isso, estamos nos segando propositalmente, Saramago testifica: "Costuma-se até dizer que não há cegueiras, mas cegos, quando a experiência dos tempos não tem feito outra coisa que dizer-nos que não há cegos, mas cegueiras".

            Enfim, a crítica que se quer expor é referente a ética, moral e razão distorcida do homem, fatores que desconstroem qualquer política pública de qualidade. Não adianta observar os direitos humanos e fundamentais e, com base nessas, criar políticas públicas de excelência no papel se a conduto do homem não seguirá a mesma excelência.

            Assim, antes de tudo, de expor qualquer ponto de vista, devemos observar se estamos fazendo enxergando ou não, caso contrário, cegos sempre seremos, conforme Saramago escreve:

Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. 

4 CONCLUSÃO 

Dessa forma, conclui-se que não há omissão legislativa referente a direitos humanos e fundamentais. Que a simples leitura do artigo 1º ao 4º da Constituição Federal de 1988 deixa claro o embasamentos das políticas públicas vigentes no país. Também observamos que de fato o Brasil tem boas políticas públicas, políticas de qualidade. Porém não basta haver políticas públicas de excelência quando os interesses egoístas do ser humano atuam distorcendo a ética, moral e razão, o qual acaba se cegando.

 REFERÊNCIAS 

BRASIL. Constituição Federal 1988. In: Vade Mecum. 11ª. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015.

SARAMAGO, JOSÉ. Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.