OS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Por CAMILA MENEZES SOUZA CAMPELO | 03/02/2016 | Direito

OS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

 

Inicialmente, este capítulo trará as diversas denominações das pessoas com deficiência, muitas delas com sentido difamatório e depreciativo. Trará, também, o avanço de sua conceituação, que evoluiu de uma definição puramente médica, ligada exclusivamente à questão da deficiência em si, para um conceito social, que envolve toda a sociedade para o problema da deficiência, se preocupando com a integração da pessoa e com a mobilização social para a eliminação das barreiras por elas enfrentadas. Enfim, será realizada uma análise dos dispositivos constitucionais que garantem direitos às pessoas com deficiência para que haja maior integração à sociedade, focando nos princípios fundamentais: princípio da igualdade, dignidade da pessoa humana, princípio da solidariedade e autonomia, que são tão bem difundidos e protegidos pela nossa Constituição.

 

Histórico das nomenclaturas: do preconceito à tentativa de inclusão

 

As pessoas com deficiência, ao longo da história, sofreram diversas formas de discriminação, e uma delas se deu através das diversas denominações pejorativas pelos quais já foram chamadas, a exemplo de “mongoloides”, “pessoas defeituosas”, “inválidos”, “incapazes”, “excepcionais”, “indivíduos com capacidade residual”, quando sempre se focava no lado negativo da deficiência em si, reforçando o que as pessoas não conseguiam fazer como a maioria.

Posteriormente, surgiram outras denominações que não tinham a intenção de serem pejorativas, mas que ainda não definiam de forma correta esse grupo de pessoas. Citamos algumas delas:

a)   Pessoas Deficientes - apesar do avanço em relação às outras por aparecer a figura da pessoa como ser humano, ela não é adequada, pois enfatiza a deficiência em detrimento da pessoa;

b)   Pessoas Portadoras de Deficiência – é errônea da mesma forma, pois quem porta algo pode deixar de portar, e a deficiência faz parte da pessoa; ela tem uma deficiência e não é “portadora dela”, ou a carrega. Nessa definição há uma clara valorização da deficiência, que é tratada como objeto;

c)   Pessoas com Necessidades Especiais - que também não é uma nomenclatura adequada, uma vez que necessidades especiais também englobam todas as pessoas que necessitam de atenção especial, como crianças, mulheres grávidas e idosos, não sendo, pois, exclusiva para pessoas com deficiência, sendo mais genérica. Como explica Sassaki:

A expressão pessoa com necessidades especiais é um gênero que contém as pessoas com deficiência, mas também acolhe idosos, as gestantes, enfim, qualquer situação que implique tratamento diferenciado. Igualmente se abandona a expressão pessoa portadora de deficiência com uma concordância em nível nacional, visto que as deficiências não se portam, o que tem sido motivo para que se use, mais recentemente a forma pessoa com deficiência. (2003).

A mais recente e correta denominação utilizada oficialmente é a expressão Pessoa com Deficiência, que foi adotada a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, cujo documento final foi assinado em Nova York, em 30 de março de 2007, e promulgada pelo Brasil, passando a vigorar através do Decreto nº. 6.949 de 25 de agosto de 2009. Esse Tratado foi o primeiro documento internacional sobre direitos humanos que o país deu status de Norma Constitucional, uma vez que a Convenção da ONU foi aprovada pelo Congresso Brasileiro, atendendo ao §3º do art. 5º da Constituição Federal, sendo um grande avanço das pessoas com deficiência no Brasil. Apesar de ser a nomenclatura oficial empregada, nossa legislação em muitas passagens utiliza a denominação pessoas portadoras de deficiência[1].

No Brasil, tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996, o uso do termo portador de deficiência (e suas flexões no feminino e no plural). Pessoas com deficiência vêm ponderando que elas não portam deficiência; que a deficiência que elas têm não é como coisas que às vezes portamos e às vezes não portamos (por exemplo, um documento de identidade, um guarda-chuva). O termo preferido passou a ser pessoa com deficiência. Aprovados após debate mundial, os termos ‘pessoa com deficiência’ e ‘pessoas com deficiência’ são utilizados no texto da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em fase final de elaboração pelo Comitê Especial da ONU (SASSAKI, 2002, p. 07).

A expressão Pessoa com Deficiência, diferentemente das outras acima mostradas, valoriza a pessoa humana, respeitando a sua dignidade sem aquela antiga relação negativa com a deficiência que existia nas denominações anteriores.

A busca pela utilização de uma terminologia correta é de extrema importância para o avanço do alcance desses, uma vez que facilita a identificação do grupo que busca a efetivação de seus direitos, facilita a aproximação das pessoas com a causa, além de ser uma questão de honra, de dignidade e respeito com essas pessoas. Conforme Michele Dias Bublitz,

Encontrar a terminologia melhor adequada para designar um grupo de pessoas é de fundamental importância para a sua proteção jurídica, pois também pela linguagem se revela ou se oculta o respeito ou a discriminação. Vale ainda ressaltar que o destaque que se procura conferir às terminologias em comento deriva do fato de que a questão semântica, sobretudo na seara dos direitos fundamentais, tem uma perspectiva de inegável valor. Dizer que as palavras são apenas palavras e não servem para modificar a realidade é uma inverdade, ainda mais quando de fácil assimilação passam para o jargão e o gosto popular, podendo gerar mais preconceitos e tornarem-se até ofensivas (2015, p. 22).

Da mesma forma se posiciona Sassaki (2002, p. 01), quando afirma que

Os termos são considerados corretos em função de certos valores e conceitos vigentes em cada sociedade e em cada época. Assim, eles passam a ser incorretos quando esses valores e conceitos vão sendo substituídos por outros, o que exige o uso de outras palavras. Estas outras palavras podem já existir na língua falada e escrita, mas, neste caso, passam a ter novos significados. Ou então são construídas especificamente para designar conceitos novos. O maior problema decorrente do uso de termos incorretos reside no fato de os conceitos obsoletos, as ideias equivocadas e as informações inexatas serem inadvertidamente reforçados e perpetuados.

Essa falta de nomenclatura correta, tendo em vista que ela sempre está evoluindo conforme o momento histórico da sociedade e os valores de cada época, não significa que não devemos buscar uma denominação mais próxima da realidade vivida, a fim de evitar a utilização dos temos depreciativos e a propagação do preconceito que essas denominações ultrapassadas carregam, que estigmatizam as pessoas com deficiência, além de disseminar ideias erradas e infundadas a respeito das mesmas.

A evolução dos conceitos

 

A partir do século XX, principalmente, começaram diversos movimentos internacionais de luta pelos direitos da pessoa com deficiência, onde diversos temas foram debatidos para assegurar a efetivação desses direitos, tendo um importante objetivo sendo alcançado, a conceituação de pessoa com deficiência.

A mais recente definição que conseguiu de forma clara e sem preconceitos definir pessoa com deficiência ocorreu com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que se segue:

Art. 1º: Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2009).

A Convenção traz um conceito que aponta para como a deficiência se manifesta perante a sociedade, dando menos importância a simples constatação médica da deficiência em si e priorizando a dimensão social, os efeitos sociais da deficiência. Ela não deve ser entendida como uma falha, falta ou carência de um indivíduo, nem mesmo como sinônimo de doença, mas como uma dificuldade de interação social.

Um importante fato sobre a conceituação correta, da mesma forma que acontece com a denominação, é que é impossível se chegar a uma verdade absoluta, como a própria Convenção em seu preâmbulo na alínea “e” versa que existe essa mutação de conceitos, que irão variar e evoluir ao longo do tempo e momento histórico, vejamos:

[...] e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Esses conceitos de deficiência mostram a grande evolução frente a conceitos anteriores, a exemplo do previsto na Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, que ocorreu em 1999 e foi ratificada pelo Brasil com a promulgação do Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001, em seu artigo 1, que assim define:

Artigo I

Para os efeitos desta Convenção, entende-se por:

1. Deficiência

O termo ‘deficiência’ significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social (BRASIL, 2001).

Nessa conceituação, qualquer dificuldade ou limitação corporal, permanente ou temporária, tem a possibilidade de ser classificada como deficiência, o que acaba generalizando o conceito de deficiência.

Muitos outros conceitos foram anteriormente propostos com o objetivo de incluir corretamente as pessoas com deficiência, e garantir seus direitos básicos. O primeiro conceito data de 1975, na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, que foi promulgada na Assembleia Geral da ONU através da Resolução nº 3.447, que assim trazia em seu artigo 1º:

1. A expressão ‘pessoa deficiente’ designa qualquer pessoa incapaz de satisfazer por si própria, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida normal individual e/ou social, em resultado de deficiência, congénita ou não, nas suas faculdades físicas ou mentais.

Outro conceito importante foi o da Convenção nº 159 de 1983, Convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes, da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Brasil através do Decreto nº 129 de 1991, vejamos:

1 - Para efeitos desta Convenção, entende-se por "pessoa deficiente" todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada.

Por fim temos o Decreto nº 3.298/99, arts. 3º e 4º, que foi complementado pelo Decreto nº 5.296, de 2004, que instituiu a política nacional para a integração da pessoa com deficiência, in verbis[2]:

Art. 3o  Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano (BRASIL, 1999).

A redação desse texto passou a ser exemplificativo, e não taxativo, depois da aprovação do conceito proposto pela Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi incorporada pela Legislação brasileira, passando este a ser o oficialmente considerado. Entretanto, o texto do Decreto nº 5.296, de 2004, é ainda utilizado como um conceito prático, para identificar a pessoa com deficiência de modo a garantir os direitos existentes na legislação brasileira. Deve-se, portanto, demostrar o enquadramento em algum tipo de deficiência apontado acima para ser beneficiário desses direitos.

Alguns conceitos importantes propostos por órgão internacionais e que tiveram influência mundial são os da Organização Mundial da Saúde (OMS) na Classificação Internacional do Funcionamento, da Deficiência e da Saúde, denominada CIF, que propõe um conceito unificando o “modelo médico” e o “modelo social”, de modo que exista uma relação indivíduo e meio ambiente, com interferências mútuas uma sobre a outra, apesar de ser um conceito relacionado a saúde, ela abrange a qualidade de vida da pessoa.

As definições de deficiência e incapacidade dados pela OMS no Programa de Ação Mundial para as Pessoas Deficientes são:

Deficiência: Toda perda ou anomalia de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica.

Incapacidade: Toda restrição ou ausência (devido a uma deficiência), para realizar uma atividade de forma ou dentro dos parâmetros considerados normais para um ser humano.

[...] a incapacidade existe em função da relação entre as pessoas deficientes e o seu ambiente. Ocorre quando essas pessoas se deparam com barreiras culturais, físicas ou sociais que impedem o seu acesso aos diversos sistemas da sociedade que se encontram à disposição dos demais cidadãos. Portanto, a incapacidade é a perda, ou a limitação, das oportunidades de participar da vida em igualdade de condições com os demais (ONU, 1999).

A história dos conceitos aplicados às pessoas com deficiência deve-se à existência do conceito baseado no modelo médico, que durou por muitos anos, mas que já se encontra superado pelo modelo social que é o aplicado atualmente, com algumas inclusões. Existiu, ainda, um outro modelo anterior aos dois acima mencionados, que é o modelo de prescindência, que ligam a deficiência a um motivo religioso, ou seja, a deficiência seria um “castigo divino”.

O “modelo médico”, que surgiu no final da Primeira Guerra Mundial, é baseado no fato de que uma lesão ocorrida no corpo de uma pessoa levava à deficiência, ou seja, levava-se em consideração apenas as consequências da doença que se manifestam externamente no corpo da pessoa, sem considerar os fatores externos ou ambientais, que interferem no desenvolvimento de cada pessoa. Era como se a culpa da deficiência fosse do indivíduo que não estava adequado para viver naquele ambiente. Eram vistos como incapazes, defeituosos, ou seja, a pessoa possuía uma inadequação em relação a sociedade. Esse modelo foi um grande empecilho para a inclusão das pessoas com deficiência, pois quem tinham que resolver seus “problemas” eram exclusivamente eles.

O “modelo social” surgiu em meados de 1960, e entende que a deficiência decorre de problemas originados pela sociedade, uma vez que é o contexto social que gera a exclusão. O problema não é mais do indivíduo, mas sim de toda a sociedade, que deve fazer o necessário para a adaptação e inclusão ao meio social das pessoas com deficiência. A não adaptação da sociedade leva as pessoas com algum tipo de lesão a experiência da deficiência. “Esse modelo baseia-se nos direitos humanos e na pessoa como sujeito de direito. ” (MADRUGA, 2013).

Nas palavras de Marcelo Medeiros e Débora Diniz (2004, p. 108),

O ponto de partida teórico do modelo social é de que a deficiência é uma experiência resultante da interação entre características corporais do indivíduo e as condições da sociedade em que ele vive, isto é, da combinação de limitações impostas pelo corpo com algum tipo de perda ou redução de funcionalidade (‘lesão’) a uma organização social pouco sensível à diversidade corporal. A lesão seria uma característica corporal, como seria o sexo ou a cor da pele, ao passo que deficiência seria o resultado da opressão e da discriminação sofrida pelas pessoas em função de uma sociedade que se organiza de uma maneira que não permite incluí-las na vida cotidiana. É possível uma pessoa ter lesões e não experimentar a deficiência, a depender de quanto a sociedade esteja ajustada para incorporar a diversidade.

O modelo médico, apesar de não abordar de forma totalmente correta o problema da deficiência, trouxe muitos avanços em relação ao reconhecimento de suas garantias específicas, na tentativa de adequá-las ao meio, já que o problema era individual. Desta forma, criou-se a educação especial, a reabilitação, como forma de adequar a pessoa com deficiência à sociedade. Já o modelo social, vê o problema na falta de adequação da sociedade, que faz com que nem todos os seres humanos estejam adaptados a viver de forma igualitária no ambiente que os rodeiam, sendo o contexto social o excludente.

Madruga (2013, p. 20) afirma que

[...] a deficiência, do ponto de vista social, implica admitir que o ‘problema’ não está no indivíduo e sim no próprio comportamento estigmatizante em relação àqueles taxados de ‘diferentes’, e, por esse motivo, inferiorizados e discriminados. Significa que o ‘problema’ tem raízes sociais, econômicas, culturais e históricas, e sua resolução passa por uma sociedade acessível a todos os seus membros, sem distinção. Significa dizer que a deficiência é uma questão de direitos humanos.

Verifica-se que o modelo social foi relevante para diminuir a vitimização da deficiência, no sentido de que não pode se voltar exclusivamente para os aspectos físicos da deficiência, uma vez que o reflexo desta é a exclusão social.

Apesar de o modelo social ser ainda utilizado atualmente, há críticas a algumas de suas premissas teóricas, como a independência absoluta. Essa crítica é feita pela filosofia feminista, que acredita não ser apenas uma inclusão em relação aos obstáculos físicos, suficiente para gerar a completa independência das pessoas com deficiência. Na verdade, a existência de outros fatores impede a sua completa inclusão, pois cada deficiência possui a sua limitação, umas possuindo complicações maiores que outras, devendo ser considerados outros pontos, como raça, gênero, idade, orientação sexual, status social e financeiro, além das variáveis psicológicas.

O acréscimo da teoria feminista ao modelo social torna-o o mais adequado atualmente, visto que se encaixa melhor no que se pretende nos dias de hoje, que é uma aproximação com os direitos humanos, principalmente com a dignidade da pessoa humana e sua autonomia, solidariedade, igualdade e individualidade.

Existem, ainda, outros modelos emergentes. Citando alguns exemplos, temos o modelo de diversidade, que tem como ideia principal a exaltação do valor da diversidade, e o modelo de identidade ou sociocultural, que é defendido pela “comunidade surda”. Este último considera que a “comunidade surda” constitui um grupo com valores e identidade comuns e próprios, erguida em torno do uso da língua de sinais – no Brasil, chamada de língua brasileira de sinais (Libras), a qual deve ser preservada, respeitada e promovida.

Ao analisar os conceitos acima, nota-se uma preocupação não só com o conceito geral de deficiência e quais são as pessoas que preenchem os requisitos para se enquadrar como pessoa com deficiência, mas também há uma preocupação com a deficiência no mercado de trabalho e como o reconhecimento dessas pessoas pode garantir direitos que lhes possibilitem que o princípio da igualdade seja respeitado.

Desta forma, podemos concluir que a definição mais coerente, atualmente, de deficiência não é a falta de visão, audição ou de algum membro, mas sim a dificuldade que essa pessoa tem de se integrar à sociedade, os obstáculos que o convívio em sociedade traz, sejam barreias arquitetônicas ou atitudinais, demonstrando claramente uma visão social do conceito de deficiência.

Direitos e garantias presentes na Constituição Federal de 1988

 

A nossa Constituição, assim como outros documentos internacionais, prevê a igualdade de direitos entre todos os indivíduos. Neste expoente, existem diversos dispositivos legais que mostram e garantem a aplicação desses direitos.

A Constituição brasileira, no tocante aos direitos da pessoa com deficiência, garante a igualdade no tratamento, no acesso à educação, saúde, trabalho, lazer, enfim, todas os direitos sociais presentes no art. 6º da CF de 1988, que não é taxativo, abrindo a possibilidade para que outros direitos sociais não presentes neste artigo também sejam garantidos.

Dispositivos constitucionais e a garantia ao trabalho da pessoa com deficiência

A Constituição de 1988 apresenta diversos dispositivos que, baseados no princípio da igualdade, da autonomia e na dignidade da pessoa humana, protegem às pessoas com deficiência. Essa Constituição é a que possui mais avanços em relação aos direitos das pessoas com deficiência, refletindo as conquistas desse grupo que por muitos anos ficou à margem do nosso ordenamento jurídico.

Logo no seu artigo de abertura, a Constituição preocupou-se em colocar como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político (BRASIL, 1988).

Temos, desta forma, que a pessoa com deficiência, para ter seus direitos constitucionais atendidos, deve ter livre acesso e livre escolha sobre qual trabalho quer realizar, e o não atendimento deste direito fere a nossa Lei maior.

Existem outros inúmeros artigos que defendem a igualdade de todos perante a lei, não podendo existir nenhuma distinção de qualquer natureza, conforme expõe o art. 7º:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (BRASIL, 1988).

O art. 7º traz bem especificamente a questão da não discriminação salarial e da admissão das pessoas com deficiência, que devem ter as mesmas condições de concorrer a um cargo de emprego com qualquer outra pessoa, em conformidade com o art.5º da Constituição, que trata sobre o princípio da igualdade.

Os arts. 23 e 24 tratam da competência legislativa para questões relacionadas a pessoas com deficiência, sendo o art. 23 direcionado à competência material e o art. 24 à competência concorrente entre os entes federativos, in verbis:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...].

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...].

XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (BRASIL, 1988).

Temos, então, que cabe a todos os entes federativos o cuidado e a proteção da pessoa com deficiência, cabendo ao Legislativo a criação das leis; e à União, aos Estados e ao Distrito Federal, a competência administrativa, ou execução dessas leis.

O município também pode legislar sobre alguns assuntos, como a saúde, a assistência pública, a proteção e integração social, mas de maneira suplementar à legislação federal e estadual.

No que diz respeito ao Direito Público, a Administração Pública deve reservar vagas em seus concursos públicos para as pessoas com deficiência:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

 VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão (BRASIL, 1988).

Esse artigo trata sobre a reserva de mercado para as pessoas com deficiência, sendo uma forma de apoio do Estado para incluir aqueles que não possuem as mesmas condições de concorrer a uma vaga de trabalho. Essa reserva garantida pela Constituição depende de elaboração de lei específica para fixar os critérios de admissão.

As leis que regulamentam o art. 37, inciso VIII, são a Lei nº 8.112/1990, que em seu art. 5º, §2º, determina a reserva de 20% das vagas para pessoas com deficiência, e o Decreto nº 3.298/1999, no seu art. 37, que determina que o mínimo de vagas para as pessoas com deficiência deve ser de 5%.

A reserva de cargos não se limita aos cargos públicos, mas também aos cargos de empresas particulares, tendo como regulamentação a Lei de Cotas (Lei nº. 8.213 de 1991), que determina o seguinte percentual:

Art. 93 - a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção: - até 200 funcionários.................. 2%, - de 201 a 500 funcionários........... 3%, - de 501 a 1000 funcionários......... 4%, - de 1001 em diante funcionários... 5% (BRASIL, 1991).

A intenção da igualdade de tratamentos entre todas as pessoas pela Constituição, inclusive as pessoas com deficiência, fica clara nos artigos que tratam da aposentadoria e previdência social:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

[...].

 § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I – portadores de deficiência;

[...].

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

[...]

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (BRASIL, 1988)

Outro artigo importante para a inclusão social das pessoas com deficiência, inclusive no mercado de trabalho, encontra-se no art. 203, uma vez que determina que o Estado é responsável por prestar assistência e proteger as pessoas com deficiência, de modo a integrá-la à sociedade de forma efetiva, a fim de que esta possa estar em situação equivalente com os demais:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988).

A diferença entre o art. 201 e art. 203 é que no primeiro só terá assegurada a previdência social aquele que contribuiu com a mesma; já no art. 203, o direito à assistência independe de qualquer contribuição monetária. A assistência é de fundamental importância, uma vez que determinadas deficiências possuem alto grau de gravidade, impossibilitando a pessoa de trabalhar e, consequentemente, contribuir com a previdência.

Outro ponto importante do art. 203 é a habilitação e a reabilitação profissional do inciso IV, que foi um avanço da Constituição de 1988, pois a legislação anterior tratava apenas da readaptação e da reeducação de segurados que percebiam auxílio-doença, aposentados e pensionistas inválidos. A habilitação e a reabilitação alcançam um maior número de pessoas, visto que vale para aqueles que não tiveram a oportunidade de trabalhar. O inciso V trata sobre o benefício assistencial, não importando se o beneficiário contribuiu ou não com o regime previdenciário.

O art. 208 fala sobre a educação das pessoas com deficiência como dever do Estado. Um fato importante sobre esse artigo é que o atendimento educacional prioriza a rede regular de ensino, mostrando a vontade de inclusão sem discriminação.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988).

Por fim, houve uma preocupação do legislador com a acessibilidade da pessoa com deficiência 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

[...].

II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

[...].

Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º (BRASIL, 1988).

Ao falar que é dever da família, da sociedade e do Estado, o legislador afirma que todos devem estar juntos na luta por uma sociedade mais justa e igualitária, unindo esforços para a máxima inclusão das pessoas com deficiência, já que, como vimos, as barreiras vão além das físicas, englobando as atitudinais.

Concluímos que a Constituição de 1988 trouxe diversos dispositivos legais que asseguram direitos às pessoas com deficiência, porém nota-se uma certa dificuldade de aplicação desses dispositivos, visto que há a necessidade de criação de leis especificas para que possa haver resultados mais concretos e efetivos.

 

A importante relação entre os direitos fundamentais constitucionais e a pessoa com deficiência

 

Hoje é praticamente impossível falar dos direitos das pessoas com deficiência sem fazer uma relação com os direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais, que são garantias que atingem a todas as pessoas de forma indistinta, é uma prova de que temos que proporcionar certos “benefícios” às pessoas com deficiência para que estas possam ter acesso às mesmas oportunidades oferecidas às outras pessoas. Neste sentido, deve-se criar leis, melhorar os acessos físicos, educacionais e trabalhistas, de forma a ocorrer uma integração efetiva. Para proporcionar essa igualdade de oportunidades, é preciso haver um tratamento diferenciado, como algumas garantias e direitos específicos. Não se trata de direitos especiais, mas sim de leis especificas para que haja uma equivalência de oportunidades. A lei deve garantir que não haja espaço para que o preconceito e a falta de informação excluam ainda mais as pessoas com deficiência, pois já existem inúmeras outras dificuldades que eles têm que enfrentar (barreiras físicas, atitudinais), e o preconceito, infelizmente, acaba sendo uma das maiores vicissitudes a serem enfrentadas.

A seguir falaremos dos princípios fundamentais presentes na Constituição de 1988, como a garantia à dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade, da autonomia e da solidariedade.

 

Dignidade da pessoa humana

 

Um dos primeiros documentos a reconhecer o trabalho como direito inalienável do ser humano foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789, mas este só toma uma escala mundial com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A preocupação com a igualdade entre as pessoas começa com uma força maior após duas guerras mundiais, principalmente após a Segunda Guerra, quando foi violado o mais importante dos direitos inerentes à pessoa, que é a vida. Com isso, viu-se a necessidade de garantir os direitos dos indivíduos, proteger-lhes das atrocidades que ocorreram nas Grandes Guerras, surgindo, assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento da luta universal contra a opressão e a discriminação, que declara:

Artigo I. Todas os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo II. 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (ONU, 1948).

Com a Declaração de 1948, a dignidade da pessoa humana passou a ser considerada intrínseca a existência humana, sua essência. Foi um importante documento para o avanço na conquista dos direitos do homem a nível universal. Como declara Paulo Gustavo Gonet Branco (2015, p. 327),

 [...] os direitos fundamentais, que, antes, buscavam proteger reivindicações comuns a todos os homens, passaram a, igualmente, proteger seres humanos que se singularizam pela influência de certas situações especificas em que apanhados. Alguns indivíduos, por conta de certas peculiaridades, tornam-se merecedores de atenção especial, exigida pelo princípio do respeito à dignidade humana. Daí a consagração de direitos especiais aos enfermos, aos deficientes, às crianças, aos idosos... O homem não é mais visto em abstrato, mas na concretude das suas diversas maneiras de ser e de estar na sociedade.

Vemos, portanto, a grande importância do princípio da dignidade da pessoa humana, no sentido de que esta individualiza as necessidades de cada um. Isso faz com que a criação e a busca pelos direitos sejam direcionadas para determinado grupo de forma específica, de modo a tornar mais efetivas as necessidades destes, multiplicando, assim, os direitos, bem como a necessidade de se criar novas leis para atender às particularidades dos seres humanos.

A partir desse momento, começa-se a luta pelos menos favorecidos, uma luta para que todos possam ter as mesmas oportunidades e deixem de ser excluídos pela sociedade.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU também faz referência à dignidade da pessoa com deficiência, mostrando o quanto é importante que ela seja respeitada, quando traz em seu preâmbulo

[...] a) Relembrando os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, que reconhecem a dignidade e o valor inerentes e os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (DECRETO nº 6.949, 2009.). 

 Assim como em seu art. 1º, que expõe seu objetivo:

O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente (DECRETO nº 6.949, 2009.). 

Também faz referência no seu artigo 8º:

[...] Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para: a) Conscientizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência (DECRETO nº 6.949, 2009.).

 A Carta Magna brasileira também reconhece, pela primeira vez, tendo em vista que o princípio da dignidade da pessoa humana não aparece nas Constituições anteriores, a grande importância de se tratar sobre a dignidade humana em seu texto nos arts. 1º, III, e 226.

Como vimos, o princípio da dignidade da pessoa humana é bastante disseminado nos documentos internacionais e na nossa Constituição, se tratando de um direito fundamental, ou seja, está no ápice de nossas normas, devendo todas as outras normas observarem e respeitarem esse direito. Embora tenha papel de destaque, a dignidade da pessoa humana, especificamente a dignidade da pessoa com deficiência, não possui a efetividade que se espera para que todos possam gozar, dentro do limite de cada um, dos mesmos direitos e das mesmas oportunidades, afim de termos uma sociedade mais justa e igualitária.

 

Princípio da Igualdade

 

O princípio da igualdade possui dois desdobramentos quanto à sua interpretação e aplicação, quais sejam, a igualdade formal e a igualdade material, assim definidas:

A igualdade formal é a que se encontra no art. 5º da Constituição Federal de 1988, que afirma: “[...] todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Esta é a igualdade perante a lei, em que as pessoas devem ser tratadas sem qualquer distinção, não podendo existir privilégios ou diferenças de tratamento.

Por ser um princípio constitucional, o art. 5º é utilizado para interpretar todo o texto constitucional e infraconstitucional, cuidando apenas da aplicação do direito, de forma igual e sem distinções.

Um exemplo de igualdade formal está presente no art. 7º, inciso XXXI, da Carta Maior, que mostra que o tratamento igual deve se estender à relação de trabalho, proibindo qualquer forma de discriminação, tanto para os salários quanto para critérios de admissão.

Essa aplicação formal e igualitária da lei, que não permite qualquer distinção, tem como objetivo a proteção do indivíduo, da liberdade do cidadão contra o Estado, o polo mais forte da relação. Não se mostrou eficaz para diminuir as desigualdades entre as pessoas.

Já em relação à igualdade material, o texto constitucional traz que certos grupos necessitam de proteção especial, no sentido de “desigualar para igualar”. Este caso se refere a uma igualdade na lei que visa proteger grupos determinados, situações específicas e certos valores, como no caso de gestantes, trabalhadores, indígenas, meio ambiente, pessoas com deficiência e quem ou o que necessite de atenção especial. Trata-se de uma igualdade real, de fato e efetiva.

O princípio da igualdade material está presente nos artigos 1º e 3º da Constituição, e pretende dar as mesmas condições para todos, protegendo, assim, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. O privilégio é dado para alguns para que todos estejam equiparados quanto às relações sociais, tendo como base a justiça social e distributiva.

Outro exemplo da aplicação da igualdade material são as políticas afirmativas, que como veremos posteriormente, são destinadas a certos grupos que vivem à margem da sociedade ou sofrem, hoje, o tratamento concedido aos seus antepassados, criadas para conceder-lhes igualdade de oportunidades.

O princípio da igualdade material e formal são igualmente corretos, tendo cada um a sua aplicação dependendo do caso concreto, mas a utilização da igualdade material tem maior importância na defesa da igualdade de oportunidades que se busca para as pessoas com deficiência.

 

Princípio da Autonomia

 

Segundo Aurélio Buarque de Holanda, autonomia é “1. Faculdade de se governar por si mesmo; 2. Direito ou faculdade de se reger (uma nação) por leis próprias; 3. Liberdade ou independência moral ou intelectual; 4. Ét. Condição pela qual o homem pretende escolher as leis que regem sua conduta. ” (1988, p.203).

Como exposto acima, a autonomia está relacionada à capacidade de ação, de tomar as decisões que regulam a sua vida; enfim, significa total liberdade para seguir suas próprias escolhas, acarretando a liberdade ou independência moral.

O princípio da autonomia encontra-se previsto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, abaixo: 

Art. 3 Os princípios da presente Convenção são:

a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;

Artigo 16: Prevenção contra a exploração, a violência e o abuso

4.Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para promover a recuperação física, cognitiva e psicológica, inclusive mediante a provisão de serviços de proteção, a reabilitação e a reinserção social de pessoas com deficiência que forem vítimas de qualquer forma de exploração, violência ou abuso. Tais recuperação e reinserção ocorrerão em ambientes que promovam a saúde, o bem-estar, o auto-respeito, a dignidade e a autonomia da pessoa e levem em consideração as necessidades de gênero e idade (DECRETO nº 6.949, 2009.).

A garantia do princípio da autonomia é de suma importância para as pessoas com deficiência, uma vez que é o reconhecimento de que elas são capazes de decidir seu próprio destino, tendo assim, uma vida independente, baseada em suas próprias escolhas.

Existe uma limitação muita séria em relação a esse princípio, pois a sociedade, de maneira geral, não enxerga as pessoas com deficiência como capazes de tomar decisões sozinhas, pois ainda existe uma grande falta de informação e uma imagem de que são seres frágeis e incapazes.

A própria legislação brasileira limita essa autonomia em seu Código Civil, quando trata sobre a curatela, no art. 1.767. Vejamos: 

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V - os pródigos (BRASIL, 2002).

A curatela tolhe a autonomia das pessoas com deficiência, pois limita as suas escolhas, que passam a ser tomadas por terceiros. Esse artigo do Código Civil vai totalmente de encontro à Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui força normativa de Constituição. A Convenção em seu artigo 12 traz:

Artigo 12: Reconhecimento igual perante a lei

1.Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei.

2.Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida.

3.Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. 

4.Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa. 

5.Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens (DECRETO nº 6.949, 2009.).

Verificamos que o princípio da autonomia precisa de uma aplicabilidade mais extensiva no Brasil, que tem a sua efetividade limitada pela própria legislação. Faz-se necessário que o Código Civil, como norma infraconstitucional, não seja aplicado em detrimento da Convenção das Pessoas com Deficiência, que possui força normativa maior.

 

Princípio da solidariedade

 

A solidariedade é um dos princípios mais importantes da atualidade, considerando que o que vivemos hoje é uma sociedade individualista, extremamente consumista, onde a preocupação maior é com bens e não com pessoas. A solidariedade vem para amenizar essa individualidade proposta pelo neoliberalismo, de forma que o outro possa ser enxergado. No caso da pessoa com deficiência, deve-se passar a enxergar as limitações pelos quais eles passam, para que a sociedade como um todo se mobilize para diminui-las.

O princípio da solidariedade vem tirar um pouco do individualismo presente no princípio da dignidade humana, vez que nesta a preocupação está centrada na figura do indivíduo, em garantir os direitos daquele indivíduo específico. Já a solidariedade é a preocupação com o outro, com o bem-estar coletivo, é a luta em favor do bem comum. Por isso é sempre importante relacionar estes dois princípios.

A solidariedade nasce da existência da diferença, pois alguns devem abrir mão de interesses próprios em favor de interesses de terceiros, em prol de uma equivalência de oportunidades e do bem coletivo.

A própria Constituição, em seu art. 3º, inciso I, propõe que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária (BRASIL, 1988). Nota-se que é dever do Estado implementar medidas para assegurar, por meio da elaboração de leis, uma vida justa e digna a todas as pessoas.

O grande problema é que, além das dificuldades enfrentadas pelas limitações da deficiência, as pessoas com deficiência sofrem a exclusão do meio social, exatamente pela não aplicação efetiva desses princípios fundamentais. A lei existe, assim como os direitos, mas a falta de aplicabilidade dos mesmos torna essas leis obsoletas.

Apesar de o Estado ter um papel de maior destaque de proteção das pessoas com deficiência, não podemos deixar de falar que cabe à sociedade, também, trazer essa responsabilidade para si, buscando meios alternativos e exigindo a concretização desses direitos. Daí a grande importância desse princípio, pois quando o Estado se omite, as pessoas vão à luta.

 

 

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[1] BRASIL.  Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Constituicao/Constituicao.htm>.  Acesso em: 17/10/2015.

[2] “Art. 3o  Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Art. 4o  É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;   (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;  (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização da comunidade;

d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências. ” BRASIL, Decreto nº 3.298/99. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.htm>. Acesso em: 05/11/2015.