Os cães, nossos amigos
Por josé maria couto moreira | 27/04/2016 | CrônicasJosé Maria Couto Moreira*
O país não suporta mais a tensão em que se encontra. Todos estamos ansiosos pelo futuro que a lucidez de alguns poucos nos aponta como melhor.
Enquanto aguardamos por ele, vamos recrear nosso espírito com meditações que nos compensem. Voltemos ao reino animal, onde irracionais não perquirem culpas e ignoram o poder do dinheiro e outros valores que o plano racional disputa avidamente. Falemos dos cães, aqueles animais desvairados de paixão pelos homens.
Depois que nosso pastor máximo nos revelou que os cães vão para o céu, fechou-se o círculo que justificava nossa afeição por estes amáveis personagens. Nada mais precisa ser dito sobre esse inocente ser para enaltecer sua fidelidade e amor para conosco. Desde tempos remotos, o cão é elevado até a categorias espirituais, como no Egito antigo, por sua docilidade e capacidade intelectiva.
O luminoso Victor Hugo, aquele francês também ídolo de seu povo, cavaleiro da Legião de Honra, aquele que em sua maturidade afirmou que só é democracia o regime em que todo o povo está sujeito às luzes do saber, e, por isto mesmo, guardado com respeito no Pantheon de Paris, manifesta-se ternamente sobre os cães: “Le chien c’est la vertu, qui ne pouvant se faire en homme, se faîte en bête” (O cão é a virtude, que não podendo se fazer homem se fez animal). Este depoimento, chancelado pelo herói romântico de toda a França, define com mestria insuperável a personalidade canina, e nos faz mais amar este pequeno (grande) animal. Não carecem os cães de melhor declaração de afeto.
Testemunho também apreciável sobre os cães é Clarice Lispector quem nos dá. Aquela russa de alma sensível, como nos mostra sua poesia e sua prosa, desabafou em momento de possível solidão: “Só não conhece o amor quem nunca teve um cão”. É um pensamento completo, diríamos. Se o amor é a síntese da aspiração humana (talvez não o seja na atualidade), o amor canino pode ser proclamado como paradigma para a humanidade, pois a nós concedido sem o mínimo interesse senão também obter amor, mas como o homem é insensato e não saiba perceber a vontade de seu cão, também nega a ele o amor com que podia responder-lhe, a verdadeira glória para o cão.
Quanto à exaltação dos cães como “quase humanos”, não seria lícito omitir a opinião de um brasileiro, talvez mesmo o de cada brasileiro que fala com a alma. Todos se lembram do ministro Magri, que serviu na pasta do Trabalho, escolhido com retumbância pelo presidente Collor. Pois então, o ministro Magri, que foi convidado para o ministério como representante dos trabalhadores, também contribuiu para a literatura canina quando afirmou, com a sinceridade de um homem comum, sem preparar cenas ou catar palavras, que “cachorro também é ser humano”.
Só mesmo quem despreza o cão é também quem despreza o humano. É o caso ilustrativo de Napoleão, o flagelo da Europa, que ceifou a juventude francesa com suas pretensões expansionistas. Ao contrair casamento com a princesa austríaca Maria Luiza, ciente a “entourage” do imperador de que o comandante detestava cachorros, venceram imenso constrangimento para advertir a futura imperatriz que seu futuro marido não admitia cães em suas proximidades. Sua Alteza, embora insatisfeita e chorosa, teve de desligar-se de seu Loulou quando transpôs a fronteira ao encontro do noivo.
É, por certo, o que motivou Mark Twain a dizer: “O cão é um cavalheiro, e eu espero ir para o céu deles e não para o dos homens”.
Advogado*