Os amantes e o casamento monogâmico

Por Luciana de Almeida Campos | 18/10/2013 | Psicologia

Este é um artigo escrito sob encomenda. Uma leitora de meus textos, mandou por recado através de uma paciente, o pedido: “Pede para ela escrever sobre estes homens que prometem que vão deixar a esposa e vão sempre adiando?”

O estranho pedido ficou na gaveta alguns meses, mas agora será atendido. Ao meu ver, o foco não é o homem, que posterga decisões e sim, a mulher, que se propõe a ser a terceira aresta, fechando o triângulo afetivo.

Na verdade, o que a leitora pede nas entrelinhas é: “pede para ela escrever algo que amenize a minha dor, minha perplexidade, minha solidão”...

Não sei se poderei atender ao seu anseio, mesmo porque, grande parte dos que traem, não o fazem porque desejam romper o laço conjugal, muito pelo contrário...

Nos anos 2000, tive acesso a um livrinho cujo título era “A função social dos amantes na preservação do casamento monogâmico”, da Editora Autêntica. Nele, a cientista social Agenita Ameno desconstrói algumas ideias tão arraigadas no senso comum.

Para iniciar, é importante descrever quem é a pessoa que se propõe ser amante. Para Ameno: “Os amantes em nossa sociedade, são seres condenados a viverem nas sombras, malvistos, expurgados do convívio social. Recebem mais ou menos o mesmo tratamento dado às prostitutas.” (p. 39). Acrescenta que estas últimas estão situadas na esfera pública, pois trabalham neste ramo, do “mercado das sensações”. Já a amante integra o nicho do particular, domínio no qual quem trai tem a oportunidade de escapulir do outro, no caso, a esposa.  A reação comum da cônjuge diante da descoberta da relação extraconjugal do parceiro com uma prostituta, costuma ser de nojo. Já diante da amante, costuma ser de mágoa. Recordo uma velha amiga que relatou-me certa vez sua mágoa ao ouvir do marido: “eu me envolvi com uma outra mulher”. A palavra envolvimento, denotou uma vinculação que segundo ela, não podia facilmente suportar.

O amante narcisicamente reencontra, na traição, com uma dimensão sua que parecia perdida:

“O amor possibilita que estas inevitáveis transformações ocorram de maneira mais suave. Quem ama brilha mais, transpira mais, bombeia mais sangue para o coração irrita-se menos, enfim, tem mais energia. O amor tem um poder anestesiante, exterminando o que fomos, usando a fórmula de nos fazer apaixonar pelo que somos. Tal qual narciso, que esteve amando a si mesmo, pensando amar o outro.”(Ameno, 2000: p. 45)

 

Se estamos diante de um macho narciso, certamente que a possibilidade de escolha, pode estar distante. Ameno diz que ao final de um decurso de tempo, o que parecia coexistir pacificamente, costuma ficar caótico:

“Assistimos tudo ao avesso: as amantes querendo trocar de papel com as mulheres oficiais e estas querendo ser tratadas como amantes, ou seja, querendo se sentir única e exclusivamente fêmea e os homens cultivando um sentimento de culpa por causa da ambiguidade da situação.” (Ameno, 2000: p. 91)

O estudo da socióloga conduziu a três conclusões:

a)      Existe vontade, em grande parte dos casais, de se relacionar com outras pessoas além do cônjuge.

b)      Existe um prazer descrito como “diferente” no relacionamento extraconjugal e este prazer é sedutor.

c)      A experimentação desse prazer torna as pessoas mais felizes e mais tolerantes. As esposas confessaram-se surpresas, em seus depoimentos, diante da descoberta das amantes: “justamente na hora que ele parecia mais atencioso, carinhoso!” ou “foi a época que reacendeu seu apetite sexual” ou ainda, “ele me tratava bem porque se sentia culpado, o sem vergonha!”

Se foi porque se sentiam culpados ou se foi porque estavam felizes, Ameno conclui que a presença da (o) amante, “melhora” o relacionamento conjugal.  Mas melhora em que bases? Será que o casal não poderia encarar suas dificuldades, as causas do afastamento e tentar melhor a qualidade da relação?

Outras conclusões do estudo é que as esposas, em sua maioria, tendem a perdoar o parceiro infiel. O mesmo não ocorre com os homens, que tendem a não perdoar e sentem-se inseguros para iniciar novas relações.

A maior parte dos homens do estudo, disseram que não abandonariam a mulher para ficar com a amante. Afirmaram ainda, que poder viver com as duas, tornaria sua vida melhor.

Só cada ser humano pode escolher como deseja escrever sua trajetória. Seria uma história de plenitude, ou uma vivência circunstanciada por uma história que o outro vive como oficial, delegando a sua às sombras? O equívoco do pedido da leitora se inscreve aí. Por trás de tudo o que o homem argumenta como razões para não sair do relacionamento clandestino – filhos, bens, família – leia-se: “Ele não está escolhendo/priorizando você”. Você pode lidar com isso? Quer lidar com isso? Precisa lidar com isso?

A escolha de viver uma história plena não pode estar somente nas mãos do homem. A mulher, cansada do anonimato e de ser preterida, deve encontrar forças para perguntar a si mesma, honestamente, o que projeta para sua vida, que tipo de vida pretende para si.

Costumo dizer aos adolescentes que auxílio, a assertiva “optar é perder”. Toda escolha, implica em perdas. Escolher usar uma roupa azul no dia de hoje, implica em deixar a verde e a estampada no armário. Se seu parceiro não sabe escolher, então que você saiba fazê-lo.

Convido minha leitora aflita a refletir acerca do que certa vez o genial William Shakespeare afirmou: Não posso escolher como me sinto, mas posso escolher o que fazer a respeito.” A sorte está lançada e a escolha é sua, e somente sua!

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