Os 70 Anos do Libertário Ney
Por Edson Terto da Silva | 01/08/2011 | ArteEdson Silva
Nos anos 70, o grupo "Secos e Molhados" surgiu no cenário de hits de TVs e rádios brasileiras como um meteoro ou seria a própria bomba atômica, explodindo no meio e nos rostos sem barba de integrantes da fase de chumbo da Ditadura Militar? Não era só sucessos de músicas, como o Vira, Sangue Latino e a Rosa Hiroshima, mas era a apresentação do grupo musical em si que despertava variadas sensações e reações. Eram três jovens com poucas e coloridas roupas e os rostos pintados. E o vocalista, então? Magro, dançante, seminu, com voz em falsete, um verdadeiro um caso à parte.
Tratava-se de Ney de Souza Pereira, um ex-militar da Aeronáutica, ou simplesmente: Ney Matogrosso, que completou seus 70 anos dia 1º de agosto último, sem perder a vitalidade, a irreverência e principalmente a liberdade, que sempre tentaram lhe tolher, principalmente na época da Ditadura Militar. Além de preocupações com a tutela política contra idéias libertárias, os militares viram-se diante do que consideraram "excessiva" liberdade de costumes, que também poderia influenciar a juventude, que devia manter cabelos ao estilo militar e cantar amor cego à pátria, que, a bem da verdade (mas censurado na época), não era tão gentil com seus filhos.
Tive oportunidade, trabalhando em rádio, de entrevistar Ney Matogrosso uma vez, em 85, em Campinas. Conheci um artista simples e receptivo com a imprensa. A entrevista coletiva, em um hotel, atrasou uns minutos e os funcionários disseram que o cantor (que fazia carreira solo após a extinção dos Secos e Molhados) estaria fazendo um "ritual" antes de nos atender. Fato que ele esclareceu com simplicidade, dizendo que não fez nada mais que acender uns incensos e aromatizar o quarto, não tratando-se de ritual místico algum.
Ney não fugiu de perguntas. Lembro ter insistido em problemas dele e do grupo Secos e Molhados com a censura. Ele revelou que havia a questão de censura aos costumes, com o grupo censurado em TVs, com apresentações ao vivo reduzidas apenas a mostrar os rostos deles, pois os trajes (por estarem com pouca roupa) não podiam ser vistos. Mas Ney falou também em censura política, exemplificando que teve a música que dizia:"tem gente com fome, tem gente com fome..." igualmente censurada.
Neste contexto, ele disse não ter participado, por considerar demagogia, da música Chega de Mágoa, com o movimento Nordeste Já, que reuniu nomes de nossa música, como Milton Nascimento, Chico Buarque, Gil, Caetano, Simone, Fagner, Djavan, Roberto e Erasmo, Gal, Bethânia, Elba Ramalho, Tim Maia, entre tantos outros. Não poupou criticas ao primeiro Rock In Rio, do qual participou, dizendo que as atrações internacionais podiam tudo para suas performances e os nacionais quase nada podiam.
E deu exemplo: "Teve grupo que içou ao palco sinos de 2 toneladas e eu, com cerca de 50 quilos, não pude descer num balanço, pois atentaria contra a segurança...". Isso foi há 25 anos. Que bom ver Ney Matogrosso chegar aos 70 anos sem ter aberto direito de sua liberdade de se expressar, contribuindo muito para avanços democráticos que a maioria de nós brasileiros desfrutamos hoje.
Edson Silva, 49 anos, jornalista, Sumaré
edsonsilvajornalista@yahoo.com.br