Origem, realidade e futuro dos alunos trabalhadores da EJA

Por Alvaro Augusto Maia | 05/12/2011 | Educação

1 – INTRODUÇÃO

Desde a época do descobrimento do Brasil que o poder público, por meio de instrumentos normativos, intervém na educação com o objetivo de unificar seus objetivos a nível nacional.

Os jovens e os adultos que por algum motivo não frequentaram a escola em suas idades apropriadas, são preocupações permanente citadas nas campanhas alfabetizadoras entre 1947 e 1967, por exemplo. Além dessas tentativas, observam-se nas LDBs 5692 e 9394 de 1971 e 1996 respectivamente espaços reservados a essa modalidade de ensino, dedicados a normatizá-la cada vez mais.

Entretanto, um país como o Brasil, mergulhado em problemas políticos e sociais, não poderia deixar de gerar a necessidade de empregos, também e principalmente para essa classe de cidadãos. E, é aí, que eles se tornam alunos trabalhadores. Ou seja, estudam à noite na EJA e durante o dia cumprem uma carga horária de trabalho, na maioria das vezes, desgastante, física e psicologicamente falando. O resultado dessas duas jornadas (trabalho e estudo) não poderia ser diferente: fracasso escolar, visto que em sua maioria, quando se acham evolvidos em dificuldades para cumprir essa ou aquela tarefa, acabam priorizando o trabalho e, por conseguinte, aumentando a taxa de evasão escolar da EJA.

Os quatro pilares da educação para o século XXI, gerados pela proposta educativa de Jacques Delors, apresenta-se como uma alternativa transformadora referenciada por Paulo Renato Souza, Ministro de Estado da Educação e do Desporto no governo de Fernando Henrique Cardoso.

2 – DESENVOLVIMENTO

2.1 – As intervenções do poder público na vida do aluno trabalhador da EJA

A diferença de classes sociais é histórica e pertence à natureza do homem. Caracteriza-se por estabelecer desigualdades e exclusões entre grupos de indivíduos por diversos aspectos, entre eles, destacam-se: o religioso, o econômico, o político, o étnico e o cultural. São aspectos que despertam forças mobilizadoras que nascem das necessidades das massas populares, mas que também se revelam nos momentos das intervenções do poder público.

No Brasil, essas intervenções, podem ser observadas logo após o seu descobrimento pelos portugueses, em 22 de abril de 1500. A missão de Tomé de Souza, ou desembarcar no Brasil em 1549 (na época colônia de Portugal), trouxe os padres Jesuítas determinados a catequizarem e instruírem adultos e adolescentes, entre esses, os nativos brasileiros e os colonizadores portugueses. Assim, registrava-se na história brasileira, a primeira tentativa de se educar jovens e adultos. Além disso, de forma mais ampla, os missionários contribuíram com a educação por meio da instalação de colégios em diversas regiões, que se tornaram os principais espaços educacionais de formação cultural da colônia.

Mesmo assim, um longo caminho da história foi percorrido sem que a educação de jovens e adultos fosse vista como uma necessidade social da população brasileira, até porque, de 1750 a 1777, registra-se uma forte influência ideológica de Portugal, particularmente por força da figura chave daquele governo, o Marques de Pombal, onde a educação da grande massa brasileira caracterizava-se como precária, tanto ao que se refere à quantidade de alunos e professores em sala de aula, quanto à qualidade da relação ensino e aprendizagem, priorizando uma educação humanista, orientada por um modelo europeu, com o objetivo de, segundo Severino (1996, p. 70) “(...) divulgação de uma concepção de mundo apta a manter coesa a sociedade”, atendendo dessa forma aos interesses de Portugal com a formação da elite que dirigia e dominava a sociedade colonial brasileira.

Após o final do domínio de Portugal, o contexto do poder público brasileiro registra na história várias iniciativas para alfabetizar jovens e adultos, como por exemplo: em 1947 a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA, em 1961 o Movimento de Educação de Base – MEB e em 1967, já no regime militar, o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL.

Após essas iniciativas, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB 5692 (1971, Artigo 24), entra em vigor para, mais uma vez, o poder público tentar resolver ou amenizar a falta de estudo dos jovens e adultos brasileiros que até então, por vários motivos, encontravam-se fora de sala de aula, quando determina a finalidade do Curso Supletivo: “suprir, a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria”.

Após 25 anos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB 9394 (1996, Seção V, Artigo 37, Parágrafos 1 e 2), chamada de “nova” ou “atual” – já que não há garantias que não seja substituída ou modificada – abre seção exclusiva à Educação de Jovens e Adultos quando substantiva de forma diferente essas faixas de idades por não falar mais em adolescentes nem explicitamente em curso supletivo. Além disso, alerta sobre a necessária atenção à realidade de vida desses alunos fora da escola, bem como sobre a garantia de estudo ao trabalhador:

A educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na idade própria.

Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

Nos dias atuais, no Estado do Pará, o curso da EJA está sendo oferecido nas instituições públicas e privadas obedecendo à Resolução 147 (2008, p. 1) do Conselho Estadual de Educação, que se respalda da seguinte forma:

O Presidente do CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições, em consonância com o disposto no Art. 210 da Constituição Federal, Art. 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394 de 20 de dezembro de 1996, os pareceres: nº 11/2000-CEB/CNE, nº 36/2004-CEB/CNE, os Processos nº 1676/07, 184/08, 185/08, 244/08 e o Parecer nº 132/2008-CEE/PA que fundamenta esta Resolução e a integra para todos os efeitos.

Como se observa, existe uma estrutura legal que orienta nacionalmente o curso da EJA, que para a sua oferta começa na Constituição Federal e antes de chegar às instituições de ensino é finalmente normatizada pelos Conselhos Estaduais, que no caso do Estado do Pará, da Resolução 147 (2008, p. 2-3), destacam-se os seguintes aspectos quando fala da estrutura dos cursos:

Art. 7º - Os Cursos de Ensino Fundamental e Médio, na modalidade Jovens e Adultos, poderão ser organizados e estruturados com exames no processo por: I – módulos; II – blocos de disciplinas semestrais; III – blocos de disciplinas trimestrais; elenco de disciplinas anuais; IV – etapas; VI – outras formas de organização que atendam os interesses e as necessidades dos alunos.

§ 3º - Os modelos estruturas de cursos, na modalidade de Jovens e Adultos, excetuando o uso da metodologia de Ensino Personalizado, deverão obedecer aos mínimos estabelecidos: I – Ensino Fundamental – anos iniciais (1º ao 5º ano) – duração mínima de 02 (dois) anos – idade mínima: 15 anos; II – Ensino Fundamental – anos finais (6º ao 9º ano) – duração mínima: 02 (dois) anos – idade mínima para o início do curso: 15 anos.

§ 6º - Os cursos estruturados por etapas, terão a seguinte equivalência à modalidade regular: I – Curso de Ensino Fundamental 1ª e 2ª etapas, com duração mínima de 02 (dois) anos, equivalentes aos anos iniciais (1º ao 5º) do Ensino Fundamental de 9 anos, em que: a) a 1ª etapa terá duração mínima de 01 (um) ano, equivalente ao 1º, 2º e 3º anos; b) a 2ª etapa terá duração mínima de 01 (um) ano, equivalente ao 4º e 5º anos; c) a na 1ª etapa, será assegurada a instalação de classes de alfabetização com a duração que se fizer necessária anos alunos, cuja avaliação pedagógica detectar a necessidade de pré-requisitos para a leitura e escrita. II – Curso de Ensino Fundamental: 3ª e 4ª etapas, com duração mínima de 02 (dois) anos, equivalentes aos anos finais (6º ao 9º ano) do Ensino Fundamental de 9 anos, em que: a) a 3ª etapa terá duração mínima de 01 (um ano), equivalente ao 6º e 7º anos; b) a 4ª etapa terá duração mínima de 01 (um) ano, equivalente ao 8º e 9º anos).

Sobre os aspectos relacionados à estrutura curricular pela Resolução 147 (2008, p. 3-4) destacam-se:

Art. 9º - A estrutura Curricular, na modalidade Educação de Jovens e Adultos, deverá abranger as disciplinas e/ou componentes curriculares da Base Nacional Comum, de modo a possibilitar a trajetória do aluno, na realização do curso: I – para o Ensino Fundamental: a – Língua Portuguesa; b – Matemática; c – Ciências; d – História; e – Geografia; f – Artes; g – Educação Física; h – Língua Estrangeira a partir da 3ª etapa.

§ 1º - Os componentes curriculares História e Cultura Afro-Brasileira e Meio Ambiente serão tratados de forma transversal, de acordo com a legislação vigente.

§ 2º - Os conteúdos programáticos deverão ser selecionados pela relevância, considerando as experiências dos jovens e adultos e o significado em relação aos contextos sociais em que vivem.

A carga horária para a modalidade Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental é assim definida pela Resolução 147 (2008, p. 4):

I – o mínimo de 1.600 (um mil e seiscentas) horas, correspondentes a 800 (oitocentas) horas anuais, para os modelos estruturais equivalentes aos anos iniciais (1º, 2º, 3º, 4º e 5º); II – o mínimo de 1.600 (um mil e seiscentas) horas, correspondentes a 800 (oitocentas) horas anuais, para os modelos estruturais equivalentes aos anos finais (6º, 7º, 8º e 9º).

Assim, sob um rígido controle por meio de normas, o poder público continua tentando educar os jovens e adultos que por algum motivo estiveram fora de sala de aula em suas idades adequadas às respectivas sérias ou anos.

2.1.1 – A realidade dos alunos trabalhadores da EJA

Contrariando as diretrizes educacionais do poder público, encontra-se a realidade de uma considerável parcela de brasileiros que carregam consigo as marcas da exclusão social, conseqüências do analfabetismo e por vezes, mergulhados em um baixo nível de escolarização e afetividade. Carneiro (1998, p. 125) descreve assim os alunos da EJA:

Esta população de necessidade de atendimento educacional tardio se distribui em três grupos bem distintos: primeiro, aqueles reconhecidamente analfabetos; segundo, aqueles que foram à escola, passaram ali pouco tempo e, portanto, não tiveram tempo de sedimentar o que haviam superficialmente aprendido. São os analfabetos funcionais; terceiro, aqueles que estiveram na escola em momentos intermitentes. Todos esses carecem de uma política própria de atendimento, capaz de lhes conferir os meios adequados para a superação ou da escolarização que não ocorreu ou que ocorreu de forma inadequada.

São homens e mulheres, das mais variadas idades que se acham distantes das exigências dos padrões da modernidade, principalmente por não poderem exercer a cidadania no mundo do trabalho e do conhecimento. O trabalho cobra experiência, o conhecimento cobra escolarização.

Para os jovens e para os adultos inseridos nessas dificuldades sociais, a escola passou a representar a possibilidade de aquisição de conhecimentos capazes de elevar a própria auto-estima e de facilitar a busca para um emprego decente, onde para muitos, significa retomar um sonho, o sonho de viver dias melhores.

Inseridos nesse contexto, estão os alunos trabalhadores – àqueles que trabalham de dia e estudam à noite – muitos desses, matriculados na modalidade EJA, em nível de Ensino Fundamental – foco deste artigo – que num primeiro momento, acreditam que fazem parte de uma camada social emergente, e por isso mesmo, confiam que as propostas de estudos oferecidas são adequadas para resolver os conflitos das suas vidas. Embalados por sonhos, próprios do direito de todo ser humano, vão em busca de, por meio do estudo, fazer parte de uma sociedade exigente: matriculam-se, começam a freqüentar as aulas e não conseguem conciliar trabalho e estudo. Alguns se evadem. Outros se mantêm às duras penas no sistema, apesar das dificuldades.

Acredita-se que o processo de aprendizagem e/ou a permanência do discente em sala de aula não são elementos inacessíveis a esses alunos, mas sim, as suas conduções é que causam traumas. Segundo Charlot Bernard (2000), a relação com o saber comporta uma dimensão social, construída nas interações. Entretanto, o aluno trabalhador, matriculado na EJA, ao mesmo tempo em que se encontra determinado a realizar os seus sonhos tem, também, a possibilidade deles abrir mão. Na escola, o aluno trabalhador quando se encontra inserido numa interação de dificuldades, pode ser influenciado para caminhos diferentes, entre eles, a banalização do curso quando valorizam mais o certificado de conclusão do que o aprendizado propriamente dito.

Por trabalharem de dia e estudarem à noite, os alunos trabalhadores encontram muitas barreiras para se manterem em sala de aula, onde se destaca: pouco espaço de tempo entre o trabalho e a escola; violência noturna na entrada e saída da escola; falta de professores; falta de material didático, dificuldades extremas em leituras e cálculos. Quando essas dificuldades se somam, eles priorizam o trabalho porque, afinal de contas, apesar dos percalços trabalhistas, é o que garante as suas sobrevivências e, além disso, muitas vezes, percebem que a formação que estão recebendo não tem muito sentido ao sentirem que fracassaram no aprendizado e, por conta disso, muitos deles, abandonam os seus sonhos.

Os alunos trabalhadores, matriculados na EJA, não podem passar simplesmente por essa modalidade de ensino apenas para cumprir um protocolo estabelecido nas LDBs, é preciso que a eles sejam direcionadas atenções compatíveis com a sua realidade de vida. Arroyo (2006, p. 22) faz a seguinte reflexão:

Penso que a reconfiguração da EJA não pode começar por perguntar-nos pelo seu lugar no sistema de educação e menos pelo seu lugar nas modalidades de ensino. (...) O ponto de partida deverá ser perguntar-nos quem são esses jovens e adultos.

Incontestável é o fato de que o aluno trabalhador é um aluno diferente, carrega consigo inseguranças, derrotas amargadas desde o início do seu processo de escolarização e fora dele também, que inevitavelmente abalam a sua auto-estima e, por isso mesmo, qualquer que seja a decepção vivida na escola, pode alimentar o processo de abandono.

Portanto, um olhar diferenciado a partir de um relacionamento fraterno por parte dos atores dos quais demandam as propostas educacionais é o caminho para entender quem são e quais as reais necessidades dos alunos trabalhadores. A Declaração dos Diretos Humanos (1948, Artigo I) abre espaço para esse laço afetivo: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. O aluno trabalhador precisa acreditar que o espaço escolar não é destinado apenas aos rigores científicos das disciplinas, mas também, que estão ali amparados por profissionais que primam pela dignidade humana e, que a relação educador/educando não é uma ação verticalizada, pelo contrário, é uma troca de saberes científicos, filosóficos, religiosos e de senso comum, sustentados pela afetividade e tolerância, fundamentos que se perpetuam nas boas relações interpessoais. Afinal, a educação não teria sentido se os seus atores não aproveitassem o espaço de sala de aula para criar laços de amizades.

Se é muito, ou se é pouco tempo para avaliações, não são intensidades para serem discutidas neste momento, o fato é que 15 anos já se passaram e os objetivos das diretrizes educacionais de 1996 direcionadas aos jovens e adultos, onde aqui se incluem os alunos trabalhadores matriculados na EJA a nível de Ensino Fundamental, dão sinais de fracassos. Não há dúvidas de que a proposta de preparar o cidadão para o mercado de trabalho e à prática social – intenção explicita na LDB 9394 (1996, Título I, Parágrafo 2)) “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”. – não está alcançando as necessidades dos alunos trabalhadores deste século, que afinal de contas, por força das rápidas transformações impulsionadas pela globalização, exigem uma nova prática pedagógica orientada – sem contradições – pelos pilares da educação para este século XXI.

2.2 – Os quatro pilares da educação para o século XXI

No ano de 1998, foi publicada a edição brasileira – EDUCAÇÃO, um tesouro a descobrir – traduzida por José Carlos Eufrázio. Trata-se de um trabalho organizado por uma comissão internacional composta por quinze profissionais ligados à educação, liderada por Jacques Delors. O resultado da reflexão dessa comissão, que se iniciou em março de 1993 e terminou em setembro de 1996, ano em que foi publicado em forma de livro em Paris, produziu um relatório para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

O relatório Delors, como assim ficou conhecido no Brasil, é extenso e, na mesma proporção, revela um novo conceito de educação para esse tempo globalizado de incertezas e diversidades e, é claro, com vistas aos tempos futuros, sugere que ela (a educação) seja um instrumento de paz, liberdade e justiça social contemplando o desenvolvimento humano em sua plenitude.

É importante ressaltar que após dois anos de vigência da nova LDB 9694, a edição brasileira do relatório Delors (1998, p. 9-10), foi apresentada ao público leitor brasileiro por Paulo Renato Souza, então Ministro de Estado da Educação e do Desporto, do qual se destacam as seguintes reflexões:

- O Ministério da Educação e do Desporto, ao apoiar a publicação no Brasil do Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, sob o título Educação – Um tesouro a descobrir, tem a convicção de que se trata de contribuição ímpar à revisão crítica da política educacional de todos os países.

- Assim, estou seguro de que a edição brasileira do Relatório coordenado por Jacques Delors contribuirá para o processo em que, de modo especial, se empenha o Ministério da Educação, qual seja, o de repensar a educação brasileira.

Quando o ministro fala em “revisão crítica da política educacional” e “repensar a educação brasileira” ele denuncia filosoficamente uma realidade que de perto vivenciou, pois já exercia essa função desde 1º de janeiro de 1995 e que se estendeu até 1º de janeiro de 2003 (governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, sociólogo por formação). Luckesi (1994, p. 29) fala sobre o ato de filosofar, o que explica a atitude do ministro:

Para iniciar o exercício do filosofar, a primeira coisa a fazer é admitir que vivemos e vivenciamos valores e que é preciso saber quais são eles. O primeiro passo do filosofar é inventariar os valores que explicam e orientam a nossa vida, e a vida da sociedade, e que dimensionam as finalidades da prática humana.

Ao fazer o inventário dos valores da educação brasileira, o ministro deixa de lado o conceito de educação como redenção da sociedade. Essa tendência caracteriza-se por redimir grupos ou indivíduos que por qualquer motivo vivem à margem da estrutura econômica, política e social do sistema, como é o caso, por exemplo, dos alunos da EJA, particularmente os trabalhadores. “A tendência redentora pretende “curar” a sociedade de suas mazelas, adaptando os indivíduos ao modelo de sociedade (que no fundo, não é outra senão aquela que atende aos interesses dominantes).” (LUCKESI, 1994, p. 49). O ministro deixa de lado também o conceito de educação como reprodutora da sociedade, onde esta se caracteriza por reproduzir cidadãos com os mesmos valores vigentes no sistema, perpetuando-se. “A tendência reprodutivista afirma que a educação não é se não uma instância de reprodução do modelo de sociedade ao qual serve, que no caso do presente, é a sociedade vigente.” (LUCKESI, 1994, p. 49). A posição filosófica do ministro, na verdade, se baseia em uma educação como transformação da sociedade que se caracteriza como um instrumento dialético e crítico, capaz de não apenas redimir ou reproduzir cidadãos, mas sobre tudo de torná-lo capaz de transformar para melhor, seus anseios econômicos, políticos e sociais, em qualquer época de sua existência, que segundo Luckesi (1994, p. 51):

(...) a tendência transformadora, que é crítica, recusa-se tanto ao otimismo ilusório, quanto ao pensamento imobilizador. Por isso, propõe-se compreender a educação dentro de seus condicionantes e agir estrategicamente para a sua transformação. Propõe-se desvendar e utilizar-se das próprias contradições da sociedade, para trabalhar realisticamente (criticamente) pela sua transformação.

É dentro desse contexto de transformação que a educação aos alunos trabalhadores precisa ser direcionada. Oportuno então é observar os quatro pilares da educação para o século XXI que segundo Delors (1998, p. 101-102), ao concluir sobre esse assunto, faz as seguintes recomendações:

- Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida;

- Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho;

- Aprender a viver juntos desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências — realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos — no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz;

Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.

É conveniente ressaltar que os volumes dedicados à introdução dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1997, p. 15-16), instrumentos pedagógicos do governo que orientam as estruturas curriculares das escolas brasileiras, também apresentados pelo ministro Paulo Renato Sousa, recomendam na íntegra os quatro pilares da educação para o século XXI. Entretanto, não citam Jacques Delors:

Documentos de órgãos internacionais apresentam reflexões sobre a educação e fazem uma análise prospectiva em que destacam alguns aspectos.

Além da análise da conjuntura mundial, os documentos também apresentam as seguintes recomendações (...)

Para que a EJA possa fazer sentido aos alunos trabalhadores, seria então necessária, uma revisão dos pontos relevantes que estruturam o ensino dessa modalidade e também dos pontos relevantes que estruturam seus compromissos como trabalhadores. Essa revisão, não estaria necessariamente nas mudanças de regras das leis, até porque a LDB 9394 não foi estruturada para servir ao trabalhador assim como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não foi estruturada para servir ao estudante. São duas leis com características definidas aos seus próprios públicos alvos, mas que se manifestam na vida do aluno trabalhador, na maioria das vezes, uma interferindo no desempenho da outra e, é sobre essa interferência, que a revisão deve ser efetivada, a partir de uma nova prática pedagógica que seja capaz de inserir os alunos trabalhadores em condições verdadeiramente dignas neste século.

Acreditar nos quatro pilares da educação para o século XXI é definir criticamente uma concepção filosófica de educação para os alunos trabalhadores, que embora se apresente como um desafio por conta das múltiplas dificuldades políticas e sociais ainda assim, é um ponto de partida para uma educação mais ampla a esses alunos. Luckesi (1994, p. 21) argumenta:

A educação é uma prática humana direcionada por uma determinada concepção teórica. A prática pedagógica está articulada com uma pedagogia, que nada mais é que uma concepção filosófica da educação. Tal concepção ordena os elementos que direcionam a prática educacional

Assim cabe aos educadores, em especial, os responsáveis pelos destinos dos alunos da EJA, decidirem por uma nova prática pedagógica capaz de atender aos desafios educacionais do século XXI.

3 - CONCLUSÃO

Percebe-se então que os elementos que direcionam a prática educacional – ideal – para o século XXI, contidos nos quatro pilares da educação sugeridas por Jacques Delors e também pelo ministro Paulo Renato Souza estão plenamente contemplados na concepção transformadora de Luckesi. Mas, dentro dessa promissora e necessária proposta educacional, quais os entraves que dificultam a vida, presente e futura dos alunos trabalhadores matriculados na EJA? A esse questionamento, não é difícil responder:

- As contradições das LDBs no processo de ensino e aprendizagem;

- As contradições da CLT com sua rigorosa carga horária de trabalho.

Na verdade, são palavras e ações propostas que demandam desses instrumentos (LDBs e CLT) que na prática não se efetivam, pelo menos com qualidade.

Contradição é “incoerência entre o que se diz e o que se disse, entre palavras e ações”.

 

 

REFERÊNCIAS 

ARROYO, Miguel Educação de Jovens e Adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2006.

Assembléia Geral das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos. Enumera os direitos que todos os seres humanos possuem. Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III), de 10 de dezembro de 1948. Recuperada do site http://openlink.br.inter.net/aids/declaracao.htm, em 14 de setembro de 2009.

CARNEIRO, Moacir Alves. LDB Fácil: leitura crítico-compreensiva artigo a artigo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

DELORS, Jackes, et al. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da comissão internacional sobre educação para o século XXI, (2 ed.), José Carlos Eufrázio, Brasília, MEC, UNESCO, Cortez, 1999.

Lei 5692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as Diretrizes e Bases para o Ensino de 1° e 2º Graus. Brasília: Diário Oficial da União, 1971.

Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 1996.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

Resolução nº 147, de 04 de abril de 2008. Estabelece normas para a oferta de Cursos e Exames do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, no Sistema de Ensino do Pará. Governo do Estado do Pará. Conselho Estadual de Educação. Recuperado em 15/09/11 de http://www.seduc.pa.gov.br/portal/index.php?action=LinkTarefaNoticia.dl&idlink=533

SEVERINO, Antônio Joaquim Educação, Ideologia e contra-ideologia. São Paulo: EPU, 1986.