ORIENTE E OCIDENTE: UM INTERCÂMBIO CULTURAL PELAS COMPREENSÕES DE UM GRUPO DE ESTUDO

Por Priscila Aizawa | 01/08/2011 | Educação

Introdução

Somado por entendimentos acerca da cultura oriental, mais precisamente japonesa, este trabalho emerge de um grupo de estudos. Caminha paralelamente a um Projeto de Ensino intitulado Introdução à Língua e Cultura Japonesa, promovido pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Rio Grande. Tece considerações teóricas, tangenciadas por enfoques histórico-cultural, antropológico e apontamentos da atualidade. O intercâmbio entre essas fronteiras culturais versa pelo aprofundamento de saberes acerca da cultura nipônica, a partir de nossos olhares enquanto ocidentais. Neste sentido, nos permite inicialmente melhor compreensão das aulas do projeto do qual estamos inseridos. O grupo de estudos é constituído por graduandos de diversas áreas do conhecimento. São acompanhados da professora responsável pelo projeto, os quais se beneficiam por meio da construção do conhecimento e o aprimoramento acadêmico e pessoal. Os integrantes efetuam uma leitura das obras indicadas pela professora e, a partir da mesma, frisam os pontos mais importantes das obras, tentando traçar um paralelo pertinente com sua área de atuação. Em encontros semanais, ocorre a discussão e a reflexão sobre os textos, formando assim uma interação entre as nossas experiências individuais e a cultura nipônica.


Pinceladas iniciais

A cultura japonesa deste o início de século XXI vem atraindo os olhares de pesquisadores das mais diversas áreas, não sendo diferente com aqueles que buscam analisar as possibilidades de convergências entre as linguagens da literatura, da arte e das linguagens vinculadas à cultura das massas.
Neste conjunto interlocutivo, vemo-los o contraste entre tradição e inovação, corroborado pelo mero fascínio ou pela operacionalização de estudos e pesquisas. Anteriormente, víamos o país do sol nascente sendo objetivado a uma grafia restrita ao âmbito econômico e, nos dias de hoje, um forte intercâmbio em diferentes contextos e finalidades.
Diante disso, o estudo de outras culturas vislumbra-se por uma construção de conhecimentos, saberes, repercutindo notadamente no aprimoramento acadêmico e pessoal.
Somados à esta interface, o intercâmbio entre essas fronteiras culturais norteia-se pelo aprofundamento de saberes acerca da cultura nipônica, a partir dos nossos olhares enquanto ocidentais.

No mundo das ideias para a prática

A partir desses enunciados, surge um grupo de estudos.
Surge inicialmente pela instigação em conhecer mais a fundo o desenrolar da referida interface entre Brasil e Japão. Seguidamente, movimenta-se pela integração com as experiências individuais e profissionais. E por vez, considera-se assim, que este trabalho seja resultado inicial desta prática!
Reverenciado as vozes: os embasamentos teóricos
O embasamento teórico consiste na leitura dos livros: Introdução à Cultura Japonesa: Ensaio de antropologia recíproca, de Hisayasu Nakagawa. É consolidado por pinceladas de saberes sob os holofotes franceses, onde o Japão aparece como uma civilização diferente, não tampouco como um país exótico. "Como, na língua francesa, cada sujeito é independentemente e atomístico, as pessoas se movimentam numa espécie de espaço newtoniano ? ou seja, no espaço absoluto e vazio. Por isso há a identidade abstrata de todos os sujeitos, que transcende a situação. Mas na língua japonesa essa identidade não pode existir, visto que o espaço é apenas, por assim dizer, a rede social sutilmente hierarquizada de todas as pessoas" (p.21).
Utiliza-se de uma concepção denominada Lococentrica, no qual versa pela força do lugar ou da ocasião. Inscreve-se pelas marcas identitárias do eu enquanto "função da circunstância, pela relação com o outro: sua validade é circunstancial, ao contrário do que ocorre nas línguas européias, nas quais a identidade se afirma independentemente da situação" (p.26). Neste prisma, o aspecto lococentrico, apresenta-se como uma condição de olharmos a cultura e o sujeito japonês, tendo em vista sua descrição aos adventos que o move. Norteado pelo hábito de imitação, este fenomeno tem morada em uma identidade atrelada à uma unicidade de existência.
A cultura gestual japonesa: manifestações modernas de uma cultura clássica de Michitaro Tada apresenta uma cultura perpassada por uma etiqueta comportamental e alguns de seus significados. Uma cultura milenar pensada aqui, "é o que é copiado, transformado e, então, enraizado. Ou melhor, todo o processo é, ele próprio, a cultura" (p.33).
Japop: o poder da cultura pop japonesa de Cristiane Sato nos possibilita observar todo o contexto cultural de mudanças na cultura japonesa, destacando-se, principalmente, pela formação de identidades culturais pelos artefatos midiáticos.
Japão: passado e presente, de José Yamashiro se utiliza, não de uma linha temporal-histórica usual, mas sim de uma abordagem histórica mais "humanista".
E por fim, a obra O Crisântemo e a Espada, de Ruth Benedict, faz uma interessante análise de um dos inimigos americanos na Segunda Grande Guerra, o Japão. Através dessa análise, a autora tenta mapear as sutilezas e a perseverança do espírito japonês.
Mediante aos referidos embasamentos teóricos e, possíveis modos de leituras e compreensões, sublinhamos que concernem pelo aprofundamento de saberes e de conhecimentos. Versa pela nossa aproximação enquanto brasileiros com o Oriente, movimentando-nos pelos instigantes acenos de uma cultura milenar, o Japão.

1. Algumas falas do grupo: nossas áreas de saber pelas narrativas

1.1 Priscila Aizawa

"Uma possibilidade de ir além a uma representação constitutiva. Modo de compreensão que perpassa fronteiras geográficas presenciais. Mais que um acréscimo tangenciado as prerrogativas de pesquisa, uma condição de alocar-se em uma identidade transitória" (AIZAWA, 2010).

Apresento nesta, alguns atravessamentos da história do Oriente pensados a partir de um olhar ocidental, uma vez que pesquiso e me constituo através deste campo de análise. A pesquisa que aqui remeto centra-se em uma interlocução entre Ocidente ? Brasil, e Oriente ? Japão. Busco analisar como crianças, que caminham de modo concomitante a essas culturas, percebem o Ensino de Ciências. No que tange ao campo empírico, realizo entrevistas com professores da disciplina de Ciências e com alunos dos Anos Iniciais de uma Escola em São Paulo, que tem como intencionalidade curricular perpetuar a cultura japonesa para descendentes orientais. Este arranjo descritivo delineia-se, además, em um repertório histórico, cultural e educativo.
Em primeira instância, julgo necessário destacar, como ponto de partida para reverenciar algumas premissas históricas do Japão, para esclarecer e delimitar algumas vertentes: conforme a linha cronológica de acontecimentos e de fatos históricos do Japão, tomo como central o Período Meiji (1868-1912), pois foi a partir daquela Era que ocorreram significativas mudanças, as quais repercutem até os dias atuais. Assinalo que este estudo foi imprescindível para o entendimento do presente e principalmente por perceber como essas compreensões foram ao encontro da problemática de pesquisa anunciada.
Julgo necessário destacar também que estudo o passado para entender o presente, considerando os ensinamentos de Foucault. O filósofo provoca-nos a ?escavar? a história para analisar a constituição do sujeito na modernidade. Assim, mostra-nos que esta é uma das condições de possibilidade das quais incidem nas práticas deste sujeito em meio a suas relações. Trata-se de um atentar pelas minúcias, pelas fragmentações de narrativas e acontecimentos, rompendo com uma visão de história linear, unitária, totalitária. "Trata-se de ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro" (2008, p.171).
Ainda nestes arranjos de especificidade, outro ponto esclarecedor é que este período histórico teve muitas transformações, sendo assim, realizei uma seleção das principais modificações, para facilitar a sua compreensão e enunciação. Tal seleção não é sem razão. Referem-se aqueles acontecimentos que servem para melhor compreender o que quero enfatizar neste estudo, ou seja, os atravessamentos ocidentais na constituição do oriente.
A Era Meiji foi marcada pelas influências ocidentais, em que foram sendo adotados alguns componentes vestuários, civis, alimentícios, atingindo todas as camadas sociais. É notável como aqueles ainda são vistos nos dias atuais, sinalizados pelo contraste, simbolizados pela relação entre o Japão e o ocidente. Pode ser denominada a referida Era igualmente de Revolução Política Reforma Meiji (Meiji Ishin) entendida como modificações radicais na vida nacional do Japão.
Basicamente, o Regime Meiji teve por princípio solidificar relações com as demais nações, procurando introduzir o que há de mais desenvolvido e de melhor do exterior, o Ocidental, visando estimular o progresso do novo Japão. Nesse sentido, organizou-se "um governo centralizado, inspirado em modelos ocidentais. A Reforma caminhou a passos largos na consecução de seus objetivos: transformar o Japão numa nação moderna e progressista" (YAMASHIRO, 1997, p.228).
Os primeiros sinais desses modelos ocidentais se direcionaram a investimentos aos meios de transportes, como por exemplo, o surgimento dos primeiros trens, navios a vapor, carruagens, nos quais a locomoção tornou-se mais rápida e cômoda. Em seguida, ocorreram instalações de correios, simplificando a distribuição de correspondência, intermediando maior aproximação entre a nação nipônica e as demais nações.
Mesmo em meio a um processo de transição, a cultura japonesa Meiji caracterizou-se principalmente por herdar parte da cultura feudal, introduzir amplamente a cultura ocidental e criar uma nova e adequada cultura à sociedade capitalista moderna.
Um dos protagonistas da cultura feudal foi o samurai. "Com a Reforma Meiji acaba a classe samurai. Contudo, continua a existir, por muito tempo, a estrutura social que durante séculos serve de sustentáculo da casta militar" (YAMASHIRO, 1987, p.225). O samurai era o protetor do soberano, era regido por obediência plena e se caso fosse necessário, despendia sua vida em prol do mesmo. O imperador era, e de certo modo ainda é, o representante fiel do Japão.
Dentro dos outros personagens que representavam papel vitalício no alicerce estrutural social é a família. Seu sistema imerso a valores apresenta uma forma fascinante à constituição do sujeito japonês. Basicamente, este sistema é conferido com base na hierarquia e na filosofia da retribuição ? "on".

On: favor; bondade; bem; amor; dever de gratidão.
O on é uma dívida que precisa ser paga, mas no Japão todos os pagamentos são considerados como pertencentes a toda uma outra categoria [...] o débito de um homem (on) não constitui virtude, o pagamento o é. A virtude começa quando ele se empenha ativamente no mister da gratidão [...] O devotamento filial inclui todas as numerosas responsabilidades que repousam sobre o chefe de uma família, no sentido de prover à subsistência dos filhos, educar esses filhos assim como aos irmãos mais jovens, desincubir-se da gerência da comunidade, abrigar os parentes necessitados e milhares de deveres cotidianos similares (BENEDICT, 2007,p.99 ).
Todo este sistema representativo de significados hierárquicos dentro do seio familiar, acaba porsua vez, constituindo um sujeito entrelaçado fortemente com sua cultura, interpelando-o de modo a sua melhor condução frente ao território onde habita. Contudo, estes discursos de caráter cultural despontam entre um elo de pertencimento e de regência. Em outras palavras, o pertencer à uma determinada cultura não é tampouco estar inserido em um espaço, um território, mas sim, conduzir-se por toda uma estrutura organizacional cultural que as integram.
Passadas mais de três décadas, ajustados ao capitalismo moderno, existem sinais de que o povo japonês volta a se preocupar seriamente com suas raízes e com suas identidades nacionais. É evidente que nessa inclinação de regresso às origens não deixa de fora o espírito samurai. Esse ?espírito? não se extingue na alma dos japoneses, mesmo nos momentos mais negros da rendição e da ocupação estrangeira (YAMASHIRO, 1987).
Um dos pontos norteadores que marcou este período histórico e que anuncia e corrobora com a pesquisa é que, mesmo ocorrendo a ocupação estrangeira, precursora de avanços e de progressos, a nação japonesa resguarda consigo a cultura da tradição, no entanto, com moldes importados. Segundo o estudioso japonês Yamashiro (1986),
[...] tal como em outras fases de transição da história japonesa, mesmo na Restauração Meiji, quando acontecem amplas e profundas transformações sociais, econômicas e políticas, as antigas raízes da cultura tipicamente nipônica não são destruídas. A começar pela família imperial, cuja presença se torna mais visível, o xintoísmo, o culto dos antepassados, artes tradicionais etc. são preservados, reforçados ou renovados (1986, p.186).
Neste sentido, descrevo uma correspondência atuante do Ocidente em relação ao Oriente. Esta equivalência é mediada por uma interlocução cultural fabricada, na qual as narro pelas produções de acontecimentos do passado que incidiram no presente. Em outras palavras, parto do princípio que houve e ainda há uma produção discursiva partilhada entre essas duas zonas extremas culturais. Penso que essas tiveram abertura no período Meiji, durante o qual o Japão abriu suas portas para obter do Ocidente indicativos de desenvolvimento, tais como nas questões sociais, culturais, política e econômicas.
Seguidamente, o Ocidente, mais especificamente o Brasil, carecia de mão de obra agrícola, e assim, o governo brasileiro intercambiou com o governo japonês tal demanda. Constituídos por esta vontade de trabalhar, os japoneses migraram para o Brasil em 1908, e com eles trouxeram sua cultura. A partir de então, foram sido pensadas algumas possibilidade para a instalação da cultura nipônica em solo ocidental, e uma delas foi a escola como um dispositivo perpetuador, mantenedor e formador de tal cultura.
De forma esquematizada para com esta descrição de correspondência e de restabelecimento entre ciclos, conduzo os fomentos de caráter analítico da seguinte forma: mediante algumas premissas históricas do Japão, a partir do período Meiji, para que pudesse obter o status de nação civilizada, os japoneses tiveram que tirar os quimonos (vestimenta japonesa) e vestir calças (vestimenta ocidental). Segundo Sato (2007),
A adoção dos hábitos e da cultura ocidental no Japão foi incentivada pelo próprio governo Meiji, pois havia uma forte razão política para tal. Dispondo de tecnologia mais desenvolvida em diversas áreas ? principalmente a bélica ? e riqueza acumulada pela revolução industrial e pela exploração de colônias nas Américas e na África, no século XIX as potências ocidentais avançaram sobre os territórios na Ásia com o argumento da ?superioridade racial? e a piedosa justificativa de levar a ?civilização cristã aos bárbaros do oriente?. Para que o Japão fosse aceito na comunidade internacional o país tinha que conquistar o status de ?nação civilizada?, o que na época literalmente significava ser europeu (p.206) [grifos do autor].
Sendo assim, por essas razões, algumas tendências do Ocidente adentram em solo Oriental. Alguns exemplos do movimento de ocidentalização podem ser percebidos nos dias de hoje: o estilo de vida, o regime político, a vestimenta, a educação, a ciência, entre outros. Um exemplo marco deste processo foi que os líderes Meiji compreenderam logo que, para enriquecer o país e torná-lo forte, era imprescindível desenvolver as indústrias. Portanto, o governo ordenou que fossem enviados correspondentes, com a finalidade de estudar atentamente a organização industrial do Ocidente. Com isso, muitos técnicos foram enviados à Europa e à América, com a missão de adquirir novos conhecimentos técnico-científicos. Cientistas, professores e técnicos estrangeiros, contratados pelo governo ou entidades privadas, levaram eficientes contribuições.
Dentro dos mapeamentos acerca das concessões ocidentalizadas, afino as conjunturas pela regência do homem permeado por sua constituição, ou seja, a invenção do Ocidente em relação ao Oriente é tida pelas mãos do próprio homem. A ciência, por sua vez, é tida como garantia de progresso, evolução e explicação lógica de tudo o que os cerca. Yamashiro (1997) coloca que a
[...] introdução e assimilação da ciência e tecnologia ocidentais constituem a base do progresso nipônico de Meiji. Desde a economia, o direito, a medicina até a agronomia, todos os ramos do conhecimento humano ganham considerável incremento. Muitos cientistas e técnicos estrangeiros contratados pelo governo e por universidades trazem os mais recentes frutos do desenvolvimento científico da Europa e dos Estados Unidos. Estudantes são enviados a universidade e centros de pesquisa do Ocidente (p.234).
Compreendo que a introdução ocidental pelo campo da ciência em solo oriental foi sucedida pelos desígnios de um progresso e de integração entre as nações globais. Todavia, há também outro fator que contempla o fazer da ciência nipônica: sua própria cultura. Em outras palavras, para que o Japão se firmasse como nação civilizada, teve de adotar elementos ocidentais, e este foi suscetível por meio do campo da ciência, porém manteve o elo com suas tradições, uma vez que estas preponderam saberes milenares intrínsecos às suas respectivas constituições.
No que tange à ordem de sua própria cultura, concebo-a como artefato de pertencimento, de meticulosidade e de singularidade. Contudo, a ordem do científico , constitui-se aquela que autentica, que padroniza e que legitima. Essas questões de ordem científica podem ser compreendidas pelas produções discursivas de verdades que nelas implicam. Ou seja, é pela Ciência que temos explicação para os modos de existência, de funcionamento e de ordenação dos eventos do mundo. Sinalizo que para os estudos que aqui me proponho, faço uso de um olhar que remete a Ciência no sentido de pensar e de problematizar essas verdades. Para isso, conto principalmente com um olhar filosófico, mensurado pela suspensão de tais verdades, no qual o papel do filósofo é dar "as costas para a busca de uma ?razão pura? e se voltar à análise das relações da linguagem consigo mesma e das relações entre linguagem e mundo" (VEIGA-NETO, 1998, p. 149) [grifos do autor].
Dentro do então exercício do pensar sobre o próprio pensamento, provocando-nos a separar-nos de nós mesmos, dando as costas às verdades instituídas, Foucault (2006) nos diz que
O pensamento não é o que se presentifica em uma conduta e lhe dá um sentido; é sobretudo, aquilo que permite tomar uma distância em relação a essa maneira de fazer ou de reagir, e tomá-la como objeto de pensamento e interrogá-la sobre seu sentido, suas condições e seus fins. O pensamento é liberdade em relação àquilo que se faz, o movimento pelo qual dele nos separamos, constituímo-lo como objeto e pensamo-lo como problema (p.232).
O referido exercício do pensar, enfim, vislumbra-se enquanto instrumento versado numa desconstrução das formas de neutralização e de naturalização de nossa existência. Constitui-se, antes de tudo, colocar em operação os questionamentos acerca do modo pelo qual nos constituímos e somos produzidos, buscando desdobramentos na história.
Contudo, falar de tal ordem cultural neste contexto é falar de uma história e de uma experiência partilhada. Sendo assim, percebo que esta experiência partilhada entre as identidades culturais são reiteradas pela disseminação cultural do novo e pela permanência do tradicional.
Retomando aos exemplos do processo de ocidentalização do Japão, ou o Ocidente fabricando o Oriente, o êxito pelo progresso teve outro instrumento fiel que permanece nos dias de hoje: a educação. O governo do Japão criou em 1971 o Ministério da Instrução e no ano seguinte estabeleceu o sistema educacional. "Baseado no método francês, instalou-o escolas primárias, secundárias e superiores. Decide-se que daí em diante todos os japoneses, independentemente de suas condições sociais ou de sexo, receberão instrução. ?Nenhuma comunidade, nenhuma família terá analfabeto?, declara o preâmbulo do decreto que institui o sistema educacional obrigatório" (YAMASHIRO, 1997, p. 233) [grifo do autor].
Corroborado mais uma vez pelo princípio de adoção do Ocidente, o governo Meiji instituiu um sistema educacional baseado nos moldes franceses. O escopo desta adoção teve como fator contundente o almejo pela conquista de ?nação civilizada? ? ocidentalização do Japão, com ênfase em uma educação para todos.
O governo cria em 1871 o Ministério da Instrução e no ano seguinte estabelece o sistema educacional, baseado no método francês, instalando-se escolas primárias, secundárias e superiores. Decide-se que daí em diante todos os japoneses, independentemente de suas condições sociais ou de sexo, receberão instrução (YAMASHIRO, 1997, p. 231).
Dentro desse cenário, o sistema educacional Meiji tornou-se centralizado pelo estado, onde o currículo tinha caráter moralista e promovia os ideais confucionistas de fidelidade ao estado, piedade filial, obediência e amizade.
Concilio este instrumento a um eixo que merece destaque: a constituição do sujeito japonês fecundo pela cultura do devotamento filial. O devotamento filial oriental é aquele que coloca os pais em posição de autoridade estratégica em relação aos filhos. São expressos nos termos de ?débito? que os filhos têm para com eles e empenham-se em pagar. O mesmo ocorre quando se fala em Educação, há um ?sentimento de obrigação?, de destaque para com a nação.
Sendo assim, a constituição do sujeito oriental é tecida desde os primeiros anos de vida por dois pontos de ligação: a família e a escola. Ambos desempenham papel em comum: nortear, orientar e principalmente manter a cultura tradicional.
Esta disposição hierárquica organizada no Japão é operada de modo minucioso e está intimamente relacionado a um tipo de autodisciplina. Possui o fundamento lógico: aprimora a conduta de alguém na sua própria vida. Este cárater disciplinador é regido por métodos e técnicas, os quais, por sua vez, também estão vinculados ao enraizamento mantenedor e perpetuador do âmbito cultura. Assim entendo o quanto essa cultura disciplinar fabrica modos de vida, constituindo sujeitos orientais. Tais questões são melhor explanadas e com relevância mais adiante.
A experiência de me deslocar ao passado, para entender como foram sendo constituidos os sujeitos orientais permeados pelo âmbito de sua cultura, tomados pela categoria híbrida oriental, possibilitou tornar visível o quanto a cultura de um povo designa os modos do ser e estar numa sociedade, sendo reforçados a todo instante pelas práticas que nelas se configuram. As práticas interpelam e fabricam os sujeitos, moldando suas identidades, descrendo-os como produto resultante de um processo histórico, político e social.
Destaco que o latente dessa fabricação identitária do sujeito oriental, perpassado pelo contexto histórico, possui menções a uma cultura dotada por uma filosofia de manter as reverências à hierarquia e ao cultivo de práticas tradicionais, mesmo com as díspares transformações ocorridas durante o Período Meiji.

1.2 Thiago Vinicius Pinheiro - Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande. Bolsista Iniciação Científica (IC/CNPQ).

"É de suma importância o estudo e observação dos pontos que constituem a pluralidade do contexto no qual estamos inseridos. Tal concepção vai de encontro à proposta do grupo de estudos, que é observar a cultura japonesa que, além de ser um dos arrimos da cultura nacional (tendo em vista o grande fluxo de imigrantes provenientes daquele país), mas também a crescente influencia de tal cultura tem exercido entre na construção da identidade nacional na atualidade" (PINHEIRO, 2010).

Sendo a ciência do Direito um reflexo das relações sociais e, sendo as mesmas definidas por um conjunto de preceitos culturais e morais, é salutar o estudo e observação dos pontos que constituem a pluralidade do contexto no qual estamos inseridos. Tal concepção vai de encontro à proposta do grupo de estudos, que é observar a cultura japonesa que, além de ser um dos arrimos da cultura nacional (tendo em vista o grande fluxo de imigrantes provenientes daquele país), mas também a crescente influencia de tal cultura tem exercido entre na construção da identidade nacional na atualidade.
Somente o estudo e observação de aspectos culturais, é que se é possível compreender o outro e estabelecer relações harmoniosas, para que posteriormente se possa trabalhar em conjunto visando o estabelecimento de projetos que possam modificar a nossa realidade. Como futuro operador do direto, que vale-se basicamente de conceitos emanados da cultura e da sociedade em geral, a possibilidade de integrar um projeto no qual possamos observar e compreender o surgimentos desses conceitos, é de suma importância para a formação de um profissional possa interagir e a agir de forma positiva nesse contexto, e não como mero reprodutor dos pensamentos que estão postos.

1.3 Lisiane Ortiz Teixeira - Técnica em enfermagem e discente do curso de Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Bolsista do laboratório de Biologia Molecular da Faculdade de Medicina

O estudo da vida em toda a sua plenitude mostra-se de suma importância para a formação de um biólogo. O próprio significado da palavra vida ainda não está bem definido, assim como a definição de um ser vivo. O conceito mais aceito e conhecido sobre o "ser vivo" é que são todos os seres que nascem, crescem, reproduzem-se e morrem. No entanto, esse conceito possui alguns problemas, já que segundo o mesmo, só sabemos se uma pessoa está viva depois que a mesma morreu. Apesar disso, o Japão trata esse assunto de forma peculiar. Essa cultura milenar acrescente a essa palavra uma conotação sobrenatural. Gestos e ações como retirar os sapatos antes de entrar em uma residência são características dessa cultura. Não estão associados a uma religião e, ao mesmo tempo, adiciona uma qualidade incomensurável e invisível à vida. É uma filosofia de vida.
Ao conhecer esses aspectos da cultura nipônica, uma pessoa pode ficar confusa ao se debater com a aceitação do suicídio e a renúncia a vida pela pátria. Não apenas os indivíduos, mas os grupos, organizações e culturas têm também suas personalidades.
Como nós biólogos falamos sobre atributos genéticos recessivos e dominantes, também é possível levantar hipóteses sobre traços de personalidade recessivos e dominantes dos seres humanos, fortemente influenciados pelo ambiente social e cultural. Traços de personalidade como introversão e extroversão, atitudes agressivas ou submissas, pensamento conservador ou reformador, podem ser facilmente identificados pelos membros de uma mesma cultura, mas não podem ser identificados com a mesma facilidade por indivíduos de outros cenários culturais (RATTNER, 2001).
O comportamento suicida confronta-se com o instinto de sobrevivência inerente aos humanos. É difícil compreender como alguém idealiza e planifica sua própria morte, escolhe o método que vai utilizar para isto e o ponha em prática. Possivelmente, a vontade de se aliviar de um sofrimento emocional intolerável proporciona uma aproximação do sujeito com as diversas formas de comportamento suicida. (ABREU, 2010).
Existe um dualismo entre a perpetuação da espécie e a reprodução humana. O ser humano é construído fisiologicamente para a perpetuação da espécie, sendo esse conceito fortemente pressionado pela sociedade. Dessa forma, a força e a determinação que uma pessoa deve criar para ir de encontro à sua natureza em nome da pátria têm que ser maior que o seu amor próprio.
Ainda há o dilema entre o egoísmo e o progresso social. O egoísmo aumenta a nossa auto-estima ao passo que o progresso social não necessariamente aumenta a nossa qualidade de vida e sim, o convívio do grupo no qual estamos inseridos. Como ocidentais, o egoísmo é fundamental para o nosso bem-estar. Quando nos sentimos bem, há uma amplificação do nosso trabalho e das nossas relações pessoais. É um círculo vicioso já que com uma maior produção, aumentamos ainda mais a nossa satisfação pessoal.
Já no Japão observamos que a necessidade social é prioritária sobre o círculo dos sentimentos. É tudo uma questão de assumir a devida posição. A imagem que transmitimos é mais importante do que realmente sentimos. Desde que uma criança nasce, recebe ensinamentos de como deve assumir o seu devido lugar. Aos três meses de idade, uma criança é retirada das fraldas e as aulas de caligrafia são, de preferência no frio, para que o aluno consiga superar o frio e ainda apresentar um excelente desempenho (BENEDICT, 2007). Durante toda a vida, o japonês tem o Chu com o imperador, o que mostra como o seu dever é maior que o seu direito, incluindo também o direito a vida.
Mesmo em época de guerra, um soldado ocidental defende a sua pátria com a esperança do seu retorno ao mesmo. Em alguns países orientais, um soldado vai para a guerra sabendo que não irá retornar. São exemplo os homens-bomba e os soldados Kamikase durante a segunda guerra mundial. Um ocidental relutaria em cumprir uma ordem dessas, diferente de um oriental. Apesar de esse ser um traço inerente dessas culturas, como citado anteriormente, desde cedo, o japonês é treinado a colocar as necessidades socais acima das suas. Além disso, é possível ver no próprio Edito aos Soldados e Marinheiros a forma que o país retrata tal situação: "Portanto, não vos deixei perturbar a opinião geral, nem vos metais em política e sim, com sinceridade, praticai o chu, lembrando-se que o gi (integridade) é mais pesado do que uma montanha, aos passo que a morte é mais leve do que uma pena" (BENEDICT, 2006, p. 182).
Isso vai ao encontro do instinto de vida e morte presente na obra de Freud, que diz que o ser humano está condenado à infelicidade na civilização, pois por felicidade ele entende a livre "fruição", das energias instintivas.
Nesse contexto, é mais fácil entender como um ser vivo consegue subjugar suas próprias defesas em nome de outro. O domínio fisiológico para que isso ocorra ainda não está bem definido e o fato de que isso possa ocorrer no reino animal ainda surpreende os cientistas pelo mundo todo.

Considerações finais

Concluímos com a seguinte consideração: um final de escrita para um novo aprofundar teórico... Ressaltamos que este aprofundar, implica em ampliar os nossos olhares e saberes acerca da cultura japonesa e, principalmente fazer uma pertinente relação com a nossa área.
Um ponto interessante que merece destaque foi o auxílio significativo nos momentos de aprendizado idiomático propriamente. Exemplo disso foi quando estavam aprendendo Aisatsu (cumprimentos) e fizeram uma ?ponte? com as leituras do Michitaro Tada, no que se refere aos modos de gestualidade do cumprimento em si.
Ademais, é por meio de pequenas práticas de estudo e pesquisa, que conseguimos conhecer o outro lado do mundo. O que nos uni vai além dos aprendizados, são as condições de possibilidade de acrescentar novas visões, fortalecendo os laços entre Oriente e Ocidente.

Referencias bibliográficas

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