ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E A REALIZAÇÃO DE CONTRATOS DE GESTÃO POR ENTES PÚBLICOS NA ÁREA DA SAÚDE: uma análise acerca dos acórdãos 3.239/2013 e 352/2016 do tribunal de contas da união.

Por Kassio Andriny Fernandes Taveira | 26/06/2020 | Direito

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E A REALIZAÇÃO DE CONTRATOS DE GESTÃO POR ENTES PÚBLICOS NA ÁREA DA SAÚDE: uma análise acerca dos acórdãos 3.239/2013 e 352/2016 do tribunal de contas da união.

                       

Thainara Marques Santos

Kassio Andriny F. Taveira

Tiago José Mendes Fernandes

 

Sumário; 1 Introdução; 2 Fundamentação teórica; 2.1 Os fundamentos legais das organizações sociais e a suas peculiaridades contratuais; 2.2 Posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários em razão das relações de convênio/contrato entre as organizações sociais e o estado; 2.3 Acórdãos 3.239/2013 e 352/2016 e a constitucionalidade da contratação de organizações sociais para a prestação de serviços de saúde; 3 Considerações finais; Referências

 

RESUMO

O objetivo desse estudo é analisar a atuação das Organizações Sociais por meio de contratos de gestão na parceria com o público, tendo como foco a área da saúde. Nesse sentido é importante que se observe os julgados do Tribunal de Contas da União que tem ratificado por meio dos acórdãos 3.239/2013 e 352/201 tal possibilidade. De outra maneira, também se faz necessário um estudo das peculiaridades legais e doutrinárias que servem como fundamento para o instituto das Organizações Sociais. Desse modo, este projeto possui caráter exploratório, desenvolvendo-se através de um procedimento bibliográfico e que pretende, por meio de pesquisas fazer uma seleção de fontes pertinentes ao assunto abordado.

 

Palavras-chave: Organizações Sociais. Contrato de Gestão. Tribunal de Contas da União.

 

1 INTRODUÇÃO 

As entidades do terceiro setor não fazem parte da administração indireta e nem direta. São entes privados, particulares, que atuam sem fins lucrativos em parceria com o Estado, efetivando atividades de interesse do poder público. Dessa maneira, necessariamente devem assumir a forma de associação ou fundação, em virtude da não finalidade lucrativa. Comumente, acabam recebendo vantagens e incentivos em razão das atividades que executam. Assim, por receberem dinheiro do poder público, obrigam-se se submetendo a algumas limitações que se aplicam ao Estado.

Dentro desse contexto, dois desses entes são extremamente importantes para a compreensão desse processo: as Organizações Sociais (OSs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). A primeira pode ser entendida como pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, criadas para prestar serviços sociais não-privativos do Poder Público, mas por ele incentivadas e fiscalizadas, e assim qualificadas após o ajuste de um contrato de gestão. Já a segunda, que possui uma definição não tão diferente e que é também uma entidade de direito privado, sem finalidade lucrativa, instituída para prestar serviços sociais não privativos do Poder Público, mas por ele incentivadas e fiscalizadas; é diferenciada no que tange o acordo, que é na verdade um vínculo concretizado pelo termo de parceria. O que para a doutrina majoritária é uma característica que torna essencial a diferenciação de uma entidade para outra.

A partir dessa perspectiva, uma entidade apresenta grande destaque na composição deste artigo: a Organização Social e suas peculiaridades de acordo. Nesse sentido fica evidente a ação das cortes de contas e dos tribunais nos julgamentos que envolvam tais casos e inadequações com os mandamentos legais. Em dois julgados do Tribunal de Contas da União em relação ao questionamento sobre celebração de contratos de gestão com organizações sociais por entes públicos na área de saúde. Demonstrou-se pacífico no tribunal o reconhecimento dessa possibilidade. O TCU mencionou, na resposta ao Congresso, o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que os contratos de gestão com organizações sociais têm natureza de convênio e que não há, portanto, que se falar em terceirização de serviços nessas parcerias.

Para Boaventura de Souza Santos (2001) o Terceiro Setor é visto como um conjunto de aparelhamentos sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privados não intentam a obtenção de lucro e, por outro lado, sendo animadas por objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais.

Neste cenário estão inseridas as OSs, que são entidades que desempenham de acordo com suas especificidades serviços públicos de interesse social. Dessa maneira estabelecem relações com o poder público, firmando acordos que são regulados por leis. Exigindo que sejam respeitados os mandamentos essenciais para efetivação de suas atividades. O Tribunal de Contas da União em seus acórdãos 3.239/2013 e 352/2016 ratificou essa posição, entretanto, há ainda situações problemáticas que podem ser vistos como verdadeiros limites aos acordos entre o público e o privado. Aspectos financeiros, de substituição do público pelo privado e ainda do modelo correto a ser seguido, são alguns exemplos.

Logo, buscar o entendimento acerca desses institutos é, pois, uma forma de compreender acerca da manutenção e da organização desses entes e a forma real de sua aplicação atual, que para além dos estudos, possui importância no sentido de preocupação com o interesse social na parceria entre o público e o privado.

Os autores da presente pesquisa, por interesse em aprofundar seu conhecimento acerca do tema que é presente no direito administrativo, elegeram para observar, o instituto das Organizações Sociais e sua modalidade de acordo, haja vista sua importância referente aos seus reflexos causais nos convênios/contratos firmados com o público e as consequências jurídicas dos mesmos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

2.1. Os fundamentos legais das Organizações Sociais e a suas peculiaridades contratuais

 

O Terceiro setor, como é conhecido o termo sociológico utilizado para definir organizações de iniciativa privada, sem fins lucrativos e que prestam serviços de caráter público, integra um dos 3 setores pelos quais se divide uma sociedade (DI PIETRO, 2014). Dentro desse contexto, no que concerne ao conceito de entidades paraestatais, que segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2011) são pessoas privadas que colaboram com Estado, atuando de forma a não visar o lucro e pelas quais o poder público irá conferir proteção especial, conferindo-lhe determinados poderes. Nesse contexto estão incluídos dois importantes institutos: as Organizações Sociais e as Organizações Sociais de interesse público.

A primeira que na visão de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, pg. 580), pode ser entendida como:

[...] a qualificação jurídica dada à pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, e que recebe delegação do Poder Público, mediante contrato de gestão, para desempenhar serviço público de natureza social.

 

E a segunda que é caracterizada como:

[...] qualificação jurídica dada a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização do Poder Público, mediante vínculo jurídico por meio de termo de parceria. (DI PIETRO, 2014, pg.584)

 

São espécies do gênero, daquilo que se tem por entidades paraestatais. No Brasil, são reguladas pelas Leis 9.637/98 e 9.790/99. A lei 9.637/98 que trata das Organizações Sociais não estabelece o conceito exato das Organizações Sociais, mas o seu art. 1º traz algumas de suas características.

Art. 1º. O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

 

No aludido dispositivo, pode ser notado duas características essenciais das OSs: umas que diz respeito as atividades das quais são destinadas e que são taxativamente expressas na lei e a outra por quem elas poderão ser qualificadas (Poder Executivo). São prescrições que acabam também por diferenciá-las das OSCIPs.

No caso dessas a Lei 9.790/99, em seu artigo 1º, diz:

 

Art. 1o Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, 3 (três) anos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei.

 

Para essa entidade, a Lei não traz em primeiro momento um rol taxativo de atividades, mas requer um período de funcionamento e a observância ao interesse público e a composição de seu estatuto que deve se harmonizar com o instituído pela Lei.

Nesse sentido, a análise desses dois institutos paraestatais apresenta similaridades, mas também diferenças que devem ser observadas e melhor estudadas. No entanto, este artigo tratará essencialmente das Organizações Sociais.

É interessante saber, em primeiro momento, que uma Organização Social não se inicia com tal denominação. Na verdade, é uma entidade criada sob a forma de fundação privada ou associação que, posteriormente, habilita-se perante o Poder Público e recebe esta qualificação. Ou seja, organização social não é uma espécie de pessoa jurídica, mas tão somente qualificação dada discricionariamente pelo Poder Público a certas entidades privadas (DI PIETRO, 2014).

A qualificação de organização social é de alçada discricionária, e tal qualificação está sujeita da aprovação do Ministério competente para supervisionar ou regular a área de atividade apropriada ao objeto social da entidade.

Porém, o correto seria que o Poder Público atuasse de maneira vinculada quando requerido. Em razão da competência discricionária, Rogério Leal da Costa alega que “aceita a facultatividade da qualificação por parte do Estado, criarmos uma séria possibilidade de arbitrariedade e favoritismos aos amigos do Poder” (DA COSTA, 2006, p. 176),

Na esfera federal, a Lei 9.637/1998 rege a organização social, e em seu artigo 1° prevê a área de atuação das OS:

Art.1º: O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

 

Já em seu artigo 2° a lei classifica os requisitos para que o Poder Público possa qualificar os particulares como organização social; entre estes requisitos estão contidas as imposições de que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado, e não tenha fins lucrativos.

No artigo 3º da Lei 9.637/1998, está previsto o conselho de administração que dispõe no inciso I, alínea “a”:

3o O conselho de administração deve estar estruturado nos termos que dispuser o respectivo estatuto, observados, para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação, os seguintes critérios básicos:

I – ser composto por:

a) 20 a 40% (vinte a quarenta por cento) de membros natos representantes do Poder Público, definidos pelo estatuto da entidade;

 

Assim, praticamente só as entidades criadas após a edição da lei com o fim de receber esse título, ou entidades que se adaptaram alterando o seu estatuto incluindo membros do Poder Público, é que puderam alcançar o título de organização social.

Já em relação a habilitação da entidade privada como organização social, feita por meio de assinatura do contrato de gestão, previsto no artigo 5° da Lei 9.637/1998, VIOLIN (2006, pg. 204) assevera:

Qualificada a entidade como organização social, esta poderá firmar contrato de gestão com o Poder Público qualificador, de comum acordo, para a formação de parceria para fomento e execução de atividades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde.

 

Desse modo, tal instrumento é feito de comum acordo entre o governo e a entidade qualificada e nele conterão previstas as atribuições, mas também as responsabilidades e obrigações, tanto do Poder Público, quanto da entidade.

Ponto importante a ser destacado, está evidenciado na “Seção V” da Lei 9.637/1998, que discorre sobre o fomento das atividades sociais, ocorrendo sobretudo através da destinação de recursos orçamentários, de bens públicos (os quais serão dispensados de licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão). Como demonstra MELLO (2011, pg.239) ao ser contrário aos benefícios:

Uma vez qualificada como ‘organização social’ e tendo travado contrato de gestão – que será ‘elaborado de comum acordo’ entre o Poder Público e a entidade privada e discriminará as respectivas atribuições, responsabilidades e obrigações (art. 6°) – a pessoa estará, nesta conformidade, apta a receber bens públicos em permissão de uso e sem licitação prévia (art. 12 §3°), não havendo restrição alguma a que se trate também de bens imóveis, ser beneficiária de recursos orçamentários (art. 12) e de servidores públicos que lhe serão cedidos a expensas do erário público (art. 14)!

 

A organização social, ao pactuar contratos que abarquem a aplicação de recursos ou bens repassados a ela pela União, deve realizar licitação nos moldes da Lei 8.666/1993, e, se tratando de bens e serviços comuns, deve efetivar a modalidade pregão. Contudo, quanto ao emprego de recursos públicos derivados de outras esferas de governo, não é imprescindível que a OS siga a Lei 8.666, podendo, em regulamento próprio, estabelecer procedimentos (24, XXIV, da Lei 8.666/93).

Portando, fica objetivado que a organização social apresenta características únicas quanto ao seu modo de efetivação e validação e que nos moldes dos dispositivos legais vigentes devem ser observados na execução de suas atividades. Cabendo ao poder público fiscalizar e agir de modo a punir quaisquer ilícitos, haja vista que tal instituto vem sendo alvo de debates e críticas diversas quanto a sua validade.

 

2.2. Posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários em razão das relações de convênio/contrato entre as Organizações Sociais e o Estado

Muitos são os casos levados ao judiciário e as cortes de contas envolvendo questões relativas ás OSs; casos que vão desde desvios de finalidades ou decisões acerca da possibilidade de terceirização dos serviços prestados. Nesse sentido, em decisão datada do ano de 2015, O Supremo Tribunal Federal decidiu por 7 votos a 2, que o desempenho de serviços sociais considerados fundamentais pode ser feito por meio de convênios com Organizações Sociais. Desse modo os ministros entendem que serviços públicos como saúde, ensino e cultura não são unicamente responsabilidade do Estado, devendo ser respeitado os requisitos de fiscalização previstos no artigo 37 da Constituição Federal, onde se obriga a obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em seu voto o Ministro Ricardo Lewandowski afirma que:

As organizações sociais são pessoas jurídicas sem fins lucrativos de Direito Privado, mas que prestam a colaboração à Administração Pública mediante contratos de gestão. São entidades novas que emprestam flexibilidade, agilidade à prestação do serviço público, embora elas não se enquadrem naquela classificação ortodoxa do Direito Administrativo, que divide a Administração Pública em direta e indireta, elas estão, sim, na medida em que recebem recursos públicos e prestam serviços de interesse público, estão submetidas aos cânones do artigo 37 da Carta Magna, que são exatamente os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. (Voto, ADI 1.923, 2015)

 

Logo, acompanhando o voto do redator do acordão o ministro Luiz Fux que também entendeu que a Constituição admite outras configurações de disposição da atividade estatal que não somente a centralização da prestação de serviços essenciais.

Por outro lado, observa-se o papel também das cortes de contas que como dispõem as leis federais disciplinadoras do contrato de gestão e do termo de parceria, a fiscalização das Organizações Sociais, fica a cargo do órgão do Poder Público da área de atuação apropriada à atividade promovida (art. 8º da Lei nº9.637/98). A atuação dos Tribunais de Contas, no que se reporta à fiscalização dos referidos instrumentos, dependeria de notificação pelos responsáveis dos órgãos supervisores acerca de eventuais irregularidades ou ilegalidades na utilização de recursos ou bens de origem pública pelas entidades supervisionadas (art. 9º da Lei nº 9.637/98).

Não obstante o enfoque restritivo das leis supracitadas em relação aos Tribunais de Contas, a doutrina e a jurisprudência têm debatido sobre a possibilidade de a Constituição autorizar uma atuação mais ampla das Cortes de Contas em relação às Organizações Sociais. Neste diapasão, a Carta Magna traz alguns mandamentos importantes:

 

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único: Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

[...]

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público (sic) (original sem grifos).

 

Fica exposto então, no final do artigo 71 a sua competência para realizar julgamento excepcional de questões atinentes a tomada de contas especial de qualquer pessoa, integrante ou não da administração pública, que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário.

No Brasil a reforma administrativa, ocorrida durante a última década do século XX trouxe como ideia essencial um esforço de ultrapassar o tradicional paradigma burocrático da administração pública, voltado predominantemente para o controle de procedimentos e rotinas, buscando introduzir no aparelho do Estado elementos característicos de um modelo de gestão do tipo gerencial, com foco em resultados e na eficiência dos serviços (PEREIRA, 2003, p. 257).

Embutido no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995, p. 41-47), que a classifica como a forma de propriedade mais adequada para elevar os níveis de eficiência no setor de serviços não exclusivos do Estado, as propriedades não estatais que são entidades capazes de realizar suas atividades de forma mais eficiente, em comparação com os entes estatais, graças à combinação de três fatores, a saber: maior autonomia de seus dirigentes, concessão de incentivos pelo Poder Público e incremento do controle social, foram previstas como objetivo da reforma administrativa que orientava a  transferência dos serviços públicos não exclusivos para entidades do chamado terceiro setor.

Na concepção de FERNANDES (1994, pg. 21) o terceiro setor pode ser compreendido como:

[...] um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos. Este é o sentido positivo da expressão. "Bens e serviços públicos", nesse caso implicam uma dupla qualificação: não geram lucros e respondem a necessidades coletivas.

 

No entanto, o conceito mais aceito atualmente, segundo GONÇALVES (1999, pg. 2), é o de que se trata de uma esfera de atuação pública, não estatal, formada a partir de iniciativas voluntárias, sem fins lucrativos, no sentido comum.

A partir daí é que se encontra firmado a origem das Organizações Sociais e que na visão da doutrina majoritária estão incluídas na terminologia de entes paraestatais (DI PIETRO, 2014).

Ao julgar o contexto do regime jurídico a que estão submetidos o contrato de gestão e as organizações sociais, nota-se que os juristas discordam substancialmente com relação a matéria, haja vista suas diferentes peculiaridades, já registradas, frente aos institutos jurídicos vigentes.

Em uma primeira definição, VIOLIN (2006, pg. 260), ao comparar os contratos de gestão aos convênios, defende que aqueles possuem natureza de contrato administrativo, ao asseverar que:

Os contratos de gestão firmados entre a Administração Pública e as organizações sociais têm a mesma natureza jurídica dos contratos administrativos, e não convênios, pois neles há interesses contraditórios, onde a Administração pretende que determinado serviço seja realizado e pagará para que as organizações sociais o realize. Nos contratos de gestão também há as prerrogativas da Administração Pública existentes nos contratos administrativos. É claro que os contratos de gestão têm algumas peculiaridades, e às vezes até são semelhantes aos convênios, mas não há como, pela importância dos serviços realizados pelas organizações sociais, que estas tenham apenas vínculo de convênio com a Administração Pública, onde elas possam denunciar a qualquer momento, sem penalidades.

 

Já para a concepção do professor Hely Lopes (2016, pg. 299) tal mecanismo, contudo, apresenta característica diversa, ele aduz;

Na verdade, não se trata de um contrato propriamente dito, porque não há interesses contraditórios. Trata-se mais de um acordo operacional -acordo de Direito Público -pelo qual o órgão superior da Administração direta estabelece, em conjunto com os dirigentes da entidade contratada, o programa de trabalho, com a fixação de objetivos a alcançar, prazos de execução, critérios de avaliação de desempenho, limites para despesas, assim como o cronograma da liberação dos recursos financeiros previstos.

 

Desse modo, fica exposto que além de não haver uma categorização definitiva sobre qual a natureza jurídica dos contratos de gestão, as compreensões consolidadas pela doutrina se contrapõem radicalmente, e, por essa causa, são forçosos os desacordos com relação à aplicação das normas previstas pela Lei n° 9.637/98, assim como também, no que diz respeito aos debates acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das mesmas. De outra maneira, tendo em vista a jurisprudência dos Tribunais e das Cortes de Contas em função das Organizações Sociais, é percebido uma clara preocupação com os dispositivos legais e a sua adequação constitucional, assim como a importância do interesse público e o combate as irregularidades.

2.33 Acórdãos 3.239/2013 e 352/2016 e a constitucionalidade da contratação de organizações sociais para a prestação de serviços de saúde

As organizações sociais (OSs), frutos do pensamento neoliberal de “racionalizar” e tornar mais “eficiente” a atuação estatal (VIOLIN, 2016), tem como argumento base a “desburocratização da gestão”, ocorre que por trás dessa ideia, uma outra a nível nacional, vem se concretizando e que é a atuação das OSs na área da saúde.

Como visto, os contratos de gestão são parte de um modelo de negócio criado para a contratação de entidades sem fins lucrativos especializadas em serviços técnicos pelo poder público (DI PIETRO, 2014). Da forma como o modelo é aplicado no Brasil, o “empreendedor” é convidado, frise-se, sem a necessidade de licitação ou concorrência, a prestar determinado serviço à população, recebendo do Estado o espaço apropriado, já equipado, e, também, servidores públicos, tendo que arcar apenas com a sua manutenção.

Além disso, evidenciando a inexistência de qualquer controle da Administração Pública, o diagnóstico da demanda pelo serviço é exercido pelo próprio contratado, que também é o designado de determinar metas e critérios de atendimento assim como o preço a ser cobrado, além de elencar investimentos extras em caso de necessidade de novos equipamentos. Não para por aí, não é necessário ainda fazer licitações para as operações de compra de materiais e insumos e a seleção de pessoal, se for o caso, pode ser feita sem currículo, sem concurso. Também não há tabela com valores de referência para materiais, serviços ou salários. Por fim, os contratos de gestão ainda permitem o repasse em parcelas mensais dos recursos financeiros até o final da vigência do contrato, mediante a apresentação de relatórios elaborados pelo prestador de serviços e não serão auditados nem checados pelo contratante.

Conquanto apresente algumas vantagens, como a maior oferta de leitos, entre os indicadores avaliados o que mais chama a atenção é o índice de mortalidade. Nos hospitais com administração direta, a mortalidade geral fica entre 3,4% e 4,4%, contra 4,6% e 5% nos geridos com contratos de gestão. Na mortalidade clínica a diferença é mais expressiva: entre 4,2% e 12% na administração direta contra 10,6% a 16,46% nas OSs. O estudo, realizado pelo Banco Mundial (LA FORGIA, 2009), destaca ainda as relações de enfermeiro/leito e médico/leito, sempre maiores nos hospitais da administração direta, e o fato de todos apresentarem prejuízos, sendo que na administração direta eles são menores por conta da isenção de impostos.

No ano de 2016, por requerimento do Congresso Nacional o Tribunal de Contas da União, analisou a possibilidade celebração de contratos de gestão com organizações sociais por entes públicos na área de saúde. Em resposta, o TCU afirmou que já era pacifico tal reconhecimento, mencionando, inclusive, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal expressa na ADI 1923.

Em relação a esse reconhecimento da corte de contas, dois acórdãos se destacam. O primeiro de 2013, acordão 3239, referente a um relatório de auditoria operacional, demonstra objetivamente que a maioria do plenário do TCU entende que o poder público pode efetivamente realizar convênio/contrato com OSs. Assim verifica-se no relatório do Acórdão:

 

RELATÓRIO DE AUDITORIA OPERACIONAL. TRANSFERÊNCIA DO GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE A ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. FALHAS. DETERMINAÇÕES E RECOMENDAÇÕES. MONITORAMENTO. 1. Apesar de abrir mão da execução direta dos serviços de saúde objeto de contratos de gestão, o Poder Público mantém responsabilidade de garantir que sejam prestados na quantidade e qualidade apropriados. 2. Do processo de transferência do gerenciamento dos serviços de saúde para organizações sociais deve constar estudo detalhado que contemple a fundamentação da conclusão de que a transferência do gerenciamento para organizações sociais mostra-se a melhor opção, avaliação precisa dos custos do serviço e dos ganhos de eficiência esperados, bem assim planilha detalhada com a estimativa de custos a serem incorridos na execução dos contratos de gestão. 3. A qualificação de entidades sem fins lucrativos como organizações sociais deve ocorrer mediante processo objetivo em que os critérios para concessão ou recusa do título sejam demonstrados nos autos do processo administrativo. 4. A escolha da organização social para celebração de contrato de gestão deve, sempre que possível, ser realizada a partir de chamamento público, devendo constar dos autos do processo administrativo correspondente as razões para sua não realização, se for esse o caso, e os critérios objetivos previamente estabelecidos utilizados na escolha de determinada entidade, a teor do disposto no art. 7º da Lei 9.637/1998 e no art. 3º combinado com o art. 116 da Lei 8.666/1993. 5. As organizações sociais submetem-se a regulamento próprio sobre compras e contratação de obras e serviços com emprego de recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessário, no mínimo, cotação prévia de preços no mercado. 6. Não é necessário concurso público para organizações sociais selecionarem empregados que irão atuar nos serviços objeto de contrato de gestão; entretanto, durante o tempo em que mantiverem contrato de gestão com o Poder Público Federal, devem realizar processos seletivos com observância aos princípios constitucionais da impessoalidade, publicidade e moralidade. 7. Os Conselhos de Saúde devem participar das decisões relativas à terceirização dos serviços de saúde e da fiscalização da prestação de contas das organizações sociais, a teor do disposto no art. 1º, §2º, da Lei Federal 8.142/1990. 8. Os contratos de gestão devem prever metas, com seus respectivos prazos de execução, bem assim indicadores de qualidade e produtividade, em consonância com o inciso I do art. 7º da Lei 9.637/1998. 9. Os indicadores previstos nos contratos de gestão devem possuir os atributos necessários para garantir a efetividade da avaliação dos resultados alcançados, abrangendo as dimensões necessárias à visão ampla acerca do desempenho da organização social. 10. A comissão a quem cabe avaliar os resultados atingidos no contrato de gestão, referida no §2º do art. 8º da Lei 9.637/1998, deve ser formada por especialistas da área correspondente. (BRASIL, 2013)

 

Nesse primeiro acórdão, de relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues, desde já fica estabelecido a possibilidade de acordos entre o público e o privado no regime das organizações sociais. Nessa decisão o TCU demonstra que a realização de contratos de gestão é possível, desde que observado as recomendações legais. Nela também são esclarecidos pontos importantes dos regimes legais e que dizem respeito ao monitoramento por parte dos entes públicos.

No ano de 2016, reiterando a sua posição, o Tribunal de Contas da União volta a julgar caso parecido. De relatoria do ministro Benjamin Zymler, o plenário do TCU, firma então o acordão 325/2016:

RELATÓRIO DE AUDITORIA. FISCALIZAÇÃO DE ORIENTAÇÃO CENTRALIZADA. Avaliação de ajustes firmados por órgãos estaduais e municipais com entidades privadas para a disponibilização de profissionais de saúde para atuarem em unidades públicas de saúde. inexistência de estudos que demonstrem as vantagens de terceirização de serviços de saúde. baixa ou nenhuma participação do Conselho Municipal de Saúde nas decisões. ausência de planilha de composição de custos unitários. fiscalização deficiente. celebração de contrato de gestão com entidade privada não qualificada como organização social e com entidade privada com fins lucrativos. termos de parcerias celebrados para mera intermediação de mão de obra, sem que a entidade tenha capacidade instalada própria. oitivas. determinações. (BRASIL, 2016)

 

Nesse sentido, fica exposto, que desde o primeiro acordão até o ultimo de que trata do requerimento realizado pelo Senado Federal, o posicionamento do TCU foi sempre o de reconhecer que é legal contratos de gestão por organizações sociais no âmbito da saúde. O tribunal chega a mencionar no acordão de 2016, que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu por via da ADI 1923 a constitucionalidade desse tipo de relação, cabendo ao poder público fiscalizar e avaliar as condições de que tratam os acordos.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Organizações Sociais (OSs) são pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, designadas para oferecer serviços sociais não-privativos do Poder Público, mas por ele impulsionados e fiscalizadas, e assim qualificadas após o ajuste de um contrato de gestão.

A criação das entidades como Organizações Sociais deve corresponder às condições da Lei n.º 9.637/98, que traz em seu contexto os requisitos que devem ser levados em consideração na efetivação de suas atividades. Destacam-se, entre outros:  as atividades de interesse público que poderão ser oferecidas (art. 1º); a discricionariedade do ato de qualificação da entidade (art. 2º, II); a desnecessidade de preexistência da pessoa jurídica para que receba essa qualificação (art. 2º, I); a existência de Conselho de Administração, com participação de representantes do Estado (art. 3º, I, a); e o ajuste do contrato de gestão, onde são definidas as formas de incentivo do Poder Público (arts. 5º a 7º e 11 a 15)

Nesse sentido, o presente artigo buscou analisar um importante instituto do direito administrativo e para além de sua definição legal e doutrinária, trouxe questionamentos acerca da constitucionalidade e aplicação dos mandamentos legais que orientam o emprego das Organizações Sociais no Brasil.

Com foco em uma discussão recente e recheada de controvérsia, averiguou-se os acórdãos do Tribunal de Contas da União (3239/13 e 325/16), que demonstram uma clara definição acerca das possibilidades de contratos de gestão entre o público e o privado, e que no regime das Organizações Sociais também se aplica para a área da saúde. De outra forma, levou-se em consideração as diferentes perspectivas da doutrina pátria acerca da Lei 9.637/98 e de sua validade. Assim como das divergências existentes em consideração a relação de acordo (convênio/contrato) que efetiva a habilitação de uma organização social.

Dessa maneira, fica evidente que as Organizações Sociais e sua importante função dentro do processo administrativo deve ser preservada, tendo em vista o modelo e os resultados esperados pelo conjunto da sociedade na execução de suas atividades. Surgindo assim, a necessidade de estudos a respeito das organizações enquanto entidades sociais, econômicas, de desenvolvimento das capacidades humanas e como agentes fundamentais da mudança e da evolução social e que para além dos problemas funcionais, que devem ser superados, existe a relação de eficiência.


 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 2013 ed. 1988.

_______, LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993.

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Paper apresentado à disciplina Direito Administrativo I do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

Alunos do 5º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

Professor e Orientador.

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