Oração
Por Romano Dazzi | 31/05/2009 | Crônicas204 - ORAÇÃO
Bom dia, Senhor.
Ultimamente, as coisas não têm andado muito bem para o meu o lado, como deve saber.
A idade chegou depressa; os anos, que demoravam tanto tempo para passar, começaram a correr; ao cabo de um ano, olho para trás e descubro que passaram cinco.
Além disso, eram leves; podia carregar vinte ou trinta sem esforço; cheguei a levar - ficando um pouco cansado, é verdade - sessenta, até setenta; mas hoje nem me arrisco e sair de casa carregando os que tenho, porque, além de ficar sem fôlego, posso perder o equilíbrio.
Um tombo, na minha idade me levaria muito mais perto de você, Senhor.
E como não quero incomodá-lo, enquanto me for possível, vou tentando ficar por aqui, apesar de tudo.
Os credores têm-me deixado em paz não sei se por sua causa, ou porque já sugaram e espremeram tudo o que podiam e não dá para tirar mais suco – só bagaço.
A saúde – bem, a saúde anda razoável, quase boa, graças ao Senhor.
Juro que não bati na madeira. Seria o cúmulo do desrespeito. Mas dizem que ajuda...
Não posso me queixar, porque não tenho precisado muito de médicos e hospitais.
Aliás, esta é uma recomendação especial que me permito fazer-lhe, Senhor:
Não me deixe cair nas mãos deles.
Chame-me enquanto eu estiver dormindo, sonhando ou simplesmente aturdido - que é como tenho andado ultimamente.
Sei que é um pedido exagerado, porque este mundo é um vale de lágrimas e nosso destino é sofrer – não entendi ainda por que, mas todos dizem que é assim mesmo.
Mas, em nome de nossa antiga amizade e respeito mútuo, ajude-me quando for a hora.
Com um seu empurrãozinho, será mais fácil subir a escadaria que leva lá em cima.
A propósito; quando sai o projeto do elevador para o paraíso?
Lembre-se que sou ascensorista diplomado.
Fiz curso e passei no exame; precisando, pode contar comigo.
E esta é outra mágoa.
Ninguém me aceita, ninguém me dá serviço; parece que fiquei bobo.
E pensar que sei tantas coisas, tenho tanto para transmitir, tanto para ensinar – e para aprender também, claro...
Mas, ainda falando em saúde - assunto que na nossa idade ocupa quase o dia inteiro - quero lhe agradecer mais uma vez: ainda tenho uma esposa, a primeira e única,
há tantos anos, que nem me lembro mais.
E você a tem guardado carinhosamente, defendendo-a dos males da idade e do inevitável desgaste que a idade traz. Está viva, lépida, ativa , inteligente, sabida.
Brigamos agora como nunca brigamos antes. Isso esquenta o sangue e nos mantém jovens. E faz com que continuemos a nos amar. Benza Deus.
Obrigado, Senhor, por tudo isto. E por tudo aquilo de que não lembrei nesta carta
Na certa, vou lembrar na próxima.
Aliás, se me permite, virei incomoda-lo mais vezes, agora que aceita e-mails.
Ficou mais fácil. Era tão chato escrever a máquina!...
Um carinho e um beijo.
Seu,
Romano.