Opressão e política na poesia "O preço da liberdade" de Gilberto Mendonça Teles

Por Gleice José Maria | 27/06/2011 | Literatura

Gleice José Maria
RESUMO:

Considerando a política a ciência do governo dos povos, a arte de dirigir as relações entre os estados e seus habitantes, será feita a analise de um dos autores que se ocupou em desenvolver tal tema em sua poesia.Para que a poesia seja verdadeiramente situada dentro da perspectiva do oprimido, o autor tem que ter tido a preocupação em escrevê-la a partir do olhar deste, sentindo suas dificuldades e faltas. Será analisada a poesia Gilberto Mendonça Teles "O preço da liberdade" que concebeu a política dentro da perspectiva de denuncia a opressão, vendo-a como ato ou efeito de abatimento de forças de classes. O estudo procurou delimitar como, de forma implícita, em seu poema o poeta tratou o tema, considerando o oprimido e sua real situação no social, através do destaque de algumas personalidades que a princípio poderiam ocupar um papel de opressor, mas que andaram na contra mão da história, se destacando por lutar por um espaço mais digno para os cidadãos de classes sociais ditas inferiores. Foi feita também a análise estrutural dos elementos do poema.

PALAVRAS-CHAVE: poesia -opressor x oprimido - cultura - política - libertação









INTRODUÇÃO:

Cabe, de início, salientar que uma das funções sociais do escritor é descrever o mundo. Para isto utiliza-se de palavras que surgem, traduzindo entre outras coisas, seu modo de ver o cosmos. A tarefa de representar a realidade nem sempre é fácil, pois a escrita literária está muitas vezes, consciente ou inconscientemente, atrelada ao ambiente social, o que acaba influenciando em seu valor ideológico.
Outro aspecto a ser destacado é a complexidade que existe nas relações entre literatura e sociedade. Tais relações levam em conta, não só, o conteúdo social da obra, mas também sua influência na sociedade; a questão dos leitores; a sociologia do escritor, que verifica o meio e o tempo em que viveu e compôs sua obra. Quanto mais o poeta se aproxima dos sentimentos do oprimido, mais relação com ele estabelece e assim, se torna elemento articulador e favorável na luta contra a opressão.
De acordo com Chaves (1999), outro elemento que se reflete na produção de um texto é a história. Sabe-se que determinados aspectos históricos podem influenciar a produção literária num certo período. Ao tratar da relação entre literatura e história, Bosi (1994) refere-se à fronteira que se estabelece entre estes dois campos do conhecimento e atesta que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que, tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo. O externo no caso, o social, importa não como significado, mas como elemento que desempenha certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno.
Após tais colocações, faz-se necessária uma análise acerca da construção social da cultura e sua influência na Política.
Dentro das reflexões de Freire (2002) a cultura é produzida/disseminada pelas classes dominante. Dentro deste conceito está o entendimento da diversidade cultural ? cultura popular x cultura erudita. Cultura todos possui, mas frequentemente o termo é utilizado para definir a pessoa que possui acumulo de conhecimento, que é erudita.
Qualquer tipo de conhecimento humano é produzido por grupos sociais privilegiados, dominantes. Mesmo que estes não ocupem lugar social de destaque, tem poder aquisitivo para disseminá-lo. O motivo pelo qual se entende a cultura como produzida e disseminada pelas classes dominantes é a falta de registro das camadas sociais oprimidas: a história é sempre contada a partir do ponto de vista do opressor que com seu olhar, cria um dispositivo ideológico excludente.
Dentro deste aspecto não se quer dizer que as camadas populares não possuem cultura, pelo contrário. O que as diferencia é a forma de registro: memória social, oralidade.
A intenção do presente trabalho é destacar que o surgimento e a construção social se fazem através da dialética opressor x oprimido. Em toda relação de opressão surge um movimento de castração do ser oprimido e numa mesma proporção do opressor. Se num dado momento quem oprime se rebela, cria mecanismo de contra ataque no opressor, que se liberta e num movimento de adequação a nova ordem estabelecida, cria, inventa, recria, tendo como fonte a própria relação opressor/oprimido que cria uma nova ordem/sistema para estabelecimento das relações. "Somente os oprimidos libertando-se, podem libertar os opressores. Estes, enquanto classe que oprimem, nem libertam nem se libertam".Freire (2002 p. 46).Segundo ele as classes oprimidas têm vantagens em relação às opressoras, pois elevam a humanidade, promovendo avanços civilizatórios. Para que tais avanços aconteçam há a necessidade de um distanciamento entre opressor e oprimido. Freire destaca que opressor também é oprimido: para exercer controle, opressor deve abrir mão de si mesmo e com isto fica tão oprimido quanto o próprio oprimido. Com estas reflexões não propõem revolução social, mas que se pense na perspectiva do oprimido, no caso da literatura, que ela seja para o oprimido.
O opressor enquanto tal não se enxerga como é. O oprimido imerso no contexto atende a esta ordem e neste jogo opressor x oprimido ambos não trazem a consciência de si, mas acaba que opressor e oprimido vivem a sombra um do outro, pois para exercer controle, deve-se abrir mão de si mesmo e acaba-se por ficar tão oprimido quanto que está sendo oprimido. Somente quando os oprimidos conseguem se libertar do víeis dos opressores, saindo de suas amarras, re-criando e construindo sua história, pode libertar seus opressores e fazer a civilização andar.
Até século XVII o impulso era visto como passivo, hoje o impulso civilizatório é entendido como construído a partir de desafios;
Freire (2002) fala a respeito do sentimento de algumas classes sociais de incompletude e inacabamento, aqui está o impulso que promove avanços, mesmo que de forma distorcida, pois na verdade o oprimido quer ocupar o lugar do opressor.
Para que uma literatura seja entendida como do e com o oprimido, tem que estar bem contextualizada, próxima das dificuldades e necessidades dos oprimidos. Quando a literatura é para ou sobre o oprimido, fica distante e não pode ser considerada dentro do tema da opressão.
Freire foi um mestre na escrita sobre o oprimido, ele propunha que o oprimido se respeite se liberte das amarras do opressor que construa sua identidade respeitando suas peculiaridades. Cita três formas de reagir do oprimido em relação à opressão:
Naturaliza: lê o mundo com os olhos do opressor;
Fatalismo: vê as diferenças, mas se conforma com ela;
Libertadora: vê as diferenças e luta por um espaço de dignidade;
Dentro destas três formas de reação, traz a reflexão de que para haver impulso deve haver oprimido. São eles que fazem a civilização avançar, quando com um olhar libertador lutam por um espaço digno e de inclusão social. Para que esta dinâmica de impulso aconteça são necessários espaços institucionalizados. Quanto maior o rigor, menos condições de avançar. Em outras palavras, a suspeita gera desconfiança, a desconfiança é a mãe da hipótese, a hipótese enquanto pré-conceito informado pela leitura crítica do mundo instala o caos na ordem consagrada; no caos pode estar a verdade e a nossa ordem necessária ao avanço da civilização.
A escolha desse poema, portanto, não ocorre de forma gratuita. É, sim, decorrência de uma atitude consciente, que visa justamente demonstrar a importância da poesia de Teles dentro da literatura brasileira, já que seus poemas são exemplos marcantes de postura crítica, participante e engajada socialmente.
A produção de Teles representa a realidade de forma não idealizada. A demonstração de engajamento de seu poema denota a capacidade do escritor em descrever o tempo histórico. Seu conteúdo é a chave da alta compreensão histórica desse poeta que entende o homem e a realidade social, transfigurando-a, através da beleza artística, em visão nada vulgar ou banal, mas antes superior com inteligência e penetração sensível.
A leitura do poema que segue permite verificar a afirmação explícita de que a palavra poética atua de maneira decisiva como participação na vida e como forma de representação histórica, política, social.
O poema escolhido para análise deste foi "O preço da liberdade" de Gilberto Mendonça Teles. Tal poema é formado por dezoito versos, distribuídos em duas estrofes: a primeira com dezessete versos e a segunda com apenas um:

"O preço da Liberdade"
Michael Collins..............................................................................presente
Garcia Lorca................................................................................. presente
Jean Moulin.................................................................................. presente
Mahattma Gandhi......................................................................... presente
Patrice Kenedy............................................................................. presente
John Kenedy................................................................................. presente
Eduardo Mondlane........................................................................ presente
Humberto Delgado........................................................................ presente
Luther King.................................................................................... presente
Che Guevara................................................................................. presente
Salvador Allende........................................................................... presente
Amílcar Cabral............................................................................... presente
Aldo Moro...................................................................................... presente
Ali Blutto........................................................................................ .presente
Indira Gandh................................................................................. presente
Oloff Palm...................................................................................... presente
Chico Mendes............................................................................... .presente

Nós os ausentes vos saudamos!
Gilberto Mendonça Teles, 2002, p. 152

Em conformidade com a idéia de que texto e contexto devem estar interligados, na análise do poema devem-se levar em consideração alguns traços sociológicos que contribuem para a atribuição de sentido ao texto. Cabe aqui lembrar que o poema está intimamente relacionado a acontecimentos históricos, mesmo que implicitamente, os quais projetam conseqüências que repercutem no ambiente social e deixam marcas profundas na sociedade.
O poema foi publicado no Brasil no final do século passado.Somos uma sociedade começando a construir uma identidade, pois somos um país bem novo comparado a outras nações. Em nossa sociedade acontece uma série de acontecimentos políticos e econômicos que assinalam as peculiaridades da sociedade brasileira, tais como a repressão política; o preconceito institucional; precariedade das condições de trabalho; a modernização industrial; a implantação e a afirmação de condutas autoritárias; a urbanização dispersiva. Esses acontecimentos são agravados pela situação de miséria enfrentada pela população que resultam em disjuntura social. Desta, originou-se, principalmente, a desigualdade de privilégios concedidos à sociedade, intensificando, ainda mais, a formação de classes opressoras e oprimidas.
A figura dos personagens deste poema vem justamente como representação, atores que agiram de forma libertadora contra a opressão, conforme já mencionado neste. O poema todo está centrado na reflexão sobre a existência de personalidades que resiste a opressão e segue vivendo na memória de todos. Começa e termina na forma de lista de chamada o que vem enfatizar o problema da existência com consistência.
Nos versos observando somente o sentido denotativo tem-se a sensação de incompletude, de esvaziamento, que é transmitida através da seqüência de imagem de lista de chamada colegial que denotam uma situação passiva. Para compreender a essência da mensagem do autor, necessário observar o sentido conotativo da mensagem.A poesia não apresenta rimas. Todos os versos têm a mesma estrutura: um substantivo próprio nome das personalidades, os pontos de ligação e o termo "presente", remetendo a coesão textual feita por paralelismo. A repetição do termo "presente" se dá recurso fonológico, que intenciona a transmissão da idéia de uma chamada, feita pelo no caso pelo eu lírico. Percebe-se no poema um paradoxo, em relação a utilização dos termos presente x ausente que tem por objetivo demarcar a situação das personalidades do poema no que se refere a vida x morte. Os "chamados" presentes estão mortos, ou seja, ausentes no sentido de existência física. A expressão "ausente" foi usada como referencia para os vivos presentes na existência física, que são o eu lírico e todos receptores. Portanto as palavras "presente" e "ausentes" tem duplo sentido. São denotativas, mas assumem também função conotativa. O poema apresenta dezessete nomes de pessoas que de alguma forma marcaram seu nome na história da humanidade, sendo dezesseis homens e uma mulher ? Indira Gandhi. Todos os citados estão ?ausentes? no sentido literal, pois estão mortos, assassinados, mas presentes nas lembranças por seus feitos em relação à luta contra a opressão. São estadistas, políticos, revolucionários, heróis, comandantes, idealistas, mártires que entregaram suas vidas em favor de um princípio, de uma crença que mobiliza todo um social e com isto conseguiram se eternizar, se tornarem presentes na memória e na história de seu povo ou da humanidade.
Cumpre destacar que este percurso, esta construção não é dada de graça, como foi mencionado no início deste artigo, para se libertar, se fazer presente há que se expor, pagando algum preço pela luta da liberdade, muita das vezes com a própria vida. Estar presente no caso do poema é se fazer presente, ser presença ativa neste mundo, trazendo um diferencial para as esferas sociais, pela busca de um espaço onde a diversidade não é só respeitada e entendia, mas por outra internalizada nas relações humanas. Conclui o poema dizendo que muitos de nós passamos pela vida de forma ausente, sem nos posicionarmos ou lutarmos por algum tipo de ideal. Passamos despercebidos pela multidão. Nosso lugar no social é condicionado a mediocridade a aceitação com conformismo de todas as formas de opressão. Sua poesia sugere também que todos aqueles que lutam por um espaço digno de vida encabeçada por um ideal e movido por um diferencial social, paga um preço: exílio, prisão, exclusão, privações, mortes, isolamento e atrocidades de forma geral. Então o preço da liberdade seja de expressão ou ideologia de vida é alto demais e as pessoas pagam caro por isto.
Como o autor do poema é um brasileiro, escolhe o nome de Chico Mendes, também um brasileiro, para fechar a lista de presença das personalidades que se tornaram imortais estando presente na luta pela construção de um espaço de respeito e diferenciado em realização e luta pelo lugar do oprimido se eternizando como lutador pelas questões sociais.
Nos trabalhos mais recentes sobre Literatura, observa Bosi, 1994, a articulação entre o discurso literário e o contexto social, o espaço biográfico-psicológico e existencial do escritor, surge como elemento indispensável para a compreensão da obra literária. Vários estudos ressaltam a importância do contexto e sua significação para um entendimento mais amplo da mensagem que o artista tenta transmitir em seus escritos, foi o que foi feito para esta analise.


CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Este trabalho surgiu como culminância da disciplina de Mestrado ministrada pela professora Doutora Thereza Domingues, Poesia brasileira: enfoques, que, no semestre, teve como abordagem teórica a questão da opressão e do oprimido na poesia brasileira e contemporânea, compreendida não apenas como representação social, mas também como exploração e reinvenção de uma suposta "linguagem oprimida" no interior dos códigos dominantes da estética literária ocidental.
Tendo em vista esta perspectiva, o objetivo deste foi de analisar o poema de Gilberto Mendonça Teles, procurando relacioná-los com o contexto histórico-social do Brasil e do mundo, tendo em vista a construção da representação literária opressor X oprimido.
Buscou-se chamar atenção para a função social da obra e do escritor, bem como, demonstrar a relevância da relação entre forma poética, ideologia, estrutura social e política.



BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

BONNICI, T. e ZOLIN, Lúcia Osana. Teoria Literária: abordagens históricas e tendências Contemporâneas. Maringá: Eduem, 2003.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

CHAVES, Flávio Loureiro. História e Literatura. 3. ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 33 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

____________. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d água, 1995.



TELES, Gilberto Mendonça. Hora Aberta. 4 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002.