Operações de crédito documentado

Por raul moura aquino | 18/09/2014 | Direito

1)     Linhas introdutórias e conceituação

                     As operações de credito documentado surgiram em um contexto de risco observado nas transações de compra e venda internacional, tanto para o exportador, que tem que se deparar precipuamente com a possibilidade insolvência do seu comprador, como para o importador, que , quando de boa fé, tem interesse de ver o acordo seno cumprido da maneira correta.

                    O doutrinador Nelson Abrão aponta como primórdio das operações de crédito documentado, a atividade dos Merchant Bankers que operavam no século XIII na Inglaterra, obrigando-se no lugar do comprador londrino perante os vendedores estrangeiros por meio de cartas de pagamento. Nessa entoada, surgiram as primeiras operações que representariam o que hoje chamamos de “crédito documentado”, sendo, portanto, a possibilidade de um terceiro com ampla solvabilidade garantir negócios de outrem, comprometendo-se no lugar do devedor.  No contexto econômico atual, quem faz o papel do terceiro interveniente, em regra, não são mais pessoas físicas, e sim pessoas jurídicas, quais sejam, as Instituições Financeiras.

                          Tais operações representam um grande incentivo para o comércio mundial, especialmente nas transações de exportação, possibilitando ao exportador mais segurança na hora de ter seu crédito adimplido. Embora seu formato seja compatível com transações nacionais, verificamos a quase totalidade de sua frequência no comércio exterior.

                          Apesar dos primórdios constarem no período da Idade Média, as operações de crédito bancáriosurgiram de fato na Primeira Guerra Mundial, período marcado por inúmeras transformações no âmbito econômico mundial. Os comerciantes norte-americanos, antes de exportarem seus produtos para a Europa em guerra, exigiam garantias dos bancos europeus, justamente pela instabilidade financeira que atravessava o continente. A medida que as exportações cresciam, ia se tornando cada vez mais necessário a regulamentação dessas operações, surgindo a partir de então, diversos  documentos reguladores. O primeiro foi elaborado na Conferência sobre Crédito dos Banqueiros de Nova York em 1920, seguido pela das Regras e Usos Uniformes relativos aos Créditos Documentados de 1933, e por fim, em 1962, a aprovação no México das Normas e Costumes Uniformes para os Créditos Documentários.

                                  O texto das Normas e Costumes Uniformes para os Créditos Documentários define as tais operações da seguinte maneira:

Qualquer estipulação pela qual um banco (banco emitente), operando o pedido e conformemente às instruções de um cliente (ordenante), é incumbido de pagar a um terceiro (o beneficiário) ou à sua ordem, ou de aceitar ou negociar letras de câmbio sacadas pelo beneficiário, ou de autorizar outro banco a fazer tais pagamentos, ou a pagar, aceitar ou negociar tais saques, contra documentos convencionados e conforme termos e condições estipuladas.

                                Considerando a complexa definição acima, o doutrinador Nelson Abrão traz em sua obra uma conceituação mais usual, afirmando que o instituto seria “operação pela qual o banco, de acordo com instruções do comprador de uma mercadoria, se compromete a pagar, por este, ao terceiro vendedor, contra a entrega dos documentos o respectivo preço” ¹.

2)    Da natureza jurídica

                                   No que tange a natureza jurídica de tais operações, existem várias correntes que tentam defini-la, porém a inconsistência de sua maioria deve-se ao fato de ignorar em parte a complexidade presente nas operações de crédito documentado. Nelson Abrão apresenta as diversas teorias, sendo algumas  delas  adelegação novatória ativa, onde o vendedor substituiria o comprador em sua posição em relação ao banco; adelegação novatória passiva, por meio do qual o banco substituiria  o comprador em sua obrigação para com o vendedor; além de outras hipóteses sugeridas, como a cessão de crédito, empreitada, contrato a favor de terceiro, fiança, antecipação bancária. Atualmente, porém, a teoria da delegação cumulativa passiva, surgida na Itália, é vista como que mais se aproxima da real natureza jurídica das O.C.D², sustentando a seguinte dinâmica : ao exportador seria dado a garantia de um novo devedor do seu crédito, sem que isso representasse a isenção do devedor originário, que teria a prerrogativa de ser cobrado somente depois do novo devedor

3)    Modalidades

                    As operações de crédito documentado podem variar de acordo com a natureza do crédito garantido, sendo de fundamental importância a indicação no documento representativo do tipo crédito dado. A primeira modalidade trata-se da hipótese de crédito revogável, sendo aquele que pode ser modificado ou até mesmo extinto a qualquer momento, sem que seja necessária a anuência do beneficiário. Levando em consideração tais características, tem-se seu uso torna-se muito reduzido, justamente pela fragilidade da garantia dada ao credor. Normalmente esse tipo de crédito é usado entre empresas do mesmo grupo econômico. Já o crédito irrevogável,como a própria nomenclatura já esclarece, é por sua natureza, irretratável, onde a Instituição Bancária firma compromisso estável de pagamento perante o exportador a partir da apresentação dos documentos necessários, não podendo ser revogado indistintamente pelo ordenante. Certamente é a modalidade mais usual no cenário comercial externo, especialmente pela força de sua garantia.

Há dentre o tipo de crédito irrevogável, duas submodalidades, o crédito irrevogável confirmado e o não confirmado.  A segunda submodalidade ocorre quando o banco da praça do exportador, também chamado de banco intermediário, é responsável apenas por informar ao credor que foi aberto um crédito em seu favor, liberando a importância, mediante a apresentação correta dos documentos exigidos, sem assumir outras obrigações. Já a primeira, voltada para suprir as exigências de maiores garantias, acontece quando o banco intermediário também se compromete diretamente perante o credor, ou seja, há no mínimo uma duplicidade de garantia de adimplemento do crédito. Nelson Abrão narra que historicamente esse reforço de garantia surgiu nas transações ocorridas entre Estados Unidos e Inglaterra.

                             Uma terceira modalidade é a de crédito transferível, utilizado quando o titular do crédito autoria que ele possa ser usufruído por outrem integral ou parcialmente. Tal hipótese normalmente ocorre quando o exportador e o fornecedor da mercadoria são pessoas diferentes, o que vem a facilitar o pagamento direto do crédito a cada um.

4)    Estruturação das Operações de Crédito Documentado.

                              O cerne estrutural das operações de crédito documentado encontra-se na carta de crédito, que vai ser o documento constitutivo da garantia prestada pela Instituição Financeira perante o vendedor, comprometendo-se a  pagar o crédito contra a apresentação dos documentos pertinentes.  Fazem parte dessas operações as figuras do comprador da mercadoria (o ordenante da operação), o vendedor (beneficiário do crédito), banco emissor e o banco intermediário. Ressalto que não obrigatoriamente o banco emissor e o banco intermediário devem ser pessoas jurídicas diferentes. É perfeitamente possível  que a instituição financeira que vai proceder a disponibilidade do crédito no país do exportador mediante a apresentação de documentos, seja a mesma que negociou com o comprador nacional, tendo em vista a existência de bancos multinacionais. Quando um crédito irrevogável é aberto no banco intermediário, este pode ou não confirmá-lo , se o fizer, firmará garantia cumulativa do crédito perante o beneficiário.

                                 Nelson Abrão explica que o desenrolar de uma operação de crédito documentado acontece justamente a partir da venda internacional de mercadorias, pela qual o vendedor normalmente exige uma garantia como reforço para o adimplemento da dívida. Surgindo desse modo, obrigações para cada uma das figuras integrante das operações de crédito documentado, quais sejam: para o comprador, a de disponibilizar fundos suficientes ao banco com o qual negociou, pois uma vez feito o pagamento ao beneficiário, o ordenante deve reembolsar a importância paga, e que na praxe, vem acrescida da comissão cobrada pela instituição financeira para a realização do serviço. Esse banco emissor, por sua vez, tem a obrigação de providenciar a abertura do crédito em nome do beneficiário, além de, segundo Nelson Abrão “notificar o beneficiário vendedor da existência da disponibilidade creditícia em seu favor; pagar-lhe, ou prometer pagar-lhe; aceitar a cambial ou descontá-la, se a operação de crédito for irrevogável; assegurar-se, em qualquer caso, do exato cumprimento, de parte do vendedor, das obrigações para com o comprador, examinando os documentos por aqueles apresentados”. (ABRÃO, Nelson, Direito Bancário. p. 176). Em relação ao beneficiário, uma vez entregue o produto da transação, sua obrigação se resume a correta apresentação dos documentos necessários para a liberação do crédito. Existindo banco intermediário, seu papel varia conforme o tipo de crédito assumido, pois, sendo ele confirmado, o banco vai assumir obrigação financeira perante o o beneficiário, caso não seja confirmado, restringe-se à realização de notificação da existência do crédito e sua posterior liberação.

4.1) Documentos necessários.

                       Em relação à obrigação do beneficiário depois de entregue as mercadorias, mostrou-se a necessidade de apresentação de documentação. Desse modo, deve constar na carta de crédito quais são os documentos exigíveis para que o exportador possa apresentar ao banco intermediário, e assim ter seu crédito liberado. Ligia Maura Costa³, observando a praxe comercial na atualidade, listou os documentos que mais costumam ser exigidos, são eles:

   A fatura comercial, que detalha a venda da mercadoria, registrando valores e quantidades; a guia de exportação, aquela que autoriza o exportador de embarcar a mercadoria vendida para o exterior; o conhecimento do embarque marítimo, usado como titulo de transporte e de crédito, representando as mercadorias transportadas; contrato de seguro, assegurando a trajetória dos produtos.

5)     Da extinção das obrigações

                    Extinguir-se-ão as obrigações relativas às operações de crédito documentado a partir da liberação do crédito, e posterior compensação entre o ordenante e o banco emissor.  Nelson Abrão traz em sua obra o detalhamento da extinção de todas as obrigações assumidas no contexto da O.C.D, quais sejam :

I - Entre o banco emissor e o cliente ordenante, quando aquele entregar os documentos relativos à mercadoria a este, em se tratando de antecipação de fundos pelo cliente, ou de acordo com as normas que regem o contrato de abertura de crédito, se for o caso.

II – Entre o banco pagador e o beneficiário do crédito: as obrigações do banco se extinguem no momento em que se paga o valor da compra, haja,ou não, saque de cambial contra si, ou quando desconta a cambial sacada contra o ordenante comprador; o beneficiário do crédito, por sua vez, se exonera quando entrega os documentos relativos à compra e venda, seguro e frete ao banco pagador.

III – Entre o banco intermediário e o banco emissor: chega ao fim do

Relacionamento contratual quando o primeiro entrega os documentos supra-referidos ao segundo, e recebe o que despendeu.

6)    Conclusão

                       À primeira vista, o sistema funcional das operações de crédito documentado, de fato, parece complexo, tendo em vista a multiplicidade de relações que o envolvem, podendo congregar mais de um terceiro interveniente, a depender do número de instituições financeiras envolvidas na negociação. Entretanto, devemos observar que tais operações surgiram a partir de uma necessidade do comércio internacional, que carecia de uma maneira prática de realizar negócios seguros, onde o exportador não ficaria à mercê apenas da solvabilidade do seu comprador, tendo como garantia um terceiro, que em regra, dificilmente não honraria com o crédito, no caso, as instituições financeiras. Desse modo, tais operações foram concebidas para facilitar os negócios de compra e venda internacional, e levando em conta seu papel viabilizador de negociações a grandes distancias, pode-se dizer que relativamente se trata de um instituto até simplificado. Além de fomentar o mercado externo, e reflexamente, a economia dos países envolvidos, as operações de crédito documentado têm como uma de suas principais vantagens, a segurança para as figuras participantes, visto que para  a liberação do crédito só é feita após a checagem da documentação necessária, e indiretamente a idoneidade da mercadoria negociada, além de proporcionar maior certeza na adimplemento do negócio formulado entre comprador e vendedor.  A figura da instituição financeira, além de servir com a ponte da negociação, proporciona para o tomador de crédito uma maior facilidade de pagamento que não seria possível se acertada diretamente com o exportador, ou seja, o comprador nacional, uma vez negociando a abertura do crédito com banco, pode estipular outras formas de pagamento, de maneira parcelada ou termo inicial posterior, por exemplo.

Referências Bibliográficas

¹ ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 14. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva 2011.

³ COSTA, Lígia Maura. O crédito documentário e as novas regras e usos uniformes dacâmara de comércio internacional. São Paulo: Saraiva 1994.

4 RIBEIRO, IGOR VELOSO. CRÉDITO DOCUMENTÁRIO: IMPLICAÇÕES JURÍFICAS. Artigo hospedado no site (http://www.pge.ro.gov.br/wp-content/uploads/2012/07/Cr%C3%A9dito-Document%C3%A1rio-Implica%C3%A7%C3%B5es-Jur%C3%ADdicas2.pdf 

CUNHA, MARIANA TOMAZ , operações de crédito documentado. Artigo hospedado no sitehttp://www.webartigos.com/artigos/operacoes-de-credito-documentado/117604/ )

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