OPERAÇÕES CREDITÍCIAS E A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR DO CRÉDITO

Por VINICIUS BATISTA RIBEIRO | 13/04/2013 | Direito

OPERAÇÕES CREDITÍCIAS E A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR DO CRÉDITO* 

Vinícius Batista Ribeiro

Paulo David Coimbra**

RESUMO

O presente trabalho adentra no cerne da questão relativa aos contratos bancários de financiamento ou empréstimo em que está situado em um dos pólos da relação a figura do consumidor. Primeiramente busca-se enumerar os elementos de ordem principiológica que atuam no sentido de defesa do consumidor na seara específica dessas operações. Posteriormente é trabalhada a concepção de onerosidade excessiva como causa que resulta na modificação contratual (revisão ou mesmo a sua resolução). Na mesma esteira de trabalho busca-se trabalhar os elementos que conferem ao fornecedor do crédito a responsabilidade pela má concessão do mesmo, principalmente em função do processo de “obstacularização”que é estruturado por ele, impedindo o efetivo adimplemento da obrigação contratual pelo consumidor, ao mesmo tempo que o deixa em uma situação de superendividamento. Como fatores apresentam-se: a capitalização composta de juros, as altas taxas dos mesmos, a cumulação de encargos contratuais, etc.

PALAVRAS-CHAVE

Onerosidade excessiva. Operações creditícias. Co-responsabilidade do fornecedor do crédito.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A concessão de crédito possibilita condições de acesso ao consumo de bens ou serviços, além do pagamento de outros débitos. É um mecanismo bastante presente na sociedade atual e que vem crescendo amplamente pela campanha de marketing do dinheiro “fácil” do pagamento “rápido”, vendendo uma idéia absolutamente desconexa da realidade, principalmente das taxas praticadas no mercado, inclusive por instituições financeiras públicas, que não deviam ter o intuito de lucro. Todo esse contexto gera uma situação de perigo ao consumidor desavisado, que se vê atraído pela falsa idéia de crédito rápido e fácil. O presente trabalho aborda os fatores que são determinantes para uma condição de superendividamento do consumidor de crédito, principalmente por meio de práticas efetivadas pelas instituições de crédito no sentido de onerar excessivamente o tomador de empréstimo ou quem pratica algum financiamento. São inúmeros os fatores que deixam o consumidor absolutamente dependente e duplamente vulnerável frente o outro pólo do contrato, primeiro pela sua própria condição de consumidor, e segundo pela circunstancia de não poder arcar com suas dívidas, sendo muitas vezes, obrigado a efetivar “acordos” desvantajosos a longo prazo para ele.

1.  APLICABILIDADE DO CDC AOS CONTRATOS BANCÁRIOS

 

A aplicabilidade ou não das regras do CDC aos contratos de natureza bancária já levou muita discussão às “portas do judiciário”. Na esteira dos argumentos utilizados pelos representantes dos bancos para se furtar ao cumprimento das disposições consumeristas, encaixava-se a discussão acerca dos conceitos de serviço ou de consumidor. Para eles, a entrega de dinheiro ao consumidor não poderia ser caracterizada como prestação de serviço e, igualmente, o recebedor deste crédito não se encaixava no conceito de destinatário final, já que por critérios de ordem lógica, se efetivaria o repasse dos créditos quando do momento de novas contratações ou negócios de semelhante natureza, passando, por conseguinte, a terceiros, os créditos obtidos junto às instituições financeiras. No mesmo viés de inaplicabilidade do CDC, as instituições financeiras apontavam tal “incongruência” a partir também de elementos específicos, como por exemplo, o impedimento da limitação de juros remuneratórios em virtude da ausência de um dispositivo legal que indicasse tal vedação, já que com a revogação do §3º do art. 192 da Constituição Federal, os contratos firmados entre instituições financeiras e particulares estariam na seara da livre estipulação da taxa de juros entre as operações. Na mesma linha argumentativa, discutia-se a necessidade de se levar em consideração o risco bastante elevado das operações bancárias, o que resultava nas altas variações entre taxas quando se efetivava comparações entre instituições financeiras diferentes, o que, por critério de lógica matemática, formaria a taxa média de mercado. Para os que advogavam a posição dos bancos, a limitação das taxas nas operações por via de decisões alocadas no código consumerista seria danosa em um curto ou médio prazo ao próprio sistema financeiro, pois barraria sua fluidez ao mesmo tempo que impediria a livre escolha dos particulares em um mercado competitivo, necessitando este, por conseguinte, de uma diferenciação de custos e preços para a concretização do seu próprio caráter de competitividade.

Entretanto, tais argumentos não foram acolhidos pela grande maioria das decisões nos tribunais espalhados pelo país quando do tratamento de questões que tinha como um dos seus elementos a discussão acerca da (in)aplicabilidade do CDC às operações bancárias.

2007. 001.62924 – APELAÇAO CÍVEL

DES. NORMA SUELY – Julgamento: 12/02/2008 – DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL.DIREITO DO CONSUMIDOR.CONTRATO BANCÁRIO. SUPERENDIVIDAMENTO. INEGÁVEL A INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DO C.P.D.C. NAS RELAÇÕES BANCÁRIAS - SÚMULA Nº. 297, DO STJ.INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. AÇÃO PROMOVIDA EM 19/05/2006. PRETENSÃO QUE SE RESTRINGE AOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS FORMALIZADOS NOS ANOS DE 2004 A 2006. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO EM FAVOR DO CONSUMIDOR. DECISÃO IRREPREENSÍVEL PELA HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR E PELA OPORTUNIDADE CONCEDIDA AO BANCO PARA INDICAR PROVAS.IMPENHORABILIDADE DOS SALÁRIOS: ART. 649, IV, DO C.P.C. DESINFLUENTE O TIPO DE CONTA. INCUMBE À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PROCEDER À PRÉVIA AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE DE ENDIVIDAMENTO DO CLIENTE. EM AGINDO DE MANEIRA DIVERSA, ASSUME OS RISCOS DE SEU EMPREENDIMENTO, DEVENDO SUPORTAR OS ÔNUS DE SEU INSUCESSO. REDUÇÃO DA PARCELA A SER DEDUZIDA: 30% DOS VENCIMENTOS DO CLIENTE. UTILIZAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 6º, § 5º, DA LEI Nº. 10.820/2003, QUE REGULA OS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO.VEDAÇÃO À PRÁTICA DE ANATOCISMO. ABATIMENTO DO EXCESSO DE JUROS E DEVOLUÇÃO, EM DOBRO, DA IMPORTÂNCIA INDEVIDAMENTE PAGA, NOS TERMOS DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO C.P.D.C.DESPROVIMENTO DO AGRAVO RETIDO  E DA APELAÇÃO

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2007.001.47947 – APELAÇÃO CÍVEL

DES. CRISTINA TEREZA GAULIA – Julgamento: 19/09/2007 – SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. RELAÇÃO DE CONSUMO. SUBSUNÇÃO À LEI 8.078/90. SUPERENDIVIDAMENTO. CONSIGNAÇÃO FACULTATIVA DE PRESTAÇÕES EM FOLHA DE PAGAMENTO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE PAGAR O VULNERÁVEL O EMPRÉSTIMO NA FORMA CONTRATADA SEM PREJUÍZO DE SUA SUBSISTÊNCIA E VIDA DIGNA. CDC QUE SENDO LEI DE ORDEM PÚBLICA IMPÕE A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR HIPOSSUFICIENTE NA FORMA PRECONIZADA PELO NOVO DIREITO FUNDAMENTAL INSERIDO NO ART. 5º INC. XXXII CF/88. INTERVENÇÃO DO ESTADO-JUIZ NO CONTRATO PARA REVER A ONEROSIDADE EXCESSIVA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 6º V CDC E 421 E 478 NCC. POSSIBILIDADE. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO QUE POR SI SÓ NÃO REPRESENTA A PRINCÍPIO A DESVANTAGEM EXAGERADA. MÁ-FÉ DO APELADO QUE MALGRADO AS CONDIÇÕES DO AUTOR LHE OFERECE OUTROS EMPRÉSTIMOS E A PRÓPRIA RENOVAÇÃO QUE O AUTOR INICIALMENTE PLEITEAVA. PRESTAÇÕES CONSIGNADAS QUE SE REPARCELAM. INTELIGÊNCIA DO§5º DO ART. 84 CDC. EFETIVIDADE E CELERIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OFÍCIO EXPEDIDO À SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. SUCUMBÊNCIA RATEADA. (DGCON – SEAPE)

As decisões supramencionadas atuaram no sentido de colocar em primeiro plano os elementos principiológicos norteadores da legislação consumerista, que tem inclusive, designação constitucional. Sobrepondo-se, a seu turno, à linha argumentativa contrária, que se embasava em fatores de ordem caracteristicamente patrimonialista.

Nesse viés de interpretação, o STJ, por meio da Súmula 297 de 2004, consolidou o entendimento acerca da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras.

E, para acabar de vez com as discussões antes mencionadas foi fundamental a decisão em sede de julgamento de ADIn (2,591 – proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF) em que o STF julgou constitucional o art. 3º, §2º do CDC, ratificando a aplicabilidade deste diploma aos serviços e operações bancárias (LOYOLA, p. 35).

No tratamento dessa espécie de consumidor, Luciano Timm assim o qualifica:

Dessa forma, o consumidor de crédito é basicamente a ‘pessoa natural que está agindo fora do âmbito de seus negócios (incluindo aqui o comércio e a atividade profissional)’ e negocia com a financeira ou o banco o fornecimento de recursos financeiros para a satisfação de uma necessidade pessoal, como é o caso do financiamento habitacional, o crédito educativo (...). Aqui, pelo menos, não há como se escapar da incidência do CDC. (TIMM. 2005. p. 46)

Vencida essa primeira delimitação, que atuou como forma de expor ao leitor o ratificado entendimento acerca da incidência do CDC nas operações bancárias, faz-se necessário trabalhar os elementos que estruturam a defesa do pólo mais frágil da relação na especificidade do negócio de natureza bancário-creditícia.

2.PRINCÍPIOS AFINS

2.1 Dignidade da pessoa humana

Para iniciar o tratamento, mesmo que de maneira genérica, torna-se importante transcrever o que, em algumas palavras, Cármem Lúcia diz acerca deste princípio, apontando a sua essencialidade no atual ordenamento jurídico.

O sistema normativo do direito não constitui, pois, por óbvio,  a dignidade da pessoa humana. O que ele pode é tão-somente reconhecê-la como dado essencial da construção jurídico-normativa, princípio do ordenamento e matriz de toda organização social, protegendo o homem e criando garantias institucionais postas à disposição das pessoas a fim de que elas possam garantir a sua eficácia e o respeito à sua estatuição. (ROCHA, 1999. P. 26)

Como elemento normativo de fundamental importância, trabalhado pela autora supra citada, no âmbito do direito do consumidor, a sua função se perfaz na limitação de condutas dos fornecedores, que venham a causar algum tipo de agressão à dignidade do cidadão enquanto consumidor, que, a seu turno, guarda estreita relação com o sentido genérico do princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse ínterim, e relacionando-se ao tema aqui abordado, o consumidor não terá sua dignidade respeitada quando, em virtude de um superendividamento, não puder custear mais suas despesas básicas, ficando sua renda destinada, quase que exclusivamente, ao pagamento da dívida gerada pelo empréstimo tomado. Isso tudo somado ao fato do fornecedor do crédito não disponibilizar mecanismos que relativizem essa situação, possibilitando uma renegociação positiva para ambas as partes. O que se vê, infelizmente, é uma busca desenfreada por lucros a custa da dignidade daquele que, por situações objetivas (a perda do emprego, por exemplo) não reúne mais condições de arcar com sua dívida, vendo esta ser aumentada de maneira desmesurada em virtude de taxas exorbitantes fixadas pelo fornecedor do crédito.

2.2 Vulnerabilidade

Resta evidente o nível de dependência que o consumidor tem em relação ao fornecedor no mercado de consumo. Na seara estritamente das operações creditícias, o consumidor, na grande maioria das vezes, desconhece as causas que “justificam” a escolha de determinada taxa para a efetivação do empréstimo, ou a contabilidade gerada nos contratos de financiamento, fazendo transparecer essa idéia que muitas vezes é desconexa da realidade, induzindo, por conseguinte, o consumidor a realizar um negócio do qual poderá se arrepender “amargamente” depois.

2.3 Informação

Em estreita relação com a condição de vulnerabilidade do consumidor. O dever de informação age no sentido de minimizar essa condição, estipulando que é obrigação do fornecedor apresentar, de maneira clara e objetiva, os elementos fundamentadores do negócio realizado com o consumidor, evitando com que este seja frustrado, se arrependa ou tenha sua manifestação de vontade viciada pela conduta abusiva ou enganosa por parte do fornecedor.

Devem ser especificadas de maneira clara e precisa, e na linguagem do consumidor, as taxas e percentuais atinentes ao negócio que se está concretizando. Nesse sentido, elementos como: juros compensatórios; moratórios; acréscimos, periodicidade; o montante a ser pago; etc. devem ser apresentados de maneira detalhada ao consumidor. Este dever é concernente, igualmente, à regra de interpretação, sempre em favor do consumidor, de instrumentos contratuais mal redigidos ou confusos.

2.4 Boa-fé

Intrínseco ao desejo de equilíbrio contratual, a boa-fé estipula o dever de cooperação e lealdade na concretização contratual, objetivando, por conseguinte, a harmonização dos interesses dos agentes contratantes. Por parte do consumidor, é direito dele ver respeitada a sua expectativa com relação à concretização do contrato. Os percentuais dispostos no início do contrato devem permanecer inalterados. Aliás, qualquer cláusula que resulte em uma onerosidade excessiva ao consumidor é tida como não escrita, por ser considerada nula. Assim, por exemplo, cláusulas que deixem unicamente no âmbito de definição do fornecedor o índice de reajuste monetário do contrato sendo este o IGP-M, IPC ou a TR (TIMM, 2005. p. 48) não podem permanecer, e por isso devem ser retiradas do contrato ou mesmo resultar na resolução do mesmo.

3. ONEROSIDADE pio, apontando a sua essencialidade no atual ordenamento jurvos e operaçoes EXCESSIVA

O intuito quando da formação de um contrato deve estar balizado no sentido de criar melhoria para a vida ou para o negócio das partes acordantes. Uma parte não pode ser beneficiada em detrimento da piora da situação do outro pólo contratual. Este é um sentido genérico na condução dos negócios bilaterais, que se efetiva tanto na seara do direito privado quanto no âmbito de incidência da lei consumerista.

No Código Civil, a relação contratual pode sofrer alterações a partir do momento em que se verificam acontecimentos que importem em prejuízos ou lucros excessivos a uma das partes contratantes, desequilibrando a relação que antes era dada pela igualdade. Nesse sentido, a tentativa de restabelecimento se conformou na construção doutrinária da chamada teoria da imprevisão, que fundamenta a possibilidade de revisão ou resolução contratual a partir do advento de acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis que impossibilitem o adimplemento da obrigação pela parte atingida por tal acontecimento, visto que este determinou uma onerosidade acima dos limites plausíveis de determinado negócio.

No Código do Consumidor, a explicação para a revisão ou resolução contratual é delineada em sentido semelhante. Entretanto, pela especificidade da relação consumerista, que parte idéia de vulnerabilidade, importa em uma maior abertura das possibilidades de modificação do negócio anteriormente acordado. No sistema de defesa do consumidor, que é regido, a seu turno, pela teoria da onerosidade excessiva, não existe a necessidade da imprevisibilidade do acontecimento, o que deve ser aferido é tão-somente se o ocorrido foi suficiente para causar a impossibilidade do adimplemento da obrigação. Diferentemente da teoria da imprevisão, em que a imprevisibilidade e extraordinariedade devem ser efetivamente comprovadas.

A onerosidade excessiva, trazida no artigo 6º, V do CDC, efetivou importante mecanismo de diminuição do desequilíbrio de forças entre consumidores e fornecedores. Sua importância é trabalhada por Cláudia Loyola, que a conceitua nesses termos:

Onerosidade excessiva é, pois, uma das causas, entre outras, que os nossos diplomas legais mais avançados admitem para a revisão do contrato, como meio de torná-lo equânime, evitando que a parte que detenha melhores condições em relação à avença venha a locupletar-se à custa da outra. É portanto, importante meio de promoção de justiça social no seio das relações, concretizando no âmbito dos negócios particulares os ditames maiores da Constituição Federal de 1988, sabidamente preocupada com valores de justiça material. (LOYOLA, 2008. p. 90)

Nos negócios jurídicos de natureza bancária, tendo em um dos pólos o consumidor de crédito, a teoria da onerosidade excessiva está presente de maneira marcante, visto seus requisitos de incidência ocorrem de forma reiterada em contratos dessa natureza. O que se dá, principalmente, em decorrência de elevadíssimas taxas de juros, desproporcionalidade de índices de reajuste, ausência de informações precisas, e outros elementos que configuram um contexto em que se efetiva uma extrema vulnerabilidade do consumidor frente o fornecedor do crédito, principalmente por aquele ser quase que “conduzido” a não adimplir sua obrigação nos prazos avençados, gerando dívidas cada vez maiores como resultado da incidência de juros moratórios ou cláusulas penais nos contratos, que por serem da espécie adesão, são apenas assinados pelo consumidor.

4. CO-RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR DO CRÉDITO

Nesse contexto, e pelos motivos, dentre outros, mostrados logo acima, deve-se trabalhar a concepção de uma responsabilidade do fornecedor pelo crédito mal concedido, ou, em outras palavras, o fornecedor deve assumir o risco de ter cedido o crédito de forma a impossibilitar o pagamento do mesmo pelo consumidor sem que este o fizesse se endividando mais ainda em virtude dos obstáculos postos pelo fornecedor do crédito, que se perfaz por meio de inúmeros elementos vistos cotidianamente nas operações financeiras. Dentre eles podemos citar a capitalização composta dos juros, a cumulação de encargos contratuais, a correção monetária, a excessiva taxa de juros cobrada, etc.

No que diz respeito à capitalização composta de juros, ou em outras palavras, juros compostos. Sua incidência se dá sobre valores acumulados, que se alteram em progressão geométrica – diferentemente dos juros simples, que incidem sobre o capital inicial, um valor fixo – o cálculo dos juros compostos se dará com base em saldos acumulados (SCAVONE,2003, p.124), que já foram objetos de incidência em períodos anteriores.

Contrariando a Lei da Usura e o art. 591 do CC, as instituições financeiras aplicam indiscriminadamente o mecanismo dos juros compostos. A Medida Provisória 2.170-36/2001, que sofreu diversas reedições, autorizou a cobrança de juros compostos pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Internacional. Pela referida MP, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Tal liberalidade não se coaduna com o período de estabilidade econômica vivido pelo país desde meados da década de 1990. Não se tem, nesse sentido, motivo para uma capitalização de juros haja vista que a inflação está controlada assim como o valor real da moeda.

Mesmo na esteira da liberalidade disposta pela supra citada MP, os bancos e financeiras atuam na ilegalidade, efetivando capitalização composta de juros em contratos de empréstimo superiores a 12 meses. Em virtude de tamanhos obstáculos, o consumidor tem seu montante de dívida onerado em demasia, impedindo, em muitos casos, o seu pagamento.

No mesmo sentido atuam fatores como correção monetária e outros encargos contratuais “embutidos”, muitas vezes, sem a devida informação prestada ao consumidor.

Na condição de não poder cumprir com as prestações e termos inicialmente avençados, e que essa situação seja efetivamente verificada, pode o consumidor se encontrar em um estado de superendividamento, que é definido por Cláudia Lima Marques como:

Impossibilidade do devedor – pessoa física, leigo e de boa-fé, pagar suas dívidas de consumo e a necessidade do Direito prever algum tipo de saída, parcelamento ou prazos de graça, fruto do dever de cooperação e lealdade para a evitar a “morte civil” deste “falido” – leigo ou “falido civil”. (MARQUES, 2002, p. 1053)

Na verificação caso a caso, é perfeitamente possível analisar a responsabilização do fornecedor do crédito pela condição de superendividamento a que chegou o consumidor. Deve ser efetivada uma análise pormenorizada da conduta do fornecedor no que concerne aos elementos inseridos no contrato. Se estes influenciaram consideravelmente a inadimplência do tomador do crédito, se não foram observados os deveres de lealdade e cooperação contratual, se o objetivo do lucro excluiu o dever de transparência na condução do contrato, se neste foram inseridas cláusulas abusivas ou obscuras ao entendimento do consumidor. Se, igualmente, as taxas praticadas eram razoáveis, se os encargos não importaram em uma onerosidade excessiva, verificando os ganhos mensais do consumidor e o valor das prestações a serem adimplidas. Todos estes elementos são objetos de análise da co-responsabilidade do fornecedor, que deve, por conseguinte, assumir o risco de ter efetivado um negócio de evidente prejuízo à parte contratante. Ao Direito incumbe o dever de possibilitar ao consumidor ajustar sua situação, sempre em busca da sua dignidade enquanto consumidor. Seja por meio de extinção de cláusulas, diminuição do passivo, parcelamento sem juros sobrepostos, ou até, em casos extremos, analisando a conduta do fornecedor, a eliminação da dívida. Diversas decisões foram construídas no sentido aqui exposto, como será possível ver no anexo do presente artigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estimular um consumo sustentável, em que as relações se dêem no âmbito da cooperação e da lealdade deve guiar as relações em todos os níveis. Estes são elementos fundamentais e caracteristicamente mais importantes ainda quando da efetivação da defesa do consumidor, que não pode ser refém de uma busca desenfreada por lucro. O mecanismo da concessão do crédito deve ser objeto de um tratamento mais detalhado pelo Direito no intuito de frear os abusos que hodiernamente são verificados pelas instituições financeiras, na condução dos contratos de empréstimo ou financiamento.

ANEXOS

REFERÊNCIAS

 

DGCON. Serviço de Pesquisa Jurídica. Disponível em: jurisprudência@tjrj.jus.br. Acesso em; 01 de nov. de 2010.

LOYOLA, Ana Cláudia. O controle da onerosidade excessiva nos contratos bancários e o consumo sustentável do crédito. Tese de Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, 2008.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. RT: São Paulo, 2002.

   

ROCHA, Cármen Lúcia.

SCAVONE. Luiz Antônio. Juros no direito brasileiro: atualizado com a emenda constitucional n. 40, de 29.05.2003, e com o Código Civil de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

TIMM, Luciano Benetti. O Superendividamento e o Direito do Consumidor. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor.v.1- Porto Alegre: Magister, 2005.



* Paper apresentado à disciplina Direito do Consumidor

** Alunos do sexto período de  Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, 2010.2