Onde está o progresso? Os impactos socioambientais gerados pelas atividades da ICOMI no município de Serra do Navio-AP

Por Dorquelinda Feio Loureiro | 27/05/2013 | Geografia

Onde está o progresso? Os impactos socioambientais gerados pelas atividades da ICOMI no município de Serra do Navio-AP

Dorquelinda Feio Loureiro[1]

             O texto ora apresentado constitui parte dos resultados da pesquisa intitulada “Os impactos ambientais gerados pelas atividades da ICOMI no Amapá”, apresentada à Universidade Federal do Amapá como trabalho de conclusão do curso de graduação em Geografia. A problemática que norteou a pesquisa está ligada à exploração das jazidas de manganês e os impactos ambientais deixados ao município de Serra do Navio em decorrência da exploração do minério. O método utilizado na pesquisa foi o hipotético-dedutivo. Incluiu-se ao método uma abordagem indutiva como elemento de raciocínio interativo. Para isso, foi necessário a realização de pesquisa bibliográfica e de campo. Os entrevistados do estudo foram os moradores do município de Serra do Navio, ex-funcionários da empresa ICOMI, assim com o Diretor-Superintendente da empresa.

A voz da comunidade de Serra do Navio

 

            O município de Serra do Navio foi criado em 1º de maio de 1992. Sua história está ligada à instalação e funcionamento da Indústria e Comércio de Minérios S/A (ICOMI), a partir da década de 1950. De fato, suas origens são atribuídas à construção da Vila Terezina, que servia de residência aos funcionários da companhia. Desde a década de 1950 até poucos anos atrás, a economia de Serra do Navio atinha-se estritamente à exploração de manganês pela ICOMI. Esta, possuía um contrato que lhe garantia direitos exploratórios por cinquenta anos. Com o suposto esgotamento das reservas do minério de manganês e a transformação da vila de Serra do Navio em município, uma nova etapa da história da região se inicia.  É então, lançada a busca por alternativas e novos caminhos para a sustentabilidade do novo município amapaense.

            De acordo com os moradores de Serra do Navio, enquanto a ICOMI encontrava-se instalada no município, o local podia ser considerado como modelo de organização e eficiência em todos os setores, visto que a empresa representava a maior rede de projeto privado no estado do Amapá. Dessa forma, as pessoas entrevistadas consideram que, naquela época, tudo funcionava satisfatoriamente, pois os moradores eram munidos de assistência médica, educacional, abastecimento de alimentos e outros suprimentos.

            Com a saída da empresa e a instalação do município, a sede passou a ser administrada pela Prefeitura de Serra do Navio. Devido as limitações financeiras, esta teve dificuldades em manter o padrão implantado pela ICOMI, pois a manutenção de uma estrutura daquele porte demandaria muitos recursos. Por mais que o prefeito se empenhasse, a cidade já apresentava sinais de decréscimo.

            A saída definitiva da ICOMI e de sua parceira norte-americana Bethlehem Stell provocou a decadência da cidade ainda mais evidente. O município conheceu um fenômeno novo: a favelização oriunda da miséria que grassava na bela estrutura. Dentre os entrevistados da pesquisa, o desemprego foi citado unanimemente como maior malefício à população, principalmente, porque a empresa saiu antes do prazo anunciado de 50 anos. Assim, os funcionários da ICOMI não estavam preparados para tal acontecimento. Acostumados com as comodidades proporcionadas pelo emprego, ficaram sem saber o que fazer, mesmo após receberem suas indenizações trabalhistas.

            Quanto ao meio ambiente, 60% dos entrevistados citaram o desmatamento como o maior dano ambiental das atividades da ICOMI na região. Para a extração do minério de manganês ocorrer, era necessário a retirada da vegetação nativa. Os muitos anos de exploração deixaram imensas crateras na região, o que é apontado por 20% dos entrevistados como um dos maiores impactos ecológicos, já que nesses buracos deveria ser realizado o reflorestamento.  Os demais 20% visualizam como impacto mais lesivo as montanhas de rejeitos de manganês. Estes, além de serem inúteis, contaminam o solo e o próprio ser humano.

            No que se refere às expectativas dos moradores para com os danos ambientais causados pela ICOMI, os mesmos anseiam pela intervenção das autoridades púbicas no sentido de fazer com que a empresa seja responsabilizada e punida pelas infrações cometidas. Desejam ainda que sejam realizados projetos de desenvolvimento e revitalização do município, a fim do reaquecimento da economia local, proporcionando assim, melhores condições de vida aos moradores do município de Serra do Navio.

            Durante a fase de coleta de dados da pesquisa aqui apresentada, um fato chamou a atenção dos pesquisadores. Em um ponto de ônibus, uma senhora no quinto mês de gestação confessou que já aguardava por cinco horas pelo transporte que a levaria de Serra do Navio até sua casa, distante cinco quilômetros da sede do município. Segunda ela, a ICOMI abandonou o lugar, pois agora dependem dos favores das pessoas que passam por lá, já que os ônibus foram retirados. Disse ainda, que o marido e todos os seus parentes ficaram desempregados com a saída precipitada da mineradora.

            Sobre os problemas socioambientais, o Diretor-Superintendente da Icomi declarou:

Mesmo com toda a problemática socioeconômica de hoje, não há mais nada o que fazer pelo Estado do Amapá. A Icomi só está querendo cumprir o que foi estabelecido em um contrato assinado com o Estado, que na época, era um Território Federal. Nenhuma mineradora no Brasil fez ou fará o que a Icomi fez pelo Amapá. Nos 50 anos de trabalho da empresa, foram arrecadados US$ 277 milhões em royalties. Essa arrecadação correspondeu a 9% de todo o faturamento da empresa.

             Atualmente, as minas ainda apresentam alguns veios de manganês, porém, a ele associado existe muita matéria inservível para tornar-se economicamente viável a prospecção a céu aberto. As grandes montanhas existentes de minério em Serra do Navio apresentam teor de 36% de manganês, tornando-se uma grande montanha de rejeitos não padronizados de minério.

             O resultado da pesquisa mostra que dentre os danos ambientais causados em razão das atividades de extração do minério de manganês, sob o ponto de vista dos moradores de Serra do Navio, o destaque é para o desmatamento. Essa é uma problemática preocupante, pois, apesar de o contrato firmado entre a Icomi e o Território do Amapá ter definido como obrigatoriedade da empresa contratada a realização do reflorestamento, de acordo a CPI que investiga o encerramento das atividades da mesma, tal obrigatoriedade ainda não foi cumprida e mais de 80% da área aguarda o reflorestamento.

            Os moradores do município de Serra do Navio também dão ênfase aos buracos que ficaram no solo como resultado da retirada do minério, visto que eles alteram a paisagem natural da localidade. A pesquisa constatou que tanto a empresa como o Poder Público não agiram no sentido de responder aos anseios da população local frente às problemáticas relatadas.

            As montanhas de rejeitos permanecem alterando a paisagem e, principalmente, ameaçando a saúde pública por estarem contaminadas por arsênio. Além dos danos ambientais, o estudo revelou problemáticas sociais. O desemprego foi apontado como a maior causa de preocupação dos moradores entrevistados de Serra do Navio. O fim das atividades da empresa ICOMI representou a perda de emprego para inúmeros pais de famílias. Estes, sem a opção de outra atividades econômicas na região, lançaram-se à atividades informais, não possuindo mais a segurança e qualidade de vida dos tempos em que a ICOMI atuava na região.

            O fim das atividades da mineradora em Serra do Navio provocou um processo migratório intenso. Sem perspectivas de emprego, muitas famílias  deslocaram-se para os demais municípios do Amapá. Entre esses, os principais destinos foram a capital Macapá e o município de Santana.

            Importante destacar que, apesar de toda a problemática ambiental, há de se reconhecer que a instalação da ICOMI no meio da floresta Amazônica alavancou o processo de desenvolvimento histórico-social do Amapá. A presença da empresa no estado ocasionou, em poucos anos, um aumento considerável da população. Tal aumento deu-se em virtude da procura dos empregos bem remunerados oferecidos pela ICOMI aos seus funcionários. Além dos empregos, a empresa buscou “conquistar” a opinião pública a partir do oferecimento de serviços básicos como: supermercado, lazer, assistência médica e educação de qualidade.

            Todos esses esforços, porém, não foram suficientes para minimizar os danos socioambientais derivados do processo exploratório do manganês. Medidas de responsabilização a fim da minimização dos problemas ambientais são ausentes. Mesmo após a empresa ter sido condenada a pagar indenização ao Estado, a ausência permaneceu.  Tal constatação levou à refutação da hipótese inicial desta pesquisa. Não foram observados planos de governo que considerassem os problemas socioambientais de Serra do Navio. A sociedade do município ainda espera pela intervenção do Governo do Estado, Poder Judiciário, Ministério Público e outras entidades voltadas à problemática ambiental.

           

           



[1] Graduada em Geografia pela Universidade Federal do Amapá. Professora da rede pública de ensino do estado do Amapá.

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