OBSERVAÇÕES DO GÊNERO ENTREVISTA
Por Luís Ângelo de Castro | 21/04/2011 | EducaçãoOBSERVAÇÕES DO GÊNERO ENTREVISTA
Luís Ângelo de Castro
RESUMO
A proposta deste artigo é contextualizar a Festa do Divino Espírito Santo de Paraty e analisar o discurso, a partir do gênero entrevista, realizando uma descrição do gênero bem como, observar a interação entre entrevistador e entrevistado. O corpus utilizado é a entrevista do pesquisador Diuner Mello falando sobre seu livro "Manual do Festeiro do Divino em Paraty", concedida à jornalista Nena Gama, publicada no site www.paraty.com em maio de 2001. O presente artigo baseia-se nos autores: Mikhail Bakhtin (1997-1998) e Leonor Lopes Fávero (2000).
Palavras-chave: Paraty. Festa do Divino Espírito Santo. Entrevista. Interação.
INTRODUÇÃO
A análise do gênero do discurso, entrevista, pode assumir diferenciadas vertentes. Neste artigo serão observadas e analisadas na entrevista de Diuner Mello, concedida à jornalista Nena Gama, a interação estabelecida entre entrevistador e entrevistado onde se presume uma espécie de jogo pressupondo-se a co-participação de um terceiro interlocutor neste texto (entrevista). A participação deste novo interlocutor acontecerá direta ou indiretamente, uma vez que ao tomar conhecimento do conteúdo da entrevista, perguntas e respostas oferecidas, ele poderá apresentar mudanças comportamentais ou em sua forma de pensar acerca do foco da entrevista, neste caso a Festa do Divino Espírito Santo de Paraty. Segundo Bakhtin (1997, p. 281):
"Não há razão para minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso e a consequente dificuldade quando se trata de definir o caráter genérico do enunciado. Importa, nesse ponto, levar em consideração a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário (simples) e o gêneros do discurso secundário (complexo). Os gêneros secundários do discurso - o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico, etc. ? aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica. Durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. Os gêneros primários, ao se tornarem componentes dos gêneros secundários, transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular: perdem sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios..."
A cidade de Paraty, localizada no extremo sul do Estado do Rio de Janeiro, possui como municípios limítrofes: Ubatuba (SP), Angra dos Reis (RJ) e Cunha (SP). Encontra-se distante dos grandes centros urbanos como São Paulo, 330 km e Rio de Janeiro 248 km possui seu acesso pela estrada rodoviária: BR-101 Rio ? Santos.
A Festa do Divino Espírito Santo é uma festa religiosa católica que acontece no dia de Pentecostes, 50 dias após a Páscoa, a festa homenageia a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Em Paraty, a comemoração data do século XVIII e desde então conserva a maioria dos ritos tradicionais da época.
ANÁLISE DA ENTREVISTA DO PESQUISADOR DIUNER MELLO
A entrevista analisada demonstra um pouco da história da festa na cidade de Paraty, do ponto de vista do pesquisador, bem como indica o livro "Manual do Festeiro do Divino" para os futuros pretendentes a assumir o cargo de festeiro do Divino. Observa-se no recorte do corpus que a entrevistadora questiona no início da entrevista a necessidade do manual.
"Nena Gama: Por que você achou necessário e importante escrever este livro ? Manual do Festeiro do Divino?
Diuner Mello: Ultimamente a gente tem visto que os festeiros não estão entendendo muito das coisas da Festa do Divino. Certos detalhes que, às vezes, podem passar desapercebidos mas são importantes na tradição da festa. E eu não sei se pela não formação religiosa desse pessoal, ou mesmo até pela não freqüência à Igreja dos últimos festeiros. Também tem isso. A gente tem visto que muitas coisas importantes deixam de ser feitas e estão acrescentando coisas que não tem nada a ver. Aliás que não se justificam. O livro tem duas intenções: primeiro, realmente ensinar alguém que queira fazer uma festa direito, como ela era e segundo, é uma forma de preservar como aconteceu, porque pode ser que daqui pra frente não aconteça mais dessa forma. Eu estou tendo, inclusive, um cuidado de registrar fatos, versos, receitas de doces, receitas e outras coisas, dando nome e autoria. Porque Paraty tem muito disso, muita coisa aconteceu, muita coisa acontece, preservado por uma série de pessoas e que acaba não tendo o nome conhecido. Com o passar dos anos os fatos continuam e as pessoas desaparecem. Um exemplo mais simples que eu posso dar é, no caso, a própria decoração da igreja. Você tem um grupo, de mulheres que trabalham aquilo e que não são reconhecidas. Então, não custa citar que a decoração da igreja, nos últimos anos, ficou à cargo de fulana, fulana e fulana. Que nada pode ser feito sem consultá-las nesse sentido, porque têm uma noção, inclusive, que podemos chamar de tradição, mesmo que seja curta, de 15 de 20 anos. E os novos que estão entrando na equipe dessas senhoras, de decoração, estão aprendendo também. Pouco importa se o material é novo ou se a técnica utilizada é nova, mas pelo menos, a informação vinda através de uma tradição elas têm."
Observando a reposta do pesquisador percebe-se a real intenção de seu livro que é a de orientar os novos festeiros do Divino Espírito Santo, fazendo que façam o resgate das tradições que ao longo do tempo estão se perdendo. O pesquisador não trata apenas a questão histórica relacionada aos fatos, mas, também em relação às pessoas que preservam a festa através de um trabalho especial e dedicado à festa do Divino.
Outro trecho da entrevista retrata, segundo o pesquisador, os requisitos para a condição de festeiro do Divino Espírito Santo na atualidade.
"Nena Gama: Na época a qual você se refere deveria haver muitas pessoas interessadas se candidatando, ao contrário do que acontece hoje. Porque ninguém mais quer ser festeiro...
Diuner Mello: É, as coisas mudam. Mas o sorteio, em alguns lugares, ainda é feito durante a missa. Quer dizer, é um sorteio. O Festeiro sai do meio do povo. Como você falou, o meu pai foi Festeiro algumas vezes, então comecei a entender a festa. E quando assisti a outras, descobri que há muitas semelhanças e me assustei, porque o Brasil é um país continental. De repente eu vi que a festa de São Luiz do Maranhão tem elementos semelhantes aos da festa de Paraty, aos da festa de São Luis do Paraitinga, da festa de Goiás, da festa de Diamantina, gente! É diferente de Portugal, que é um ovo, onde são quilômetros para lá e quilômetros para cá e a festa se mantém igual. Mas no Brasil continental, como isso se preserva? Então, partindo desse princípio, eu também comecei a fazer comparativos para buscar alguns elementos existentes em cada festa. Pelo menos nessas marcantes, como é o caso de São Luis do Paraitinga e Diamantina, que têm uma fama muito grande, Pirenópolis, São Luiz do Maranhão e Alcântara. Mesmo quando eu não assisti à festa eu acabei fazendo pesquisa através de documentários ou livros. Pode até parecer brincadeira, mas uma das coisas que me assustou é que o típico em todas elas, não sei porquê cargas d?água, é servir bolinho de arroz na alvorada da festa. "
A resposta do entrevistado à questão da entrevistadora, não fica muito clara. Mas, em nenhum momento a entrevistadora retoma a pergunta ou a complementa com a intencionalidade de uma resposta satisfatória. É preciso deixar claro que em uma entrevista:
os direitos dos participantes não são os mesmos, pois o entrevistador faz as perguntas e oferece, em seguida, o turno ao entrevistado. Na verdade, as relações de poder entre eles deixa-os em diferentes condições de participação no diálogo, havendo um direcionamento maior ou menor na interação... (FÁVERO, 2000, p. 80)
Segundo Fávero está estabelecida no gênero da entrevista uma relação que envolve poder, onde quem está no comando é o entrevistador. E, é observado que a entrevistadora não exerceu seu papel da maneira mais adequada, quando se deu por satisfeita em aceitar uma resposta que não atendia por completo ao seu questionamento.
A entrevista segue seu percurso tratando de detalhes da Festa do Divino Espírito Santo não só em Paraty, mas em outras cidades de Brasil e em Portugal. Como a utilização das bandeiras vermelhas com as pombas brancas e a utilização das flores, como em Portugal.
Merece atenção na entrevista a descrição da Festa, segundo o historiador.
"Nena Gama: Fale sobre a origem da festa. Como ela chegou até nós?
Diuner Mello: A Festa do Divino chegou com os primeiros colonizadores, dentro do barco mesmo. E a prova disso é que a gente tem descrição de Festas do Divino que aconteciam dentro dos navios em direção à Índia ou à África. E o interessante é que, assim: como a festa aconteceria durante a viagem, eles já levavam cetro, coroa, manto, tudo, já iam prevenidos para ter. Em 1561, há uma descrição assim: "Dia de Espírito Santo se fez muito solene festa em nossa nau, porque costumam, como honra de tal dia, eleger um Imperador na nau, ao qual servem todos os capitães e os demais por todo aquele dia. Estava a nau toda enfeitada, embandeirada, toldada de guardamessins muito frescos com um dossel de tafetá azul, onde o Imperador tinha a cadeira. À hora da véspera, vésperas de canto de órgão, porque na nossa nau havia quem o sabia fazer e bem, assim também, cumprindo meu ofício, tive de coroar o Imperador. O capitão dizia que aquilo se fazia para engrandecer a Festa do Espírito Santo e por devoção. E assim não havia por que recusar. Depois de dizer missa cantada, fiz prédica ao Imperador, empossado com toda a sua corte, a gente, ao que parece, ficou contente. Deu-se mesa franca à toda a nau, a qual estava vestida como na corte de sua majestade." Outra carta que, passado o tempo, o que se tem é que se está em Paraty: "1583 - Viagem para Goa: Na viagem elegeram um menino para Imperador na vigília de Pentecostes, no meio de grande aparato. Vestiram-no depois ricamente, puseram-lhe na cabeça coroa imperial. Escolheram também fidalgos para seus criados e oficiais de ordens, de modo que o capitão foi nomeado mordomo da sua casa. Outro fidalgo foi nomeado copeiro, enfim cada um com seu ofício à disposição do Imperador. Entraram nisto até os oficiais da nau, o mestre, o piloto, etc.. Depois, no dia de Pentecostes, ou Páscoa do Espírito Santo, trajando todos a primor, fez-se um altar na proa da nau por ali haver mais espaço, com belos panos e prataria. Levaram, então, o Imperador à missa, ao som de música, tambores e festas, e ali ficou sentado numa cadeira de veludo com almofadas, de coroa na cabeça e cetro na mão, cercado pela respectiva corte, ouvindo-se entretanto as salvas de artilharia durante a missa. A seguir veio o banquete, em que os fidalgos serviram o Imperador, apesar dele não pertencer à nobreza. E também o serviram o copeiro, o trinchante, etc... Comeram depois os cortesãos e o Imperador e, por fim, serviram toda a gente ali embarcada, à volta de 300 pessoas."
A resposta neste caso é bastante clara. O entrevistador consegue fazer um apanhado de informações e conduzi-las no traçar de uma linha histórica que facilita ao ouvinte a compreensão da Festa do Divino Espírito Santo na atualidade. A interação ocorre de forma clara.
O par diálogo P-R se configura como elemento imprescindível na organização do texto da entrevista, prestando-se a consolidar ou a modificar as relações entre os interlocutores (entrevistador, entrevistado, audiência), imprimindo um caráter vivo ao evento discursivo. (FÁVERO, 2000, p. 96)
A comunicação estabelecida, a relação entre entrevistador e entrevistado demonstra neste trecho uma interação. Favorecendo a compreensão do leitor. A dimensão discursiva do texto pressupondo uma concepção sócio-interacionista de linguagem centrada na problemática do que está sendo proposto na interlocução.
"Nena Gama: Você sente que há algo mudando na tradição da festa?
Diuner Mello: A gente precisa ter muito cuidado com a expressão ?mudança?. A Festa do Divino tem uma linha central, mestra. Vamos dizer que é a questão da figura do Imperador, a distribuição de comida, a festa em si é povo e religião, profana e religião. Agora, na parte religiosa, muda o conceito da própria Igreja, uma mudança de liturgia. Muda-se do latim para o português, muda na participação dos fiéis que hoje ela é mais intensa do que antigamente, na própria celebração, na parte profana também. Vou dar um exemplo lógico... Paraty tinha cavalhada na Festa do Divino e deixamos de ter. Por quê? Deixamos de ter porque Paraty deixou de criar cavalos. Nós tínhamos cavalhada num tempo, acredito que até os séculos 18 e 19, devido ao grande número de tropas e de fazendas com criação de cavalo. Passado isso, deixou de existir a coisa. Talvez em Cunha exista a cavalhada como a de São Luis do Paraitinga, com muito mais razão, pois é uma área mais rural e dedicada, exatamente, à pecuária e à criação de gado. Paraty deixou de ter essa função, então se perdeu isso. Hoje, seria válido recuperar? Não sei, tenho minhas dúvidas. Tenho minhas dúvidas porque não seria uma coisa espontânea. Então é preferível deixar que em Pirenópolis aconteça, em São Luis do Paraitinga aconteça e que aqui a gente mantenha aquelas coisas que a gente manteve e que, por exemplo, nos outros lugares se perdeu. Agora, que também na parte profana haja por exemplo a presença de escola de samba, por que não? A função da parte profana é exatamente animar, divertir a festa, divertir o povo ou retribuir o povo do trabalho dele ou da contribuição que ele deu em dinheiro. Então eu acho que a gente tem que ter um tempo, um espaço. Nós temos hoje, ciranda; a ciranda é uma coisa nossa, então se ela continua a existir, vamos ver a ciranda. Aquilo que deixou de existir, que não há como recuperar é preferível não recuperar. Agora, o problema sério atual é que a festa está ficando cada vez mais onerosa. O Festeiro é um festeiro da Igreja para fazer uma festa religiosa. E enquanto a comunidade era pequena e a festa se restringia ao povo de Paraty, nós tínhamos uma obrigação menor. O Festeiro, hoje, encara uma obrigação com um público muito grande. Paraty cresceu. Vamos colocar 30 mil pessoas em Paraty. Além disso você coloca mais 15 de fora, 45 mil pessoas aqui... O Festeiro tem essa obrigação com a parte religiosa, com a parte de comida, com a parte de brincadeira, com a decoração de igreja, com a decoração de rua, ou seja, os encargos estão se somando nas costas dele. Eu acho que hoje, pelo próprio conceito da participação ou da parceria, vamos colocar o que mais se fala hoje em dia: a Prefeitura tinha que ser parceira do Festeiro em muitas coisas. Por exemplo, na parte de brincadeiras, jogos, ativação noturna e recreação, a Prefeitura deveria assumir isso como encargo e função própria, inerente dela. Mas não só a realização, como inclusive o pagamento de. Assumir a recreação no sábado, das crianças, porque perdeu muito. Sábado era um dia dedicado às crianças e não existe mais. E a decoração da cidade também compete, deve competir à Prefeitura. O Festeiro então ficaria já com os encargos mil, que é fazer a festa em si, angariar dinheiro, fazer a parte religiosa, fazer o almoço, fazer doces, organizar toda a questão do Imperador, que hoje está também colado nas costas do festeiro. Porque tradicionalmente, o Imperador era uma figura rica, que fazia os últimos dias da festa, os últimos dias eram dele, a coroação dele. Então, a distribuição de doces, a festa do domingo, era por conta do Imperador. Hoje, Imperador e Festeiro são a mesma coisa. O Imperador é filho do Festeiro, é sobrinho do Festeiro, é parente do Festeiro. Daí o Festeiro veste, arruma, ele é que faz os doces, então eu acho que hoje a festa está mudando, pode mudar... "
A sequência da entrevista demonstra o cuidado apresentado com a palavra mudança pelo pesquisador. O enunciado não pode ser analisado de forma isolada. Diuner Mello demonstra diferenciados pontos de vista a respeito da palavra mudança no contexto da Festa do Divino de Paraty. Alguns relacionados aos benefícios e outros aos malefícios que a mudança pode acarretar.
Sendo a entrevista um jogo de questionamentos com objetivo de captar a atenção do leitor, mais uma vez, os papéis de entrevistador e entrevistado demonstram interação com intencionalidade.
"Nena Gama: Esses que estão aqui são brasileiros?
Diuner Mello: Brasileiros, então eles conhecem festas, eles entendem o viver do brasileiro e até como a religiosidade do brasileiro se expressa, que é diferente da religiosidade do europeu, que era o caso do Padre João, do Padre Henrique, de todos os últimos que nós tivemos nos últimos dez, quinze anos, por aí. Então a minha esperança, pelo menos a conversa que eu tive com os padres, com o pároco atual, é isso, é que eles juntem, quer dizer, a igreja junto com a prefeitura definam funções para, inclusive desonerar o festeiro. Pelo seguinte, porque o comércio já entendeu isso há muito tempo. Porque quem faz essa festa são os comerciantes, é o povo que dá, que dá alimento, que dá refeição, que dá isso, que dá aquilo...
Nena Gama: Cabe a eles a organização das coisas, não é isso?
Diuner Mello: Exato, então, no caso, é a igreja sentar com a prefeitura e definir. Definir e estruturar. Porque da parte da igreja a festa pode continuar existindo com procissão de bandeiras , coroação de imperador... e o resto? a parte profana a quem cabe? Quer dizer, eu acho que a prefeitura tem que assumir esta parte de qualquer jeito em razão da tradição, em razão da cultura local e principalmente a razão do turismo, que é fonte de renda do município. "
O autor ressalta nesta parte da entrevista uma questão relacionada a uma forma diferenciada dos padres europeus e os padres brasileiros. Há de se constatar que, em alguns momentos, segundo a fala do entrevistado, a comemoração da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade se divide com o principal atrativo da cidade de Paraty que é o turismo. A parceria referida por Diuner Mello entre prefeitura e igreja exemplificam bem a tênue linha existente entre a religiosidade e os benefícios financeiros que uma festa com tais dimensões podem trazer para a cidade. Percebe-se neste momento um falta de direcionamento do discurso do entrevistado em relação a esse fato. Há uma incompreensão entre o resgate das tradições, a partir do livro Manual do Festeiro, e o anseio de uma população que, segundo o autor, parece estar muito mais preocupado com a parte profana da festa que com a parte religiosa.
Todo discurso é orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se à influência profunda do discurso da resposta antecipada. O discurso vivo e corrente está imediata e diretamente determinado pelo discurso resposta futuro: ele é que provoca esta resposta, pressente-a e baseia-se nela. Ao se constituir na atmosfera do "já-dito", o discurso é orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda não foi dito, discurso, porém, que foi solicitado a surgir e que já era esperado. Assim é todo diálogo vivo. (BAKHTIN, 1998, p. 89)
"Nena Gama: Você poderia me dar uma definição do que representa a Festa do Divino pro povo paratiense?
Diuner Mello: Olha, bem, eu, é terrível dizer isso mas eu não creio em quase nada. Agora, o que eu acho que as maiores expressões de fé que eu já assistí na minha vida foram de gente simples, primeiro, aliás, quanto mais simples, mais fé, né? mais força. Na festa do divino e em Santiago de Compostela foram as únicas vezes que eu vi expressão de fé e senti inveja de não acreditar. Mas você vê a fé do povo em carregar uma bandeira, em se sacrificar, porque, às vezes, são pessoas já idosas, ou mesmo com problemas para andar, aí que andam quilômetros para lá, quilômetros para cá durante nove dias caminhando, carregando bandeira, são pessoas que fazem trabalhos humildes de lavar, varrer, limpar, gente que não aparece, não é nem para aparecer mesmo e são em pagamentos de promessas. Há um caso que agora me lembro, essa história da soltura do preso, né? Uma vez a gente teve um homem que fez uma promessa de ser o preso para ser libertado na festa do divino. Tudo bem, era um preso falso, ele poderia só aparecer na hora da festa e ser solto. Absolutamente. Ele fez questão de ir para a cadeia na noite anterior, dormir lá para ser solto no dia seguinte. A sensação de estar preso, de fato, realmente, não simplesmente uma cenografia. Bem, e eu perguntei por que a esquizitisse. Ele disse que era uma promessa, era um ato de fé, ele tinha recebido uma graça do espírito santo e tinha que pagar o compromisso que ele assumiu. Gente isso é impressionante, você vê isso o tempo inteiro. Nos dez dias de festa você vê manifestação de fé, da mais pura, mais simples, a mais genuína e comovente.
Ao ser questionado sobre a representação da Festa do Divino para o paratiense, Diuner Mello apresenta uma resposta um tanto evasiva. Não há um conceito formado a respeito do questionamento, então, ele acaba divagando sobre outras situações que não respondem diretamente à pergunta.
Considerando os estudos de Bakhtin os fatos apresentados na resposta apresentam o caráter social da linguagem. Na interação com a entrevistadora ambos acabam definindo um produto derivado da troca social entre entrevistador e entrevistado.
CONCLUSÃO
A análise da entrevista observada como uma sucessão de trocas de forma hierarquizada e coordenada, apresenta alguns pontos que merecem atenção. A relação estabelecida entre entrevistador e entrevistado em alguns momentos não demonstra o entrosamento necessário (Isso é necessário, considerando a natureza da entrevista e o que você mostrou?).
Por mais que se tenha aqui apresentado um registro da entrevista, é sabido que essa entrevista originalmente foi oral, e, em alguns momentos apresenta-se no registro escrito exatamente a reprodução da oralidade, não havendo um critério de edição no momento da transcrição, quando estas marcas de oralidade, deveriam ser eliminadas para uma melhor compreensão do leitor.
Pode-se concluir que o gênero entrevista, depende da inter-relação entre entrevistador e entrevistado e, que o foco central não pode ser deixado de lado durante todo o transcorrer do discurso.
O título atribuído à entrevista acaba não condizendo com seu conteúdo. No discurso do entrevistador e o do entrevistado não foi tratado especificamente a apresentação do livro do entrevistado. As articulações aconteceram ao redor da Festa do Divino Espírito Santo de Paraty e não sobre o Manual do Festeiro, como sugere o título da matéria.
BIBLIOGRAFIA Consulte a Norma ABNT 6023 e faça os devidos ajustes.
http://www.letramagna.com/relacoesdialogicas.pdf
http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1705374
http://www.paraty.com.br/feriados/festa_do_divino/
http://www.abralin.org/revista/RV6N1/08-Candida-Martins.pdf
REFERÊNCIAS Consulte a Norma ABNT 6023 e faça os devidos ajustes no material extraído da internet.
http://www.paraty.com/index.php?option=com_content&task=view&id=302&Itemid=132
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Os gêneros do discurso. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
____________.O discurso no romance. In: Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 4.ed. São Paulo: Hucitec, 1998. p.72-163.
FÁVERO, Leonor Lopes. "A entrevista na fala e na escrita" IN: PRETTI, Dino (Org.). Fala e escrita em questão. São Paulo: Humanitas, 2000.
http://www.filologia.org.br/soletras/2/06.htm
GÊNEROS E TIPOS: UMA APROXIMAÇÃO
Mara Lucia Fabrício de Andrade (UNESP)
1. INTRODUÇÃO
Até que ponto gêneros e tipos podem ser aproximados é uma questão que tem sido abordada em vários trabalhos, por exemplo, Silva (1995) e Silva (1999). Essa é a questão que também direciona as breves reflexões aqui presentes.
2. GÊNEROS DO DISCURSO OU TIPOS TEXTUAIS
Comunicar-se eficientemente parece, a princípio, algo fácil e simples a qualquer indivíduo, dada a agilidade e a habilidade que todos têm de usar a linguagem. No entanto durante esse processo realizado automaticamente, ou seja, sem uma real consciência do que subjaz à competência lingüística, não se questiona a seqüência de passos a percorrer para que se consiga realizar o complexo ato de comunicação por meio da língua.
Nesse sentido a comunicação seria extremamente difícil se, como diz Bakhtin (1997, p. 302), os indivíduos não dominassem os gêneros de discurso e tivessem de criá-los no processo de fala. As dificuldades da criação de um gênero a cada construção de enunciado de modo totalmente livre seriam sentidas na perda da agilidade do processo. Daí ser necessário admitir, com Bakhtin, que a língua se realiza por meio de enunciados (orais ou escritos). Dadas as diferentes situações de uso, os enunciados vão sendo organizados, agrupados em tipos - de acordo com a finalidade - e ensinados de forma a levar o aprendiz a tomar conhecimento dos diferentes tipos e a usá-los de acordo com os objetivos que têm em mente (Pasquier e Dolz, 1996).
Os enunciados - organizados e agrupados - são usados em toda e qualquer atividade humana. Essas atividades se caracterizam por condições especiais de atuação e por objetivos específicos, e, sendo inúmeras, cada esfera de atividade desenvolve tipos relativamente estáveis de enunciados que passam a ser comumente associados a elas. Mesmo variando em termos de extensão, conteúdo e estrutura, os enunciados conservam características comuns, daí serem considerados tipos relativamente estáveis. Bakhtin (1997) chama de gêneros de discurso esses tipos estáveis de enunciados. Vale ressaltar que o termo gênero normalmente é associado aos estudos literários, daí a tendência, nos estudos lingüísticos, para o uso da expressão tipos de texto, considerada mais neutra (Silva, 1995).
Estando assentado que um passo no processo de comunicação é a escolha do tipo de texto, o que fica por verificar é quais são e como podem ser classificados os tipos de textos.
3. CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS TEXTUAIS
Num levantamento geral, Vilela (1999) abstrai os pressupostos que fundamentam as diferentes tipologias textuais existentes, classificando-as da seguinte maneira:
1) as que consideram as características textuais internas dos textos (ou formais);
2) as que consideram os traços textuais exteriores aos textos (ou funcionais);
3) as que conciliam traços internos e externos ao texto (formais e funcionais).
Conforme Vilela, uma problemática que se reflete no plano discursivo, e conseqüentemente na classificação dos tipos textuais, é proveniente da clássica dicotomia langue-parole de Saussure (1971). Frente a essa dicotomia, Bakhtin (1997) admite que a unidade de comunicação na fala é o enunciado, estando aí implicado um continuum entre os aspectos formais e funcionais do discurso, continuum este que Silva (1995) - por extensão - toma como base ao formular um "modelo de análise" e classificação de tipos textuais.
a. Uma classificação funcional
Melo (1985, apud Lonardoni, 1996) estabelece - a exemplo do que se faz para a literatura - os gêneros para o jornalismo. Ao estudar os gêneros jornalísticos no Brasil, Melo retoma a obra de Luiz Beltrão, pesquisador que estudou sistematicamente esse assunto. A classificação feita por Beltrão atende a critérios funcionais, de acordo com as funções que os textos desempenham em relação ao leitor: informar, explicar ou orientar. A partir dessas funções, propõe três categorias básicas:
a) jornalismo informativo: notícia, reportagem, história de interesse humano, informação pela imagem;
b) jornalismo interpretativo: reportagem em profundidade;
c) jornalismo opinativo: editorial, artigo, crônica, opinião ilustrada, opinião do leitor.
Acrescentando alguns elementos, Melo reduz essa classificação a duas categorias:
a) jornalismo informativo: nota, notícia, reportagem, entrevista
b) jornalismo operativo: editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura, carta
Com esse seu estudo, Melo, de certa forma, evidencia a proximidade que há entre gênero e tipos textuais. Os tipos textuais, assim, não se limitam especificamente ao literário, ao jornalístico, ao técnico ou ao científico: são, na verdade, modelos gerais, que são escolhidos, adaptados e readaptados de acordo com cada função especifica que exercem na comunicação.
b. Uma classificação formal e funcional
No modelo que elabora, Silva (1995) concilia contribuições advindas de várias perspectivas de análise. Silva, acreditando que, de um ponto de vista lingüístico, uma das grandes dificuldades encontradas nas classificações de tipos textuais decorre da falta de distinção entre os planos ou níveis de análise, propõe critérios para uma classificação dos tipos textuais-discursivos em níveis.
No nível 1 são contemplados critérios formais (ou internos), e no nível 2 são contemplados critérios funcionais, do âmbito do discurso (ou externos). A partir do segundo nível surge a diferença fala-escrita e pode ser observada a existência de alguns "exemplares prototípicos", ou casos que apresentam propriedades que permitem uma rápida identificação do tipo de texto com uma estrutura de referência (Silva, 1995).
O terceiro nível surge pela recuperação que a autora faz, com rótulos diferentes, de uma observação de Labov (1985) na qual a narrativa, para valer a pena, tem de levar a algum ponto, permitindo que o ouvinte se sinta compensado, e não frustrado, pela atenção que despendeu. Isso, porém, só acontece quando o narrador é capaz de explorar os recursos avaliativos, e, nesse caso, está-se em outro plano, ou nível, o do papel que, por exemplo, uma estória contada em meio a uma conversa desempenha na interação, isto é, a função social que a estória pode ter para o auto-engrandecimento do narrador (Silva, 1995). Sendo assim, esse terceiro nível contempla a diferença entre a estrutura de tipo textual, sua ocorrência num tipo de enunciado e a inserção desse tipo (ou unidade) num aspecto discursivo mais abrangente; aspecto esse que teria uma função peculiar, ou, em outras palavras, um propósito comunicativo específico. Nesse propósito comunicativo - caracterizado pela argumentatividade - está envolvida a interação social por intermédio da língua e, conseqüentemente, a intencionalidade natural a essa interação (Koch, 1984).
Os três níveis propostos por Silva (1995) são, a seguir, apresentados de maneira mais esquemática:
a) Primeiro nível: estruturas discursivas.
São estruturas discursivas disponíveis na língua, e, portanto, pertencentes ao plano das potencialidades da língua, tradicionalmente identificadas como gêneros de discurso:
- estrutura narrativa [predicados de ação; juntura temporal];
- estrutura descritiva [predicados estativos em torno de entidades];
- estruturas de tipo expositivo/argumentativo [proposições, construções sintáticas complexas (subordinação) e construções hipotéticas];
- estruturas procedurais [organizações seqüenciais nas quais a referência a pessoa tem menos interesse que o processo em si (daí a ocorrência de sujeitos genéricos ou da impessoalidade); o verbo se apresenta no modo dos diretivos, o imperativo, o futuro ou o infinitivo; é comum o uso de orações independentes];
- estrutura expressiva [predicados com verbos de opinião, avaliativos, ou subjetivos, em que predomina a primeira pessoa];
- estruturas dialógicas [identificadas pela alternância das pessoas do discurso envolvidas, podendo, porém, ser reproduzidas em certas formas da escrita].
b) Segundo nível: uso das estruturas discursivas em situações reais de comunicação.
São instâncias de uso de estruturas que aparecem sob organizações típicas associadas às diversas atividades desenvolvidas pelos indivíduos, como, por exemplo, a estória, a piada, o editorial.
c) Terceiro nível: função ou propósito comunicativo com que dada unidade discursiva é empregada, sua força ilocucionária, ou a variedade de eventos comunicativos a que se associa.
É o nível das superposições, em que se busca identificar qual a intenção predominante (Koch, 1984; Silva, 1995). Silva cita a teoria de Jakobson (1969) por entendê-la propícia para uma primeira identificação.
Esses níveis propostos por Silva (1995), para uma melhor visualização do conjunto, são condensados e também renomeados na tabela 01:
Tabela 01: Níveis de análise de tipos textuais
1o. nível: unidades formais 2o. nível: unidades comunicativas 3o. nível: unidades argumentativas
estruturas discursivas (internas à língua) usos das estruturas discursivas em circunstâncias reais de comunicação função/propósito comunicativo dos usos das estruturas discursivas em circunstâncias reais de comunicação
potencialidades usos funções
narrativa w o tipo de veículo w o tipo de literatura w o tipo de destinatário w a modalidade de língua (falada ou escrita) w etc... conativa
descritiva
expositiva / argumentativa
procedural referencial metalingüística
expressiva expressiva poética
dialógicas fática
c. Um exemplo de análise
Uma grande dificuldade que há, conforme Silva (1995), para se realizarem análises empíricas está exatamente em identificar e delimitar porções de discurso inseridas em outras unidades maiores. Um exemplo é a entrevista, que pode abranger as mais diferentes manifestações lingüísticas. No entanto, tendo por base a análise por níveis - nos termos de Silva (1995) -, a entrevista poderia ser considerada um tipo de texto, uma vez que diz respeito a uma atividade que se realiza e que se caracteriza pela troca dialógica. Na tentativa de ilustrar essa questão é que se apresenta a tabela 02.
Nessa tabela, as unidades formais, correspondentes ao primeiro nível, evidenciam as estruturas básicas que sustentam um tipo textual e as suas marcas aparentes na superfície do texto, daí seu número restrito. As unidades comunicativas, que correspondem ao segundo nível, e podem ser numerosas, são: o veículo de comunicação utilizado, o "estilo geral" ou tipo de literatura, o receptor e o tipo de código utilizado. As unidades argumentativas, que correspondem ao terceiro nível, estão relacionadas com a intenção subjacente à comunicação. Os níveis de análise assim dispostos permitem uma análise mais apurada dos diferentes tipos de textos.
Os tipos de textos utilizados nessa proposta de análise - que aparecem na tabela 02 - foram limitados a alguns tipos veiculados por jornal.
Tabela 02
Traços de textos (veiculados por jornais) e níveis de análise
Tipos de Textos Unidades Formais Unidades Comunicativas Unidades Argumentativas
N De A E Di P J J-R R LCI LCO LAR LJU ADT TEE INF FAL ESC REP DES INF OPI CO RE EX PO FA ME
Notícia + ± - - - - + ± ± ± + - - + ± ± - + ± - + - + ± ± - - -
Científico ± + + - - ± ± ± + + - - - + ± ± - + ± - + - + ± - - - ±
Editorial - ± + ± - - + ± ± ± ± ± - + ± - - + ± - - + + - ± - - -
Carta/leitor ± ± ± + - ± ± ± ± - + - - ± ± ± - + ± - - + ± ± + ± ± ±
Crônica ± ± ± + - ± ± ± ± - ± + - + ± ± - + ± - - + ± ± ± + ± ±
Entrevista ± ± ± ± + ± ± ± ± ± + - - ± ± ± - + ± - + - ± ± ± ± ± ±
Quadrinho ± ± ± ± + - ± ± ± - + ± - ± ± + - + ± + - + - - ± - + ±
Legenda
unidades formais: unidades comunicativas: unidades argumentativas:
N [narrativa] J [jornal] CO [conativa],
De [descritiva] J-R [jornal-revista] RE [referencial],
A [expositiva/argumentativa] R [revista] EX [expressiva],
E [expressiva] LCI [literatura-científica] PO [poética],
Di [dialógicas] LCO [literatura-cotidiana] FA [fática].
P [procedural] LAR [literatura-arte] ME [metalingüística],
LJU [literatura-jurídica]
ADT [adulto]
TEE [teen]
INF [infantil]
FAL [fala]
REP [reportado]
ESC [escrita]
DES [desenho]
INF [informativo]
OPI [opinativo]
4. GÊNEROS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS, E ESTILO
Com relação ao exposto até aqui, poder-se-ia questionar que tomar gênero como sinônimo de tipo textual não seria válido, dada a distinção dos gêneros em primários e secundários (Bakthin, 1997; Schneuwly, mimeo).
Por um lado, o gênero primário é caracterizado por tipos de enunciado espontâneos e naturais, que ocorrem na imediatez da fala, e o gênero secundário, por tipos de enunciados da fala aprimorados por meio da escrita (Bakthin, 1997; Schneuwly, mimeo). Por outro lado, um tipo textual pode ser caracterizado como espontâneo ou planejado, conforme os traços "falado" e "escrito", que, conforme Silva (1995), são traços de análise pertinentes ao segundo nível.
Sendo assim, o uso de tipo textual por gênero não é problemático porque, em essência, a distinção permanece como um dos traços no segundo nível. Tal acontece porque, entre outras razões, é possível, como faz Silva (1995), na esteira de Bakthin (1997), conciliar aspectos formais e funcionais, já que ambos têm pressupostos pertinentes ao terceiro tipo proposto na classificação de Vilela (1999).
No que se refere ao estilo é possível fazer algumas observações a partir do exposto por Bakthin (1997):
Na maioria dos gêneros do discurso (com exceção dos gêneros artístico-literários), o estilo individual não entra na intenção do enunciado, não serve exclusivamente às suas finalidades, sendo, por assim dizer, seu epifenômeno, seu produto complementar. A variedade dos gêneros do discurso pode revelar a variedade dos estratos e dos aspectos da personalidade individual, e o estilo individual pode relacionar-se de diferentes maneiras com a língua comum. O problema de saber o que na língua cabe respectivamente ao uso corrente e ao indivíduo é justamente problema do enunciado (apenas no enunciado a língua comum se encarna numa forma individual). A definição de um estilo em geral e de um estilo individual em particular requer um estudo aprofundado da natureza do enunciado e da diversidade dos gêneros do discurso.
O vínculo indissolúvel, orgânico, entre o estilo e o gênero mostra-se com grande clareza quando se trata do problema de um estilo lingüístico ou funcional. De fato, o estilo lingüístico ou funcional nada mais é senão o estilo de um gênero peculiar a uma dada esfera da atividade e da comunicação humana. Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos. Uma dada função (científica, técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e dadas condições, específicas para cada uma das esferas da comunicação verbal, geram um dado gênero, ou seja, um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico. (p. 283, grifo meu)
Primeiro observa-se a distinção que há entre um estilo individual e um estilo geral pertinente ao tipo de enunciado. Em segundo lugar, observa-se que, quando se trata de um estilo geral pertinente ao tipo de enunciado, este está estreitamente correlacionado com o gênero. Sendo assim, esse estilo geral relacionado ao gênero é passível de ser caracterizado por traços pertinentes, também pertencentes ao segundo nível. Na tabela 02 esses traços são apresentados como tipos de literatura.
A partir daí verifica-se que, na verdade, o estilo individual, relativo às escolhas individuais no plano sintático ou do vocabulário (Swales, 1990; apud Silva, 1995), é uma característica subjetiva. E, que o estilo geral, pertinente ao tipo de enunciado, pode - contrariamente ao que propõe Silva (1995) - aparecer também como traços característicos de determinados tipos de textos, passíveis de ser alocados no segundo nível.
5. TIPOS TEXTUAIS COMO "FERRAMENTA"
Para Bakthin (1997), quando um indivíduo utiliza a língua, sempre o faz por meio de um tipo de texto ainda que possa não ter consciência disso; ou seja, a escolha de um tipo é um dos passos - se não o primeiro - a ser seguidos no processo de comunicação.
Por isso, e nessa perspectiva de continuum, os tipos textuais podem ser uma ferramenta que está à disposição do falante, sendo por ele escolhidos da maneira que melhor lhe convém para, no processo de comunicação, auxiliá-lo na sua expressão lingüística. Tomar um tipo textual como uma estrutura básica normalmente usada em uma determinada situação o torna uma valiosa "ferramenta" (ou "instrumento" de caráter cognitivo) que o falante procura, guia e controla para poder expressar a função maior da linguagem que é atingir uma comunicação, em maior ou menor grau, argumentativa, ou seja, uma comunicação cujo objetivo é eficazmente alcançado e concretizado; daí dizer-se que a argumentatividade está inscrita no uso da língua (Schneuwly, mimeo; Koch. 1984; Silva, 1995; Neves, 1997).
6. CONCLUSÃO
As idéias aqui tratadas, relativas aos níveis de análise para
o estabelecimento de uma tipologia textual - que se apresentaria como uma ferramenta (um padrão socialmente aceito) por meio da qual o falante "constrói" (níveis 1 e 2) sua intenção comunicativa (nível 3) -, são fundamentadas na teoria funcional da linguagem proposta por Dik e Halliday (apud Neves, 1997), dentro da qual se admite a argumentação como mais um fator inerente ao uso (Koch, 1984; Neves, 1997).
Neste sentido a proposta de análise baseada em "níveis" se mostra mais adequada à análise da diversidade textual existente, pois se trata de uma análise que se faz genérica e abrangente ao mesmo tempo em que mantém as características específicas dos textos, tais como a informatividade e a opinião, apresentadas na proposta de Melo.
De uma maneira geral a busca por uma tipologia textual é uma prática clássica. E foi da tradição que os diferentes tipos (ou gêneros, e aqui, sim, talvez esse termo fosse mais adequado) - como o épico, o lírico e o dramático ou a poesia e a prosa - foram herdados, e ainda sobrevivem, ora preservados intactos na arte, ora decompostos e recompostos em inúmeros e diferentes níveis, mas todos a serviço da intenção comunicativa de um falante que a eles recorre como se recorre a uma ferramenta de trabalho.
7. BIBLIOGRAFIA
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal. 2a. ed. São Paulo : Martins Fontes, 1997.
BRANDÃO, H. N. Texto, gêneros do discurso e ensino. Mimeo.
JAKOBSON, R. Lingüística e comunicação. São Paulo : Cultrix, 1969.
KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo : Cortez, 1984.
LABOV, W. Language in the inner city. Philadelphia : Univ of Philadelphia Press, 1975.
LONARDONI, M. No topo da notícia. De como a submanchete faz manchete. Dissertação de mestrado. Unesp-Araraquara, 1996.
MELO, J. M. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis : Vozes, 1985.
NEVES, M. H. M. A gramática funcional. Martins Fontes : São Paulo, 1997.
PASQUIER, A.; DOLZ, J. Un decálogo para enseñar a escribir. Cultura y Educación, 1996, n. 2, p. 31-41.
SAUSSURE, F. Curso de lingüística geral. São Paulo : Cultrix, 1971.
SCHNEUWLY, B. Gêneros e tipos de texto: considerações psicológicas e ontogenéticas. Trad. Roxane H. R. Rojo. In: REUTER, Y. (ed.) Les Interactions Lecture-Écriture (Actes du Colloque Théodile-Crel): 155-173. Ber : Peter Lang. Mimeo.
SILVA, V. L. P. Forma e função nos gêneros de discurso. 1995. Mimeo.
SILVA, V. L. P. Forma e função nos gêneros de discurso. Alfa, 42, 1997.
SILVA, J. Q. G. Gênero discursivo e tipo textual. Scripta 2, n. 4, 9, 87-106, 1999.
SWALES, J. Genre analysis. Cambridge : Cambridge Univ. Press, 1990.
VASCONCELOS, S. I. C. C. Os discursos jornalísticos. Itajaí (SC)/ Maringá (PR) : Univali, 1999.
VILELA, M. Gramática da língua portuguesa. 2ª ed. Coimbra : Livraria Almedina, 1999.
http://www.meuartigo.brasilescola.com/portugues/os-matizes-genero-entrevista-contexto-producao.htm
Brasil Escola
Meu Artigo » Português » Os matizes do gênero entrevista: o contexto de produção
Os matizes do gênero entrevista: o contexto de produção
Por: JOSÉ MARCOS ROSENDO DE SOUZA
Um gênero discursivo/textual que é comum e ainda presente no cotidiano da sociedade é a entrevista, que por sua vez abre um leque de possibilidade de interpretação e de uso, tendo em vista que o mesmo é construído a partir dos conhecimentos críticos dos participantes, a cerca de um determinado tema. Sendo assim, este gênero possui características peculiares que o tornam único. Segundo Duarte (2010, p. 1) "A entrevista é essencialmente oral e requer uma postura adequada tanto por parte de quem elabora quanto por parte de quem responde".
Logo, compreende-se que quanto à elaboração da entrevista, a linguagem assume o papel de fundamental importância, visto que através dela o homem comunica-se. No entanto, a mesma sofre influencia direta ou indireta do contexto o qual estão inseridos os participantes. No caso da produção nas entrevistas, a linguagem é elaborada para atender as especificidades do tema, e do formato da entrevista, isto é, uma entrevista de caráter jornalístico, por exemplo, requer dos participantes um uso mais apurado da linguagem.
E ainda, consequentemente, a produção discursiva, também é controlada, pois deve atender a grade de programação. Logo, infere-se que toda entrevista é programada, e que, os participantes constroem o seu discurso para atender os desígnios da programação, que por sua vez direciona aos interesses do público.
Sendo assim, as expectativas do público são determinantes para o processo de construção de uma entrevista, ou seja, o contexto externo contribui de forma significativa para a elaboração desse gênero discursivo/textual.
A elaboração prévia a respeito do assunto que será discutido é de suma importância, pois o entrevistador precisa dominar o assunto em pauta, de modo a evitar algumas falhas indesejáveis. Como também o mesmo deverá se manter totalmente imparcial, na qual a objetividade deverá prevalecer sempre, sobretudo porque nesse momento é preciso que se promova uma total credibilidade. (DUARTE, 2010, p.1).
Por conseguinte, percebe-se que a produção discursiva não sofre influência apenas da grade de programação, mas, também dos participantes, visto que, eles emergem de esferas ideológicas próprias, construindo o seu discurso de acordo com o contexto aos quais estão inseridos. Portanto, a construção do discurso influencia diretamente o público, contribuindo para que haja repercussão no sub-contexto da entrevista. Sendo assim, um discurso que tem falhas, logo, não atenderá as expectativas do público, e tão pouco formar opinião.
Para tanto, no contexto da produção torna-se relevante que os participantes sigam conscientemente ou inconsciente, as Máximas proposta pelo filósofo e linguista Paul Grice, proporcionando a compreensão.
? Máxima de Quantidade - está relacionada com a quantidade de informação esperada que o locutor forneça, ou seja, informação que seja satisfatória para compreensão; Desrespeitando-se essa máxima, o falante fornecerá informações em demasia, ou então, deixará de fornecê-la:
1. A: Você comprou todos os ingredientes da receita?
B: Comprei apenas alguns.
Implicatura: (B) Não comprou todos os ingredientes.
Percebe-se que, em (1), o falante não respeitou a máxima de quantidade ao deixar de fornecer informações que seriam necessárias à compreensão. Se o falante (B) tivesse comprado todos os ingredientes da receita, não diria comprei apenas alguns.
? Máxima de Qualidade ? faz referência ao grau de veracidade e as evidências indispensáveis para acreditar que seja verdadeira a informação dada; Essa máxima possui duas submáximas: 1) não informe aquilo que você acredita ser falso; 2) não informe o que não possa fornecer evidências suficientes;
2. A corrupção acabou no Brasil.
Implicatura: O Brasil já foi um país corrupto.
Em (2), há um desvio da Máxima de Qualidade, tendo em vista que não se pode dizer aquilo em que não se acredita ser verdadeiro e tão pouco informar algo que não se tenha evidências suficientes para ser verdadeiro.
? Máxima de Relevância - diz respeito à informação relacionada ao tema abordado, pois uma frase que seja pronunciada desconexa do seu tema pode impedir a compreensão da mensagem pelo alocutário;
Quando não se respeita a Máxima de Relevância, os diálogos, segundo Cançado (2005, p. 135) [...] "seriam uma sucessão de falas desconexas", logo, não haveria entendimento entre interlocutores.
3. A: Posso comprar aquele vestido?
B: Devemos ir para casa agora.
Implicatura: (B) Não autorizou a compra do vestido.
A resposta de (B) torna-se inadequada diante do contexto em que se encontra. Portanto, (B) quebra o acordo de cooperação comunicativa, explicitado por Cançado (2005).
? Máxima de Modo - esta não se refere ao conteúdo que é informado, mas de que forma este é concebido. Refere-se à clareza da informação comunicada.
4. Eu não posso nem ver lasanha.
Implicatura: O falante está proibido de comer lasanha.
A construção elaborada pelo falante em (4), deixa explícito que o mesmo não foi claro e objetivo ao comunicar que não podia ver lasanha. Portanto transgrediu a Máxima de Modo, na qual, se estabelece que o falante deva principalmente evitar ambiguidades.
Os modelos de construção apresentados acima enfatizam que o desrespeito as Máximas de Grice tornam a produção discursiva incoerente, pois não há cooperação entre interlocutores, por conseguinte, interlocutores devem apresentar total engajamento cooperativo, objetivando produzir uma sequência linguística compreensível. (KOCH & TRAVAGLIA, 2005, p. 49).
E ainda, torna-se necessário ratificar que estes postulados também podem ser aplicados na entrevista como produção textual, tendo em vista que, também há interlocução entre leitor e texto. Logo, o texto que não apresenta tais preceitos não possui sentido, limitando-se, apenas, a ser uma sucessão de frases desconexas.
Portanto, pode-se afirmar que os desígnios, e bem como os desejos, estão intrínsecos ao discurso; e, pois, é o discurso que contribui significativamente para formação crítica do individuo na sociedade. Isto é, no âmbito da entrevista, os sujeitos constroem seu discurso, de acordo com as instâncias de sua formação.
De acordo com Foucault (2007, p. 8)
[...] o discurso em sua realidade material de coisa pronunciada ou escrita apresenta-se como uma inquietação diante dessa existência transitória destinada a se apagar sem dúvida, mas segundo uma duração que não nos pertence; inquietação de sentir sob essa atividade cotidiana e cinzenta poderes e perigos que mal se imagina; inquietação de supor lutas, vitórias, ferimentos, dominações, servidões, através de tantas palavras cujo uso há tanto tempo reduziu as asperidades.
Deste modo, percebe-se que o discurso não se constitui apenas por meras palavras pronunciadas ou escritas, visto que através de seu uso, o homem domina, fere, conquista e que deixa propagada pelos tempos sua determinação e obstinação, dentro de um jogo de dominação e submissão. Aplicando esse preceito no campo da entrevista, também, estão em jogo as relações de dominação e submissão, no qual, os sujeitos constroem os seus discursos levando em consideração cargas ideológicas e intencionais que os constituem, não se desviando, logicamente, do tema abordado na entrevista.
Sendo assim, para transpor a entrevista ao contexto escolar, torna-se necessário, primeiramente, compreender o que e qual a função dos gêneros textuais, mais especificamente do gênero em questão; a entrevista. Em um sentido amplo Bronckart (1999, p. 73) apud Pinto (2007, p. 186) afirma que:
[...] a noção de gêneros textuais tem sido progressivamente aplicada ao conjunto das produções verbais organizadas: às formas escritas usuais (artigo científico, resumo, notícia, publicidade, etc.) e ao conjunto das formas textuais orais, ou normatizadas, ou pertencentes à "linguagem ordinária" (exposição, relato de acontecimentos vividos, conversação, etc.). Disso resulta que qualquer espécie de texto pode atualmente ser designada em termos de gênero e que, portanto, todo exemplar de texto observável pode ser considerado como pertencente a um determinado gênero.
Logo, percebe-se que a área de produção e gênero textual apresenta-se diversificado, aberto de possibilidades, e que a produção textual pertence a determinado gênero e bem como exerce sua função dependendo do contexto em que é produzido. Ou seja, o texto classifica-se de acordo com sua função social, a que está engajado.
Bakhtin (1953/1979) apud Pinto (2007, p. 186) expõe os principais pontos que elabora um conceito de gênero, explicitados abaixo:
? Cada esfera social constrói diferentes tipos de enunciados dependendo do contexto: os gêneros;
? "Três elementos os caracterizam: conteúdo temático ? estilo ? construção composicional";
? "A escolha de um gênero se determina pela esfera, as necessidades da temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor".
A partir do exposto, infere-se que cada gênero textual, mesmo que não seja intencional, segue uma estruturação própria que o caracteriza. Assim, o gênero textual entrevista é caracterizado pela participação de dois ou mais participantes, que constroem seu discurso dependendo do tema a ser tratado, e repercutindo, de maneira positiva ou negativa, no público. Concordando com esta asserção, Pinto (2007) ainda afirma que na situação comunicativa, ou na própria entrevista, na qual os sujeitos estão engajados, eles atuam ligando diretamente o gênero produzido a essa situação. Então, pode-se afirmar que há uma adequação do gênero ao contexto da produção.
Todavia, estabelecido o que são gêneros textuais, torna-se necessário especificar sua função; a do gênero entrevista. Logo, percebe-se que esse gênero é construído a partir da perspectiva dos participantes, em relação ao tema sugerido pela grade do programa, e que, eles podem ser definidos de acordo com a função que desempenham.
Carvalho (2005) classifica-os de acordo com sua participação, mais precisamente em: participantes efetivos que estão em interação, especificamente expressos na relação entrevistador/entrevistado; e participantes observadores em casos de entrevistas que tem a presença de plateia. Tendo em vista estas definições, torna-se necessário ratificar que os papeis dos participantes não são fixos, podendo haver inversão na função desempenhada por cada um no desenrolar da interação.
Sendo assim, é notório afirma que a entrevista apresenta uma pluralidade de vozes, isto é, constitui-se pelos vários discursos dos participantes, e bem como, do público. Sendo assim, segundo Fávero & Andrade (1998, p. 154 ? 155) apud Essenfelder (2005, p.6):
Em suas aplicações, a entrevista é uma técnica de interação social. Por meio dela, busca-se uma interpenetração informativa que visa a quebrar isolamentos sociais, grupais, individuais; pode ainda servir à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação. Em seus diversos usos nas Ciências Humanas, constitui sempre um meio cujo objetivo fundamental é o inter-relacionamento humano. Enquanto gênero jornalístico, a entrevista pode ser definida como uma técnica eficiente na obtenção de respostas pré-pautadas por um questionário.
Logo, no contexto escolar a produção desse gênero pode ser respaldada nas afirmações de Essenfelder (2007), na medida em que se busca quebrar com isolamentos, e também pluralizar o conhecimento de cada participante. É notório afirmar, que o gênero discursivo/textual entrevista ganha ampla aplicação, visto que sua função não se limita, apenas, à respostas de questionário elaborado com a finalidade de se tecer comentários a cerca de um tema.
A entrevista aparece como um instrumento de trabalho, tanto na linguagem escrita e oral dos gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos quanto a oralidade e escrita dos gêneros sugeridos para prática de produção de textos orais e escritos. (GOUVEIA, p. 1)
Portanto, o contexto em que se produz o gênero entrevista propicia o desenvolvimento sócio-cognitivo dos indivíduos, ou seja, o teor discursivo de entrevista pode contribuir significativamente para formação crítica dos indivíduos. Já que esse tipo de gênero é construído a partir dos ideais de cada participante a cerca de determinado tema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Márcio Marconato de. A construção do discurso no gênero entrevista com convidados na internet. Revista Letra Magna: Revista Eletrônica de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura ? Ano 02 ? nº. 03 ? 2º semestre de 2005. ISSN 1807-5193. Disponível em . Acesso em 15 de junho de 2010.
DUARTE, Vânia. Um gênero textual do cotidiano jornalístico. Disponível em . Acesso em 19 de junho de 2010.
ESSENFELDER, Renato. Marcas da presença da audiência em uma entrevista jornalística. Revista Virtual de Estudos da Linguagem ? ReVEL. v. 3. n. 4. Março de 2005. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br]. Acesso em 28 de abril de 2010.
FOULCAULT, Michel. A ordem do discurso. 15ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
GOUVEIA, Adrieli. A análise do discurso dos gêneros jornalísticos: a entrevista e seu estudo no meio escolar. Monografia. Franca: Uni ? FACEF. 2009. Disponível em . Acesso em 15 de junho de 2010.
PINTO, Cândida Martins. Gênero Entrevista: conceito e aplicação no ensino de português para estrangeiros. Revista da ABRALIN, v. 6, nº 1, p. 183-203, jan./jun. 2007.
? A
http://www.facef.br/novo/3fem/Inic%20Cientifica/Arquivos/Adrieli.pdf
A ANÁLISE DO DISCURSO DOS GÊNEROS JORNALÍSTICOS: A
ENTREVISTA E SEU ESTUDO NO MEIO ESCOLAR.
Adrieli Gouveia1 (Uni-FACEF)
Orientadora: Profª. Dra. Ana Lúcia Furquim Campos-Toscano (Uni-FACEF)
Introdução
De acordo com os PCN, a entrevista aparece como instrumento
de trabalho, tanto na linguagem escrita e oral dos gêneros privilegiados para a
prática de escuta e leitura de textos quanto na prática de produção de textos
orais e escritos.
Ainda segundo os PCN, o trabalho com entrevistas poderia ser
feito quanto à forma, ensinando ao aluno que o gênero entrevista se estrutura
com perguntas e respostas que são redigidas na íntegra. Já seguindo a
perspectiva bakhtiniana, o estudo deveria evidenciar o processo de sua
produção, ou seja, as relações dialógicas e a sua contextualização sóciohistórico-
cultural.
Além do mais, quando se trata de adolescentes, é preciso
considerar seu comportamento e o conjunto de valores que atuam como forma
de identidade. Tudo isso implica no tipo de linguagem por eles usada como
incorporação e criação de modismos, vocabulário específico e formas de
expressão. Fatores como esses são, frequentemente, encontrados em
entrevistas de revistas destinadas a esse tipo de grupo social, pois a oralidade
é transcrita, muitas vezes, de forma integral.
Nas revistas voltadas a esse público, pela perspectiva bakhtiniana
sobre gêneros do discurso podemos dizer que, o conteúdo temático, a
construção composicional e, principalmente, o estilo estão todos voltados para
os jovens. É por meio do estilo que se presumirá a compreensão responsiva
1 Aluna regularmente matriculada no 5º semestre do Curso de Letras ? Noturno e bolsista de
Iniciação Científica pelo PIBIC ? CNPq.
18
ativa do enunciado, ou seja, o estilo do enunciado depende do outro e é
determinado de acordo com a imagem que o enunciador tem do interlocutor,
como na escolha dos recursos linguísticos e, no caso do discurso midiático, no
emprego de cores e na veiculação de anúncios publicitários, tudo é feito de
maneira a ser visto pelo jovem como parte de sua identidade.
Buscamos, assim, refletir sobre essa prática educativa no que se
refere às atividades de escuta e de leitura de textos orais e escritos objetivando
encontrar marcas da oralidade como forma de constituição de identidade do
sujeito entrevistado e na relação intersubjetiva entre enunciador/enunciatário
em um determinado contexto sócio-histórico-cultural. Assim sendo, analisamos
um artigo da revista Atrevida, de setembro de 2008, observando como é
construída a identidade do público ao qual se destina levando-se em conta sua
situação de produção e os valores sociais enunciados.
1 Propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais sobre práticas de
linguagem
De acordo com os PCN, o discurso se manifesta linguisticamente
por meio de textos, sendo um produto de uma atividade humana oral ou escrita
que apresenta uma sequência verbal constituída de relações que se
estabelecem pela coesão e coerência. Todo texto se organiza a partir de um
gênero que é escolhido de acordo com as intenções comunicativas. Na esteira
de Mikhail Bakhtin sobre gêneros do discurso, os PCN informam que, os
gêneros são caracterizados por três elementos: conteúdo temático, construção
composicional e estilo. Devido às variedades textuais, afirma-se que é
necessário tornar a noção de gênero como objeto de ensino enfatizando sua
diversidade e organização:
[...] A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e
escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o
desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas
nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência
de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em
circulação social (BRASIL, 1998, p. 24).
19
Para os PCN, a existência de um vasto número de gêneros torna
impossível seu ensino de maneira totalizada. Portanto, afirma ser necessário
priorizar os gêneros merecedores de uma abordagem mais profunda como os
que dizem respeito aos usos públicos da linguagem que contribuem para a
participação plena na sociedade:
[...] Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas
características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício
de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a
fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais
vitais para a plena participação numa sociedade letrada. (BRASIL,
1998, p. 24)
Os PCN dividem as práticas de linguagem em prática de escuta
de textos orais e leitura de textos escritos, selecionando a entrevista nas duas
práticas. No âmbito dos textos orais, pressupõe-se que os alunos já disponham
de uma competência discursiva e linguística, por isso a escola tem usado essa
modalidade somente para tratamento de conteúdos diversos. Entretanto os
PCN propõem uma construção de conhecimento por meio da oralidade. Não se
estuda a linguagem oral em si, ela é tratada como uma modalidade que permite
a troca de informações, confronto de opiniões, negociações dos sentidos e
avaliação dos processos pedagógicos em que estão inseridas. Para os PCN, a
capacidade de interpretar e produzir textos é entendida como a de ler e
escrever, isso pode ser notado em textos escritos adequados a principiantes
que são, em sua maioria, fragmentos. Tenta-se aproximar os textos aos alunos
enquanto se deveria fazer o contrário. Na perspectiva dos PCN, é de se
esperar que o escritor iniciante redija seus textos iniciais com grande influência
da oralidade.
Segundo os PCN, são colocadas duas razões para que a fala não
se misture com a escrita: a primeira é a de que ninguém escreve como fala. A
segunda é a de que existem regras estabelecidas para o sistema da escrita
como padrões de correção de todas as formas linguísticas. Esse último
fenômeno se associa à gramática tradicional que desconsidera qualquer
variação linguística que não respeite a norma padrão.
As variações são próprias das línguas humanas e sempre
existirão. O uso de uma ou de outra forma de expressão depende de fatores
20
geográficos, socioeconômicos, de faixa etária, de gênero (sexo), da relação
entre os falantes e do contexto de fala. Embora esses fatores sejam
apresentados nos PCN, podemos levar a uma interpretação diferente como a
de que os gêneros não são puros e, dentro desse contexto, a escrita e a
oralidade podem aparecer lado a lado como os gêneros primários, que são
oriundos da comunicação cotidiana, presentes nos secundários, mais
complexos. Os Parâmetros Curriculares não privilegiam os gêneros como uma
maneira de enunciar valores, ideologias, vozes sociais e a relação com o outro,
mas sim, com a valorização da forma e com finalidade escolar, como afirma
Fiorin (2006, p. 60):
[...] Depois que os Parâmetros Curriculares Nacionais estabeleceram
que o ensino de Português fosse feito com base nos gêneros,
apareceram muitos livros didáticos que vêem o gênero como um
conjunto de propriedades formais a que o texto deve obedecer. O
gênero é, assim, um produto, e seu ensino torna-se, então,
normativo. Sob a aparência de uma revolução no ensino de
Português está-se dentro da mesma perspectiva normativa com que
se ensinava gramática.
De acordo com os PCN, o ensino de norma padrão nas escolas
se dá pelo fato de que não tem sentido ensinar aos alunos o que eles já
sabem, pois a aula é o espaço para o desenvolvimento intelectual e linguístico
dos alunos. Isso significa aprender a manipular textos escritos variados e
adequar o registro oral às situações interlocutivas, o que implica o uso de
padrões mais próximos da escrita.
Os conteúdos de Língua Portuguesa articulam-se entre o uso das
linguagens oral e escrita e a reflexão sobre língua e linguagem. Em função
desses eixos, os conteúdos são organizados em "Prática de escrita e de leitura
de textos" e "Prática de produção de textos orais e escritos". Essa seleção de
textos refere-se à prática de produção de textos e à análise linguística,
oferecendo modelos para serem seguidos como forma de sofisticação.
Os PCN propõem um trabalho com os gêneros jornalísticos em
sala de aula. Entretanto, tendo como base os gêneros do discurso do ponto de
vista de Mikhail Bakhtin2 pode-se notar que os gêneros não ocorrem de
2 Não nos interessamos, aqui, em discutir a autoria dos textos dos integrantes do Círculo de
Bakhtin, composto por estudiosos e artistas como Bakhtin, Volochinov, Medviédiev e outros.
21
maneira pura. Portanto, oralidade e escrita podem aparecer lado a lado dentro
de um mesmo enunciado. Existem também, como já mencionamos, elementos
que compõem os gêneros como: conteúdo temático, estilo e estrutura
composicional que são escolhidos de acordo com o enunciatário e a atividade
responsiva que se espera. Na escolha desses aspectos estão incluídas as
vozes sociais e as ideologias pretendidas, como podemos verificar no próximo
item quando discutimos as reflexões bakhtinianas sobre gêneros do discurso.
2 Os gêneros do discurso na perspectiva bakhtiniana
Os PCN valorizam o aspecto formal do texto, o que difere da
perspectiva bakhtiniana, pois, para o filósofo russo, são os gêneros que
determinam um enunciado que atende às finalidades de diferentes esferas das
atividades humanas. Por estar intimamente ligado ao enunciado, o estilo
funciona como um elemento do gênero e reflete a individualidade de quem fala.
Assim, as escolhas linguísticas estão voltadas para a intenção do enunciador
perante seu interlocutor.
Ao refletir sobre os gêneros discursivos, Bakhtin (2000) não teve
a pretensão de fazer um catálogo de todos os gêneros com a descrição de
cada um, pelo contrário, dada à variedade dos gêneros, virtude das
inesgotáveis atividades humanas, há uma complexidade e uma possibilidade
de alterações e ampliações. Nesse contexto, a escolha de gêneros a serem
priorizados não é adequada e pertinente pela perspectiva dos estudos
bakhtinianos. À medida que as esferas das atividades se desenvolvem e ficam
mais complexas, existem gêneros que desaparecem, gêneros que surgem,
outros se diferenciam e existem aqueles que ainda ganham novo sentido.
Para Bakhtin (2000), os gêneros são meios de apreender a
realidade. Mesmo que uma pessoa domine bem uma língua, sentirá dificuldade
ao participar de uma determinada esfera se não tiver o controle dos gêneros
que essa prática humana requer.
Os gêneros discursivos possibilitam a combinação entre as
formas oral e escrita. Essa relação entre gêneros é a melhor maneira para se
entender a formulação de que a produção da linguagem não está restrita ao
22
plano verbal. A interação que possuímos com o cinema, programas de
televisão e formatos digitais se deve ao conhecimento adquirido por meio da
literatura, diálogos e outros gêneros da esfera secundária. No sentido de que
todo discurso é construído de forma a obter uma resposta, os gêneros
constituem-se em função das necessidades culturais e apresentam-se como
respostas às formações em curso. Assim, quando um diálogo entra para um
texto jornalístico, por exemplo, ele perde sua relação com o contexto da
comunicação primária e ganha lugar no contexto da comunicação escrita.
3 Os adolescentes e a busca pela identidade
Segundo Gracioli (2006), o termo adolescência foi adotado da
psicologia e psicanálise e relaciona essa fase à mudança da personalidade, da
mente e do corpo do ser humano para que este passe à vida adulta. A
juventude é um período vital que caracteriza um conjunto de reações
psicológicas que se ligam às transformações fisiológicas. Já a concepção do
jovem como categoria social é algo mais elaborado, pois recupera aspectos
biológicos e psicológicos situando-os na trajetória da inserção do jovem na
sociedade.
Em seus estudos, Gracioli (2006) mostra que foi entre 1870 e
1900 que o caminho para o descobrimento da juventude foi preparado e
difundida a idéia de que era necessário que os "jovens fossem jovens". Mas foi
somente na metade do século XX que o conceito de adolescência se
democratizou separando os jovens dos adultos. No entanto, esse
descobrimento foi ambíguo, pois, de um lado, houve uma conquista e, de outro,
a revelação de um caráter conflitivo.
Para Gracioli (2006), o desenvolvimento dos meios de
comunicação possibilitou a popularização de uma cultura juvenil global com
uma linguagem diferenciada e universal e uma identidade que superava os
limites da comunidade. No que diz respeito ao âmbito social, houve uma
mudança de usos e costumes que superou o puritanismo dando lugar ao
liberalismo.
23
Segundo Gracioli (2006), a concepção mais precisa de jovem foi
elaborada por Carles Feixa ao afirmar que a condição do jovem se estabelece
pelo tipo de organização social adotada pelo homem e se define como
construção cultural através do contexto e do momento histórico. A juventude é
construída através do social e formulada por circunstâncias econômicas,
sociais e políticas que estão sujeitas a modificações ao longo do tempo. Desse
modo, as relações entre as gerações estão sujeitas a alterações em diferentes
tempos e espaços sociais. A juventude pode ser definida como uma categoria
social e não apenas como uma faixa etária limitada. É um grupo caracterizado
pela diversidade.
De acordo com Papalia (2006), a principal tarefa da adolescência
é o confronto da própria identidade com uma confusão de identidades de
maneira a obter um adulto com um papel valorizado pela sociedade. Os
adolescentes usam outras pessoas como modelo, suas buscas consistem em
utilizar informações anteriores para formar uma nova estrutura. Nessa busca de
identidade, eles almejam afirmar e organizar suas habilidades, necessidades,
interesses e desejos que possam ser transportados para um contexto social. A
intolerância, um marco do ambiente social do jovem, funciona como uma
defesa contra a confusão de identidade.
De acordo com Moran (1992), os meios de comunicação
respondem à sensibilidade dos jovens, pois são dinâmicos, rápidos e capazes
de tocar o sentimento, a afetividade e, por último, a razão. A maior atração se
dá pela mistura das linguagens visual, falada, de movimento, musical e a
escrita em um mesmo contexto, de forma agradável, rápida e sintética. Existe,
também, uma mistura de assuntos e conteúdos como, por exemplo, notícia,
humor, imaginação, lazer, realidade, concreto, abstrato, presente, passado e
futuro. Esses meios se adaptam ao ritmo dos jovens. A ficção e a informação
são transformadas em espetáculos que mexem com os sentimentos e emoções
dos jovens por encontrar alguma resposta ao que esses procuram, mesmo que
de forma inconsciente.
Apesar de todos os problemas e diferenças que os jovens
apresentam em relação à vida, os estudos de Abramo (2005) apontam que
ainda existe um grau de positividade, ou seja, há mais coisas boas do que ruins
24
em ser jovem. Em sua grande maioria, os jovens encontram-se satisfeitos com
sua saúde, aparência física, capacidade de tomar decisões, família, amizades,
relações afetivas, com a maneira que ocupam seu tempo livre e com suas
condições materiais. Dois tópicos são apontados, unanimemente, como os
principais para tornarem a adolescência uma fase positiva: a pouca carga de
responsabilidade e a possibilidade de se divertir mais. No que diz respeito aos
aspectos negativos estão: a convivência com riscos, a falta de liberdade e de
emprego. No que diz respeito ao trabalho, a situação ainda divide os jovens
deixando a maioria insatisfeita.
Segundo estudos de Abramo (2005), para a maioria dos jovens,
enquanto o melhor da juventude é aproveitar a vida, a mesma termina quando
começam as responsabilidades com filhos e família. Não existe, portanto, uma
noção de idade, ou seja, essa fase da vida é definida pela responsabilidade,
quanto menor for, mais se está vivendo a juventude e, quando as
responsabilidades aumentam, é porque a vida adulta está se iniciando.
4 Entrevista: PCN versus teoria bakhtiniana
A revista Atrevida apresenta, com frequência, artigos que
aconselham os adolescentes a enfrentar as dificuldades dessa fase, como os
namoros, as paqueras e desentendimentos familiares, o que configura um
conteúdo temático voltado para os valores sociais desse grupo. Também,
muitas vezes, essas sugestões são seguidas de depoimentos de adolescentes,
com a indicação dos nomes, idade e local, evidenciando, assim, um discurso
veridictório, ou seja, ao apresentar essas referências, o discurso veiculado pela
revista se aproxima da realidade. Os depoimentos apresentam marcas de
oralidade e pressupõem a realização de uma entrevista realizada anteriormente
à produção do artigo.
A seguir, apresentamos o artigo "Eu amo meu ídolo!", veiculado
na edição de setembro de 2008. Segundo Medina (1995), essa forma de
entrevista que temos é chamada de entrevista diálogo, pois se trata de uma
busca em comum. Procura-se uma verdade que pode dizer respeito à pessoa
ou ao problema do entrevistado. A característica mais marcante da entrevista,
25
no âmbito jornalístico, é a segmentação em que o adolescente, por exemplo,
ganha títulos e tratamentos específicos.
26
Figura 1: Eu amo meu ídolo!
Fonte: Atrevida, setembro de 2008, p. 74 ? 76.
27
Figura 2: Desafios à vista!
Fonte: Atrevida, setembro 2008, p. 74 ? 76.
28
No início do artigo, a "chamada" para a matéria já configura a
identidade juvenil:
Quem é realmente apaixonada por um famoso sabe o quanto é barra
sofrer por alguém com quem não se pode ter contato sempre. Além
de tudo, as fãs mais dedicadas ainda têm que agüentar brincadeiras
dos amigos e até dos próprios pais. É o seu caso? Então, saiba como
enfrentar tudo isso numa boa (ATREVIDA, setembro 2008, p. 74).
No discurso do enunciador, podemos perceber fortes marcas da
oralidade através dos termos "barra" e "numa boa" que são utilizados de forma
a obter uma atitude responsiva dos jovens. A interrogação "É o seu caso?"
também contribui para uma identificação, pois se não for o caso pelo qual a
leitora está passando, ela não precisará ler o artigo, mas como essa é uma
fase em que os jovens estão buscando pela formação de sua identidade, é
pouco provável que alguma adolescente não se sinta atraída por essa
"chamada":
[...] E não é a toa que se apaixonar por um famoso é comum na
adolescência. É muito fácil se apaixonar por um ídolo. Como não
conhecemos a pessoa, projetamos nela nossos sonhos e desejos. O
famoso acaba virando o menino ideal [...] (ATREVIDA, setembro
2008, p. 74).
Todas as jovens sofrem ou já sofreram por um amor platônico. Os
temas são todos elaborados a partir de algo em comum entre os jovens a fim
de se obter o resultado esperado: as vendas da revista. Na fase de
descobertas, o amor é uma delas e, para suprir essa necessidade, muitas
meninas acabam procurando dar esse sentimento a pessoas em que existe
uma possibilidade muito remota de dar certo. Mas à medida que vão crescendo
e amadurecendo, sentem necessidade de receber esse amor também e é
nesse ponto que o ídolo é trocado por meninos comuns.
Os depoimentos das garotas dão um aspecto mais verídico ao
artigo, pois estão expondo seus sentimentos, ou seja, qualquer pessoa pode
desenvolver esse tipo de sentimento por um artista. Por meio desses
depoimentos também podemos verificar as vozes sociais que configuram o
artigo, são jovens entre 14 e 16 anos de idade que possuem uma classe social
que lhes permite viajar e comprar vários objetos relacionados a seu ídolo e que
buscam qualquer tipo de informação sobre ele, por isso são atentas aos meios
29
de comunicação, principalmente internet, que lhes proporcionam maiores
informações.
"Sei que parece infantil amar alguém que eu nunca vi, mas não
simplesmente ignorar o que sinto". A frase, da Lahana Cristo, de 14
anos, bem poderia estar na boca de milhares de adolescentes. Há
dois anos ela dedica boa parte dos seus dias ao baixista Bryan
Donahue, da banda Boys Like Girls [...] (ATREVIDA, setembro 2008,
p. 74).
"Entro no fotolog do Tavares todos os dias. Adoro as coisas que ele
escreve! Ele é o cara ideal! Para me atrair, o menino precisa ser
parecido com ele". Parece que Luíse Ribeiro Macedo, de 16 anos já
está em outro estágio daquele amor platônico [...] (ATREVIDA,
setembro 2008, p. 75).
"Sou viciada em Catch Side. Passo boa parte do meu tempo
pesquisando sobre o grupo e baixando vídeos. Minhas amigas ficam
arretadas comigo porque eu só sei falar do Kaká, vocalista da banda.
Mas o que eu posso fazer?" o que mais incomoda Mariana Matos
Gonçalves, de 14 anos, não é nem o fato de que sua paixão não seja
correspondida [...] (ATREVIDA, setembro 2008, p. 75).
"Faço as maiores loucuras pelos meus ídolos! Já assisti a mais de 20
shows do COM, largo tudo, pego ônibus e vou! Uma vez, entreguei
uma prova correndo e viajei duas horas para chegar a tempo de ver o
finzinho de uma apresentação". Gabriela Raabe, de 16 anos, não
mede esforços quando o objetivo é chegar mais perto da sua banda
preferida [...] (ATREVIDA, setembro 2008, p. 76).
Os depoimentos são marcados por aspas, isso mostra que é a
fala de outra pessoa que não a do enunciador, ou seja, a fala das pessoas
entrevistadas para a produção da matéria. Percebemos marcas da oralidade
como, por exemplo, "arretadas" que, além de representar um gíria também
serve de marcação regional, pois essa palavra é usada somente em algumas
regiões do Brasil. A veracidade do artigo é obtida através dos nomes e da
idade das garotas logo após o depoimento: "Gabriela Raabe, de 16 anos".
Esses depoimentos são comentados por uma psicoterapeuta o que funciona
como uma solução, dada por uma profissional, para os problemas das leitoras.
O discurso da psicoterapeuta é um discurso de autoridade, pois se trata de
uma pessoa cuja voz tem autoridade, inclusive profissional, para discutir esses
problemas.
Segundo Medina (1995), no contexto dos estudos jornalísticos, a
entrevista funciona como interação social e quebra de isolamentos grupais,
30
individuais e sociais. Serve também como pluralizadora de vozes e como uma
distribuição democrática da informação, seu fim é o inter-relacionamento
humano. Os participantes da entrevista se interagem, modificam, revelam,
crescem no conhecimento do mundo e deles próprios. Nesse discurso
veiculado na revista, por exemplo, é possível verificar que o enunciador, em
seu intuito discursivo de se aproximar dos valores sociais dos jovens, expõe
atitudes, medos e inseguranças das adolescentes em relação aos namoros e
"ficadas". Configura-se, assim, a identidade dos adolescentes enunciada por
uma revista que expõe a voz juvenil para obter a aceitação desse grupo social.
Conclusão
Os PCN entendem que se deve trabalhar os gêneros do discurso
e sugerem alguns como os jornalísticos. Eles citam a entrevista como um texto
possível para se trabalhar em sala de aula, mas propõem as modalidades
escrita e oral separadamente.
Ao refletir sobre o diálogo como forma de comunicação, Bakhtin
(2000) valorizou esferas da linguagem que não estão nos limites de um único
meio. Assim, os gêneros discursivos são realizações das interações produzidas
na esfera da comunicação verbal e, por essa perspectiva, há de se levar em
consideração os valores sociais dos sujeitos da comunicação, o que evidencia
uma concepção de linguagem e sua relação com o social, diferentemente dos
PCN que tratam o estudo dos gêneros de maneira escolarizada, ou seja, como
uma classificação, muitas vezes, voltadas para a leitura e a escrita por meio de
modelos.
Também, pela análise feita, verificamos que a oralidade e a
escrita podem ocorrer lado a lado dentro de um mesmo texto. Isso se
comprova pelo conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo que,
criados de forma a atender a demanda de um determinado grupo social,
funcionam para a constituição de um gênero, no caso artigos de revistas
destinadas a adolescentes. Revela-se, desse modo, a identidade desses
jovens, ou seja, seus valores sociais, suas inseguranças, desejos e suas ações
numa época em que as relações amorosas são marcadas pela efemeridade e
31
pelas sensações prazerosas e momentâneas que o contato físico pode
proporcionar.
Gêneros, escolhas verbo-visuais, intenções comunicativas, entre
outros fatores, tudo está inter-relacionado. Portanto, a exclusão ou omissão de
um desses fatores, como, em alguns momentos, apresentam os PCN,
descaracteriza as reflexões bakhtinianas.
32
Referências
ABRAMO, Helena Wendel; BRANCO, Pedro Paulo Martoni (Orgs.). Retratos da
juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2005.
ATREVIDA. São Paulo, n. 169, setembro 2008.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina
Galvão; revisão de tradução de Mariana Appenzeller. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
______. Marxismo e filosofia da linguagem. 10. ed. São Paulo: Annablume,
2002.
BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin: conceitos-chave. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
______. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006.
BRASIL. Secretaria de Educação do Ensino Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática,
2006.
GOMES, Mayra Rodrigues. Jornalismo e ciências da linguagem. São Paulo:
Edusp, 2000.
GRACIOLI, Maria Madalena. A concepção subvertida de futuro dos jovens: a
trajetória pelo ensino médio. 2006, 262 f. (Tese em Sociologia). Universidade
Estadual Paulista, Araraquara, 2006.
MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista: o diálogo possível. 3. ed. São Paulo:
Ática, 1995.
MORAN, José Manuel. Os jovens e as novas linguagens eletrônicas.
In:______. DIDONÉ, Iraci Maria; SOARES, Ismar de Oliveira (Orgs.). o jovem e
a comunicação. São Paulo: Loyola, 1992.
PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally Wendkos; FELDMAN, Ruth Duskin (Orgs.).
Desenvolvimento humano. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 2000.