OBSERVAÇÃO DO COTIDIANO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR PARA O ENSINO DE BIOLOGIA

Por KATIANE BESSA | 16/02/2017 | Educação

Katiane Bessa Costa


Resumo

Este trabalho é um relato das experiências vivenciadas durante o período de Observação do Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em Biologia. Tem por objetivo relatar alguns acontecimentos durante as observações realizadas nas turma 1ª,2ª e 3ª sériesdo Ensino Médio de uma Escola Estadual do município de Cruz das Almas- Bahia. Discuto sobre o comportamento dos alunos, a atuação e o discurso da professora. A observação docente é fundamental para a formação do professor e, por isso, o ato de observar deve estender-se por toda a vida do professor que, ao verificar, no seu dia-a-dia, a não efetivação da aprendizagem por parte dos alunos, deve rever e reelaborar sua prática, visando sempre uma aprendizagem que tenha significação para o aluno.

O estágio constitui-se um momento imprescindível na formação docente. Percebê-lo como uma oportunidade que está para além de um componente curricular dos cursos de formação docente, é apropriar-se da ideia de um campo de conhecimento próprio e um momento de investigação e reflexão sobre a realidade das escolas, dos professores, dos alunos e da sociedade na qual estão inseridos É ser capaz de compreender a colaboração que se pretende na formação de futuros educadores.

Desta maneira, vejo a grande importância e necessidade de efetuação do estágio curricular supervisionado, pois possibilita a compreensão e análise de seu campo de ação, podendo desta forma agir de maneira mais crítica e transformadora.

As turmas observadas foram as 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio, no Colégio Estadual Landulfo Alves de Almeida na cidade de Cruz das Almas, Bahia. Os dias de observação foram as segundas e terças-feiras, nos horários de 14: 40h as 17:30h e 13:00h as 17:30h, respectivamente. A seguir relatarei os fatos presenciados, tais como,  os comportamentos dos alunos, as atitudes da professora, a abordagem pedagógica e os conteúdos ensinados por ela.

Este momento favoreceu na constatação da importância de uma prática docente voltada para a aplicação de aulas mais motivadoras e a necessidade de se ter um manuseio dos recursos, a partir de objetivos previamente elaborados. 

  • O Período de Observação em sala de aula

A observação é o momento que permite ao acadêmico o contato com a sala de aula e permite a obtenção de dados para uma posterior avaliação que implicará na definição do seu perfil de futuro educador. O período de observação durante o Estágio Supervisionado oferece aos acadêmicos momentos de reflexões que certamente determinarão a construção de sua prática, ou seja, de seu comportamento como futuro professor. Para quem já exerce a função de professor, esta prática favorece ao aprimoramento de sua percepção do ambiente escolar.

As discussões apresentadas partiram das observações realizadas durante a Observação do Estágio Supervisionado de Licenciatura em Biologia, realizada em uma escola Estadual do município de Cruz das Almas, Bahia, no período de 24 de março de 2015 a 05 de maio de 2015. As observações aconteceram Ensino Médio com as turmas de 1ª, 2ª e 3ª séries do período vespertino.

2.1- Recursos e estratégias didáticas nas aulas de Biologia

A primeira turma observada foi a 3ª série (C) do Ensino Médio, composta por 26 alunos, entretanto, só estavam presentes 16 alunos. A docente afirmou que, por enquanto, somente esses teriam comparecido, pois esta ação é comum na realidade da instituição nas primeiras semanas de aula.

Para esta aula foi usado o Datashow, necessário para a apresentação dos seminários que foram propostos pela professora, logo nos primeiros dias de aula. A turma foi convidada para ir ao laboratório de informática da instituição. Neste ambiente foi possível observar que o uso do espaço é destinado apenas ao Datashow, apesar de conter computadores e um espaço que funcionaria uma Rádio Comunitária do colégio, com equipamentos como: mesa de som, caixas de som e notebook. Apesar das possibilidades de propostas diferenciadas, o que foi percebido é que a maioria dos computadores está quebrada e a cabine da Rádio está sendo usada para depósito de materiais.

A implementação de laboratórios de informática na escola pública é parte de uma política de financiamento da Educação do governo federal viabilizada pelo Ministério da Educação (MEC) por meio do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (Proinfo). Esse Programa busca universalizar o uso da tecnologia a partir da capacitação de recursos humanos e de instalação de equipamentos nas escolas, assegurando-se as exigências de infraestrutura física e de suporte técnico como contrapartida dos sistemas de ensino federal, estadual e municipal (BRASIL, 1997).

Segundo Valente (1999 apud Carvalho e Monteiro, 2012), as ações visando à implementação das tecnologias nas escolas requerem uma mudança de paradigmas, da atividade educacional tradicional centrada apenas no ensino para uma atividade centrada no processo de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, não basta implantar um laboratório de informática ou mesmo distribuir computadores, é preciso que os mecanismos subjacentes a esse modelo educacional sejam compreendidos e pensados para que os laboratórios de informática não sejam subutilizados ou mesmo transformados em mera peça decorativa nas escolas. No caso do colégio observado, o espaço é usado para apresentação de trabalhos com uso do Datashow.

Neste ambiente, após a montagem do equipamento, os alunos foram convidados a expor sua pesquisa concernente ao conteúdo Sistema Urinário.  De três equipes que ficaram responsáveis para apresentar, apenas uma havia preparado os slides. No momento da apresentação foi percebido o despreparo no domínio do conteúdo. Apenas leram os slides. A professora incentivava realizando algumas perguntas, mas não obtinha respostas condizentes.

Após a apresentação da equipe, a professora utilizou os slides trazidos pelo grupo e retomou a explicação do Sistema Urinário fazendo referência ao Sistema Digestório e a ingestão de líquidos. Discorreu sobre todos os processos da digestão usando os termos apropriados, mas a reação dos discentes era de incômodo diante do que era exposto. Deu-se a entender que eles não sabiam o assunto, ou que faltava base para associação dos sistemas apresentados em conjunto. A professora fez menção de que o que ela falava era apenas uma recapitulação do que eles já haviam visto nas aulas passadas. E sobre o Sistema Urinário, que era o conteúdo do dia, foi evidenciado apenas os órgãos e suas funções básicas. Os termos presentes nos slides como “Filtração, Glomérulos, Néfrons, Absorção, Secreção, Plasma, Artéria, Veia” não foram explanados.

O momento que eles mais interagiram foi quando se abordou sobre a importância de beber água nos horários antes das refeições. A professora percebendo a empolgação da turma concedeu informações referentes ao cotidiano. Mencionou o mal causado pelo uso de refrigerantes e da ingestão de líquidos durante as refeições. No final da aula uma aluna dirigiu-se e pediu que a professora informasse a sua irmã sobre as consequências da ingestão incorreta de líquidos, pois a mesma não acreditava nela quando falava. A professora não conhecia a irmã da aluna, por isso disse que isso não seria possível.

Embora algumas situações, aparentemente superficiais sobre os conceitos apresentados, esta abordagem referente aos hábitos cotidianos surtiu um efeito, pois houve um resgate do contexto. Os autores Rodrigues e Amaral (1996 apud Kato e Kawasaki, 2011), afirmam que, contextualizar o ensino significa trazer a própria realidade do aluno, não apenas como ponto de partida para o processo de ensino e aprendizagem, mas como o próprio contexto de ensino. 

A segunda turma observada foi a 1ª série (E) do Ensino Médio. Composta por 28 alunos, mas que, só estavam presentes 14.  As aulas seguintes se mantiveram no mesmo espaço (Laboratório de informática). A professora cumprimentou a turma e recapitulou o tema do assunto que estava sendo trabalhado nas primeiras aulas: Conhecimento empírico X Conhecimento científico. Em seguida, convidou a turma a assistir o filme “O elo perdido” do autor Régis Wargnier.

Demorou-se muito tempo na tentativa de usar o programa do computador para traduzir a legenda. Foi necessária a intervenção do técnico para o manuseio do mesmo e, então, depois de 10 minutos começaram a assistir o filme. A aula terminou e o filme ainda não havia acabado. A professora não fez nenhuma inferência e os alunos saíram no momento exato que a aula havia encerrado. Nenhuma atividade de casa foi proposta. Nenhum comentário foi feito.

Usar filmes nas aulas é um fator importante, pois o filme em sala de aula pode tornar as aulas dinâmicas e o cotidiano escolar passa a ser menos cansativo para professores e alunos. Outro ponto importante é que filmes tornam os alunos mais interessados, pelo fato de a aula “fugir” do comum, mas sempre relacionada ao conteúdo programático da disciplina. Conforme afirma Viana (2010)

[...] os filmes devem ser escolhidos pela articulação dos conteúdos e conceitos (a serem) trabalhados (ou já trabalhados) tendo-se em mente o conjunto de objetivos e metas a serem atingidas na disciplina. Por isso, certamente não serão encontrados filmes próprios para todos os conteúdos, tendo de haver conexão do conteúdo do filme a ser trabalhado com a disciplina lecionada.

 

            Portanto, a utilização dos filmes tem que ter um objetivo claro do que se quer propor. Um aspecto positivo seria a edição do filme para ser compatível com o horário de aula, sendo propício às contribuições do docente para elencar as relevâncias que deverão ser atentadas.

            A terceira turma a ser observada neste mesmo dia foi a 2ª série do Ensino médio. Composta por 25 alunos, estando presentes apenas12. Este era o último horário de aula e muitos, dentre os que estavam presentes nas demais aulas do dia, já haviam ido embora durante o intervalo.

            O conteúdo apresentado era a Reprodução dos Seres Vivos. A professora passou um vídeo de 15 minutos e enquanto os alunos  assistiam,  ela vistoriava a atividade de casa nos cadernos. Quando o vídeo acabou, os mesmos pediram para serem liberados e a professora os liberou sem ter retomado nenhum dos conceitos apresentados no vídeo.

            O autor Moran (1995) relaciona algumas importantes ações a serem tomadas durante e após a exibição de um vídeo. É sugerido que os alunos anotem as cenas mais importantes, se for necessário, pausar para realização de comentários ou indagações. Observar as reações do grupo. Depois da exibição, é cabível rever as cenas mais importantes ou difíceis de compreensão. Se o vídeo é complexo, exibi-lo uma segunda vez, chamando a atenção para determinadas cenas, diálogos, situações. Passar quadro a quadro as imagens mais significativas. Observar o som, a música, os efeitos, as frases mais importantes. Proponho alguns caminhos - entre muitos possíveis - para a análise do vídeo em classe.

            Portanto, considera-se que, para o uso de tecnologias na sala de aula, torna-se imprescindível que o docente tenha objetivos relevantes e explícitos. Pois, o uso pelo uso, não surte resultados positivos esperados na aprendizagem.

2.2- Alunos motivados. É possível?

Na turma do 1° E, na semana anterior a professora havia proposto assistirem o filme o Elo Perdido em classe, como não havia dado tempo completar, a professora fez um relato oral do restante do filme para a turma e foi retomando os conceitos de conhecimento empírico e científico. Enquanto relatava, intercalava com anotações no quadro para que transcrevessem.

Nenhum dos alunos havia assistido ao filme em casa como havia sido sugerido pela professora. Enquanto a professora falava um dos alunos balbuciou para um colega: “Eu não vou escrever nada, pois ela tá falando inglês pra mim.” Tal estratégia não despertou o interesse da turma. Ele prestaram mais atenção durante o filme. Uma grande oportunidade de construção do saber se daria se houvesse explorado tal momento de concentração e interesse. Ao menos era o que se deduzia.

Após terem copiado no caderno o que foi escrito no quadro, a professora  introduziu o tema sobre a Origem do universo. Faz uma crítica concernente ao fato de que o livro didático só se remete a teoria evolucionista sem mencionar a teoria criacionista. Ela defende a ideia de que essas teorias eram pra ser apresentadas, pois são hipóteses. Como a aula estava findando foi solicitado uma pesquisa sobre essas teorias e que eles obtivessem as próprias conclusões nos seus estudos.

O que fazer para motivar os alunos? Essa foi a indagação que me fiz ao ver o esforço da professora em trazer uma atividade diferente e que não pode ser usufruída. Acredito que esta pergunta caberia a todo professor diante do desafio de atrair a atenção dos alunos. E o que esses alunos esperam de um local da aprendizagem? O que pensam? Essas são indagações que vagueiam durante as observações.

Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional na Unicamp, cita em uma entrevista feita pela Revista Nova Escola que para se ter alunos motivados e interessados é preciso ter em mente que, as características do ambiente interferem muito no processo. O principal, segundo ela, é que o professor seja um exemplo de indivíduo que gosta daquilo que faz. Também é importante que os estudantes se sintam acolhidos e valorizados, nunca desmerecidos nas dificuldades. Sugere que vale se esforçar para envolver os alunos no projeto da disciplina, selecionando conteúdos que façam sentido para eles e sejam desafiadores. O excesso de aulas expositivas acaba desmotivando a turma.

Na turma da 3ª série C, os seminários estavam em andamento. Dessa vez, com o tema Sistema Nervoso. A equipe levou um cérebro bovino para tentar enriquecer o seminário. Apresentaram, timidamente, o que sabiam usando um cartaz. Mas, nada evidenciaram sobre o cérebro. Ele ficou exposto sobre a mesa da professora e nenhuma referência foi dada a ele. Nesse momento, esperei a intencionalidade da professora em incitá-los a analisarem aquela amostra, mas nada aconteceu. Ela se manteve sentada e após a apresentação da equipe, avaliou a postura, o conteúdo, a entonação e a estética do cartaz. Não retomou aos conceitos, nem explorou aquele momento. Infelizmente, o material por si só não é o bastante, a mediação do professor faz toda diferença na utilização de qualquer elemento que é promissor à aprendizagem.

Após as criticas feitas pela professora, a equipe ficou entristecida, pois haviam pensado que seriam elogiados pela iniciativa. Um aluno expressou-se da seguinte maneira: “Esse cérebro que a gente trouxe custou R$ 5,00. Isso não conta?” Nesse momento a professora respondeu que eles deveriam ter usado mais durante a apresentação deles. Essa aula se resumiu no aprendizado de técnicas e posturas diante do público e o conteúdo (Sistema Nervoso) ficou em segundo plano.

2.3-  Adolescentes grávidas na escola

            Durante as observações, foi perceptível na realidade escolar no turno vespertino a presença de seis adolescentes grávidas no Ensino Médio. Fora àquelas que estavam de licença maternidade. Esse fator, infelizmente, tem sido comum nas escolas.

Vale ressaltar que, independente de ter se tornado algo comum de se vê atualmente, o tema gravidez na adolescência precisa ser tratado. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), na parte de Orientação Sexual, deve-se levar em consideração a sexualidade como algo essencial à vida e ao bem-estar da pessoa, e a temática deve ser trabalhada pelos profissionais relacionando o direito ao prazer com a responsabilidade que é necessária (BRASIL, 2000).

            Diante disso, percebeu-se a necessidade de um projeto que seja voltado a orientação sexual, sendo de muita importância para evidenciar esse tema que tem estado explícito nos corredores dessa escola, onde adolescentes grávidas transitam.

Ao tratar do tema Orientação Sexual, busca-se considerar a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, que se expressa desde cedo no ser humano. Engloba o papel social do homem e da mulher, o respeito por si e pelo outro, as discriminações e os estereótipos atribuídos e vivenciados em seus relacionamentos, o avanço da AIDS e da gravidez indesejada na adolescência, entre outros, que são problemas atuais e preocupantes (BRASIL, 2000, p. 73).

 

Os PCN’s ainda fazem menção à postura dos professores. Eles devem estabelecer a confiabilidade entre as partes e os profissionais devem se despir de qualquer tipo de preconceito para se manterem atualizados, promovendo nos educandos o bem estar, conscientizando-os sobre os cuidados com o corpo. 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao /const/con1988/CON1988_04.06.1997/art_207_.shtm. Acesso em 24 de março de 2015.

_________ Parâmetros curriculares nacionais: orientação sexual. Ministério da Educação / Secretaria da Educação Fundamental, Brasília: 2000.

CARVALHO. Liliane Maria Teixeira Lima de, MONTEIRO. Carlos Eduardo Ferreira. Reflexões sobre implementação e uso de laboratórios de informática na Escola Pública. Roteiro, Joaçaba, v. 37, n. 2, p. 343-360, jul./dez. 2012.

KATO, Danilo Seithi ; KAWSAKI, Clarice Sumi. As concepções de contextualização do ensino em documentos curriculares oficiais e de professores de ciências. Ciênc. educ. vol.17 no.1 Bauru,  2011. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151673132011000100003. Acesso em 25 de março de 2015.

MORAN, José Manuel. O Vídeo na Sala de Aula. Artigo publicado na revista Comunicação & Educação. São Paulo, ECA-Ed. Moderna, [2]: 27 a 35, jan./abr. de 1995.Disponível em: http://extensao.fecap.br/artigoteca/Art_015.pdf. Acesso em 26 de março de 2015

VIANA, M. C. V., O Cinema na Sala de Aula e a Formação de Professores de Matemática. Minicurso oferecido aos alunos do Curso de Matemática na UFRRJ. Dia de Atividades Acadêmico-Científico-Culturais.18 de maio de 2010. Seropédica- RJ.

Entrevista com Telma Vinha Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/qual-melhor-maneira-motivar-alunos-629507.shtml. Acesso 20 de abril de 2015